Trânsito

Parecer: Responsabilidade pela Infração Prevista no Art.167 do Código de Trânsito Brasileiro

 

 

I – O PROBLEMA

 

                                               A situação ora em discussão versa sobre os problemas que têm sido enfrentados por condutores, especialmente de veículos de transporte coletivo (ônibus e microônibus), que correm o risco de serem autuados por desobediência ao Art. 167 do Código de Trânsito Brasileiro, quando os passageiros desses veículos não estejam utilizando o cinto de segurança.

                                               Diversas são as barreiras que esses condutores teriam que superar para impor aos passageiros o uso do cinto de segurança com o objetivo de não serem penalizados pelo não atendimento à obrigação, dentre as quais podemos elencar;

 

I.a) Falta de Autoridade

 

                                               O condutor do coletivo não é uma Autoridade de Trânsito nem um Agente da Autoridade de Trânsito para transmitir ordens aos passageiros, cujo desatendimento caberia autuação pelo Art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, por desobedecer ordem emanada pela Autoridade ou seus Agentes, tampouco é funcionário público para o qual poder-se-ia em última análise recorrer ao Art. 330 do Código Penal, que é o crime de desobediência.

 

                                               Ao contrário de um Comandante de Aeronave em vôo, que é a Autoridade Máxima naquele momento, que popularmente pode-se dizer que tem poder para ‘mandar prender e mandar soltar’, o condutor do coletivo é um cidadão comum, que no máximo pode fazer a solicitação, o pedido ou ainda a súplica, para que os passageiros utilizem o cinto para sua própria segurança, porém o não atendimento não acarreta conseqüências aos passageiros (salvo quando têm sua incolumidade física e a própria vida comprometidas num acidente), suportando sozinho a irresponsabilidade dos passageiros quando de uma abordagem e fiscalização de trânsito.

 

I.b) Atenção no Trânsito

 

                                               O condutor de qualquer veículo deve estar com sua atenção sempre voltada ao trânsito.  No caso dos condutores de coletivos a responsabilidade pelo deslocamento é multiplicada, e ele não tem a menor condição de a todo momento ficar verificando se os passageiros estão usando o cinto de segurança, e muito menos ficar interrompendo o deslocamento para solicitar ou suplicar o uso, até pela falta de autoridade para isso.

 

I.c) Constrangimentos e Conflitos

 

                                               A insistência de um condutor para que os passageiros utilizem o cinto em coletivos pode causar constrangimentos e conflitos.  Esses constrangimentos e conflitos podem ocorrer tanto antes quanto após uma fiscalização de trânsito, pois no primeiro caso é o condutor que tende a ser tachado de chato, e no segundo pode criar uma revolta entre o condutor e o passageiro que causou sua autuação, que pode comprometer até seu trabalho.

 

 

 

 

II – LEGISLAÇÃO

 

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

                    Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN

        Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:

        Infração – grave;

        Penalidade – multa;

        Medida administrativa – retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.

 

        Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código.

 

 

 

RESOLUÇÃO N° 248  DE  27  DE   AGOSTO  DE  2007

 

Dispõe sobre a autuação, notificação e aplicação de penalidades nos casos de infrações cometidas por pessoas físicas ou jurídicas sem a utilização de veículos, expressamente mencionadas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e estabelece as informações mínimas que deverão constar do Auto de Infração específico.

 

 

 

PORTARIA Nº 59 DE 25 OUTUBRO DE 2007 – DENATRAN

ANEXO IV

TABELA DE ENQUADRAMENTOS

Tabela de Codificação de Multas

 

 

518-5 1 Deixar o condutor de usar o cinto segurança  167  Condutor  5 –  Grave EST/MUNIC/RODOV

 

518-5 2 Deixar o passageiro de usar o cinto segurança  167  Condutor  5 – Grave EST/MUNIC/RODOV

 

( TODOS OS GRIFOS, NEGRITOS E DESTAQUES SÃO NOSSOS)

 

 

II. a) Comentários à Legislação Aplicável

 

                                               Verifica-se inicialmente que o Art. 65 do Código de Trânsito Brasileiro faz uma clara distinção entre a obrigação imposta ao condutor de usar o cinto, da obrigação dos passageiros em usarem o cinto de segurança.  Esse dispositivo ainda delega ao CONTRAN a possibilidade de estabelecer exceções a essa regra, que podemos exemplificar com a não exigência do uso do equipamento em trechos que seja permitido o transporte em pé, pois nesse caso o dispositivo sequer é equipamento obrigatório, conforme Resolução 14/98 do CONTRAN, em seu Art. 2º, inc. IV, alínea ‘c’, e não sendo equipamento obrigatório não há que se falar em uso obrigatório de dispositivo que não é considerado equipamento obrigatório nos termos do Art. 105 do Código de Trânsito.

                                               Enquanto o Art. 65 do CTB estabelece a obrigação do uso do cinto de tanto para o condutor quanto para os passageiros de forma aditiva (pela conjunção aditiva ‘e’), o Art. 167 da mesma Lei, que tipifica a infração, dá o tratamento de forma distinta ao condutor e aos passageiros através da conjunção alternativa ‘ou’, o que culminou com a criação de distintos códigos de infração na Portaria 59/07 do DENATRAN – 518-5.1 e 518-5.2 .

 

 

 

 

                                               O Art. 167 do CTB corrobora ainda mais com a tese da distinção da responsabilidade pela infração entre condutor e passageiros quando a Medida Administrativa da Retenção deve ocorrer até a colocação do cinto pelo INFRATOR.

 

                                               Convém esclarecer que a Portaria 59/07 do DENATRAN, dentre outras finalidades, uma delas foi a do ANEXO IV de estabelecer distintos códigos de infração quando um mesmo dispositivo estabelece ações distintas, estabelecer a responsabilidade pela infração (condutor ou proprietário), e ainda a competência da autoridade da via (municipal, estadual ou rodoviária).

 

                                               A Resolução 248/07 do CONTRAN teve a finalidade de disciplinar o processo de penalização para pessoal físicas e jurídicas expressamente mencionadas na Lei, e que não sejam o proprietário, o condutor, o transportador ou o embarcador.    A referida Resolução pecou ao ir além do disposto no Art. 257 do CTB, e cuja ementa inovou com a expressão SEM A UTILIZAÇÃO DE VEÍCULOS, indo além do estabelecido em Lei, pois seus princípios seriam plenamente aplicáveis aos passageiros que não utilizam cinto de segurança, ou que atiram objetos do veículo (Art. 172 do CTB).

 

                                               A Resolução 248 do CONTRAN também traz tabelas semelhantes à da Portaria 59/07 do DENATRAN, e tanto poderia ter sido tratado o caso dos passageiros que não utilizam cinto de segurança pela Resolução 248, por serem pessoas físicas expressamente mencionadas na Lei, quanto na Portaria 59 ao estabelecer para o passageiro a responsabilidade pela infração.

 

 

 

 

III – EQUIPAMENTO OBRIGATÓRIO x USO OBRIGATÓRIO DO EQUIPAMENTO

 

                                                Em face do comentário que fizemos acima, sobre o Art. 105 do Código de Trânsito e Resolução 14/98 do CONTRAN, que tratam dos equipamentos obrigatórios dos veículos, há uma distinção que merece ser feita com relação aos equipamentos obrigatórios do veículo, e dos equipamentos de uso obrigatório.  Num primeiro momento podem parecer a mesma coisa, e é sobre essa diferença que passaremos a discorrer.

 

                                                Os equipamentos obrigatórios dos veículos são aqueles relacionados no Art. 105 do Código de Trânsito e na Res. 14/98 do CONTRAN.  São os equipamentos que os veículos, conforme suas características,  necessariamente devem não apenas possuir, mas também devem estar em funcionamento e ser eficiente, sob pena do cometimento da infração prevista no Art. 230, IX do Código de Trânsito Brasileiro.  Assim, não basta que o veículo possua velocímetro, por exemplo, mas ele deve estar em funcionamento.  Da mesma maneira não basta que o veículo possua o equipamento obrigatório se este não estiver de acordo com os critérios estabelecidos pelo CONTRAN, e nesse caso a infração é do mesmo Art. 230, em seu inciso X, como por exemplo faróis que não sejam das cores branca ou amarela.  Ambas infrações de natureza grave e de responsabilidade do proprietário do veículo.

 

                                                Dos equipamentos obrigatórios, nem todos são de uso obrigatório, e alguns somente em determinadas situações.  Os pneus por exemplo, não vislumbramos forma de deslocamento com o veículo que não seja através da utilização dos pneus, que são equipamentos obrigatórios em boas condições.  Na verdade esse exemplo é de  uma obrigatoriedade física e não legal como é o caso do cinto de segurança, que além de ser equipamento obrigatório seu uso, por imposição legal, é também obrigatório, em qualquer circunstância de deslocamento do veículo.  O limpador de pára-brisa é equipamento obrigatório do veículo e é de uso obrigatório sob chuva (Art. 230, XIX), enquanto o lavador de pára-brisa não é de uso obrigatório nem quando o pára-brisa estiver sujo.

 

                                                Os espelhos retrovisores merecem atenção à parte, pois são equipamentos obrigatórios mas ninguém precisa utilizá-los obrigatoriamente, podendo realizar manobras de marcha ré ou mesmo deslocamentos laterais contorcendo-se no assento, ou ainda usá-lo para ajeitar o cabelo (que não é nosso caso devido à escassez), que não haverá autuação.   Quanto ao uso dos equipamentos, quando é obrigatório por imposição legal (e não física como o caso do pneu), a responsabilidade pela infração é do condutor do veículo.

 

IV – CONCLUSÕES E SOLUÇÕES

 

                                               Diante do que foi exposto é fácil concluir que a interpretação da aplicação do Art. 167 do Código de Trânsito Brasileiro, quando a infração é cometida pelos passageiros, traz uma série de conseqüências injustas ao condutor do veículo, que sofre as conseqüências de ser qualificado como INFRATOR de uma infração que não foi cometida por ele, que fica vulnerável ao não atendimento de pedido para uso do dispositivo por não ter autoridade para tal determinação, e por conseqüência o não atendimento a esse pedido não é considerada desobediência, nem criminal nem administrativa, além dos conflitos decorrentes dessa relação.

 

                                               Como soluções podemos apontar as seguintes:

 

a)    A Resolução 248 do CONTRAN poderia subtrair de sua ementa e considerações que sua aplicabilidade se dá apenas quando não há utilização de veículo, até para estar em consonância com o Art. 257 do CTB que não impõe essa seleção, e acrescentar em seu texto as situações em que as infrações são cometidas por passageiros.  Essa solução resguarda também o proprietário do veículo, pois a mencionada Resolução não impõe que o débito pecuniário (MULTA) fique vinculada a um registro de veículo, pois busca atingir diretamente o infrator de forma independente de um veículo como referencial;

 

 

b)    A Portaria 59/07 do DENATRAN manteria a distinção dos códigos das ações previstas no Art. 167 do CTB, quando cometidas por condutor e passageiros, porém a responsabilidade por essa segunda seria imputada ao passageiro, nesse caso o INFRATOR.  Nessa solução a penalidade pecuniária continuaria vinculada ao registro do veículo no qual houve a constatação da infração, impondo a responsabilidade pecuniária ao proprietário, mas não responsabilizando o condutor.  O proprietário, sendo pessoa física (eventualmente o próprio condutor) também não seria pontuado porque a responsabilidade não seria nem do condutor nem do proprietário.  Possibilitaria eventual regresso financeiro contra aquele passageiro que deu causa à autuação.

 

 

É A NOSSA ANÁLISE.

 

 

Marcelo José Araújo

OAB/PR 21.557

 

* Advogado Graduado pela Universidade Federal do Paraná. Curso de Especialização em Trânsito pela PUC/PR. Curso de Especialização em Direito Contemporâneo pelo IBEJ. Assessor Jurídico do Conselho Estadual de Trânsito do Paraná. Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do CONTRAN  2001/2002 e 2003/2004. Professor de Direito de Trânsito da Faculdade de Direito de Curitiba. Professor do Curso de Especialização em Trânsito da PUC/PR. Autor do livro: “Trânsito – Questões Controvertidas” – Ed. Juruá. Articulista semanal de vários jornais sobre questões de trânsito. Instrutor da Polícia Rodoviária Federal – Leg. Trânsito para Instrutores. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Vulto Emérito de Curitiba/PR por serviços em favor do Trânsito. Medalha Coronel Sarmento da Polícia Militar/PR, maior homenagem da corporação

 

Como citar e referenciar este artigo:
ARAÚJO, Marcelo José. Parecer: Responsabilidade pela Infração Prevista no Art.167 do Código de Trânsito Brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/transito-colunas/parecer-responsabilidade-pela-infracao-prevista-no-art167-do-codigo-de-transito-brasileiro/ Acesso em: 25 jun. 2025
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