Pitacos de um Advogado Rabugento

Um Governador absolvido por minoria de votos

rara

Bruno de Oliveira Carreirão*

Na última sexta-feira, dia 7 de maio de 2021, o Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva, foi absolvido do processo de impeachment, de cuja denúncia fui um dos autores. Por razões estratégicas, durante o curso do processo, optei por não abordar o assunto aqui na coluna. Agora, após o encerramento, chegou a hora de tratar do tema pelo viés rabugento que me é peculiar.

A acusação era de crime de responsabilidade pela omissão do Governador diante da compra fraudulenta de 200 respiradores – que ficaram conhecidos como “respiradores fantasmas”, porque não foram entregues – adquiridos, por R$ 33 milhões, com pagamento antecipado, da empresa Veigamed – uma empresa de fachada, que não tinha mínimas condições de fornecer o equipamento e cuja sede supostamente estava localizada em um endereço em Macaé/RJ, no qual, na realidade, há uma “casa de massagens”[1].

As fraudes no processo de compra foram inúmeras: inautenticidade das propostas comerciais colacionadas na cotação de preços, falta de informações mínimas básicas a respeito das empresas proponentes, inconsistências na proposta da empresa contratada, certificação inverídica do recebimento da mercadoria para viabilizar a antecipação do pagamento no sistema e ausência de formalização do contrato administrativo. O Governador, por sinal, sequer tentou defender a compra. Sua defesa se restringiu a alegar desconhecimento dos fatos.

As provas da ciência e conivência do Governador com relação à compra e ao pagamento antecipado – que, via de regra, é vedado para a administração pública -, no entanto, também eram abundantes. Foram diversas manifestações públicas em entrevistas coletivas relatando detalhes da compra e, no mesmo dia em que foi feito o pagamento, o Governador submeteu um projeto de lei visando legalizar a possibilidade de pagamento antecipado e fez uma consulta ao Presidente do Tribunal de Contas acerca da possibilidade de antecipação do pagamento – tendo recebido resposta de que o Governo deveria adotar uma série de providências, que foram ignoradas.

No dia do julgamento, em minha sustentação oral, sintetizei os fatos e provas do crime de responsabilidade: 

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No julgamento pelo Tribunal Misto, 5 desembargadores e 1 deputado reconheceram o crime de responsabilidade, enquanto que os demais 4 deputados votaram pela absolvição. No fim das contas, o que salvou o Governador Carlos Moisés foi a maioria qualificada de 2/3 exigida pela Lei nº 1.079/1950 para a condenação[2]. Por isso, o curioso caso do Governador que foi absolvido por minoria de votos, apesar de a maioria do Tribunal Especial de Julgamento ter reconhecido que ele cometeu crime de responsabilidade.

Mas apesar de o resultado pretendido com o processo não ter sido obtido, não me sinto derrotado pelo resultado do julgamento. Considero que foi, no máximo, uma “meia-derrota”. Explico:

Em primeiro lugar, como advogado, meu papel é e sempre foi o de tentar convencer magistrados a acatar as teses que defendo. Nesse aspecto, posso dizer que fui bem-sucedido, porque todos os desembargadores integrantes do Tribunal Especial de Julgamento acolheram a tese da acusação. O convencimento dos parlamentares, por outro lado, é um tanto mais complexo e depende de uma série fatores que compõem a conjuntura política, que em larga medida fogem ao meu alcance.

Mas o principal motivo por eu considerar que foi uma “meia-derrota” é outro.

O processo de impeachment visa condenar o governante que praticou crime de responsabilidade a duas penalidades distintas: a perda do cargo e a inabilitação para função pública. O Governador realmente conseguiu manter o cargo e poderá cumprir seu mandato até o final. A sua elegibilidade, porém, na prática, não dependerá apenas do convencimento de alguns deputados, mas sim de convencer novamente a população de que é digno de confiança.

Carlos Moisés se elegeu em 2018 com 71,09% dos votos válidos. Contudo, diante da sua flagrante omissão, a sua legitimidade foi corroída, chegando a apenas 14,5% de aprovação[3]. Em outra pesquisa[4], ainda mais recente, foi avaliada a confiança do povo catarinense em Carlos Moisés da Silva e o resultado foi de que 49,9% não confia, 23,3% tem dúvidas e apenas 26,8% confia.

Por isso, não tenho dúvidas: em 2022, o povo catarinense é quem dará o verdadeiro veredito sobre o Governador, que teve o seu crime de responsabilidade reconhecido por maioria, mas foi absolvido por minoria.



* Bruno de Oliveira Carreirão é advogado, mestre em Direito e dorme com a consciência tranquila de ter cumprido com seu dever de cidadão catarinense.



[1] “Coronavírus: SC aceita propostas forjadas e gasta R$ 33 milhões na compra de respiradores fantasmas”:  https://theintercept.com/2020/04/28/sc-proposta-forjada-respiradores-fantasmas/

[2] Art. 78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum.

[…]

§ 2º Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a condenação pelo voto de dois têrços dos membros de que se compuser o tribunal de julgamento.

[3] “Maioria da população da Grande Florianópolis pede restrições e reprova Moisés na pandemia” –  https://ndmais.com.br/saude/maioria-da-populacao-da-grande-florianopolis-pede-restricoes-e-reprova-moises-na-pandemia/

[4] “Pesquisa do Grupo ND avalia governos de Moisés e Daniela” –  https://ndmais.com.br/politica-sc/pesquisa-do-grupo-nd-avalia-governos-de-moises-e-daniela/

Como citar e referenciar este artigo:
CARREIRÃO, Bruno de Oliveira. Um Governador absolvido por minoria de votos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/um-governador-absolvido-por-minoria-de-votos/ Acesso em: 26 jul. 2024
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