Colunas Pitacos de um Advogado Rabugento

OAB na defesa do direito à delinquência eventual

Bruno de Oliveira Carreirão*

Esta semana parece ter sido animada no Conselho Federal da OAB. Além de uma relevantíssima aprovação de alteração no rito de juramento de novos advogados, com a adoção do gesto da mão sobre o peito[1] – porque, aparentemente, em uma versão remixada da Lei de Godwin[2], “todo mundo que estende a mão é Hitler”[3] –, os conselheiros federais também aprovaram um parecer a respeito do Projeto de Lei nº 2253/2022[4], que visa alteração de regras na execução penal para extinguir o benefício da saída temporária – popularmente conhecida como “saidinha”.

Sem nenhuma surpresa, o parecer da OAB[5] defende o benefício da saída temporária e suscita a inconstitucionalidade da “draconiana” proposta analisada, convenientemente apelando para a dignidade da pessoa humana – o Super Trunfo da hermenêutica constitucional freestyle –, inclusive já prevendo a possibilidade de propor uma futura arguição de descumprimento de preceito fundamental na qual “o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil defenderá o valor supremo de uma sociedade fraterna” (parece até paródia, mas está realmente escrito assim mesmo no parecer).

Apesar de não me surpreender, não consigo deixar de me ressentir com mais um desserviço prestado pelo Conselho Federal da OAB à sociedade brasileira, sobretudo na mesma semana em que, aqui em Florianópolis, uma mulher foi vítima de estupro praticado por um apenado que estava foragido justamente após uma “saidinha”[6]. No mês passado, situação semelhante ocorreu em Xaxim/SC[7]. É esse o direito defendido pela entidade à qual sou compulsoriamente vinculado para poder exercer minha profissão.

Já escrevi aqui na coluna[8], na época em que houve aquele massacre horroroso em uma creche em Blumenau/SC, que o nosso sistema criminal é absolutamente ineficaz. Na ocasião, tratei sobre as normas processuais, mas o mesmo se aplica às normas da execução penal. Com tantas benesses como progressão de regime, remição, visitas íntimas e a famosa saidinha, nem mesmo os piores criminosos temem o cumprimento da pena, pois sabem que a liberdade já se avizinha. Afinal, como levar a sério um sistema de execução penal que concede a Suzane von Richthofen o benefício da saída temporária no Dia dos Pais?[9]

Para a OAB, no entanto, o cometimento de crimes pelo agraciados com o benefício da saidinha não é relevante. Segundo o parecer, “a realidade brasileira, de acordo com os números oficiais divulgados, aponta justamente para o grande sucesso da taxa de cumprimento adequado das saídas temporárias”. O dado citado revela que, no Natal de 2023, 4,8% dos beneficiados com a saída temporária não retornaram à prisão e, portanto, “não há motivo para investir de forma tão virulenta contra as saídas temporárias, pois a taxa de retorno é de 95%”. A OAB considera o percentual de evasão baixo; a realidade demonstra que esse percentual é suficiente para que pessoas sejam vítimas de crimes cometidos justamente por quem o Estado tem o dever de manter segregado.

O parecer chega ao cúmulo de afirmar que “há ainda a possibilidade de recaptura dos que evadem”. Ora, então talvez as celas e prisões nem devessem ter trancas. Pode deixar tudo aberto. Se alguém fugir, é só recapturar. Algo trivial, segundo a OAB.

No fim das contas, o parecer da OAB apela para fundamentos meramente retóricos e utiliza termos apelativos como “malferimento de direitos humanos”, “retrocesso social” e “construir uma sociedade mais justa e solidária” porque, no fundo, não há fundamento constitucional para atacar a proposta. A Constituição Federal felizmente não garante aos apenados o direito à delinquência eventual. Por outro lado, assegura o direito fundamental à segurança pública – mas esse a OAB prefere deixar de lado.

Mais uma vez a OAB, a pretexto de alegada defesa da Constituição, é utilizada para proselitismo de posições ideológicas e visões de mundo que não necessariamente refletem a posição majoritária dos advogados e para atender a interesses pessoais de seus dirigentes. Às custas, claro, da contribuição compulsoriamente extraída anualmente dos nossos bolsos. E é justamente nestes momentos que o bolso pesa mais.


* Bruno de Oliveira Carreirão é advogado, mestre em Direito e aparentemente fascista por achar que criminosos condenados devem cumprir a pena.


[1] “OAB altera rito de juramento de novos advogados e adota mão sobre o peito”: https://www.oab.org.br/noticia/62065/oab-altera-rito-de-juramento-de-novos-advogados-e-adota-mao-sobre-o-peito

[2] A “Lei de Godwin” é um aforismo criado pelo advogado americano Mike Godwin, segundo o qual: “À medida que uma discussão online se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%”. Geralmente, a comparação com Hitler em fóruns de discussão na internet – ou no debate público no Brasil – é utilizada justamente porque quem esgotou seus argumentos e já perdeu a discussão.

[3] Em novembro de 2022, um grupo de manifestantes em São Miguel do Oeste/SC estendeu o braço direito durante a execução do hino nacional brasileiro. Uma turba formada por intelectuais, artistas de MPB, youtubers de cabelo colorido, estudantes de ciências humanas e, claro, a OAB – que até ontem fazia juramentos com esse mesmo gesto – tratou de bradar pela necessidade de investigação de uma “saudação nazista”. O caso foi naturalmente arquivado: https://www.mpsc.mp.br/noticias/justica-homologa-arquivamento-do-caso-de-suposta-saudacao-nazista-durante-manifestacao-em-sao-miguel-do-oeste

[4] “OAB apresentará parecer a projeto de lei que altera regras de execução penal”: https://www.oab.org.br/noticia/62059/oab-apresentara-parecer-a-projeto-de-lei-que-altera-regras-de-execucao-penal

[5] O parecer na íntegra pode ser lido aqui: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/03/ParecerPLSaidinhas.pdf

[6] “Morador de rua espanca e estupra jovem em Florianópolis”: https://jornalrazao.com/seguranca/morador-de-rua-espanca-e-estupra-jovem-em-florianopolis

[7] “Homem em “saidinha” temporária volta à prisão após invadir casa e violentar mulher em SC”: https://www.nsctotal.com.br/noticias/homem-em-saidinha-temporaria-volta-a-prisao-apos-invadir-casa-e-violentar-mulher-em-sc

[8] “Que me perdoem os colegas criminalistas”: https://investidura.com.br/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/que-me-perdoem-os-colegas-criminalistas/

[9] “Suzane von Richthofen deixa a prisão para saída temporária do Dia dos Pais”: https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2018/08/09/suzane-von-richthofen-deixa-a-prisao-para-saida-temporaria-do-dia-dos-pais.ghtml

Como citar e referenciar este artigo:
CARREIRÃO, Bruno de Oliveira. OAB na defesa do direito à delinquência eventual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2024. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/oab-na-defesa-do-direito-a-delinquencia-eventual/ Acesso em: 12 mai. 2024
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