Novo CPC por Gisele Leite

Novo sistema jurídico-processual do CPC/2015 da tutela cautelar e antecipada.

As tutelas provisórias[1] são aquelas jurisdicionais que não são definitivas, e são fundadas em cognição sumária, sem o exame profundo da causa, capaz de levar a prolação de sentenças baseadas no juízo de probabilidade e não de certeza. Podem ser fundar em urgência [2] ou em evidência.

É verdade que o legislador do CPC/2015 decidiu por substancial alteração do sistema relacionado às ações cautelares. Mas, ainda permanecem os mecanismos de proteção do direito ameaçado e do direito evidente. Então há tanto a tutela cautelar [3] como a antecipação de tutela fundada na urgência ou na evidência do direito.

Apesar da opção da extinção do processo cautelar conforme previsto no CPC/73 houve a inserção da chamada tutela provisória da urgência [4] ou da evidência.

Ressalte-se que a perda da autonomia do processo de cautelar, não significa que seja sepultada a sua existência, que prossegue em forma de incidente processual.

É verdade que não mais existe o processo cautelar, assim como tradicionalmente no sistema processual anterior. Afinal, no CPC/73 há três tipos de processos, a saber: o de conhecimento, o de execução e o cautelar, divisão que o CPC/2015 alterou substancialmente posto que operou a extinção do processo cautelar como relação jurídica autônoma.

Lembremos que o processo de conhecimento tem como primordial função a de gerar um pronunciamento judicial em que o juiz aplique, à situação de fato, descrita e comprovada pelo autor, o direito correspondente.

No processo de execução é aquele em que se providencia o cumprimento efetivo do mandamento judicial cuja força e eficácia a lei equipara à de uma sentença judicial (título executivos extrajudiciais).

A atividade executiva não é desenvolvida num processo autônomo, mas dentro do processo de conhecimento em que fora proferida a sentença a ser executada, reconhecida como fase subsequente à fase de conhecimento.

Aliás, o que não representava uma novidade pois já havia procedimentos especiais tais como o do despejo e da reintegração de posse, mandado de segurança. Igualmente estava previsto para as ações na tutela de obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa (artigos 461 e 461-A). A Lei 11.232/2005 previu também a sentença condenatória a pagamento de quantia certa passou a ser executada no próprio processo em que foi emitida (artigos 475-I e seguintes).

Ressalte-se que o processo de conhecimento é aquele em que se produzem provas, onde há o amplo contraditório que pode versar sobre os fatos e os argumentos jurídicos e que é vocacionado a gerar uma sentença de mérito.

Afinal, conhecendo os fatos, através do exame das provas e diante da análise da argumentação jurídica das partes, o magistrado profere a sentença, resolvendo a lide. São quatro as principais características do processo de conhecimento, a saber: 1. Produção de provas; 2. Contraditório entre as partes; 3. Cognição exauriente e 4. Sentença de mérito e a produção de coisa julgada material.

O contraditório é efetivamente assegurando quando exista a real possibilidade de diálogo entre as partes e o juiz, o que atende a exigência constitucional constante no artigo 5º, inciso LV.

Sublinhe-se que o magistrado, no processo de conhecimento, em regra geral, só decide com cognição exauriente, completa e plena. O juiz decide quando tem certeza de sua decisão.

Excepcionalmente, o autor pode pleitear medida liminar [5] no processo de conhecimento, desde que preenchidos certos pressupostos. Nestes casos, o juiz poderá, com base não em prova exauriente, mas com prova quantum satis, superficial, em cognição incompleta, proferindo decisão em que, provisoriamente, são adiantados à parte que a requereu algum ou alguns efeitos da tutela pleiteada.

Observa-se que se trata de uma exceção que não tem o poder de descaracterizar o processo de conhecimento e sua principal característica que é a de gerar decisões definitivas baseadas em cognição exauriente [6] e em prova plena.

Tais características decorrem da imutabilidade que passa a revestir as sentenças proferidas em processo de conhecimento. Frise-se que no processo de conhecimento se prova, se discute e se decide sobre quem tem o direito e a que se tem direito.

Diversamente do ocorre no processo de execução onde há o emprego de força (atos sub-rogatórios ou coercitivos) destinados a produzir mudanças no plano fático, de modo a transformar a realidade e satisfazer concretamente aquele que tem direito reconhecido seja num pronunciamento judicial ou no título executivo extrajudicial ou equivalente.

Em princípio, no processo de execução não vige o princípio de contraditório, assim como não há provas ou sentença. O contraditório no processo de execução limita-se ao procedimento de como deve ocorrer a execução, envolvendo aspectos meramente processuais e procedimentais.

Caso o executado queira se opor ao título executivo, por exemplo, por não ser o real credor, em que vimos, não ocorre produção de provas, nem contraditório e nem sentença. Poderá fazê-lo por meio de embargos à execução que são uma ação incidental de conhecimento, interposta no bojo de execução em curso, e nela se produzem, portanto, provas há contraditório e se profere sentença.

O mesmo se dá relativamente à fase de cumprimento de sentença. As defesas do executado, em regra, devem ser apresentadas em impugnação que é medida cognitiva incidental à execução.

Na execução, não há momento procedimento dedicado à defesa do executado, já que a execução já parte da certeza de quem é o titular do crédito, seja porque já consta na sentença ou no título executivo (que exibe certeza, exigibilidade e liquidez.

O processo cautelar historicamente fora consagrado e vigente no CPC/73 é aquele por meio do qual se obtém meios de garantir a eficácia plena, ou seja, para que o provimento jurisdicional obtenha efetivos efeitos no mundo real.

Essa função hoje desempenhado pelo processo cautelar, não deixa de existir propriamente no CPC/2015, mas não mais se configura em processo próprio e específico.

O processo cautelar sempre fora visto como instrumento do instrumento, pois seu caráter instrumental com relação ao direito material existe para fazer com que sejam realmente cumpridas, de outro lado, o processo cautelar existe para garantir a eficácia do processo de conhecimento ou de execução, sendo, logo, nesse sentido, e medida, o instrumento do instrumento.

Era um processo que servia de garantia a outro processo.

Doravante, não se cogita mais sobre o processo cautelar como relação jurídica processual autônoma diante daquele em que se constitui o processo de conhecimento.

Assim, existem atividades judiciais sejam anteriores ou concomitantes ao processo de conhecimento, voltadas às mesmas finalidades historicamente consagradas para o processo cautelar, ou seja, para instrumentalizar e proteger a eficácia do processo, mediante a realização de medidas assecuratórias da preservação da higidez de bens ou de pessoas.

Mas, mesmo que sejam antecedentes, ou seja, previamente requeridas ao ajuizamento do processo de conhecimento, dele farão parte integrante, como que antecipando no tempo o seu início.

De acordo com o artigo 308 do CPC/2015 quando efetivada a tutela provisória cautelar requerida em caráter antecedente, deverá o autor formular o pedido principal no prazo de trinta dias, nos mesmos autos.

O CPC de 2015 prevê que a parte venha buscar a tutela provisória de urgência ou de evidência [7], podendo a primeira ser de natureza cautelar ou antecipatória e ser concedida tanto em caráter antecedente ao processo de conhecimento ou incidental.

Há, tradicionalmente dois clássicos pressupostos da tutela cautelar que são designados em doutrina através de expressões latinas tais como fumus boni iuris e periculum in mora.

No CPC de 2015 não se alterou tal exigência, fazendo a lei a menção à probabilidade do direito e ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

A tradução explicativa das expressões latinas é salutar. A expressão fumus boni iuris erroneamente traduzida por fumaça do bom direito, significa a aparência de bom direito, ou simplesmente, aparência do direito, sendo correlata às expressões de cognição sumária (aquela não exauriente, incompleta e superficial).

A verdade é que quem decide com base no fumus boni iuris não tem conhecimento pleno e total dos fatos, não tendo, portanto, a certeza quanto qual seja o direito aplicável. Por essa razão é que no processo cautelar, nada se decida sobre o direito da parte. Decide-se sobre o provável direito, o que faz conceder a medida pleiteada, sob pena de risco de, caso não seja concedida, o processo principal não poder eficaz.

Sobre o risco é que a doutrina denomina de periculum in mora, ou seja, o perigo da demora, ou de danos irreparáveis ou de difícil reparação.

É significativa da circunstância de que ou a medida é concedida, quando se pede, ou depois, de nada mais adiantará a sua concessão. O risco da demora é o risco da total ineficácia, mas há os que aludem como receio de ineficácia, tido como sinônimo de periculum in mora.

Outros doutrinadores enxergam nesses requisitos o mérito do processo cautelar, e têm razão à luz do sistema esculpido pelo CPC/73.

No CPC de 2015 inexistindo o processo cautelar, não há mais de cogitar de mérito do processo cautelar e nem mesmo de sentença cautelar.

Tratam-se de requisitos para que a parte possa obter medidas provisórias de urgência [8] que, ou terão fim, não sendo absorvidas por processo de conhecimento futuro, que inexistirá ou serão convalidadas, por assim dizer, no processo de conhecimento de que tenham sido antecedentes.

A cautelaridade[9] ou essência da ação cautelar reside na verificação da existência de fumus e periculum, se preserva a parte do risco de ineficácia do processo principal (de conhecimento ou execução). Tal preservação ocorre por meio de uma decisão interlocutória que pode ter caráter liminar, isto é, se for proferida antes mesmo da citação do réu ou não.

A doutrina é unânime em reconhecer que o CPC de 1973 qualifica como cautelares algumas medidas que têm verdadeiramente essa natureza, como o arresto [10] ou o sequestro, e outras cuja essência e cuja razão de ser foge um pouco, por vezes até muito, daquilo eu se entende por medida de natureza cautelar, como por exemplo, as interpelações.

Medida cautelar é termo genérico que corresponde a todo e qualquer meio de proteção à eficácia de provimento jurisdicional posterior ou de execução. Abrange, portanto, as ações cautelares. E, também engloba as medidas liminares proferidas em ações cautelares. E mais, refere-se também a tantas quantas liminares que houver, mesmo em outros procedimentos, fora do CPC, ou mesmo dentro dele, que tenha como pressuposto o periculum e correlatamente, com a finalidade, a de evitar a ineficácia do processo principal (e mesmo de outro processo em que esta liminar esteja inserida).

O fato é que consiste em polêmica, sobre a qual não vige unanimidade na doutrina.

Alguns doutrinadores acreditam que, além desta característica, para que se esteja diante de medida de natureza cautelar, e necessário que não se peça, através dela, providência igual à principal, assim, segundo alguns autores, o art. 273, I, não seria cautelar porque o que se pleiteia, com base nesse dispositivo legal, é a própria tutela (antecipada [11]).

Só seria cautelar a medida quando por meio desta se peça providência diferente daquela que se pediu em caráter principal. Exemplificando é a situação do arresto, em que se faz o pedido de bloqueio de bens cujo valor seja suficiente para saldar o débito, sendo que, na ação principal, se objetiva o próprio pagamento.

Não há dúvidas de que existe alguma diferença entre: 1. Providências destinadas a proteger o resultado prático do pronunciamento final (principal) mediante a mera conservação de uma situação (medidas conservativas ou cautelares em sentido estrito) e as medidas que buscam o adiantamento de efeitos do pronunciamento final mediante o próprio adiantamento dos efeitos.

Há evidente que ambas se colocam em instrumentalidade com o possível pronunciamento final. Por isso, é bastante razoável enquadrá-las como medidas conservativas e antecipatórias, no gênero de medidas cautelares.

Quando menos, é inegável que ambas integram uma mesma categoria geral, das medidas urgentes, e têm muito em comum em comparação com as diversidades.

Assim, o CPC de 2015 procurou unificar o regime das atuais tutelas cautelar e antecipada. Conforme o CPC de 2015 essa nova categoria geral da tutela provisória poderá fundar-se em urgência ou evidência. A tutela de urgência será concedida quando restarem demonstrados os elementos a evidenciar a probabilidade do direito, bem como o perigo DNA (ácido desoxirribonucleico) demora da prestação da tutela jurisdicional.

A tutela de evidência, por sua vez, dispensa a demonstração de perigo da demora da prestação jurisdicional quando: ficar caracterizado o abuso do direito de defesa[12] ou ainda o manifesto propósito protelatório da parte: as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas mediante prova documental e houver tese firmada em demandas repetitivas ou em súmula vinculante; se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito; a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constituintes do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Quanto à natureza da tutela provisória será cautelar ou antecipada e ambas podendo ser concedidas em caráter antecedente ou incidental. Serão antecipadas as medidas que visem adiantar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida, as cautelares as que visem afastar os riscos e assegurar o resultado útil do processo, sem propriamente adiantar o resultando, mas apenas conservando uma situação de fato e de direito que a viabilize futuramente.

Portanto, aquilo que nos acostumamos a chamar de tutela antecipada [13] passou a ser tutela provisória antecipada, para diferenciar-se da tutela provisória cautelar.

Uma vez concedida a tutela cautelar antecedente, o autor terá o ônus de formular o pedido principal, no prazo de trinta dias, sob pena de cessação de eficácia da medida. Caso cessada a eficácia da tutela cautelar, é vedada a renovação do pedido, salvo se por fundamento diverso, vide o art. 390, parágrafo único.

Não sendo contestado o pedido, presumir-se-ão aceitos pelo réu os fatos alegados pelo autor, caso em que o juiz proferirá decisão no prazo de cinco dias, vide o art. 307.

O art. 303 prevê a possibilidade de a petição inicial limitar-se ao pleito da tutela urgente antecipada [14], e nesse caso, o réu não recorrer contra a decisão que a conceda, a tutela urgente antecipada se estabiliza [15] (vide art. 304). Ou seja, o processo será extinto, e a tutela antecipada prosseguirá produzindo seus efeitos, enquanto não revista, reformada ou invalidada mediante ação própria em um novo processo, a ser iniciado por qualquer das partes.

A opção político-legislativa[16] do CPC/2015 foi no sentido de não destinar um processo distinto e específico para a atividade jurisdicional urgente. A tutela provisória de urgência, seja cautelar ou antecipada, em regra, não dependerá de um processo autônomo para ser requerida e concedida. E, quando se tratar de tutela cautelar requerida em caráter antecedente, ou seja, antes da tramitação do processo principal, esta dará ensejo a um processo preparatório.

No entanto, o pedido principal poderá vir a ser processado posteriormente dentro desse mesmo processo.

É preciso reconhecer que a tutela cautelar tem razão e objetivos próprios, diferentes do processo principal. Sendo processo acessório, já que exista em função do processo principal e para servi-lo.

Reconhece-se também certa dependência entre a ação cautelar e ação principal. E tal dependência se manifesta, por exemplo, na distribuição. Pois o processo cautelar será distribuído ao juízo competente para julgar principal esteja este em curso ou não.

No que tange ao procedimento, o processo cautelar é sumário ou simplificado e capaz de produzir, se preenchidos os pressupostos efeitos imediatos. Tanto a liminar quanto a sentença baseiam-se em prova não exauriente. Ou seja, a cognição [17] nele desenvolvida é também sumária.

A eficácia das decisões concessivas de tutela cautelar é provisória. São medidas destinadas a durar apenas o tempo necessário para tutelar uma situação de emergência. Cessam sua eficácia tão logo desapareça tal urgência ou na medida em que desapareça a plausibilidade do direito antes configurada.

São revogáveis e a revogação delas pode ocorrer para adaptar o pronunciamento às novas circunstâncias de fato (por exemplo: o desaparecimento da situação de urgência que justificava sua concessão; o surgimento de novos elementos instrutórios no processo que afastam o fumus boni juris antes configurado).

A alteração do contexto fático também autoriza a modificação da medida cautelar e mesmo a substituição de uma providência por outra (art. 805 e 807, parte final do caput).

A coisa julgada proferida no processo cautelar não é a coisa julgada material. Pois não se decide de modo exauriente sobre a relação jurídica alguma, não há o que se possa tornar imutável e indiscutível. Só se produz a coisa julgada formal [18].

A única exceção à regra da não produção da coisa julgada material refere-se à hipótese de o juiz verificar a ocorrência de prescrição ou de decadência do direito a ser examinado no processo principal, vide o art. 810, parte final.

Costuma-se ainda classificar as medidas cautelares em razão da satisfatividade que corresponde a coincidência entre o provimento principal e o cautelar. Esta coincidência só pode haver no plano empírico, pois, juridicamente, a tutela cautelar é sempre provisória, na medida em que jamais veicula a declaração de certeza sobre o objeto controvertido, declaração esta sempre presente no pronunciamento final de cognição [19] exauriente. Assim, a medida cautelar nunca é satisfativa.

A satisfatividade pode referir-se à irreversibilidade [20] dos efeitos da medida no plano empírico. Essa característica, em regra, não deve mesmo estar presente se de processo cautelar se trata, uma vez que a tutela ora concedida, com base em mera plausibilidade do direito, está ligada instrumentalmente a outro procedimento ao qual deve ser reservada a produção dos efeitos definitivos.

Portanto, a medida cautelar não deveria produzir efeitos insuprimíveis do mundo fático. Todavia, há casos em que a medida a ser concedida é irreversível, mas é também a única forma de proteger o direito provável do autor.

Nessa hipótese, deve-se concedê-la, pois se deve sacrificar o direito eventual (não provado) da outra parte em função da necessidade de proteger um direito que aparenta ser muito mais plausível, que é, no caso, o do autor.

Esse é o princípio da proporcionalidade, a respeito do qual discorre da ampla e aprofundada doutrina. Mas, mesmo quando, mediante a aplicação da proporcionalidade[21], é concedida medida cautelar apta a gerar efeitos irreversíveis, ainda assim a providência urgente não se torna autônoma.

Haverá ainda a necessidade do pronunciamento principal e se ele for contrário ao requerente da cautelar, servirá, quando menos, como título para a reparação das perdas e danos gerados pela medida urgente.

A satisfatividade, noutro sentido, pode significar a prescindibilidade da ação principal. Em certos casos, a medida cautelar pode bastar em si mesma. Pense-se na hipótese em que a parte pede e obtém, cautelarmente a exibição de documento que pretende vir a eventualmente utilizar como meio probatório em uma futura e eventual ação de conhecimento.

No entanto, ao examinar o conteúdo do documento, a parte convence-se de que ele não lhe é favorável como supunha antes de conhecer seu exato teor e conclui assim que não deve promover a ação de conhecimento.

Nessa hipótese, o processo cautelar e a medida cautelar nele concedida não se farão seguir de um processo principal. No entanto, isso não afasta o seu caráter cautelar. O processo terá sido promovido e a medida urgente concedida na perspectiva de um futuro e eventual processo de caráter principal.

É importante observar os pontos comuns entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Ambas podem ser inseridas em uma categoria geral das tutelas de urgência, como passa a fazer expressamente o CPC de 2015.

Aplicam-se à tutela antecipada as normas sobre tutela cautelar e vice-versa, relativamente a todos os pontos em que as características de uma e de outra são as mesmas.

A segunda consequência é o reconhecimento de certo grau de fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Muitas medidas encontram-se numa zona cinzenta, entre o terreno inequivocamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação [22].

Estabelece-se, no âmbito dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade. Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não fora requerida pela via que considera cabível.

Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta.

Na consagração da fungibilidade entre a medida cautelar e antecipada, o sétimo parágrafo do art. 273 do CPC/73, acrescido em 2002 foi explícito: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Presentes os requisitos de urgência e da plausabilidade do direito, a medida cautelar pleiteada diretamente dentro do processo principal e não em processo autônomo, conforme preceitua o CPC/73 deverá ser concedida.

Pouco importa, nesse caso, se existia ou não dúvida objetiva quanto à natureza da medida [23]. Por outro lado, e embora a regra não expressamente aponte, as razões antes expostas evidenciam que a fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto, ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de medida cautelar.

Tal regra só fez confirmar a existência de um gênero comum das medidas urgentes, integrado por cautelar e as providências urgentes de tutela antecipada previstas nos arts. 273 e 461, terceiro parágrafo.

A competência para ação cautelar é a do juízo competente para ação principal. Se a ação principal já estiver em curso, a competência é do juízo perante o qual aquele processo estiver tramitando. Ou seja, tal juízo estará prevento.

Se a ação cautelar for preparatória, sua competência será definida conforme as regras que se aplicariam à futura ação principal a ser proposta. Esta, por sua vez, quando vier a ser proposta, em regra será distribuída por dependência ao juízo em que estiver tramitando a cautelar, portanto, o juízo prevento.

Em casos de urgência, a medida pode ser requerida perante qualquer juízo, passando-se por cima, se necessário for, até de regras de competência absoluta. Em casos assim, é claro, não se dará a prevenção.

Ademais, posteriormente, se e quando encaminhado o processo ao juízo competente, caberá a esse ratificar ou não a medida urgente antes concedida.

Em face do art. 800, parágrafo único, a competência para cautelares propostas depois de proferida a sentença é do tribunal, mas, diante da urgência da situação, enquanto o processo principal ainda não tenha subido ao segundo grau, pode-se excepcionalmente pedir a medida cautelar ainda o juiz de primeira instância.

A mesma diretriz e sua exceção aplicam-se também às cautelares que tenham de ser propostas depois que o tribunal já julgou o recurso. A partir, daí a competência para as cautelares, em princípio, passa a ser do tribunal superior competente para o recurso seguinte. (STF: recurso extraordinário; STJ: recurso especial).

Na petição inicial, além de observar e cumprir os requisitos gerais dessa pela, deve a parte descrever o direito ameaçado e o receio de lesão. A inicial de medida cautelar pode ser protocolada por via eletrônica, observadas as exigências da Lei 11.419/2006, especialmente artigos 2,10 e 11, e a regulamentação de tal lei pelos tribunais.

Sendo uma ação cautelar preparatória, deve fazer-se a indicação da futura ação principal. Se for o caso, a inicial veiculará também o requerimento de concessão de liminar da medida cautelar. Se preenchidos os pressupostos, essa pode ser deferida antes que seja ouvida a outra parte, isto é, antes da citação do réu.

O juiz pode também deferir medida cautelar sem ouvir a outra parte, mas provocando antes a instauração de audiência de justificação. Trata-se de audiência unilateral, em que só o autor e suas testemunhas são ouvidos, no caso de a prova documental não ter sido suficiente para convencer o juiz do fumus do autor.

Tanto o autor quanto o réu podem prestar caução espontaneamente ou por determinação do juiz. A caução consiste numa garantia prestada em juízo, apta a responder pelo ressarcimento de futuros e eventuais prejuízos. Por esta mesma ser objeto de um procedimento cautelar específico (prestando-se também para vários outros fins além daqueles a ser cogitados). Mas também pode ser promovida dentro de processo cautelar já em curso.

A caução do autor desempenha o papel de contracautela. Ou seja, o autor oferta a caução, como uma garantia para o ressarcimento de eventuais danos acarretados pela medida cautelar, na hipótese de essa vir a ser revogada ou extinta (art. 804, parte final).

Nem toda concessão de medida cautelar fica necessariamente condicionada à prestação de caução pelo autor. Caberá ao magistrado considerar as circunstâncias concretas: os riscos de geração de danos graves com a concessão da medida; os bens jurídicos que serão protegidos pela medida, em cotejo com a possibilidade de o autor prestar caução (sua capacidade econômica).

A caução prestada pelo réu será substitutiva da medida cautelar que contra ele havia sido deferida. Conforme já indicado pelo art. 805 do CPC/2015, a medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução.

Imagine-se que o juiz defere o arresto de mercadorias do réu porque há fundado receio de que ele esteja se desfazendo de todo o patrimônio, de modo a não ficar com bens suficientes para responder por dívida sua que vencerá no futuro.

Suponha-se, no entanto, que é muito importante para o réu poder comercializar as mercadorias que foram arrestadas, ele tem muitas encomendas já feitas, se ele não as atender, pagará pesadas multas contratuais).

Nessa hipótese é razoável que ele peça o juiz para, em lugar de manter as mercadorias arrestadas, vir a prestar uma garantia (caução) no calor da dívida. Tal caução cumprirá exatamente eventual execução do crédito. E, note-se que o próprio juiz, de ofício, poderia oferecer, ao réu, a substituição da medida cautelar deferida por uma caução.

Aliás, até mesmo o autor da ação cautelar pode pleitear essa troca.

Porém, nem sempre é possível substituir-se a medida cautelar deferida pela mera prestação de caução pelo réu. Cabe fazer distinção entre cautelares fungíveis e cautelares infungíveis, empreendida pela doutrina.

O emprego de caução para substituir a eficácia de medidas cautelares deferidas apenas é admissível, sob a ótica da garantia da prestação jurisdicional, se a providência acautelatória a ser substituída pela contracautela estiver a resguardar interesses meramente patrimoniais, passíveis, sem maiores prejuízos, de reparação pecuniária. É o caso, do arresto de mercadorias que pode perfeitamente ser substituído por caução.

Já as medidas cautelares protetivas de direitos personalíssimos, por exemplo, não podem ser neutralizadas desse modo. São as cautelares infungíveis, é o caso de uma busca e apreensão de correspondência particular de uma poetisa que, segundo a inicial da medida por ela proposta, estavam ilegitimamente em poder de um editor, que pretendia vir a publicá-la, sem a sua autorização.

Tal medida cautelar seria preparatória de uma futura ação de tutela específica, em cognição exauriente, para a qual o autor ainda estaria reunindo mais subsídios.

Ora, nesse caso, não seria adequada a substituição da medida cautelar por uma mera caução destinada a garantir o ressarcimento de danos morais e patrimoniais que a poetisa poderia via a sofrer com a publicação da correspondência, caso essa viesse a ser considerada ilegítima.
A caução serviria em tal hipótese apenas para garantir a efetividade de uma simples tutela sucessiva e meramente compensatória. Não asseguraria a oportuna e integral tutela da intimidade da poetisa.

Tanto a caução prestada pelo autor (como a contracautela) quando prestada pelo réu podem ser reais ou fidejussórias, ou seja, recair em bens ou numa fiança, onde terceiro se compromete a pagar certo débito caso o devedor principal não o faça.

O réu tem o prazo de cinco dias para defender-se, a contar da juntada aos autos do mandado citatório ou da execução da liminar. Pode apresentar a contestação ou exceções, não se tendo, como regra, admitido a reconvenção no processo cautelar, em função da possibilidade de que seja prestada a contracautela, sob forma de caução.

Pode haver revelia, cujo efeito gera a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial, no entanto, incidirá apenas no âmbito do processo cautelar. Não se cogita que tais fatos sejam presumidos como verdadeiros no processo principal.

Havendo contestação, em tese, é possível que o magistrado realize uma instrução probatória específica para o processo cautelar, inclusive com a designação de audiência de instrução e julgamento [24]. Porém, na prática, tem sido comum a reunião procedimental do processo cautelar com o principal, com todos os atos instrutórios sendo praticados no bojo deste último.

Mas, os dois processos devem ser decididos por sentenças diferentes (ainda que seja comum que, no mesmo ato documental da sentença, estejam reunidas materialmente a sentença da ação cautelar e da ação principal).

A concessão da medida pode se dar por meio de decisão interlocutória, passível de ser impugnada por meio de agravo de instrumento ou por meio de sentença, impugnável por meio de apelação, que, no processo cautelar, reveste-se apenas de efeito devolutivo.

Prevalece o posicionamento de que a liminar é alterável, não gerando, pois, preclusão para o juiz. Concedida a medida por sentença, há preclusão consumativa. Em princípio, a sentença cautelar conterá condenação do vencido ao pagamento das verbas sucumbência (custas e honorários).

Efetividade medida cautelar, começa a correr o prazo decadencial de trinta dias para propor a ação principal seja intentada sob a proteção da eficácia da cautelar deferida (art. 806). Se, todavia, se tratar daquelas medidas de cuja efetivação o autor não fica automaticamente ciente, como, por exemplo, o sequestro de um bem que se encontra em outra comarca, haverá de ser de tal cientificado para que tenha início, a contagem de trinta dias.

Escoado esse prazo sem que a ação principal seja proposta, cessa a eficácia da providencia concedida. Mais do que isso, segundo, os tribunais, o próprio cautelar deverá ser extinto, nessa hipótese, (Súmula 482 do STJ: “A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar”.

Esse prazo só se aplica às medidas constritivas de direitos, as cautelares que implicam em limitação jurídica duradoura ao réu ou ao seu patrimônio e só nos casos em que a ação principal possa ser intentada dentro desses trinta dias.

Por exemplo, considera-se que a medida cautelar de proteção antecipada de provas, não é constritiva de direitos do réu. Por isso, não se aplica, ao autor, de tal ação cautelar, o ônus de promover a ação principal em trinta dias contados da efetivação da medida.

Também não tem sido aplicada tal exigência quando se trata de ações de família. De resto, tal regra, só incide se a medida tiver a natureza de cautelar.

A medida cautelar também perde sua eficácia, se, uma vez concedida, não for efetivada em trinta dias. E quando a sentença no processo principal, seja esta, de mérito ou não, for desfavorável ao autor da ação cautelar. Já se o julgamento no processo principal for favorável ao autor da cautelar, surgirá em sua literalidade o contrário, no mais das vezes, permanecerá vigorando plenamente e a fim de assegurar a eficácia da própria execução da sentença no processo principal.

A cessação de eficácia da medida cautelar pode ainda ocorrer em qualquer hipótese em que o próprio processo cautelar venha a ser extinto sem julgamento de mérito, bem como quando for julgada improcedente a ação cautelar (na prática, tem sido comum o julgamento reunido do processo principal e cautelar, mas nada impede, é o que a lei prevê, o julgamento apenas do processo cautelar, antes do julgamento do processo principal).

Cessada a eficácia da medida, a mesma ação cautelar não pode ser reproposta. Apenas se admitirá nova ação cautelar com outro fundamento.

Há quem sustente tratar-se de coisa julgada [25], e o novo fundamento em questão haveria de ser uma nova causa de pedir. Compara=se tal regra com a art. 471, I, que alude à modificação no estado de fato ou de direito. Na hipótese do art. 471, I, o que se tem é, mesmo uma nova causa de pedir.

Todavia, a expressão “novo fundamento”, parece ter maior abrangência e se refere não apenas a causa de pedir. Atinge inclusive novos elementos instrutórios, antes não apresentados, mas atinentes aos mesmos fatos (e sem que tenha havido mudança das regras jurídicas). Abrange inclusive novos, argumentos e alegações.

Mas, a autorização da repropositura em vista de novos elementos instrutórios (jurídicos e fáticos) só faz sentido quando a extinção anterior houver ocorrido por insuficiência de tais elementos.

Estão, nos casos em que a rejeição do pedido cautelar de ser por falta de elementos instrutórios, é viável a repropositura da ação (sem necessidade de nova causa de perigo): bastam novos subsídios instrutórios (provas, argumentos, etc.).

Nos demais casos, há o veto de art. 808, parágrafo único, que é mais amplo até do que a coisa julgada, pois atinge inclusive hipóteses em que a cessação da eficácia da cautelar não se deu por rejeição do pedido cautelar no seu mérito (exemplo: falta de propositura da ação principal em trinta dias). O veto esse que, de todo modo, não atingirá o outro pedido cautelar em nova causa de pedir.

Ademais, o efeito do art. 808, parágrafo único, não atinge o processo principal. A rejeição da media cautelar apenas obsta a propositura da ação principal quando o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição do direito acautelado.

O poder geral de cautelar, tanto quanto o processo cautelar em geral, tem origem na Constituição Federal brasileira. Os doutrinadores apontam que se trata de um poder surgido da eficácia global da atividade jurisdicional. A garantia constitucional que toda ameaça e toda lesão a direito pode ser combatida pelo Poder judiciário o que implica também a atribuição de mecanismos para que a atuação do Judiciário, no cumprimento dessa tarefa, seja eficaz. A medida cautelar é desses mecanismos.

O poder geral de cautela permite que o juiz, que é o seu titular, tome providências de índole cautelar (isto é, com função cautelar) que não estão previstas expressamente (isto é, não estão tipificadas). Mais ainda, admite-se que o juiz, em certas condições, determine providências cautelares que nem foram requeridas por qualquer das partes (art. 797).

No CPC/2015, o poder geral de cautelar está consagrado no art. 301: após um rol meramente exemplificativo de medidas urgentes adotáveis pelo juiz, dispositivo permite ainda a concessão de qualquer outra medida idônea para a asseguração do direito.

A existência desse poder é consequência da impossibilidade de se tipificar todos os perigos possíveis. Isto porque as cautelares nominadas (a que a lei deu nome), como arresto ou sequestro, são tipificadas em função do tipo específico de perigo descrito pela lei. Claro que é impossível ao legislador [26] pensar em todos os perigos possíveis.

Impossível também se preverem todas as possíveis correlatas soluções. Concretamente, o poder geral de cautela fez nascer a possibilidade de a proteção ao seu provável direito por meio de ação cautelar inominada, ou seja, por meio de ação cautelar cujos contornos não estejam nítida e precisamente descritos em lei.

Há discordância, na doutrina e na jurisprudência, sobre as dimensões deste poder. Discute-se se o juiz pode tomar providências de natureza cautelar, sem ser provocado, só no bojo de processo cautelar já instaurado ou também no processo de conhecimento.
Discute-se, ainda, se há fungibilidade [27] entre as medidas cautelares nominadas e as inominadas. Pergunta-se, por exemplo, se pode o juiz receber como cautelar inominada um arresto baseado em situação fática que, rigorosamente, não poderia ter ensejado a propositura de arresto.

Exemplo de cautelares inominadas são comuns como a sustação de protesto de títulos e a suspensão de deliberações sociais.
Muito se discutiu ao longo do período de vigência do CPC de 1973 a respeito do cabimento das cautelares inominadas preparatórias antecedentes a ações declaratórias. Parte da doutrina tende a negar. E, o argumento se baseia que se a função do processo cautelar é ade obstar o perigo, não seria cabível como antecedente de ação declaratória, pois a declaratória, em si, não seria jamais ameaçada por uma situação de perigo de dano.

Todavia, a própria sustação de protesto pode anteceder, e geralmente antecede uma ação declaratória de nulidade do título; a ação cautelar de depósito pode anteceder a ação declaratória de inexistência de débito fiscal; e, ainda, como exemplo, a ação cautelar inominada em que se pleiteia a suspensão da eficácia de deliberações sociais pode anteceder a ação declaratória de nulidade de assembleia de sociedade anônima.

Há quem negue essa possibilidade, sob o argumento de que isso implicaria algo como uma burla à lei: se a lei previu específicos requisitos para a concessão da medida, não poderia ser deferida outra equivalente na ausência de tais requisitos, conforme dizem tais doutrinadores.

Mas, não parece adequada essa solução. Não há dúvidas de que o poder geral de cautela não é aplicável se existirem no ordenamento jurídico típicos de tutela, previstos para aquele específico.

Mas, deve adicionar-se uma fundamental ressalva a essa ideia: o poder genérico e plenamente aplicável quando as circunstâncias e os pressupostos se apresentarem de modo diverso dos legalmente previstos para as medidas típicas (por exemplo: crédito ilíquido tem objeto distinto daquele para a qual se previu a medida típica de arresto e poderá, portanto, ser tutelado pelo poder geral de cautela previsto no art. 798).

Ou seja, a previsão de instrumento de tutelar cautelar geral funciona como norma de encerramento do sistema, destinada a proteger situações não abarcadas pelas providências típicas.

Dá cumprimento à imposição constitucional de universalidade da tutela jurisdicional, ao assegurar que todas as situações carentes de proteção sejam efetivamente protegidas, e não só aquelas lembradas ou imaginadas pelo legislador [28].

Daí que a previsão de medidas típicas para certas situações não implica, por si só, a vedação do emprego de providências similares embasadas no poder geral, em casos em que não estão presentes os requisitos específicos da via típica.

Mesmo quando presentes os pressupostos e circunstâncias da medida cautelar típica, é admissível, em vez de sua utilização, o emprego de outra providência menos gravosa para o réu do processo cautelar, desde que essa medida atípica, seja suficiente e adequada para o caso (tal conclusão está amparada inclusive no art. 805, parte final).

No CPC/2015[29] esse conjunto de questões fica superada, pois o novo diploma elimina a figura das medidas cautelares típicas.

O art. 797 consagra a possibilidade excepcional da adoção de medidas cautelares de ofício. Destaca-se três concepções interpretativas de tal dispositivo: e nenhuma delas defende a existência de uma autorização generalizada para a determinação da medida cautelar de ofício.

Uma primeira exegese restringe tal possibilidade aos casos expressamente previstos em lei. A doutrina que defende essa tese cita, entre outros exemplos, o art. 793 (providências cautelares na execução suspensa) e o art. 679 (seguro obrigatório de navios ou aeronaves penhorados, para que o juiz autorize que eles voltem a operar).

Para uma segunda corrente, o poder de determinar, de ofício, a providência cautelar vigoraria nos casos previstos em lei e nas hipóteses em que o direito acautelado é indisponível. A crítica que se dirige a tal orientação é de que mesmo nos casos de indisponibilidade do direito, não há regra geral autorizando atuação judicial de ofício. A indisponibilidade do direito, em si mesma, jamais foi critério justificador da atuação jurisdicional independente de demanda do jurisdicionado.

A terceira concepção considera as hipóteses referidas no art. 797 como pressupostos alternativos: a atuação cautelar de ofício deve ocorrer em casos excepcionais ou em casos expressamente autorizados por lei.

Segunda tal exegese, não há como supor que esses requisitos cumulativos. Se não houvesse a regra do art. 797, permaneceria a permissão para a cautelar de ofício nos demais casos autorizados em lei.

O conteúdo inovador da rega em questão [30] está precisamente na referência a casos excepcionais. E essa parece ser a mais razoável e adequada interpretação [31] do dispositivo.

A dificuldade seguinte está na concreta definição do conceito indeterminado de “casos excepcionais”. Pode-se dizer que deverão ser situações em que a situação de perigo caracteriza uma afronta direta e gravíssima à jurisdição – hipóteses em que não se justificaria o juiz ficar na dependência de um pedido de uma parte.

A medida cautelar de ofício e a concedida a pedido da parte têm a mesma caracteriza de assegurar a higidez de determinado possível direito, sem a satisfazê-lo.

Cessada a eficácia da medida cautelar, o requerente tem responsabilidade objetiva relativamente aos danos causados ao requerido, caso não tenha o direito que desde o início afirmou ter.

Responsabilidade objetiva é aquela que se verifica independentemente de haver culpa ou dolo, sendo necessário exclusivamente nexo causal entre o fato e o prejuízo.

Então, o requerente da medida cautelar assume o risco ter de ressarcir os adversários, todos os prejuízos produzidos pela concessão e a execução de providência urgente, quando essa vier a ser extinta por um ato ou omissão imputável ao autor da medida ou por se constatar que ele não tem o direito antes reputado como plausível.

E, para tanto, é irrelevante que o autor da ação cautelar tenha agido de boa-fé ou má-fé, com ou sem dolo ou culpa. Aliás, se houver tido a litigância de má-fé, responderá também, cumulativamente, pelas penalidades imputáveis a tal conduta.

A indenização será liquidada nos próprios autos do procedimento cautelar. Não sendo necessária ação própria para a obtenção do ressarcimento. Mais do que isso, é desnecessário qualquer requerimento do réu da cautelar para obter tal condenação em seu favor e a imposição da responsabilidade em exame também independe de expressa determinação do juiz.

Para que se estabeleça o dever de indenizar, basta não haver mais recurso contra a decisão (de primeiro e segundo grau, interlocutória ou final) que casse, reforme ou revogue a medida urgência, implícita ou explicitamente.

A condenação do requerente ao pagamento dessa indenização é um efeito anexo, automático, da própria decisão que implique a cessação de eficácia da medida.

Complexa é questão da responsabilidade objetiva em face de medida cautelar que fora decretada de ofício. Mas, é irrelevante, posto a finalidade da regra é assegurar o pleno ressarcimento do adversário, prejudicado pela cautelar.

No entanto, pode-se contra-argumentar que a responsabilidade objetiva apenas se justifica como um risco assumido por quem requer a medida cautelar.

Se a parte optou por pleiteá-la, cabe-lhe responder objetivamente, pouco importando se agiu de boa ou má-fé. A responsabilidade objetiva não dispensa a imputabilidade do resultado danoso ao sujeito (nexo de causalidade). Já quando a medida tiver sido deferida pelo juiz, não houve a assunção de tal risco.

São cogitáveis as duas hipóteses, não excludentes. Primeiramente, o prejudicado pela medida deve ser ressarcido pelo Estado, que é objetivamente responsável.

E, em segundo lugar, se o beneficiário da media, mesmo não a requerendo teve com ela um ganho econômico, responde na proporção de seu ganho, perante o prejudicado ou regressivamente perante o Estado (com base na regra que veda o enriquecimento sem causa).

Assim, com o novo CPC, o direito brasileiro volta-se para as modernas ideias que surgem no direito europeu, no sentido de permitir à tutela sumária absorver nova configuração, não só para resolver as situações de urgência, mas para atuar também em prol da economia processual, economizando o juízo de cognição plena e exauriente quando, deferida ou indeferida a tutela sumária, a parte já tem a percepção que seu direito não é forte o bastante para ser levado adiante, de modo que só em casos de divergência séria é que se poderia seguir adiante com o processo.

A ausência de formação de coisa julgada viabiliza, como ocorre de institutos análogos no direito estrangeiro, que a técnica se apresente como um relevante expediente prático para resolver situações momentâneas sem o risco de estabilização total.

Ademais, a defesa da formação de efeito análogo à coisa julgada contrariaria (além de ferir o disposto no art. 304, §6º) os próprios pressupostos do CPC-2015 que exige contraditório dinâmico (arts. 503) para sua implementação.

Em suma, como aponta autorizada doutrina italiana [32], a evolução da tutela sumária para a edição de medidas que, sem transitar em julgado, são hábeis para o dimensionamento prático do litígio sem necessidade de se recorrer ao processo de cognição plena e exauriente, é hoje um dado adquirido, de modo que a tutela sumária constitui importante forma alternativa de tutela dos direitos em relação àquela prestada pelo tradicional processo de conhecimento.

Referências:

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao CPC de 1973. 11ª edição. Volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DE MELO, Nehemias (coordenação). Novo CPC Anotado, Comentado, Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 7ª edição. São Paulo: Método, 2015.



[1] A tutela jurisdicional oferecida pelo Estado-juiz pode ser definitiva ou provisória. A tutela definitiva é aquela obtida através da cognição exauriente, com profundo debate sobre o objeto do processo, garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É predisposta a produzir resultados imutáveis cristalizados pela coisa julgada material. Prestigia, prioritariamente, o valor da segurança jurídica.

A tutela pode ainda ser satisfativa ou não-satisfativa. A tutela definitiva satisfativa é aquela que visa a certificar ou efetivar o direito material discutido. Predispõe-se à satisfação de um direito material com entrega do bem da vida almejado. É a chamada de tutela padrão.

Porém, as atividades processuais necessárias para a obtenção de uma tutela satisfativa são lentas e demoradas, gerando delongas processuais que colocam em risco o resultado útil e proveitoso do processo e a própria realização do direito afirmado, é o perigo da demora.

Daí a criação da tutela não satisfativa, de cunho assecuratório, para conservar o direito afirmado, e com isso, neutralizar os maléficos efeitos do tempo (tutela cautelar).

[2] Mas a urgência não é a única modalidade de antecipação de tutela que autoriza a produção de efeitos da decisão final de mérito. O art. 273 do CPC estabelece que também será concedida tutela antecipada quando i) houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (inciso II) e ii) o pedido, ou parte do pedido, mostrar-se incontroverso (§ 5°). Para essas hipóteses, não se exige urgência para a concessão da tutela, pois o abuso do processo ou a incontroversa do pedido tornam evidente a necessidade de concessão de tutela antecipada. Eis a tutela antecipada de evidência.

Com base nessa distinção, a doutrina criou o binômio tutela de urgência e tutela da evidência, o qual foi encampado pelo PL 8046/10 de Novo CPC e inserido no livro do Processo de Conhecimento (arts. 269 e ss). Nesse aspecto o Projeto merece elogios ao dar tratamento sistemático e coerente a duas hipóteses distintas em essência, mas que atualmente encontram-se unidas em um único artigo.

[3] A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito, mas sim assegurar a sua futura satisfação, protegendo-o, não tem um fim em si mesma, pois serve a uma outra tutela (cognitiva ou executiva), de modo a garantir-lhe a efetividade, de acordo com o art. 796, CPC/73.

Tem como característica ser temporária por ter sua eficácia limitada no tempo, mas essa temporariedade não exclui a sua definitividade, temporários são seus efeitos fáticos, práticos, afinal a cautela perde sua eficácia quando reconhecida e satisfeito o direito acautelado, mas a decisão que a concedeu, ainda assim, permanece imutável, inalterável em seu dispositivo. Pode-se observar que a decisão é definitiva, mas seus efeitos são temporários.

Assim, a tutela cautelar não é provisória, pois nada vira em seu lugar da mesma natureza, é ela a tutela assecuratória definitiva e inalterável daquele bem da vida. Mas seus efeitos têm duração limitada e, cedo ou tarde, cessarão.

[4] Em síntese, a tutela de urgência é gênero que abarca medidas satisfativas de antecipação de tutela e também medidas cautelares, cuja concessão está sujeita à existência de fundado receio de lesão grave e de difícil reparação e plausibilidade do direito alegado.

[5] Liminar é um adjetivo que significa “início”, “limiar”, assim, uma decisão será liminar quando for proferida no início do processo. Nesse sentido, o indeferimento de uma petição inicial é uma decisão liminar. Ocorre que o adjetivo “liminar” foi substantivado, passando a significar “tutela antecipada concedida no início do processo”, devendo-se recordar neste ponto que a tutela antecipada nem sempre será liminar, podendo ser concedida até mesmo na fase de recurso.

Tutela antecipada é aquela que adianta os efeitos da tutela jurisdicional, provisoriamente. E essa tutela cujos efeitos podem ser precipitados pode ser de conhecimento ou cautelar.

A medida antecipatória, seja em processo cautelar, seja em processo de conhecimento, pode ser dada liminarmente, no momento inicial do processo, ou não.

[6] De imediato, há de se vislumbrar de que apesar da assertiva recorrente de que o CPC- 2015 teria promovido uma unificação das técnicas de urgência (cautelar e antecipatória) estabelecendo um regime único (fruto da intelecção de dispositivos como v.g. o art. 300) a nova lei mantém a diversidade de regimes entre as técnicas e um ótimo exemplo desta percepção é o da estabilização, que se limita somente as hipóteses das antecipatórias. Há de se perceber que a estabilização se trata de mais uma técnica monitorização genérica (além da monitória típica) na qual em cognição sumária uma decisão não impugnada tornar-se-á estável.

[7] O artigo 311 do Novo CPC trata especificamente desse tema, destacando que, “independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”, a tutela da evidência será concedida nas seguintes hipóteses, quais sejam: “I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.”.

De início, cabe a advertência: “Tais situações não se confundem, todavia, com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (arts. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória. ”

[8] A tutela de urgência tem, no âmbito do processo, fundamental importância: é uma das mais importantes técnicas por meio da qual se impede que o tempo necessário à duração do processo cause danos à parte que tem razão.26 Não se pode, hoje, pensar em processo efetivo normativamente sem que exista a possibilidade de buscar medidas de urgência para combater o efeito nocivo do tempo, aliado a situações de perigo de perecimento do direito material, durante todo o curso do processo. Assim, na disciplina de qualquer processo, deve-se sempre ter em conta a necessidade e imprescindibilidade de estruturação da técnica processual de modo que em qualquer fase seja possível a adoção de medidas adequadas, para salvaguardar o direito material.

[9] Consolida-se o modelo procedimental sincrético, com possibilidade de convivência e duas ou mais atividades procedimentais numa mesma estrutura procedimental. Nesse ponto, o novo CPC rompe com a tradição do direito brasileiro, extraída do direito italiano, no qual se tem o processo cautelar como processo autônomo,23 com aproximação ao sistema francês em que não há processo autônomo para a tutela de urgência. Não obstante tal mudança de pressuposto geral, o novo CPC não eliminou a cautelaridade em si, pois não podia descurar da necessidade, por exemplo, de previsão de procedimento para regular as medidas que pudessem ser deferidas com celeridade, para tutelar as situações do direito material em caso de urgência, e que modernamente se tem designado pela expressão tutela de urgência.

[10] Por outro lado, o arresto, para garantir pagamento futuro de dívida é sempre a linha divisória do lado das medidas meramente conservativas ou cautelares, de modo que a conjugação das duas ideias permite traçar uma fronteira entre os dois tipos de tutela de urgência. Assim, vertendo as ideias para o direito brasileiro, a tutela cautelar é modalidade de tutela de urgência que protege o resultado útil do processo sem adiantar o gozo do direito material; enquanto que na antecipada ou antecipatória (satisfativa) se adianta propriamente o gozo do próprio direito material. Outra distinção, de plano, admitida pelo novo CPC, no âmbito da tutela de urgência, é a perspectiva de a medida poder ser buscada em caráter antecedente ou incidental (art. 294, par. único).

[11] A tutela antecipada é espécie de tutela jurisdicional satisfativa, prestada, em geral, no bojo do módulo processual de conhecimento, sendo concedida com fulcro no juízo de probabilidade, por isso é considerada como espécie de tutela jurisdicional sumária. E, vinha sendo regulada no direito brasileiro, há muito tempo, porém cabível somente diante das hipóteses para as quais fosse expressamente prevista, como nas ações possessórias e mandado de segurança.

A Lei 8.952/1994 promoveu a ordinarização da tutela antecipada satisfativa, ou seja, o que antes era privilégio de certos procedimentos especiais, tornou-se regra no sistema processual brasileiro, não havendo mais espaço, para atualmente cogitar-se em cautelar satisfativa.

[12] Todavia, ainda que inexistente o periculum in mora, a tutela antecipada pode ser concedida se ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. Há abuso de direito de defesa, ou intuito protelatório, quando, por exemplo, o réu argui defesa contra a evidência dos fatos e de sua conclusão ou requer provas ou diligências, reveladas como absurdas pelas circunstâncias do processo.

[13] A tutela provisória também chamada de tutela antecipada é aquela que da eficácia imediata à tutela definitiva (satisfativa ou cautelar), permitindo sua pronta fruição. E, por ser provisória, será necessariamente substituída por uma tutela definitiva. É marcada por duas características essenciais: a sumariedade da cognição e precariedade.

Identifica-se por ser fundada em uma cognição sumaria, uma análise superficial do objeto da causa, que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade. Particulariza-se, ainda, por sua precariedade, já que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo. E, por ser assim sumaria e precária, a tutela provisória é inapta a produzir coisa julgada material.

Pode se concluir que a tutela provisória, por excelência, é a tutela antecipada. É está que antecipa os efeitos da tutela definitiva, permitindo o gozo imediato de direitos que apenas poderiam ser usufruídos ao final da demanda. A tutela antecipada serve a qualquer tutela definitiva, quer dizer que existe tutela antecipada executiva, cautelar e de conhecimento. Cuidado com provisório e temporário não são sinônimos. Uma tutela antecipada é provisória, a tutela cautelar é temporária e dura enquanto for útil.

[14] Não se pode confundir tutela antecipada e julgamento antecipado da lide. A única semelhança existente entre elas é a sua natureza satisfativa. Ambas se voltam à satisfação de direitos materiais discutidos. Enquanto a tutela antecipada satisfaz o direito provisoriamente, e com base em cognição sumaria, sendo insusceptível, pois, de imunizar-se pela coisa julgada material, o julgamento antecipado da lide é decisão que certifica, com base em cognição exauriente, o direito discutido, estando predisposta, pois, a acobertar-se pelo manto da coisa julgada. A tutela antecipada é uma tutela jurisdicional provisória, urgente e fundada em cognição sumaria. Satisfaz antecipadamente o direito deduzido. Prestigia os valores da efetividade e celeridade.

[15] Em benefício da simplificação procedimental e racionalidade do sistema, o novo CPC, sistematizando o regime das tutelas de urgência, unifica o procedimento das tutelas cautelar e antecipada, independentemente da sua natureza. Em conjunto com a tutela de evidência, que prescinde da urgência, o novo CPC cria o gênero “tutela provisória”, regulado a partir do artigo 292. A unificação pretende encerrar a dificuldade prática na postulação da tutela antecipada e cautelar, ocasionada muitas vezes pela duplicidade de regulação, em livros e procedimentos distintos.

O novo CPC ainda cria a figura da estabilização da tutela antecipada, que ocorre quando a medida é deferida e não impugnada mediante o “respectivo recurso” (art. 302). Semelhante à coisa julgada, a deliberação judicial estabilizada permanece inalterada e eficaz até que seja objeto de ação própria de impugnação, a ser ajuizada no prazo decadencial de dois anos (§5º).

[16] O sistema de tutela provisória no novo CPC comporta uma primeira grande subdivisão: tutela da urgência e tutela da evidência: art. 294, caput. A tutela da evidência vem regulada no art. 311 e representa uma matriz aperfeiçoada do conteúdo normativo previsto no art. 273, II, CPC/73, ampliando-se seu espectro com o acréscimo de novas hipóteses.29 E a tutela de urgência vem regulada nos arts. 300 a 310 do novo CPC. A perspectiva da diferenciação vai residir exatamente na distinção que se tem no direito processual brasileiro a partir de 1994: como destaca a doutrina italiana, o critério distintivo deve estar na linha da satisfação do direito material, independentemente de maiores especulações teóricas, razão pela qual se o provimento provisório produz os mesmos efeitos ou efeitos praticamente análogos ao do pronunciamento final, ou seja, se a decisão satisfaz a necessidade de tutela do autor, poderá ser alocado como pronunciamento antecipatório.

[17] A cognição exauriente, pressupõe a completa realização prévia do contraditório e por isto se permite às partes a ampla discussão da causa e produção das provas, com o que, consequentemente, o juiz, na decisão final, pode promover aprofundado, mediante o pleno debate processual, o exame dos fatos, permitindo à decisão maior perspectiva de acerto quanto à solução do mérito, desaguando-se na imutabilidade da solução pela formação da coisa julgada. Daí também a indicação doutrinária de que se trata de tutela definitiva, aplicada no modelo tradicional de cognição pelo procedimento ordinário. A cognição sumária, ao contrário, impõe limitação no debate e na investigação dos fatos da causa pelo juiz e pelas partes: o exame dos fatos e o debate são superficiais, razão pela qual, normalmente, a decisão judicial aqui não formaria a autoridade da coisa julgada material. Este tipo de cognição é utilizado, no direito brasileiro, em sede da chamada tutela de urgência, tradicionalmente prevista no âmbito do processo cautelar (art. 798 do CPC/73) e da tutela antecipada (art. 273 do CPC/73).1a (além da monitória típica) na qual em cognição sumária uma decisão não impugnada tornar-se-á estável.

[18] Essa decisão antecipatória, todavia, mesmo depois de estabilizada com a extinção do procedimento preparatório e manutenção de seus efeitos, não opera a coisa julgada, ou seja, apesar de executiva e eficaz, não se reveste dos efeitos da coisa julgada material,42 que a tornaria imutável e indiscutível, com força vinculante para todos os juízos. É o que dispõe expressamente o art. 304, § 6º, do novo CPC: A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

[19] De toda sorte, é importante destacar, nesse passo, ainda na esteira da doutrina italiana,19 a fim de evitar confusões indevidas, que não se pode misturar a tutela baseada na cognição sumária com a técnica do procedimento sumário, pois muitas vezes ocorre de o procedimento sumário, como o próprio nome indica, ser mais simplificado e condensado do que o ordinário (justaposição de fases procedimentais), mas permitir decisão de cognição plena e exauriente, como ocorre com o procedimento sumário no CPC/73 (art. 275, CPC), agora proscrito no CPC-2015 em face da adoção de um único procedimento comum, com potencialidade de negociação processual (arts. 190 e 191). Logo, procedimento sumário não é sinônimo de tutela sumária.

[20] Ainda a irreversibilidade do provimento é uma limitação exclusiva da tutela antecipada (artigo 300, § 3o, do Novo CPC), antecedente ou incidental, não se aplicando à tutela cautelar.

Essas diferenças conferidas pelo Código, principalmente nos regramentos das tutelas cautelares e das tutelas antecipadas pedidas de forma antecedente, reavivam a necessidade de diferenciação das tutelas assecurativas (cautelares) das satisfativas (tutela antecipada).

O juiz ao receber o pedido de tutela urgente antecedente deverá verificar a natureza da tutela requerida (cautelar ou antecipada), determinando, acaso incorreta a classificação realizada pelo autor, a adaptação do requerimento e do procedimento.

[21] A técnica de ponderação difere do princípio da proporcionalidade, pois enquanto aquela é utilizada para analisar a colisão de princípios, este é para examinar a arbitrariedade ou não de um determinado ato. Três são as grandes técnicas hermenêuticas: quando não houver norma alguma (ou incompleta), o procedimento será integração; se houver uma regra, será útil a técnica da subsunção; e no caso de colisão de princípios, a técnica da ponderação.

Para se ponderar interesses, devem ser observadas três fases: 1) identificação dos interesses (bens jurídicos) que, embora disciplinados podem estar em rota de colisão; 2) valoração de tais interesses de acordo com as circunstancias do caso concreto e 3) decisão fundamentada sobre a prevalência de um interesse sobre o outro.

[22] A decisão antecipatória, estabilizada, conserva sua eficácia enquanto não for desconstituída na ação de cognição plena a ser ajuizada pelo interessado, conforme art. 304, §§2º e 3º, do novo CPC, ou seja, “a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito” (§3º), proferida em ação própria, de cognição plena e exauriente, que qualquer das partes pode ajuizar para rediscutir o direito material objeto da antecipação no procedimento antecedente (§2º). E tal ação será instruída com os autos do procedimento antecedente, de modo que o novo CPC prevê, no art. 304, §4º, que qualquer das partes pode requerer o “desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida

[23] A natureza jurídica da tutela antecipada é matéria que apresenta na doutrina, cenário de contrastes. É, porém, majoritário o entendimento de que não se trata de tutela cautelar, ainda que se possam identificar semelhanças entre essas duas espécies de tutela. Uma vez que, a tutela antecipada possui caráter satisfativo, independentemente de ser parcial ou total os efeitos da tutela pretendida, enquanto a tutela cautelar tem por finalidade a proteção da sentença e do direito discutido na lide, visando assegurar o resultado prático do processo diante de uma situação de perigo.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco:

“As medidas inerentes à tutela antecipada têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais de ampará-los como se dá com as cautelares”.

É neste sentido também a lição de Humberto Theodoro Júnior: “Não há como evitar a diversidade gritante que se nota entre os diversos efeitos da medida cautelar e da medida antecipatória: a primeira não vai além do preparo de execução útil de futuro provimento jurisdicional de mérito, enquanto a última já proporciona a provisória atribuição do bem da vida à parte, permitindo-lhe desfruta-lo juridicamente, tal como se a lide já tivesse sido solucionada em seu favor. É assim que a cautela não é satisfativa e a antecipação o é.”

Ernane Fidélis dos Santos, em sentido contrário entende que a tutela antecipada possui natureza cautelar: “Não vejo motivo para criação de forma autônoma de tutela, com todas as características da cautelar, apenas pelo caráter antecipatório da medida ou pelo rigor eventualmente maior quanto à probabilidade de existência do direito. O periculum in mora é característica exclusiva da cautelaridade, e o fumus boni iuris seria apenas fundamento formal, não ontológico, tem a hipótese do art. 273, I do CPC/73 como autêntica medida cautelar antecipatória. ”.

[24] Não se pode confundir tutela antecipada e julgamento antecipado da lide. A única semelhança existente entre elas é a sua natureza satisfativa. Ambas se voltam à satisfação de direitos materiais discutidos. Enquanto a tutela antecipada satisfaz o direito provisoriamente, e com base em cognição sumaria, sendo insusceptível, pois, de imunizar-se pela coisa julgada material, o julgamento antecipado da lide é decisão que certifica, com base em cognição exauriente, o direito discutido, estando predisposta, pois, a acobertar-se pelo manto da coisa julgada. A tutela antecipada é uma tutela jurisdicional provisória, urgente e fundada em cognição sumaria. Satisfaz antecipadamente o direito deduzido. Prestigia os valores da efetividade e celeridade. Pode-se concluir que o julgamento antecipado da lide antecipa o próprio provimento final, já a tutela antecipada antecipa os efeitos do provimento final.

[25] O novo CPC traz novidades importantes na temática da cognição sumária, especialmente na vertente da tutela de urgência, como subespécie da categoria tutela provisória, e quer-se, neste trabalho, tratar especificamente de uma delas: a análise da perspectiva de estabilização da tutela de urgência, sem necessidade de sequenciamento necessário da cognição plena, quebrando, ou pelo menos atenuando, tal como ocorreu no direito italiano, o nexo de instrumentalidade obrigatória entre a cognição sumária e cognição exauriente, 21 com a autonomização da primeira como modalidade processual hábil a tutelar, por si só, o direito material, sem, entretanto, produzir, em princípio, coisa julgada.

[26] O legislador do novo CPC, como se percebe, apesar de aproximar as duas já tradicionais modalidades de medidas de urgência (cautelar e antecipatória), e tratá-las com as mesmas regras gerais, organizadas em um dos Livros da Parte Geral (Livro V, Tutela Provisória), acabou por manter, como já apontado acima, a distinção procedimental entre as duas técnicas, criando procedimentos preparatórios diversos para obtenção de medida cautelar (arts. 305/310) e de medida antecipatória (arts. 303/304). O ponto pode gerar dúvidas a respeito da natureza da medida, se cautelar ou se antecipada, a fim de se escolher o procedimento adequado, pois, como destaca a doutrina italiana, a diferenciação entre as medidas cautelar e antecipatória não é tarefa fácil: não obstante a existência de campos em que a separação é tranquila, há outros que constituem verdadeiras zonas cinzentas, em que a diferenciação se mostra extremamente delicada.32 Com isso, ainda na esteira da doutrina italiana, o ônus dessa diferenciação não deve ser deixado para as partes.

[27] Portanto, o Novo CPC reacendeu a distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, na medida em que indispensável, nos pedidos apresentados de forma antecedente, o enquadramento numa ou noutra hipótese, haja vista a diversidade de procedimentos, requisitos e consequências da tutela cautelar frente à tutela antecipada.

[28] No entanto, o novo CPC promove o encerramento da artificial distinção entre requisitos para as medidas de urgência hoje existente: aparência do bom direito para a cautelar (art. 798, CPC/73); e verossimilhança para a antecipatória (art. 273, CPC/73). Agora, ambas estão sujeitas aos mesmos requisitos no âmbito da nova tutela de urgência, como se extrai do art. 300 do novo CPC: a) probabilidade de existência do direito material alegado; b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

A opção merece aplauso, pois como já apontava parcela da doutrina se possível a diferenciação teórica entre aparência do bom direito e verossimilhança, na prática tal diferenciação se mostra extremamente difícil, senão impossível, inclusive quando se permeia a discussão com outro conceito utilizado pelo legislador para retratar a mesma perspectiva, qual seja, a “relevância da fundamentação”, utilizada, por exemplo, para indicar os requisitos da antecipação da tutela específica (art. 461, § 3º, CPC/73).

[29] O novo CPC trilhou enriquecedora linha da evolução da tutela sumária, encontrada nos direitos italiano e francês: admitiu a desvinculação entre a tutela de cognição sumária e a tutela de cognição exauriente, ou seja, permitiu a chamada autonomização e estabilização da tutela de urgência na modalidade antecipada.

Assim, o CPC-2015, ao tratar do procedimento da tutela de urgência antecipatória postulada em caráter antecedente ao pedido principal, passou a admitir a estabilização e sobrevivência da medida antecipatória, como decisão judicial hábil a regular a crise de direito material, mesmo após a extinção do processo antecedente e sem o sequenciamento para o processo principal ou de cognição plena e exauriente.

[30] Aqui surge um ponto interessante: a estabilização decorreria só da falta de apresentação do recurso, como indica a literalidade do art. 304 do novo CPC, ou se poderia estender a perspectiva em razão, por exemplo, de apresentação de pedido de suspensão de liminar previsto em lei especial (como é o caso de suspensão de liminar prevista nas Leis 8.437/92 e 9.494/97) ou de reclamação (art. 988, novo CPC)?

Da análise inicial, se poderia adotar a interpretação calcada na literalidade do art. 304 do novo CPC, no sentido de que apenas a interposição do “recurso” contra a decisão que conceder a tutela de urgência, na modalidade antecipada, no âmbito do procedimento preparatório (art. 303, novo CPC), seria hábil a evitar a estabilização. E recurso, no caso, do ponto de vista da legislação processual, tem um sentido específico, nos termos do art. 994 do novo CPC, e significa, no caso, interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC).

[31] Outra interpretação que se pode vislumbrar é exatamente no sentido contrário: tanto o pedido de suspensão de liminar como a reclamação, apesar de não se enquadrarem propriamente como recurso, constituem meios de impugnação de decisão judicial e, com isso, produziriam efeito semelhante ao do recurso, de modo que nestes casos, mesmo sem a apresentação do recurso propriamente dito (agravo de instrumento) evitar-se-ia a estabilização prevista no art. 304 do novo CPC.

E mais: poderia não haver a estabilização se o réu não interpusesse o agravo de instrumento mas contestasse o procedimento? Tal perspectiva já foi, inclusive, defendida recentemente em doutrina, no sentido de que a contestação ou manifestação no sentido da realização da audiência de conciliação/mediação, no prazo do recurso, surtiria o mesmo efeito de impedir a estabilização da tutela antecipada.

[32] Se a preocupação do CPC de 2015 eram os valores de estabilidade, segurança e previsibilidade das decisões judiciais, a solução nunca poderia ser a de buscar modelos estrangeiros que não se adaptam ao nosso sistema constitucional. 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Novo sistema jurídico-processual do CPC/2015 da tutela cautelar e antecipada.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc-por-gisele-leite/novo-sistema-juridico-processual-do-cpc2015-da-tutela-cautelar-e-antecipada/ Acesso em: 19 nov. 2024
Sair da versão mobile