O poder persuasivo dos precedentes judiciais.[1]
Resumo:
A crise das fontes do direito corresponde também à crise do Estado Democrático de Direito. A ruína do Império da lei estabeleceu questionamento sobre a prevalência do direito na regulação da sociedade, em franca oposição às outas formas de governo, especialmente, àquelas mais arbitrárias e tirânicas. A promoção dos direitos fundamentais é a grande protagonista que trouxe maior valoração da jurisprudência a fim de oferecer maior efetividade às previsões constitucionais e a preservação da dignidade da pessoa humana.
Palavras-Chave: Fontes de Direito. Hermenêutica Jurídica. Normas Jurídicas. Estado Democrático de Direito. Precedentes judiciais.
A crise da teoria das fontes do direito se revela na perda de espaço da exclusividade e primariedade da lei. Desta forma, a tradição ordenada e monolítica do sistema de fontes é substituída por figuras mais complexas e híbridas.
Padece de precariedade defender que as relações entre normas e as fontes de direito estejam reguladas por meios de caráter hierárquico. Depois, a individuação do ato como fonte é determinada, prevalentemente, pela atividade interpretativa in lato sensu seja feita pelos doutrinadores ou pelos órgãos de aplicação da lei e das normas jurídicas.
Sem dúvida, a era contemporânea é marcada por ser a das crises e, o tema referente à crise do sistema de fontes é bastante debatido, principalmente, nas duas derradeiras décadas. Inclusive registra-se um famoso precedente judicial por W. Cesarini Forza, Le fonti del diritto italiano. Cedam, Padova, 2004, onde se questiona se é possível falar em um sistema de fontes de direito.
Uma prova cabal dessa crise é denunciada pela intensa fragmentação da ordenação hierárquica das fontes de direito, sendo perdida a aspiração da modernidade, bem como a racionalidade vertical nas fontes, sempre presidida pela rainha lei, tida como pressuposto formal, apesar de não suficiente por si mesma, de uma racionalização mais ampla do direito.
Clóvis V. do Couto e Silva estabelece que in litteris:
“A crise da teoria das fontes resulta da admissão de princípios tradicionalmente considerados meta-jurídicos no campo da ciência do direito, aluindo-se, assim o rigor lógico do sistema com fundamento no puro raciocínio dedutivo”.
A primeira dicotomia deve ser superada, pois é fundamental que se entenda como as relações sociais, históricas e econômicas (fontes materiais) relacionam e condicionam a criação da lei, dos costumes, da doutrina e da jurisprudência[2] (fontes formais).
Ao invés dessa separação estanque, a reflexão jurídica precisa buscar a interrelação entre esses fenômenos, até porque é impossível interpretar apenas o texto legal sem que o conteúdo esteja enraizado em determinado contexto existencial.
Por sua vez, apesar de toda a construção teórica moderna, dando conta que o juiz racional irá encontrar/extrair o conteúdo normativo, é inverossímil asseverar que a jurisprudência somente revela um direito preexistente em nada criando com sua atuação.
A norma – enquanto resultado de um processo decisório – é sempre um constructo do homem que interpreta.
Os doutrinadores, por sua vez, pautados na liberdade científica e acadêmica (art. 5º, IX, CF), possuem relevante papel de apresentação do sistema jurídico e social, assim como a doutrina possui importante função de analisar a concretização da democracia, da separação dos poderes e da efetivação dos direitos.
As fontes costumeiras demonstram-se essenciais para a efetivação da democracia constitucional brasileira, porque a concretização da Constituição pressupõe uma cultura disseminada de observância da separação dos poderes, de respeito aos direitos fundamentais e de promoção da democracia[3].
Todavia, na práxis jurídica contemporânea, observa-se uma incontestável crise na compreensão e na utilização das fontes do direito, gerada pela ausência de uma metodologia clara e disseminada entre os teóricos e os operadores do direito sobre como o direito é criado e concretizado, seguindo os ditames da Constituição Federal brasileira de 1988.
Como consequência, a crise de compreensão e utilização das fontes jurídicas gera uma crise do Estado Democrático de Direito, especialmente quando se cogita em segurança jurídica, previsão ex ante das condutas a serem evitadas e das sanções e demais consequências da regulação jurídica.
Então, percebe-se as inconstantes relações entre os diversos atores políticos presentes na democracia pluralista, fluxo dinâmico e incessante de relações de mercado na globalização, o pluralismo e complexidade do meio social contemporâneo. Além de demais fatores, que repercutem intrinsecamente, desagregando a outrora ordem estabelecida das fontes do direito.
Portanto, resta superada a representação ordenada e monolítica do sistema das fontes de direito. Aliás, nesse sentido, P. Grossi considerou que a ideia de hierarquia de fontes do direito, bem como a do primado da lei, são exemplos que tais mitologias passam por uma reconstrução história, até marcada por valoração negativa, do advento da codificação e do ordenamento de fontes na modernidade jurídica. (In: Pagina introdutiva (ancora sulle fonti del diritto) (2000), in Id., Società, diritto, Stato. Um recupero per il diritto, Giuffrè, Milano, 2005, pp. 325-331; Id., Globalizzazione, diritto, scienza giuridica (2002), ivi, pp. 279-300.).
O grande perigo da racionaliza em ordem vertical das fontes do direito está na simplificação de conteúdos do direito, ao ponto de que em primeiro lugar sobre a unidade do sujeito de direito. A simplificação das formas e dos conteúdos, como sendo finalizado e, trabalhado com a noção de arquitetura fechada e acabada sem direito de aperfeiçoamentos e cíclicos de desenvolvimento e retração.
Outro busilis é que ao cogitar em hierarquia das fontes do direito e da hierarquia das normas jurídicas, em literatura constitucionalista, percebe-se a insuficiência, ou ainda, inadequação do critério de hierarquia, principalmente para o entendimento do ordenamento jurídico contemporâneo. A própria noção relevante de hierarquia normativa, por exemplo, mostra-se ser metáfora enganosa e sofista.
As relações hierárquicas existentes entre as fontes de direito e entre as normas, quando a individuação de um ato como fonte são determinadas, de forma prevalente, pela atividade interpretativa que sofre influências de diversas ordens.
E, que nos conduz ao paradoxo que se estabelece na relação entre as fontes do direito e a interpretação jurídica. E, nesses pontos, será necessário introduzir brevemente a noção de fonte do direito bem como outras ideias associadas habitualmente.
Em verdade, as fontes do direito passaram por diversas fases, a de construção, desconstrução e reconstrução e da relação entre estas, assumindo, particularmente, relevância o papel da doutrina[4], da jurisprudência e, principalmente, e da política e contexto histórico.[5]
A dimensão principal do funcionamento dos sistemas normativos existentes, considerados como sistemas jurídicos, seja no sentido da aplicação, onde o labor das instituições de aplicação do direito é essencial para conferir identidade a um sistema normativo. A razão relativa, especialmente, a individuação das fontes e sua ordem hierárquica que dependem principalmente de várias atividades dos intérpretes[6] e dos aplicadores de direito.
Assim, as fontes do direito e o sistema das fontes, enfim, não são um dado, mas pelo menos parcialmente, são dados por estes mesmos determinados.
A própria expressão “fontes do direito”, uma expressão metafórica, são todos aqueles fatos, em sentido amplo, tanto atos, quanto fatos jurídicos, aos quais, em certo contexto cultural, histórico e social, é reconhecida a capacidade de modificar e de inovar o ordenamento jurídico em si.
Evidentemente trata-se de uma definição incompleta, posto que, entre outras coisas, não esclareceu: quais são os fatos qualificáveis como fontes de direito, qual o fato determinado é considerado como produtor de direito; em que consiste a produção do direito, isto é, o que é produzido pelas fontes.
Assim, o conceito de fontes e direito deverá incluir também esses elementos. E, pode indicar coisas diversas, mesmo que coligadas e interligadas.
Quanto ao contexto de justificação, ou seja, àquilo que os intérpretes justificam ou consideram justificado como fonte, tem-se o sentido normativo de fonte que indica o texto, documento onde foi produzido segundo determinada modalidade e ao qual é reconhecida a capacidade de exprimir normas, após a interpretação. E, tal significado mais comum é atribuído quando se menciona que a lei ou a Constituição Federal são fontes do direito. No entanto, pode ser compreendido, por sua vez, que essas duas variantes podem distinguir-se.
Assim, num primeiro momento, a fonte do direito se refere ao tipo de documento ou de ato normativo, seja lei, seja Constituição, seja Código, ou o precedente judicial, são ao menos, fontes do direito.
Noutra acepção, a fonte do direito se refere ao específico documento ou ato normativo que de forma verossímil, reconhece que certa Lei é a fonte de determinada disciplina[7].
Como ECA quanto a situação jurídica da criança e do adolescente. O Estatuto do Idoso, quanto a situação jurídica do idoso. E, recente, a Lei dos portadores de deficiência física e mental.
Tal acepção torna inteligível a possibilidade dos intérpretes, embora reconhecendo que um certo tipo normativo, de documento, concederem que, por certas razões, possa ser qualificado como fonte de direito, até em razão de política legislativa.
Apesar de que os intérpretes concordem que a lei seja, abstratamente, uma fonte do direito, é possível que eles mesmos não considerem propriamente fonte do direito certa lei, por exemplo, quando for inconstitucional[8], ou por invocar motivos alheios ao Direito e, impróprios para o exercício do controle social.
Em outra acepção, a fonte, por vezes, usada para indicar também o tipo de procedimento ou de atividade que poderá produzir regulação ou textos. E, assim, a legislação é fonte de direito, resultante da atividade que produz documentos normativos.
Adiante, as fontes do direito são, às vezes, indicadas como normas que autorizam a produção de outas normas, assim, a fonte da atividade legislativa é a Constituição, tal como as normas constitucionais, o procedimento legislativo e, etc.
Portanto, as fontes do direito são todos os fatores que influem no processo de atribuição de significado semântico aos documentos jurídicos pelos intérpretes.
E, nesse derradeiro sentido, inserem-se as fontes substanciais do direito, diferente das fontes formais indicadas, particularmente, nas variantes.
E, assim, o significado normativo e não puramente descritivo da fonte, percebe-se que as fontes substanciais são tipicamente internas e específicas do discurso jurídico, enquanto outas fontes são comuns aos outros tipos de discursos, são obtidas de outros universos. E, desta forma, os métodos interpretativos são fontes substanciais internas ao discurso jurídico, mesmo que apenas em pequena parte seja explicitamente disciplinado pelo direito positivo.
E, as convenções sintáticas e semânticas sejam comuns à linguagem jurídica e à linguagem ordinária, a exemplo de regras matemáticas.
São fontes do direito documentos normativos, textos idôneos capazes de exprimir normas jurídicas que são seguidas de interpretação[9]. E, que em um Estado de Direito, ainda que em um âmbito de concessão nomodinâmica do Direito, em cada atividade de produção do direito, é também, simultaneamente, uma atividade de aplicação do direito, o sujeito que produz documentos normativos o faz em geral com base no poder atribuído pelas normas jurídicas.
Essas normas que são produto de interpretação de outros documentos normativos. Conclui-se que documento normativo é fonte, produzido e interpretado pelo sujeito. Entretanto, Kelsen não distinguiu a norma e documento normativo, tanto que usou norma para se referir-se a ambas as coisas.
Evidente que o problema da individuação das fontes do direito, seja em teoria ou na prática, passa pela distinção entre direito e não-direito.
E, será direito somente aquilo que é reconhecível como tal, conforme uma fonte do direito. E, na prática, a individuação das fontes é essencial como bússola da atividade de aplicação do direito, a guiar no mar da Hermenêutica Jurídica.
Em geral, os órgãos de aplicação do direito estão vinculados a aplicar a norma identificada sobre a base das fontes, a possibilidade de identifica a norma como regularmente produzida por uma fonte e a disponibilidade dos critérios de ordenação e de preferência entre as múltiplas fontes existentes em um ordenamento suficientemente complexo, são, assim, fatores essenciais no procedimento de aplicação do direito.
É possível distinguir três níveis no problema das fontes. O primeiro nível de cunho filosófico jurídico e que corresponde perguntar o que são as fontes do direito, qual tipo de fato pode ou não aspirar à qualificação de fonte de direito.
Na visão juspositivista, as fontes do direito são exclusivamente fatos humanos, particularmente, não apenas fatos humanos voltados para criação do direito.
E, na visão jusnaturalista, serão incluídos entre as fontes, além dos fatos humanos, os entes posteriores relativos aos comportamentos humanos voltados para criação do direito, tais como a natureza das coisas, a razão humana, a intuição moral, e cultura jurídica.
O direito positivo, é cediço, é subordinado quanto à sua validade, sua obrigatoriedade, ao seu ser “verdadeiro direito”, ao direito natural. E, na perspectiva jusrealista, na medida em que seja distinguível do positivismo jurídico, serão fontes do direito os comportamentos e crenças comumente não-conscientes de certos atores sociais.
Lembremos que a teoria das fontes do direito, estruturada em sistema ordenado pelo princípio da hierarquia e da regra
intérprete, e então, do juiz. Nesse propósito, Hart, em sua obra The Concept of Law[10], traz indicação mais detalhada das consequências práticas da identificação das fontes no ordenamento jurídico, particularmente, o italiano.
Há uma posição juspositivista, que por sua vez, admite que fatos humanos façam, por sua vez, referência aos critérios morais. E, a resposta positivista que é defendida pelo positivismo jurídico inclusivo. Enquanto que a resposta negativo pelo, chamado positivismo jurídico exclusivo, defendido por Joseph Raz, Shapiro e Gardner).
Noutro patamar de análise, o teórico-jurídico e que corresponde a demonstrar como funcionam as fontes do direito, previamente individualizadas sobre uma base de opção jusfilosófica, suas relações com a validade, aplicabilidade, interpretação e relação entre diferentes fontes e sobretudo em que consiste o produto das fontes. Questiona-se se serão somente normas gerais e abstratas? Ou serão também normas individuais?
Já a análise dogmática é consistente em questionar quais são as fontes do direito em determinado ordenamento jurídico, e pressupõe, obviamente possuir mesmo que implicitamente, a ideia filosófica e teórica sobre as fontes.
Em verdade, o questionamento teórico traz uma função reconstrutiva e explicativa e, ajuda elaborar os modelos e categorias, pelos quais sejam compreendidos os fenômenos em observação.
O questionamento teórico sobre as fontes do direito resta sujeito ao duplo crivo em relação aos dados provenientes de um ou mais ordenamentos jurídicos, isso devido a elaboração de próprias categorias a partir de tais dados e, porque resulta exitoso se consegue explicar adequadamente tais dados.
São fontes do direito aqueles fatos (em sentido amplo) considerados como produtivos de direito em um determinado ordenamento jurídico. Esta resposta é, contudo, evidentemente, question-begging: o que quer dizer de fato que “um ordenamento jurídico” considera qualquer coisa como fonte?
Parecem possíveis duas respostas: uma primeira resposta é que existe uma fonte dentro de um ordenamento, se um certo tipo de fato é considerado produtivo de direito de uma norma jurídica válida daquele ordenamento.
Se existe uma fonte dentro de um ordenamento jurídico, se os intérpretes e, especialmente, os órgãos de aplicação do direito, dentro de tal ordenamento, aquele fato como produtivo de direito. Ambas as respostas, todavia, remetem a hercúleos problemas teóricos. A primeira parece suscitar um regresso em looping ao infinito, onde termina a cadeia de normas convalidantes do ordenamento?
A segunda, por sua vez, parece vítima da circularidade, o direito positivo é, realmente, identificado pelos órgãos de aplicação, os quais são, por sua vez, identificados sobre a base do direito positivo.
A resposta óbvia é que as fontes do direito produzem as normas jurídicas, mas é enganadora. Pois as fontes não produzem diretamente as normas jurídicas. Produzem um pressuposto de modo que possam então ser identificadas, após a atividade interpretativa, as normas jurídicas. E, depois, é preciso delimitar o conceito de norma jurídica.
Em doutrina constitucionalista, igualmente se conhece a distinção entre disposições e normas, sendo frequente que se refira a uma relação direta e imediata entre as fontes e as normas, no sentido de que fontes são as que produzem normas, sem nenhuma referência ao papel indispensável da interpretação na mediação entre as duas.
Em primeiro lugar, os intérpretes devem ter uma razão de qualquer tipo (contudo, em sentido normativo, atinente ao contexto de justificação) para considerar um certo documento como fonte.
Em segundo lugar, isso que a fonte produz (ou, conforme o caso, aquilo que a fonte é) não é a norma, mas qualquer coisa que somente após a interpretação pode dar lugar à norma.
Trata-se de uma definição teórica e, não se diz nada sobre quais sejam os critérios que permitem considerar justificada a qualificação de um documento como normativo.
Estes critérios podem consistir, por exemplo, na existência de uma norma válida, positiva, sobre produção jurídica que autoriza ou impõe expressamente aos órgãos de aplicação o uso daquele tipo de documento como fonte do direito; ou podem consistir na deferência ao nomen iuris atribuído a um certo documento por parte da autoridade de produção normativa; ou na deferência à uma valoração (sobre a postura de um certo documento como fonte) efetuada por um outro órgão de aplicação; ou, em preferência, por parte do intérprete, pela norma emanada de uma certa autoridade em relação àquela emanada por outra autoridade (por exemplo, em uma certa matéria).
A mais importante das hierarquias é a axiológica[11], pois traduz a relação entre duas normas, de forma que uma norma é considerada mais importante, prevalente, preferível, em relação à norma outra.
A relação de preferência depende de uma valoração comparativa substancial da importância das normas envolvidas: em base a uma hierarquia axiológica, uma norma prevalece sobre outra, se é considerada mais adequada aos valores, aos princípios, à doutrina ético-política que inspiram o sistema jurídico ou um seu subsistema (o juízo de importância comparativa pode considerar, obviamente, seja específicas normas individualmente consideradas, seja classes ou tipo de normas).
Em geral, uma hierarquia axiológica determina a aplicabilidade de uma norma (considerada mais importante) e a inaplicabilidade de outras (menos importantes).
Uma hierarquia axiológica resolve-se, então, em um critério positivo ou negativo de aplicabilidade. O conceito de hierarquia axiológica refere-se, portanto, à noção de aplicabilidade (em particular, à aplicabilidade de normas): sempre que um critério de aplicabilidade estabelece qual norma ou tipo de norma deva-se aplicar com preferência a outra norma ou tipo de norma, estabelece, com isso, uma hierarquia axiológica entre essas duas normas ou tipos de normas.
Uma hierarquia axiológica pode concorrer também com uma hierarquia material, e em tal caso a norma “inferior” é não só não-aplicada, mas também declarada inválida (ou melhor, é desaplicada ou então declarada inválida, dependendo que o órgão de aplicação, às vezes interessado, tenha ao menos também o poder de anular normas).
Esta é, entretanto, somente uma possibilidade contingente: não é dito que entre duas normas haja, ao mesmo tempo, uma relação de hierarquia axiológica e uma de hierarquia material.
Em um sentido mais específico, contudo, a noção de hierarquia axiológica pode ser referida somente aos casos aos quais venha instituído uma relação de preferência entre duas (ou mais) normas, de acordo com um critério jurídico positivo ou então sapiencial, sem que isso determine necessariamente a invalidade, o anulamento ou a revogação da norma menos importante. É nesse sentido que aqui ser verá definida a noção de hierarquia axiológica.
A noção de hierarquia axiológica importa não só nas relações entre normas, mas também nas relações entre documentos normativos (isto é, entre fontes). Isso em duas modos: em primeiro lugar, muitas vezes o intérprete pode ter razões para preferir um (tipo de) documento normativo a outro, independentemente do conteúdo dos documentos envolvidos; e, assim, a hierarquia axiológica manifesta-se em uma preferência que emerge já ao nível da fonte, e não da norma (esse é o caso, por exemplo, do princípio da legalidade em matéria penal: o intérprete deve preferir a lei em face das outras fontes; e o mesmo vale em geral para todos os casos de reserva de lei).
Em segundo lugar, uma atividade constante de inaplicação de uma certa norma da parte dos órgãos de aplicação (porque aquela norma é considerada recessiva em relação a uma outra em uma hierarquia axiológica) produz um resultado que, na verdade, é indistinguível no que diz respeito à anulação da norma recessiva e à revogação da disposição que a exprime.
Nem todos os tipos de documentos em que vem reconhecido o valor de fonte do direito possui a mesma força vinculante: o recurso a certos tipos de fontes pode ser considerado “obrigatório” (fontes obrigatórias), enquanto o recurso a outros tipos de fontes pode ser considerado somente “permissivo” (fontes permissivas).
As fontes mais comuns são aquelas do primeiro tipo, aquelas as quais o intérprete tem obrigação de utilizar. Os exemplos são bastante banais: a sujeição do juiz à lei (pelo ordenamento italiano: art. 101, Const.); o princípio da irretroatividade das leis penais.
Geralmente, ignorar uma fonte desse tipo, ou errar sobre a sua aplicação são razões de invalidade da decisão do órgão de aplicação.
As fontes permissivas são fontes que podem ser levadas em consideração pelo órgão de aplicação, mas que o órgão de aplicação poderia também ignorar sem que, com isso, vicie a validade da decisão autorizativa.
São exemplos de fontes permissivas (é obvio que o elenco é, sobretudo, contingente): o direito jurisprudencial, a sentença interpretativa da Corte Constitucional, os trabalhos preparatórios no procedimento legislativo, as interpretações doutrinárias[12], os precedentes estrangeiros (esses últimos, por ser normalmente utilizados como fontes permissivas, merecem uma menção à parte pelo fato de serem fontes externas ao ordenamento.
A distinção entre fontes obrigatórias e fontes permissivas é, em certa medida, um dado de direito positivo (isso fica evidente quando é estabelecida a invalidade de uma decisão autoritária adotada em contraste com certo tipo de fonte).
Todavia é uma distinção que, como vem se vê, é, muitas vezes, gradual, ou, melhor dizendo, imprecisa, e depende, em última análise, da interpretação e da construção dogmática dos intérpretes. Serão os intérpretes, em última análise, que decidirão se uma certa fonte recai em uma ou em outra categoria. Para exemplificar: a distinção entre reserva de lei “absoluta” e reserva de lei “relativa” é uma distinção muito debatida, e com frágeis bases textuais na Constituição[13].
Todavia, tal distinção permite, onde for aceita, a utilização somente da lei como fonte obrigatória em matérias cobertas pela reserva de lei absoluta, e a utilização também de outros tipos de fontes em matérias cobertas por reserva de lei relativa.
Portanto, a possibilidade ou não de utilizar uma fonte diversa da lei, em certa matéria coberta por reserva de lei, depende, inteiramente, de uma construção dogmática (a distinção entre reserva de lei “absoluta” e “relativa”) os intérpretes e, em primeiro lugar os órgãos de aplicação, são efetivamente aqueles que controlam, em última análise, a identificação das fontes e a sua ordenação hierárquica. Todavia, eles podem fazer isto somente levando em consideração vários vínculos (limites), alguns dos quais podem mesmo ser muito rigorosos.
Um primeiro vínculo é a ideologia pessoal das fontes do direito do singular intérprete: possuindo uma certa ideologia das fontes, ainda que inconscientemente, o jurista será levado a “ver” as fontes e a sua ordenação em certo modo, será guiado, também inconscientemente, a certas direções, em vez de outras.
Um segundo vínculo é a ideologia das fontes do direito dominante em certo contexto juspolítico: cada jurista e, sobretudo, cada órgão de aplicação, está inserido em uma mais ampla “comunidade”, utilizando esse termo em sentido totalmente avalorativo, de operadores jurídicos, comunidade que é, aliás, estruturada de maneira hierárquica, cortes superiores que podem anular as decisões de cortes inferiores, órgãos de mera execução, etc.; e ainda, no final das contas, ao menos parte das razões pelas quais um jurista adota uma ideologia das fontes do direito será representada pela circunstância que também outros juristas compartilham dessa mesma ideologia e que, portanto, o jurista prefere, em última análise, jogar o mesmo jogo dos outros juristas.
Precisamente, é provável que cada jurista negociará uma espécie de “overlapping consensus”[14] entre a própria ideologia das fontes e aquela dominante – e, muitas vezes, essa convergência “mantém-se”, em razão (e porque) não é discutida.
“Consenso sobreposto” é um termo cunhado por John Rawls em Uma Teoria da Justiça e desenvolvido. O termo consenso sobreposto refere-se aos defensores de diferentes doutrinas normativas abrangentes que implicam concepções possivelmente inconsistentes de justiça, pode organizar com princípios particulares de justiça que subscrevem como instituições básicas de uma política. Doutrinas abrangentes podem incluir sistemas de religião, ou moralidade.
O jurista preferirá que as suas decisões e suas argumentações resultem convincentes, compartilháveis, com seu auditório, as partes de um processo, os juízes dos graus sucessivos, a comunidade dos juristas acadêmicos, etc., e por isso deverá compartilhar com eles um léxico de base: a possibilidade do desacordo pressupõe necessariamente um fundo compartilhado.
Provavelmente, um acordo de máxima entre os juristas sobre individuação das fontes aplicáveis, pelo menos prima facie, é uma condição imprescindível, necessária e mínima para a própria sobrevivência e continuidade de um sistema jurídico.
Existe igualmente uma crise no entendimento e no uso da doutrina, dos direitos humanos e costumes enquanto fontes do direito, influenciando negativamente na promoção do Estado Democrático de Direito. Deve-se a isso porque a doutrina deixa de cumprir o seu papel de reflexão crítica, séria e profunda dos fenômenos sociais e jurídicos pautados em valores da democracia constitucional.
Os importantes direitos humanos não são conhecidos por doutrinadores, juristas, operadores do direito e, mesmo cidadãos. Há subvalorização de costumes jurídicos e desconsideração da fonte costumeira na garantia dos direitos e há promoção da democracia.
Aliás, o positivismo normativista do século XIX e, início do século XX propôs, infelizmente, papel inadequado para a doutrina jurídica. A função social dos doutrinadores e estudiosos da Ciência Jurídica era descrever o direito e o sistema jurídico estabelecido.
E, ainda, o ensino jurídico e as obras jurídicas contemporâneas são pródigas em adotar um modelo meramente descritivo e não reflexivo do fenômeno jurídico. Precisamos estar atentos ao fenômeno jurídico que abriga tantas tensões sociais e, ainda, enfrenta dilemas e problemas transindividuais, constitui-se relevante mecanismo de integração social.
Portanto, não cabe mais a doutrina apenas apresentar o direito posto, sendo indispensável analisar a função social do direito vigente, avaliando se é ou não socialmente adequado.
Outro viés da crise na teoria das fontes, refere-se a rasa compreensão a respeito de costumes jurídicos. Indo além das regulamentações expressas e escritas em leis, portarias, resoluções, contratos e etc., há necessidade de haver densificação das prescrições normativas nas situações da vida contemporânea. Afinal, os costumes jurídicos servem para contribuir para a legitimidade do Direito porque não estão dissociados da cultura.
E, os modos de ser de certo grupo, ou de parcela da sociedade condicionam as ações de seus membros integrantes, sendo a cultura composta por uma sucessão evolutiva de tradições e costumes.
As políticas públicas de combate as agruras como a miséria, a falta de inclusão do cidadão e outras polêmicas sociais, moradia, educação e saúde, nos faz recordar que o Brasil ratificou em 1992 o Pacto de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, através do Decreto 591/1992, para proteger seus cidadãos, contra as terríveis e nefastas consequências da miserabilidade e, extermínio da dignidade da pessoa humana.
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WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito: interpretação da lei, temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
[1] Disposições como as do artigo 926 CPC (dever de uniformização da jurisprudência), 927, IV CPC (dever de se observar o enunciado de súmulas sem efeitos vinculantes do Supremo Tribunal Federal – em matéria constitucional – e do Superior Tribunal de Justiça – em matéria infraconstitucional), as do artigo 1.043 (viabilidade dos embargos de divergência em sede de recurso especial e de recurso extraordinário) e as do artigo 489, § 1º, VI (dever de fundamentação, sempre que o julgador “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte”), pareciam indicar que mesmo os precedentes persuasivos, especialmente aqueles oriundos das nossas Cortes Superiores, estariam aptos a exercer inequívoco poder de influência na formação das decisões judiciais.
A expectativa de concretização dessa premissa decorre diretamente do papel atualmente desempenhado pelas Cortes Superiores em nosso sistema, que vai muito além do mero controle de legalidade/constitucionalidade das decisões oriundas das instâncias ordinárias (função repressiva), alcançando, em sua essência, o papel de orientar e integrar a aplicação do direito visando à solução dos casos futuros (função proativa).
Ocorre que, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1698774/RS (processo em segredo de justiça, realizar busca pelo número de registro: 2017/0173928-2), a 3ª Turma do STJ decidiu que juízes e tribunais não estão obrigados a justificarem a não aplicação de precedente persuasivo e/ou súmula sem efeito vinculante invocados pelas partes, o que afirmou por entender que a abrangência do artigo 489, § 1º, VI, do CPC, “deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos.” In: DA SILVA, Diego. Cortes Superiores, seus precedentes persuasivos e fundamentação das decisões judiciais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335129/cortes-superiores–seus-precedentes-persuasivos-e-fundamentacao-das-decisoes-judiciais Acesso em 06.02.2022.
[2] O Supremo Tribunal Federal expressou a percepção doutrinária, ao assinalar que “o ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade”, Em seguida, registrou que “a interpretação, qualquer que seja o método hermenêutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais – por caracterizar atividade típica dos Juízes e Tribunais – não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República”.
[3] O fenômeno da judicialização da política é estrutural no mundo contemporâneo, mas se tornou nítido e importante no Brasil principalmente após a Constituição de 1988. Em virtude i) da dificuldade (custos políticos e formação de maiorias) de parlamentos regulamentarem questões sociais importantes, ii) de diversas leis e da Constituição estabelecerem direitos fundamentais e iii) da independência judicial e do controle judicial de constitucionalidade, os Tribunais passam a decidir situações sociais importantes e promoverem direitos, atuando em assuntos originalmente enfrentados pelo Poder Legislativo e pelo Executivo. In: FEREJOHN, John. Independent Judges, Dependent Judiciary: Explaining Judicial Independence. Southern California Law Review. V. 72, p. 353-384, 1999; FEREJOHN, John. Judicializing Politics, Politicizing Law. Law and Contemporary Problems. V. 65, n. 3, p. 41-69, 2002; SADEK, Maria Tereza. O Poder Judiciário na Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (orgs.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: ENAP, 1999, p. 323-345; SADEK, Maria Tereza. Judiciário: Mudanças e Reformas. USP- Estudos avançados. V. 18, n. 51, p. 91-92, maio/ago. 2004; ROBL FILHO, Ilton Norberto. Conselho Nacional de Justiça: Estado Democrático de Direito e Accountability. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 213-228.
[4] O termo jurisprudência pode ser utilizado para significar a atividade romana de julgar com prudência para obter justiça um caso concreto (jurisprudentia), o estudo do Direito (jurisprudenz), o próprio Direito (jurisprudence) ou como um padrão decisório que serve para decidir casos futuros (jurisprudência). Entendo que no Brasil tal padrão não é, em regra, racional (passível de controlabilidade democrática dos fundamentos decisórios pela sistemática violação do dever de fundamentação) e, por isso, inexiste, em sentido técnico, jurisprudência em nosso país. O precedente, em sentido não jurídico, pode ser compreendido como uma referência, um modelo, uma razão que serve de paradigma para o futuro, bem como, “no Direito, um precedente, instituto tradicional e típico dos países sob o common law, é uma decisão judicial pretérita que acaba por ter relevância em casos subsequentes, servindo de referência na decisão desses casos”
[5] Defendemos que as Cortes Superiores do nosso país precisam assumir e fazer respeitar o relevante papel que desempenham em nosso sistema de justiça, o que afirmamos não como quem quer criticar decisões judiciais por mera desconformidade com seus interesses particulares e/ou políticos. Pelo contrário: a nossa crítica – respeitosa, repita-se – é sistêmica.
Inclusive, Luiz Guilherme Marinoni já nos alertava para isso, muitos anos antes de o atual código de processo civil ser promulgado¹. Vejamos:
“(…) O que realmente deve ter significado é a contradição de o juiz decidir questões iguais de forma diferente ou decidir de forma distinta da do tribunal que lhe é superior. O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição do tribunal, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional.
(…) Muitas decisões do juiz de 1º grau de jurisdição e do tribunal deixam de tomar em consideração os próprios precedentes invocados pelos advogados, o que, além de significar ausência de respeito ao tribunal a quem a Constituição atribuiu o dever de definir a interpretação da lei federal, representa, no mínimo, violação do dever constitucional de fundamentação. A circunstância de os juízes e os tribunais não demonstrarem as razões para a não aplicação dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça elimina a possibilidade de ser ver neles qualquer efeito.”¹ In: DA SILVA, Diego. Cortes superiores, seus precedentes persuasivos e fundamentação das decisões judiciais Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335129/cortes-superiores–seus-precedentes-persuasivos-e-fundamentacao-das-decisoes-judiciais Acesso em 06.02.2022.
[6] É notável verificar que a ideologia pessoal das fontes do direito do singular intérprete atua ainda que inconscientemente, pois o jurista será forçado a enxergar as fontes e a sua ordenação em certo modo, sendo guiado, a certas direções, em vez de outras. A ideologia das fontes do direito em certo contexto, observar que cada jurista, cada órgão de aplicação da lei, está inserido em ampla comunidade, que é estruturada de forma hierárquica, cortes superiores que podem anular as decisões de cortes inferiores, como órgãos de mera execução.
[7] Apesar de o Brasil adotar um sistema de governo presidencialista, não existe na dinâmica concreta da política e do plano institucional uma grande autonomia do Parlamento Nacional em relação à Presidência da República. Em verdade, a maioria dos congressistas constitui-se em base de apoio ao Executivo Federal, estabelecendo-se um presidencialismo de coalização. Desse modo, no âmbito da ciência política, é mais correto afirmar que a coalização governamental, guiada por interesses e propostas políticas do Executivo, produz decisões sociais e políticas na forma legal. Em outras palavras, a lei é uma decisão tomada pelo legislador com grande influência do Executivo.
[8] A restrição dos efeitos das leis vigentes ainda ocorre pelas inúmeras Resoluções, Portarias e Atos Administrativos postos pelo Poder Executivo e pelo próprio Poder Judiciário. Observam-se, por exemplo, i) inúmeras Resoluções e Portarias da Receita Federal sobre Direito e Processo Tributários, ii) diversos atos normativos editados pelo Conselho Nacional de Educação acerca do direito à educação e da gestão das atividades educacionais, iii) importantes normas sobre direito à saúde e à pesquisa no Conselho Nacional de Saúde e iv) atos normativos emanados pelo poder regulamentar do Conselho Nacional de Justiça, atuando sobre assuntos claramente objeto de Reserva de Lei (Estatuto da Magistratura).
[9] Para CELSO RIBEIRO BASTOS, a interpretação é sempre concreta, o que equivale dizer que só é passível de exercitar-se a interpretação quando se está diante de um caso a merecer decisão. Em síntese, especifica que “a interpretação tem sempre em vista um caso determinado”. A hermenêutica, de sua parte, tem por objeto os enunciados, fórmulas que serão utilizadas pelo intérprete.
[10] Essa obra teve efeitos de longo alcance, não somente no pensamento e estudo da fundamentação no direito comum inglês, mas igualmente, na teoria e moral. Trata-se de exame filosófico da base do direito. Tem sido mesmo leitura obrigatória nos cursos de filosofia. É obra relevante para aqueles que buscam a compreensão da base filosófica do direito. A obra é constituída por dez capítulos, cada um abordando um aspecto do direito. O primeiro capítulo aborda questões persistentes e perplexidades da teoria jurídica. Hart aborda três questões neste primeiro capítulo: “Como o direito difere e como está relacionado a ordens apoiadas por ameaças? Como a obrigação legal difere e como está relacionado à obrigação moral? O que são regras e até que ponto O direito é uma questão de regras?”. Perto do final de uma resposta a essas perguntas, Hart oferece uma resposta para a pergunta; O que é lei? O capítulo dois examina leis, comandos e ordens. Especificamente, o autor examina variedades de imperativos e leis como ordens cogentes. Isto é seguido por uma discussão sobre a variedade de leis, seu conteúdo, alcance de aplicação e modos de origem.
[11] Para bem a compreender, imaginariamente, pode-se criar uma estrutura piramidal, onde, de cima para baixo, se colocam normas com maior caráter subordinante, a fim de imprimir, no campo da eficácia, a orientação consequente da hegemonia e preeminência ideológica. A grande importância normativa da jurisprudência pode ser demonstrada pela criação da “Súmula da Jurisprudência Predominante” do Supremo Tribunal Federal, para proporcionar maior estabilidade à jurisprudência e facilitar o trabalho do advogado e dos tribunais, simplificando o julgamento das questões mais frequentes. A súmula, enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, constitui uma forma de expressão jurídica, por dar certeza a certa maneira de decidir. Hodiernamente, somente o STF (EC n 45/2004, que acrescentou à CF o art. 103-A) poderá emitir súmula vinculante.
[12] Existe aspecto da argumentação jurídica que intriga muito, a citação de fontes doutrinárias. E, diante da decisão do STF no caso das células-tronco, vide ADI 3510/DF, Relator Ministro Carlos Britto, j.29.05.2008, é notável a expressiva quantidade de autores e obras doutrinárias, ao longo de todos os votos que compuseram o acórdão. A noção de integridade no Direito não atende cabalmente a angústia do jurista ou à insuficiência teórica, mas ainda, é a que melhor se aperfeiçoa sobre o problema da aplicação do Direito, principalmente, da Constituição.
[13] A valorização da Constituição não implica em recusa à importância da Lei, que além de fonte imediata do Direito, é importante mecanismo de concretização e regulamentação legítima da própria normatividade constitucional. A crise das fontes do Direito ora diagnosticada demonstra Marrafon que o primado do jurisprudencialismo promove grave insegurança jurídica e viola os princípios estruturantes e basilares do modelo de Estado Democrático de Direito. Neste, o governo das leis é incompatível com o governo dos juízes e suas vontades.
[14] Em 1971 John Rawls publicou A Theory of Justice; com o tempo, ele parece ter ficado insatisfeito com a forma que sua teoria tinha originalmente tomado. O problema, diz Rawls, é que ele inicialmente havia assumido que os dois princípios da justiça como justiça (o princípio da igualdade de direitos e liberdades básicas e o princípio da igualdade justa de oportunidades emparelhados com o benefício mútuo nos resultados e, no caso ideal, o maior benefício do grupo de renda menos bem-fadado) se tornariam parte de uma teoria moral abrangente em qualquer sociedade bem ordenada na qual esses princípios eram os princípios públicos de justiça. Tal sociedade seria estável porque todos nela continuariam a manter os dois princípios à luz dessa teoria moral abrangente, que continha esses princípios como parte integrante. Mas essa aceitação uniforme de uma teoria moral, Rawls agora diz, é implausível.
Nos escritos de Rawls na década de 1980, ele argumenta que haverá, em uma sociedade livre e aberta contínua, um pluralismo irredutível de doutrinas morais e religiosas e filosóficas razoáveis. Assim, uma nova ideia, um consenso sobreposto, é chamada a formar a base da estabilidade em uma sociedade bem ordenada e pluralista. Diz-se que um consenso sobreposto se mantém em uma sociedade em que indivíduos que aderem a diferentes doutrinas abrangentes podem, no entanto, concordar com uma concepção política de justiça para avaliar a estrutura institucional básica compartilhada de sua sociedade.