Ter ou não o direito. Eis a questão
Roberto Victor Pereira Ribeiro*
Sempre me questionei ao fazer a leitura do Art. 5º, VI e VIII, CF/88, de como seria na prática a teoria constitucional dos direitos fundamentais diante de uma situação real e palpável. Imediatamente analisei um cenário em minha órbita cefálica: uma sala de audiências, dessas que todos os dias nós os operadores do Direito visitamos, tendo como presidente do recinto e dos trabalhos, ali realizados, um magistrado togado e investido de poder estatal. Duas partes como se fossem dois vetores físicos, buscando e pleiteando seus direitos. Não importa a natureza da cizânia que estão a dirimir.
Diante disso, apresento então os detalhes mais importantes dessa narração: a audiência está transcorrendo normalmente, mas às 17h de um dia pressionado por fortes precipitações pluviométricas, um dos causídicos que naquele momento laborava, solicita um aparte: “Excelência, meu cliente é muçulmano e necessita fazer sua salat do entardecer voltado para Meca. Faço esta consideração com fulcro no mais cristalino ensinamento apregoado em nossa Constituição na estesia de seu Art. 5º, inciso VI”. No pulcro espírito de nossa doutrina pátria, há o entendimento que o aperfeiçoamento constitucional em prol de garantir a liberdade religiosa, demonstra, de forma transparente, a evolução racional de uma sociedade preparada para conviver de forma democrática.
Neste aspecto faz-se necessário salientar que algumas iniciativas já foram prósperas neste sentido, tais como a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação com base na religião ou crença (1981) e o Documento final de Viena (1989). Esses documentos frisam de forma explícita a exposição dos direitos garantidos, dando-lhes caráter universal. De acordo com a corrente majoritária de estudiosos, a mais importante lição deriva da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu dispositivo XVIII, preconiza: “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião […] e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
Nesse ínterim é justo que o advogado, no bom uso de suas técnicas profissionais, postule tal direito para seu cliente. A Salat (oração) para o mulçumano é importantíssima, sendo esta positivada nas suas Xátrias (lei) e nas Fiqh (jurisprudências), além de estar citada em seu livro maior: O Corão. Na surata 2:144, encontramos o preceito de orar (salat) cinco vezes ao dia, voltado para Meca (cidade sagrada desta religião). Vale ressaltar, que o vocábulo islam, em árabe, significa submissão, comportamento este que requer fiel respeito e cumprimento de seus deveres religiosos.
Atualmente, devido aos costumes modernos, é comum se presenciar um muçulmano com um pequeno tapete ou uma esteira pessoal, estendendo-os onde estiver, para que, genuflexamente voltado para Meca, profira sua salat. Desta forma vislumbramos o quanto é banhada de caráter vitae religiosum a forma como é conduzida a vida de um islâmico. Na sabedoria de José Afonso da Silva, “A liberdade religiosa como consta no dispositivo constitucional se segmenta em três partes: liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa”.
Assevera ainda o mesmo doutrinador: “A liberdade de culto compreende a de expressar-se em casa ou em público quanto as tradições religiosas, os ritos, as cerimônias e todas as manifestações que integrem a doutrina da religião escolhida”. Nos colendos acórdãos prolatados por nossos Tribunais de Justiça encontramos um que afirma: “A Constituição Federal assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não for contrário à ordem, tranqüilidade e sossegos públicos, bem como compatíveis com os bons costumes” (RTJ 51/344). Nesse ensejo, surge a seguinte dúvida: É tida como legal e certa a permissão judicial respeitando o diploma constitucional e permitindo assim a oração, desde que não afete a outra parte?
Na minha humilde opinião creio ser legal, lícito e, sobretudo, respeitoso, conceder um intervalo a critério do juiz, permitindo assim, a oração de um cidadão protegido pela Constituição Federal a fim de que possa usufruir de sua liberdade para cumprir o dever de orar. Quem sabe, dessa forma, gradativamente, vão se findando os conflitos sociais… Quem sabe?
14/3/2009
* Advogado. Pós-Graduando em Direito Processual. Membro da Associação Brasileira de Advogados. Membro da Associação Brasileira de Bibliófilos. Membro da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho. Membro da Associação Cearense de Escritores. Membro do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. Membro do Instituto dos Advogados Cristãos do Brasil
Pesquisador de Ciências das Religiões, Teologia e Parapsicologia. Articulista de diversas revistas e jornais nacionais. Autor do livro “O Julgamento de Jesus Cristo sob a luz do Direito”, Ed. Pillares, 2009.