Dentre as propostas de mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (PL – 2872) está uma que estabelece tempo máximo de condução contínua, intervalo de tempo de descanso obrigatório antes de retomar a condução, além de tempo de descanso contínuo ininterrupto, tudo isso sob pena de incorrer em infração administrativa de trânsito, fiscalizada por agente da autoridade de trânsito, aplicável em veículos nos quais o tacógrafo (registrador inalterável de velocidade e tempo) seja considerado equipamento obrigatório. Não resta qualquer dúvida que o cansaço, o excesso de carga horária de condução contínua sem intervalos e com pouco tempo de repouso são fatores que contribuem com as fatalidades no trânsito, mas nos parece necessário determinar se a natureza da norma é de ‘TRÂNSITO’ ou ‘TRABALHISTA’. Não são apenas os condutores de veículos nos quais o tacógrafo é obrigatório que são expostos a jornadas exaustivas, quase escravas, de trabalho. Podem ser taxistas, motofretistas (que por força da Lei 12009 virou profissão), motoristas particulares ou até concursados para atender autoridades públicas, entre outros diversos ‘motoristas’ que estão sujeitos ao mesmo desgaste que em última análise compromete a segurança de trânsito. Nesse caso a legislação de trânsito daria um tratamento diferenciado a uma classe que a legislação trabalhista daria tratamento equiparado ou equivalente. Seria papel do agente de trânsito autuar e a autoridade penalizar como infração de trânsito, ou deveria levar a conhecimento do Ministério Público do Trabalho para que as providências e exigências trabalhistas sejam tomadas, sendo o tacógrafo um dos elementos de prova de abuso laboral.
No PL-2872 a carga horária contínua não poderia ultrapassar 4 (quatro) horas, com hipótese de prorrogação de mais 1 (uma) hora se não houver onde parar com segurança. Um trecho de 150 Km pode ser vencido em menos de duas horas de forma ininterrupta, portanto o veículo conduzido por apenas um motorista sem necessitar de ajudante, porém num início ou fim de feriado prolongado, com promessa antes e confirmação posterior de tempo ensolarado, que as pessoas aproveitam até a última réstia de Sol, tal trecho pode chegar a uma dezena de horas, contando a ocorrência de pequenas colisões no caminho, afunilamento após praças de pedágio, entre outros fatores que tornariam inviável a interrupção, sem riscos de agressão ao motoristas.
O mesmo questionamento pode ser feito sobre as punições a serem aplicadas aos motoristas que tomem rebites e outras drogas que comprometem a segurança de trânsito e causam dependência, para se manterem acordados, e que responderiam pelos mesmos dispositivos administrativos e criminais aplicáveis ao motorista embriagado (Lei Seca), se a solução é ‘apenas’ punir o motorista que ingere essas drogas ou o empregador ou contratante que impõe tarefas exaustivas ( e escravas) que obrigam o motorista a se drogar?
* Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito da UNICURITIBA.