De “vit” de Vitória e de carnaval “al” surgiu o codinome VITAL que denomina o carnaval fora de época em nossa cidade.
Trata-se de um evento de grande porte, pelo que se alegram comerciantes, hoteleiros e quantos mais se possam beneficiar dos reais que chegam através do contingente humano que se quer divertir, gente daqui mesmo ou vinda de outros lugares. Beneficia-se também a galera da geral, barraqueiros e donos de carrinhos de guloseimas diversas, produzidas certamente, sem adoção dos critérios desejáveis ou que assegurem que não causará malefícios à saúde dos vorazes consumidores.
É formada do contingente de desempregados que têm na ocasião oportunidade de ganhar um dinheirinho que permita continuar sobrevivendo e de boa parte daqueles que na economia informal, exatamente por ser informal, já fizeram fortuna.
Além disto, trata-se de um fim de semana durante o qual “vale tudo” em nome de uma suposta alegria. São mostradas multidões em quase transe ao som do frenesi de músicas quanto mais aceleradas melhor e cuja letra sem compromisso gramatical, nem com a moral e os bons costumes é interpretada tal qual o que a mesma diz.
A praia vira motel a céu aberto, privadas desqualificadas, todo lixo vira problema do mar. Esquece-se por exemplo, o tempo que dura o plástico para se tornar inócuo, se antes não for engolido por algum peixe causando-lhe a morte. O mar recebe tudo o que é jogado, desde camisinhas, tênis, chinelos e quanto mais na oportunidade se descarta.
Que importa, dizem alguns, se a cidade se promove, se o lucro é fantástico! Lucro? só se for de apenas alguns privilegiados. A grande maioria perde. Perde tranqüilidade, perde horas de sono, perde pelos incômodos todos, perde parte da saúde, inclusive quem entra na folia, porque não há tímpanos que saiam ilesos depois de tanta agressão. Perde a população, porque perde o mar, a praia, a ecologia.
Neste sentido é que, fazendo eco com a Associação de Moradores de Jardim Camburi e com tantos outros que se calam, não por não terem voz, mas por estarem sufocados, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ergue sua voz e faz valer sua atribuição constitucional de defender a lei, os interesses indisponíveis da sociedade e enceta uma luta: a de não consentir que o evento seja além de tudo que já é, fator de destruição ambiental, porque “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art 225 CF).
Não se trata de preservar o meio ambiente, apenas para quem já vive dependendo dele, mas também para as futuras gerações cuja sorte já está selada pela falta de água e por todos os males que são causados ao meio ambiente, se continuarmos ignorando a realidade, se não lutarmos diuturnamente e com todas as forças no sentido de preservá-lo no ponto em que já chegou e adotando formas de resgatar as perdas que sofreu, pela indiferença, pela inconseqüência, pela ambição e pela ganância do lucro fácil.
A lei determina que tudo que venha a acontecer e que represente possibilidade de agressão ambiental deve ser primeiro objeto de avaliação, de mensuração do impacto ou das conseqüências prováveis. Devem ser adotadas medidas preventivas e a autorização oficial só há de ser dada quando de tudo se puder ter assegurado.
Todos têm dever de preservar o ambiente. Este dever se agiganta quando se trata do Governante a quem o povo confia uma parcela de sua liberdade contanto que viva a restante como merece e como lhe é devido.
Não existe por parte da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – ou ao menos não existiu até agora – cuidados maiores em conceder permissão para realização de eventos poluidores de toda sorte e gênero. As reclamações se multiplicam. Tem-se ciência de violações de todo tipo aos direitos humanos. Cachaçada e quebradeira. Gente que sai sem dentes e com outros tipos de lesões corporais. A segurança – inoperante ou inexistente – não previne nada. Nem se olvide que tiros já causaram paraplegias…
Queremos nossa cidade projetada, pois é linda e merece! Muito mais queremos que nossa gente viva tranqüila e livre de todos os males que a deixam insegura e “stressada”. A projeção melhor deve ser traduzida pela certeza de uma boa qualidade de vida. E isto é compromisso irrenunciável de quem governa.
Não se diz que um evento seja irrealizável. O que se quer é que se realize, mas onde, como e quando não cause tantos transtornos. E se for o caso de repetirem-se outras Sodoma e Gomorra deixe-se a responsabilidade sobre quem a tiver.
Coitado do mar, um ecossistema que como o mangue ou a floresta ou o pantanal é aquele meio, onde os seres que o habitam se integram, se comunicam, repartem o que são com todos, repartem não apenas o que os circunda, mas a própria essência, o próprio ser; não vivem apenas por si, nem simplesmente deixam os outros viverem, mas asseguram reciprocamente vida em comum, vida em plenitude, vida em potencial.
E tudo não obstante as próprias diferenças, não importa que este seja lama, enquanto aquele é crustáceo, ou molusco; um é água, o outro é raiz. A força do ar e a luz do sol também lhes vão ao encontro. E quando são plenitude servem ao homem indistintamente, até quem o molesta.
Vital não é vital. Vital diz respeito à vida, é o que é próprio para a preservação dela, é fertilizante, é de importância capital e essencial.
Por estas e outros motivos é certo que: o Vital não é vital.
* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.