O Plano de Aposentadoria da OAB/SP
Fernando Machado da Silva Lima*
17.07.2008
No ano passado, a página oficial da OAB federal publicou notícia, a respeito de um plano de aposentadoria especial dos deputados paranaenses. O Governador Roberto Requião havia vetado o projeto, mas a Assembléia Legislativa rejeitou o veto, aprovando assim a Lei Complementar nº 120, que instituiu esse plano. Os dirigentes da OAB paranaense consideraram imoral esse plano de aposentadoria, devido à utilização de recursos públicos, e o Conselho Federal da OAB decidiu questionar, perante o Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade dessa Lei.
Assim, em agosto de 2.007, foi ajuizada, perante o Supremo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.948, impugnando a Lei Complementar nº 120, integralmente, em face do art. 202, caput e § 3º da Constituição Federal. Dentre outras razões, consta, na petição inicial da OAB, que:
“Os detentores de mandato eletivo não detêm cargo efetivo. A natureza do cargo é transitória. O artigo 40, caput, da Constituição Federal não lhes é direcionado. Em parágrafo do artigo 40, há norma que a eles é dirigida, qual seja, o § 13, que estabelece: “ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.” Os mandatos incluem-se na categoria “outro cargo temporário”, pena de esvaziamento, por falta de incidência, desse próprio aspecto do comando constitucional.”
O Supremo nada decidiu, ainda; nem mesmo concedeu a liminar, mas é evidente que a OAB tem razão. Aposentadoria com dinheiro público, somente para servidores efetivos. Não há nenhuma dúvida a esse respeito. Deputados não são servidores efetivos. E o problema ocorre, certamente, em outros Estados, e também em muitos municípios.
Mas o problema, que nos aflige, agora, é o seguinte: se os dirigentes da OAB sabem, perfeitamente, que apenas os servidores efetivos podem ter uma aposentadoria com dinheiro público, ou uma aposentadoria oficial; se os dirigentes da OAB sabem, perfeitamente, que para os cargos em comissão, para os cargos temporários, e obviamente, com maior razão, para os profissionais liberais, para os advogados, a opção seria o regime geral de previdência social; como é possível que, em São Paulo, os advogados tenham direito a um plano oficial de aposentadoria, que era administrado pelo IPESP, o fundo de pensão do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, e que será substituído pelo Sistema Previdenciário do Estado, o SPPrev?
A “Carteira dos Advogados”, criada por uma lei de 1.970, era administrada pelo IPESP, que recebia percentuais de custas judiciais. Hoje, são quase quarenta mil advogados, muitos já aposentados.
Mas o sistema está em crise, porque a Lei nº 11.608/2003 acabou com a principal receita da “Carteira dos Advogados”: o repasse da taxa de mandato, denominação dada às custas de juntada de procurações e substabelecimentos – código 304 da GARE, e o repasse do percentual das taxas judiciárias – código 236 da GARE. Fala-se que a “Carteira dos Advogados” acumulou um bilhão de reais, sendo 70% de dinheiro público, resultante dos referidos repasses. Mesmo assim, o sistema está em crise, porque sem o repasse de dinheiro público, ou seja, das taxas judiciárias, não será possível pagar as aposentadorias dos advogados e de seus dependentes.
Mas os advogados paulistas, assim como os deputados paranaenses, não detêm cargo efetivo – aliás, eles não detêm cargo nenhum -, e é imoral que eles se aposentem com dinheiro público. Os dirigentes da OAB não podem continuar defendendo, apenas, os interesses corporativos, esquecendo a sua missão institucional, de defesa da Constituição. Que, aliás, estão defendendo, com muita propriedade, através da citada ADI nº 3.948, porque os deputados paranaenses, que não são servidores efetivos, não podem se aposentar com dinheiro público.
Da mesma forma, porém, os dirigentes da OAB devem defender a Constituição, neste caso, do plano previdenciário da OAB/SP, porque os advogados são profissionais liberais, e não servidores efetivos. Nem mesmo com a citação do art. 133 da Constituição Federal: “O advogado é indispensável à administração da justiça..”
Aposentadoria com dinheiro público, somente para servidores efetivos, e os advogados são profissionais liberais, remunerados através dos honorários que recebem de seus clientes – à exceção, obviamente, dos advogados públicos, estes sim, concursados e efetivos.
Mesmo que se confunda o inconstitucional Exame da OAB com um concurso público – o que é um rematado absurdo, que alguns juristas já defenderam -, não existem cargos de advogados na OAB, criados por lei e remunerados com dinheiro público. Aliás, a OAB, segundo os seus próprios dirigentes, não lida com dinheiro público, e o Supremo já decidiu, na ADI 3026, que a OAB não pertence à administração pública e que “não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público”.
Portanto, os advogados não podem ser aposentados com dinheiro público, e as taxas judiciárias, que a “Carteira dos Advogados” recebia, são tributos, ou seja, são receitas destinadas ao Estado Brasileiro.
A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, também, na ADI nº 1145, que “as custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária”…, e que o produto de sua arrecadação não pode ser destinado “a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados”…
Alguns juristas têm defendido, em brilhantes pareceres, os “direitos adquiridos” dos advogados paulistas. Os dirigentes da OAB/SP, do AASP e do IASP “estão trabalhando em três frentes: política, jurídica e legislativa, buscando encontrar uma solução que assegure os direitos adquiridos dos cerca de 30 mil colegas contribuintes da Carteira. Em nosso entender, a Carteira dos Advogados deve ser incorporada à SPPrev, sendo que o governo do Estado tem responsabilidade”. (Luiz Flávio Borges D’Urso, Presidente da OAB/SP)
Na minha opinião, ao contrário, leis inconstitucionais não geram direitos adquiridos. O dinheiro público, indevidamente direcionado para beneficiar os advogados paulistas, deveria ser devolvido. Infelizmente. E os responsáveis, políticos, dirigentes, etc., exemplarmente punidos.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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