Sociedade

Mendicância

 

 

Com a edição da Lei 11.983/09  andou bem o legislador em revogar o tipo penal do art. 60 da Lei de Contravenções Penais, qual seja, a mendicância.

 

A referida contravenção apresentava cunho de inequívoco Direito Penal do Autor, pois, recaía sobre o “ser” e não o “fazer” da pessoa, logo, permitia a punição pelo que a pessoa “era” e não pelo que esta “fazia”. Ser mendigo jamais deveria ser tipificado como infração penal, aliás, trata-se na verdade de um grave problema social e não um “problema penal”.

 

Já foi tarde esta atrocidade que existia na lei de contravenções, mas como diz o ditado popular “antes tarde do que nunca”. Agora resta revogar também o tipo penal da vadiagem (art.59 da Lei de Contravenções Penais).

 

Um Direito Penal Constitucional somente pode ser o DIREITO PENAL DO FATO que é aquele que criminaliza o “fazer” da pessoa. Jamais alguém pode ser punido pelo que “é”, pois isto é extremamente violador do princípio da dignidade da pessoa humana e consubstancia inequívoco DIREITO PENAL DO AUTOR,  mas infelizmente quando surge algum problema na sociedade, não importa a época, sempre tentam utilizar como solução a mão pesada do Direito, qual seja, o DIREITO PENAL.

 

Criminalizando a mendicância, o legislador violava a dignidade da pessoa, pois, além desta pessoa já se encontrar em situação que o levou a mendigar, ainda recebia do Estado esta atroz infração penal que o considerava infrator da Lei Penal pelo simples fato de SER MENDIGO. Em vez do Estado ajudar o mendigo, preferiu “chutar quem já estava caído”.

 

Considerar o mendigo como infrator da Lei Penal é consagrar um DIREITO PENAL DO AUTOR em nosso ordenamento jurídico, aliás, necessário asseverar que mesmo com a revogação do art. 60  da Lei de Contravenções, ainda temos na mesma Lei mais um infeliz exemplo de Direito Penal do Autor, que criminaliza o “ser” e não o “fazer” da pessoa, qual seja, a vadiagem (art. 59).

 

Quando o legislador toma medidas iníquas como às dos arts. 59 e 60 da Lei de Contravenções ignora por completo o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, jamais alguém deve ser  punido pelo que “é”, a punição só deve recair sobre o “fazer” e nunca pelo “ser”.

 

O princípio da ofensividade ou lesividade também é violado, pois, conforme o referido princípio não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico relevante, logo,a punição jamais deve recair sobre o “ser” de uma pessoa.

 

O Direito Penal do Autor “reinou” durante um terrível período da humanidade: O NAZISMO. Com base na Lei que criminalizava o “ser” da pessoa, milhões morreram por serem judeus, homossexuais, etc. Este iníquo Direito Penal deve ser rechaçado de uma vez por todas. Lembrando ainda que todo direito penal do autor é um verdadeiro Direito Penal Do Inimigo, assim, deve ser veementemente rechaçado, pois, representa a mais absurda regressão do DIREITO.

 

Assim, já foi tarde a contravenção do art. 60 da Lei de Contravenções, qual seja, a mendicância, todavia, resta ainda a revogação da contravenção da vadiagem.

 

 

 

* Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo, Advogado em Santos/SP. Pós- graduado em Função Social do Direito pela UNISUL/LFG. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) , ao Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH) e ao  Instituto de Ciências Penais (ICP). Autor do Livro CRIMES CONTRA A VIDA, publicado pela Ed. Memória Jurídica.

Como citar e referenciar este artigo:
SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim Vieira. Mendicância. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/mendicancia/ Acesso em: 27 dez. 2024
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