Por: Filipe Serafim Mapilele[1]
Agostinho Bonfílio Mendes da Conceição[2]
Resumo
O presente artigo analisa de forma sumária o comunicado do presidente moçambicano sobre os consensos alcançados com o presidente da Renamo, sobre as reformas a serem implementadas na forma de eleição dos governadores provinciais, e outros órgãos locais do poder. A descentralização administrativa é enfatizada no caminho conjunto com a desconcentração do poder, que permitem melhor participação das comunidades locais nos processos de desenvolvimento, e as instituições locais do Estado investidas de poder suficiente para decidir os processos.
Palavras-Chave: Descentralização, Desconcentração, Reforma, Eleição, Resolução de Conflitos.
Abstract
This article briefly analyzes the Mozambican president’s communiqué on the consensus reached with the president of Renamo on the reforms to be implemented in the form of election of provincial governors and other local organs of power. Administrative decentralization is emphasized along the path of deconcentration of power, which allows better participation of local communities in development processes, and local state institutions invested with sufficient power to decide the processes.
Keywords: Decentralization, Deconcentration, Reform, Election, Conflict resolution.
Introdução
No dia 07 de Fevereiro de 2018 Moçambique foi surpreendido e presenteado por um comunicado de imprensa do Presidente Filipe Jacinto Nyusi, no qual apresenta vários pontos de concórdia no diálogo político que tem vindo a correr entre a Renamo e o Governo, ou se quisermo dizer de forma mais pragmática e realística, entre a Renamo e a Frelimo.
A declaração do Presidente da República (PR) em Comunicado de Imprensa figura-se como uma espécie de fonte de água no deserto, uma vez referenciar que vai resolver os problemas ora tidos desde antes do início desta legislatura em 2015. Os problemas que se debatem são fundamentalmente ligados à corrida eleitoral, que os resultados desde 1994 (ano em que se realizaram as primeiras eleições democráticas e multipartidárias no país), são objecto substancial de discussões e revoltas constantemente.
A discussão sobre os resultados eleitorais em Moçambique, onde a Renamo revindica sempre vitória e roubo de votos pela Frelimo, e a Frelimo canta vitória no seu slogm “a vitória prepara-se a vitória organiza-se”, já custou muito para a economia do país e para as vidas humanas, que vez em vez são disimadas, quando se fazem as barreiras militares no Save – Muxúngue, protestos em todos os cantos do país, etc., tal que parece agora estar a encontrar alguns caminhos de soluções menos custosas para a vida do povo.
Esta breve análise, relembra muito sumariamente o contexto que o Governo Moçambicano (Frelimo) e o Partido Renamo a criarem um espaço de debate muito distante da Assembleia da República, os recorridos problemas de resultados eleitorais, e questiona se os modelos da proposta de comunicado do PR poderão trazer soluções definitivas aos problemas sempre assistidos.
É revista a ideia da descentralização administrativa e da desconcentração como objecto central da análise, uma vez que o modelo apresenta uma linhagem de descentralização administrativa e a criação de novas instituições e órgãos de administração local.
Objectivos
Geral – Analisar o modelo de descentralização proposto no comunicado do PR para a solução das divergências polítcas em Moçambique.
Específicos
a) Apresentar o histórico da descentralização em Moçambqiue.
b) Discutir os modelos de descentralização na proposta do PR para a solução das divergências sócio-políticas no país e sua exequidade.
c) Questionar a eficácia sócio-política das propostas do PR e a sua viabilidade económica.
1. Descentralização Administrativa e Desconcentração do Poder: Âmbito Teórico
A descentralização pode ser tomada como uma condição necessária, contudo não completa para o processo da participação das comunidades no desenvolvimento de uma nação. A participação é factor de viabilidade da descentralização, quando o deslocamento do poder de decisão pode ser um meio para democratizar a gestão através da participação, o que aponta para a redefinição da relação Estado e Sociedade. Ora, os modelos de descentralização devem estar definidos de tal modo que permitam uma maior participação das comunidades locais, o que poderá catapultar iniciativas diversificadas para o desenvolvimento das comunidades.
Para tanto, considera-se que a participação pode ser um facilitador na implementação dos processos de descentralização das políticas públicas, lembrando que a participação tem sua legitimidade na consciência de sua importância, como destacado por Tenório e Rozenberg (1997).
Conforme entendido por Abrucio (2006), a descentralização é utilizada para denominar a transferência de atribuições do Estado à iniciativa privada, privatização ou dando concessão de serviços públicos e a transferência de poder do governo para uma comunidade ou para uma ONG. Por via disso, o processo de descentralização é intimamente entendido como sendo o da diversificação das instituições, transportando-as de um lugar sede para criação de várias delegações.
Fundamentalmente, a descentralização está ligada ao processo de transferência da administração ou execução de políticas sociais da administração directa para uma administração indirecta, tal como se pode notar nos processos de autarquias, de delegações de empresas, instituições estatais, etc.
Por seu turno na desconcentração ocorre a distribuição de competências, sistematizada de tal forma que, as atribuições são distribuídas internamente entre os entes de uma mesma pessoa jurídica. “Na desconcentração está sempre presente o vínculo de subordinação e hierarquia” (ARAÚJO, 2005, p. 142).
O processo de descentralização é plasmado na Constituição da República de Moçambqiue de 2004 (CRM), quando refere no número 1 do artigo 7 que “a República de Moçambique organiza-se territorialmente em províncias, distritos, postos administrativos, localidades e povoações”.
Em Dezembro de 2010, o Governo Moçambicano apresentou uma versão preliminar da Politica Nacional de Descentralização (PEND – Política e Estratégia Nacional de Descentralização) a um grupo de doadores. A ideia era ter a PEND – uma ‘meta’ a ser atingida pelo governo dentro do quadro da revisão conjunta desde 2006 – aprovada e adoptada nos meses seguintes
A aprovação e publicação da PEND, e as correspondentes implementação e monitoria, de acordo com um quadro estabelecido, teriam significado, em primeiro lugar, a definição pública de uma perspectiva para a transformação do sistema político e administrativo moçambicano a favor do governo local.
Esta perspectiva era esperada pelas partes envolvidas e por outros grupos interessados desde o início do discurso sobre a descentralização em finais da década de oitenta: as autoridades ao nível do governo central e local, parte das elites socioeconómicas e culturais aos vários níveis, a população em geral e os doadores estavam desejosos de apoiar esta transformação.
A descentralização administrativa, por sua vez representada pelos Órgãos Locais do Estado (central) (OLE), tem sido implementada por meio de instituições subordinadas com pouca autonomia. A partir de uma perspectiva académica, muitos se tem questionado se a desconcentração pode ser considerada uma forma genuína de descentralização. As duas componentes da descentralização, ambas partes integrantes da
Para toda a compreensão , é preciso notar que o processo de descentralização é insispiente enquanto não se fizer acompanhar pela desconcentração. Isto porque a descentralização enquanto alastramento das instituições para o local, precisam munir-se de poder suficiente para decidir e fazer caminhar os processos administrativos a nível local, privilegiando a celeridade e a eficácia, que se vislumbram em consequência na maior satisfação dos utentes do serviços públicos.
2. Diálogo entre o Governo e a Renamo: Marco Histórico
O diálogo entre o Governo e a Renamo hoje assistido de formas diversificadas possui um percurso muito longo na história do país, dai que pensamos que as soluções a serem dadas, se se querem definitivas, deviam reunir opiniões de várias sensibilidades do país, e colher experiências comparadas de outras nações.
Muito sumariamente descrevemos o desenrolar dos conflitos entre a Frelimo ou o Governo Moçambicano e a Resistência Nacional Moçambicana – a Renamo, desde os cenários da fundação do Estado Moçambicano, até aos actuais, ressaltando os marcos mais importantes para fundamentar a nossa reflexão.
Em 1975 – fim de mais de uma década de guerra de libertação, a República Popular de Moçambique é proclamada a 25 de Junho por Samora Machel, Presidente da Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, e primeiro Presidente do país. A Revolução dos Cravos, que, a 25 de Abril do ano anterior, tinha derrubado a ditadura em Portugal, abriu o caminho para a independência das então províncias ultramarinas (à excepção da Guiné-Bissau, cuja independência foi proclamada unilateralmente a 24 de Setembro de 1973, reconhecida internacionalmente, mas não por Lisboa) e a assinatura dos Acordos de Lusaka, a 7 de setembro de 1974, entre o Estado português e a FRELIMO. Na capital da Zâmbia é reconhecido o direito à independência do povo moçambicano e acordada a transferência de poderes. A FRELIMO assume o poder e declara Moçambique um estado monopartidário marxista.
Já em 1976, um ano após a independência, eclode uma guerra civil entre o Governo da FRELIMO e “os rebeldes”[3] da RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana. O conflito dura 16 anos. A maior parte deste período inclui-se na Guerra Fria, que se reflecte nos apoios recebidos por um e pelo outro lados: a FRELIMO, de orientação marxista a partir de 1977, é apoiada por países como a União Soviética, enquanto a RENAMO recebeassistência da África do Sul a partir de 1980, depois do colapso da Rodésia (actual Zimbabwé).
No ano de 1990 a FRELIMO abandona a ideologia marxista e revê a Constituição do país. O novo texto prevê um sistema político multipartidário. O país abre-se para uma economia de mercado. Governo e rebeldes reiniciam negociações no sentido de chegar a um cessar-fogo. Já antes, em 1984, as duas partes do conflito tinham assinado um cessar-fogo sob o Acordo de Nkomati. A condição, imposta no acordo, de que a FRELIMO retiraria o seu apoio ao Congresso Nacional Africano, ANC, e a África do Sul, por sua vez, o seu à RENAMO nãosobrevivera muito tempo e este primeiro cessar-fogo saíra frustrado.
Em 1992 FRELIMO e RENAMO assinam o Acordo Geral de Paz a 4 de Outubro, em Roma, Itália. No fim da guerra, contam-se mais de um milhão de mortos, a economia moçambicana está de rastos e o país é considerado o mais pobre do mundo. Este acordo tomou a forma de Lei, por via da Lei n. 13/92 de 14 de Outubro.
A partir de 1994 o país passa numa rotina de cinco em cinco anos a celebrar festa da democracia multipartidária, com a realização de eleições, sufragando de forma directa e secreta os órgãos de soberania do país, especificamente o Presidente da República – que forma o seu governo, e os parlamentares – que também possuem Assembleia da República e Assembleias Provinciais, divididos em bancadas parlamentares formadas por partidos políticos ou coligações que tenham concorrido.
Até ao momento, na Assembleia da República tomaram acento a Frelimo, a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique – MDM, este último com aparição no sufrágio de 2009 e de 2014, com oito e dezasseis deputados, respectivamente, figurando-se como a terceira maior força política do país.
Em 2009 o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, ameaça recomeçar a guerra depois de voltar a perder as eleições presidenciais contra Armando Emílio Guebuza, candidato da FRELIMO. Em 2005, Guebuza tinha sido nomeado chefe de Estado, depois de vencer as presidenciais de novembro do ano anterior. A RENAMO volta a acusar a FRELIMO de fraude perante o resultado: 75% para Armando Guebuza. Desta vez, também observadores acusam a Comissão Nacional de Eleições de não trabalhar de forma independente.
A 8 de Março de 2012 começam os ataques, e um polícia é morto em confrontos com ex-combatentes da RENAMO, instalados há três meses na sede do partido da oposição na cidade de Nampula, no norte do país. A 4 de Outubro 2012, enquanto Moçambique festeja os 20 anos de paz e do Acordo Geral de Paz de 1992, que foi assinado em Roma, na Itália, cresce a insatisfação no seio da RENAMO.
A 17 de Outubro de 2012 Dhlakama instala uma base militar na região da Gorongosa, no centro de Moçambique, e começa a treinar antigos veteranos, exigindo uma nova ordem política. Satunjira foi a primeira base fixa militar do então movimento rebelde da RENAMO em 1980. A data do regresso de Dhlakama a Satunjira, 17 de outubro, coincide com o aniversário do primeiro líder da RENAMO, André Matsangaissa, morto em 1979 durante a guerra civil. Dlakhama chegou de Nampula, a capital do norte do país e uma das províncias de maior implantação da RENAMO junto do eleitorado, onde tinha permanecido nos meses anteriores após a sua saída da capital Maputo.
No dia 3 de Dezembro de 2012 começam negociações entre o Governo e a RENAMO, que exige uma maior representação nas forças armadas, a revisão do sistema eleitoral e um quinhão mais importante das receitas de gás e carvão. As conversações falham.
No dia 5 de Setembro de 2014 O Presidente de Moçambique, Armando Guebuza e Afonso Dhlakama, líder da RENAMO, assinaram o acordo de cessar-fogo. O acordo foi assinado na presença de dezenas de diplomatas e responsáveis governamentais na sede da Presidência moçambicana, em Maputo. Menos de vinte e quatro horas após o seu regresso a Maputo, depois de abandonar o local incerto onde se encontrava há cerca de um ano, por causa da tensão político-militar no país, o líder da Resistência Nacional de Moçambique, RENAMO, Afonso Dhlakhma, e o Presidente Armando Guebuza, abandonaram a sala de mãos dadas.
Realizado o pleito eleitoral em Outubro de 2014 e anunciados os resultados que conferiram vitória ao candidato da Frelimo que tomou posse me Janeiro de 2015, a Renamo reivindica mais uma vez roubo de votos, e pede que seja formado primeiro um Governo de Unidade Nacional, tal que não se atendeu, e a seguir pediu a nomeação dos seus quadros para governadores das províncias em que teve maior votação, nomeadamente Sofala, Manica, Tete, Zambézia, e Nampula. Porém, não foi atendido o pedido, e uma nova linguagem e debate entra no país: autarquias provinciais.
Alastradas as divergências entre o governo formado e liderado por Filipe Nyusi e a Renamo, este último regressa às matas e abre-se um novo ciclo de negociações e discussões. A 11 de Fevereiro de 2016. No centro do país volta-se ao cenário de ataques. Quatro viaturas foram atacadas na manhã quando circulavam entre Rio Save-Muxúnguè, na província de Sofala, centro de Moçambique. Supõe-se que os homens armados da RENAMO sejam os autores.O braço armado do maior partido da oposição moçambicana, RENAMO, protagonizou três ataques separados a viaturas na estrada nacional número 1, a principal estrada do país, na província central de Sofala. Segundo a polícia o balanço é de três feridos ligeiros e danos materiais não avultados.
Dai em diante viveu-se três cenários: o parlamento existindo e actuando no país, a Renamo e o Governo em negociações no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano e três troços principais, dos quais dois da Estrada Nacional Número 1, condicionados a escoltas militares por haver ataques da Renamo às vitaturas e civis em circulação.
Os ataques vieram a ter uma trégua nas vésperas das festas do Natal de 2016, quando o líder da Renamo depois de ter entendimentos com o PR tomou o telefone e por via de uma telecomunicação anunciou trégua por um prazo de três meses. Findos três meses da pausa de tensão militar, o líder decidiu dar mais prolongamento, e terminou com mais um anúncio de trégia ilimitada, enquanto corre o diálogo directo entre as lideranças máximas do Governo e da Renamo.
2.1. A Crise Política
Moçambique viveu desde o momento da sua fundação como Estado cenários de muita crise, que levam-nos a questionar se os modelos apresentados hoje pelo Chefe do Estado podem responder positivamente e de forma definitiva às inquietações da sociedade.
A governação funda-se essencialmente em questões de desenvolvimento huamno, vislumbrado pelo bem-estar económico, social, paz e tranquilidade, a empregabilidade e acima de tudo a possibilidade de exercer o direito à participação na gestão da res publica, por vias que a constituição e as leis o permitam, como formas de exercício de cidadania.
Macamo (2014) entende que a crise vivida em Moçambqiue desde 2013 que é muito ligada aos problemas de conflitos eleitorais e acesso às instituições do Estados, é essencialmente uma crise de cidadania. “A crise político-militar vivida em Moçambique a partir de 2013 e uma crise decidadania. Ela não começa, contudo, com a violação dos Acordos de Roma. Elacomeça com a prerrogativa que alguns reclamaram para si próprios de serem os intérpretes da vontade do povo” (MACAMO, 2014, p. 54).
Há uma grande dicrepância de naração histórica no país: por um lado está a Frelimo relegando-se o direito histórico de libertador do país, e legitimando o seu papel de gestão ad aeternum do país, e por outro lado está a Renamo anunciando e reivindicando a partenidade da democracia multipartidária no país, em razão da sua luta em 16 anos de guerra civil.
Estas posições de glórias que cada um busca para si, têm feito com que país viva numa democracia continuante de promessas como se se tratasse de vida eterna depois da morte, e os conflitos militaes em todos os pleitos eleitorais se tornam o elemento comum. Macamo, sobre as promessas eleitorais e rumo da democracia refere que:
Aqui intervêm outros aspectos, dentre os quais se podem destacar três queserão apresentados de forma sucinta. A democracia que Moçambique tem vindoa construir é uma democracia de espectadores. Quem evolui no palco político sãotecnocratas que prometem a solução dos problemas do povo a partir de modelosvariados que não se baseiam necessariamente na construção das vontades sociaisnem na articulação dos interesses sociais. Deste modo, as eleições não apresentamnecessariamente modelos alternativos de sociedade, mas, sim, e apenas, variações dotema “solução dos problemas do povo”. (MACAMO, 2014, p. 55).
Considerados estes elementos, numa análise sobre a efectividade das promessas apresentadas pelo PR para a solução dos problemas eleitorais mediante emprego de métodos de descentralização, passamos a refletir sobre os principais pontos apresentados na comunicação do presidente.
3. A Comunicação Presidencial: Que Questões a Levantar?
O comunicado do Presidente da República Filipe Nyusi apresentado a 7 de Fevereiro do corrente 2018 figurou-se como uma fonte de água no deserto, uma vez que a comunidade moçambicana já se ressentia da falta da paz, e questionava se a paz que o PR disse ser sua principal prioridade governativa teria sido esquecida, ou o seu coração que disse caber todos os moçambicanos, teria tido falhas de cálculo e poucos cabessem nele.
O PR deu boas esperanças para o povo moçambicano que já procura lugar de repouso de longa história de sofrimento e ausência contínua da paz. Deixou claro o PR que ele mesmo vai submeter o documento proposta à Assembleia da República, que abre a sétima sessão no dia 28 de Fevereiro, e que vai ter a Revisão Pontual da Constituição da República como o topo da agenda.
A submissão da proposta de revisão pontual da CRM por parte do PR revela já uma segurança de que as propostas serão chanceladas pela Frelimo, uma vez a figura do PR e do presidente do partido coincidirem, e será chancelada pela Renamo, porque esta proposta é produto dos consensos entre os dois líderes partidários. O MDM por ser o penalizado, conforme demonstraremos mais em frente, pode votar contra ou se abster, mas os seus dezasseis membros na Assembleia da República nada mudam. Portanto, a proposta passará nos moldes que a Frelimo e a Renamo pré-acordaram.
A proposta acordada entre os dois líderes da Frelimo e Renamo tem como principais linhas: eleição e nomeação dos governadores provinciais, eleição dos órgãos das autarquias locais, e eleição e nomeação dos órgãos de administração distrital. A nossa reflexão a seguir reflete sobre cada uma das disposições.
3.1. Governadores Provinciais
Depois das eleições gerais de 2014 Moçambique viveu momentos de grandes divergências políticas entre as principais formações partidárias, com destaque a Renamo que reivindicava a vitória eleitoral, e colocava uma série de alternativas como forma de ultrapassar as divergências. A nomeação de governadores provinciais em conformidade com a maioria de votos tida em cada uma das províncias foi uma das propostas da Renamo, que não foi prontamente atendida.
Na CRM de 2004, os governador provincial é nomeado pelo PR (alínea b) do número 2 do artigo 160 da CRM), e tem a função de representar o governo a nível provincial (número 1 doa rtigo 141 da CRM). A formação do governo provincial nos termos do número 3 do artigo 141 da CRM é de acordo com a nomeação do titulares das pastas a nível das direcções provinciais pelos ministros, mediante o parecer do governador da província. Ou seja, o governador propõe aos ministros, que nomeam os directores provinciais – membros do governo provincial, e que tomam posse junto do Governador.
No modelo proposto pelo PR no ponto 8 do comunidado, o governador da pronvíncia passa a ser nomeado pelo PR (o que não altera o procedimento), mas apresentado pelo partido que obtiver maioria na Assembleia Provincial, e passa a responder directamente à Assembleia Provincial.
A nomeação do Governador Provincial pelo PR é um procedimento de formalidade para a conferir o poder soberano, uma vez que o PR é o mais alto soberano do país e possui todos os poderes centralizados a si. Antes o PR nomeava os governadores de acordo com a sua compreensão sem precisar de comunicar aos moçambicanos as razões para tal nomeação e tinha a capacidade de os movimentar conforme lhe fizesse o prazer. Com esta mudança de forma de indicação, tem-se o ganho de que o PR já não pode movimentar conforme seus entendimentos e critérios os governadores.
Outro dado interessante é que no novo modelo o governador não responde mais ao governo central nem obedece o programa do governo central. Passa a ser mais independente e actuando de acordo com o progrma do seu governo na província. Para melhor efectivação desta disposição, além de descentralizar a governação, será necessário munir ao governador de outros poderes como fiscais, para que possa ter elementos totais de cumprir o seu programa de governação na província.
A resposta à Assembleia Provincial é uma das formas de descentralização e chamada à participação da comunidade na governação provincial, uma vez que os membros da Assembleia Provincial são directamente sufragados na província e nela vivem. A comunidade provincial terá melhor ao seu governador, que embora de forma indirecta, o tenha eleito.
O ponto 9 do comunidado do PR fala da existência de um novo posto de trabalho na província: o Secretário do Estado na Província, que terá as funções de executar tarefas do Estado não objecto de descentralização. Este será nomeado pelo Presidente que a ele e seu governador responderá. Faz sentido que algumas tarefas do Estado não são objecto de descentralização, mas que precisam de representação na província.
Não se pode confundir o Secretário do Estado com o Secretário Permanete. Será pertinente que as províncias continuem com Secretários Permanentes, uma vez ser este não um cargo de confiança, mas sim uma categoria da função pública, e que o acesso é em concurso conforme rege o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado.
O comunidado do PR não se pronuncia sobre a nomeação dos membros do governo provincial, mas pensa-se que uma vez o governador ser eleito a nível da Assembleia Provincial, será também da competência da mesma indica os membo da mesma Assembleia para a indicação dos membros dos membros do governo provincial.
Um outro entendimento poderia sugerir que os membros do governo provincial (directores provinciais) fossem nomeados pelo ministro de pelouro sob proposta do governador da província. Ou ainda que seja nomeado directamente pelo governador da província, tal como sucede com os vereadores das autarquias locais, que são nomeados pelo respectivo presidente do conselho municipal, que doravante passará a ser indicado pela respectiva assembleia municipal.
3.2. Órgãos das Autarquias Locais
Uma grande inovação na eleição dos órgãos das autarquias locais, que contraria por completo o sufrágio directo que vem sendo regulado pela Lei n. 2/97 de 18 de Fevereiro, que no número 1 do artigo 58 refere que “o Presidente do Conselho Municipal é eleito por sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico dos cidadãos eleitores recenseados na área do respectivo município”.
A novidade do comunidado do PR no número 12 refere que “em relação às autarquias locais, o presidente da autarquia passa a ser proposto pelo partido político, coligação de partidos políticos ou grupo de cidadãos eleitores que obtiver maioria de votos nas eleições para a assembleia autárquica,dentre osmembros desta”. Ou seja, o presidente da autarquia passa a ser eleito como membro da Assembleia Municipal, e de lá será eleito a Presidente da Autarquia, a qual responderá directamente, ficará ao controlo directo do conselho de ministros – governo de Moçambique, através do ministro que superietende a área das autarquias e distritos.
A inovação apresentada nesta proposta, de certo modo vem resolver os problemas de eleições intercalares quando resulta-se a incapacidade de algum presidente da auatrquia, e passa a ter uma forma de solução mais prática. É uma solução económica e eficaz nos processos de gestão autárquica, que evita vários problemas no processo de gestão autárquica.
Numa outra acepção, pode-se referir que esta decisão penaliza o partido MDM uma vez que o mesmo não tem muita legitimidade ainda nas bases, e que as vezes que conseguiu lograr algum resultados em autarquias, foi mais pelo mérito dos candidatos e não necessariamente do partido como tal. O exemplo do Daviz Simango na Beira, Manuel de Araújo em Quelimane, Mohamed Amurane em Nampula e Orlando Janeiro em Guré, não foi porque o partido conseguiu levá-los a presidência destas autarquias, foi por mérito próprio dos homens que tendo legitimidade e boa reputação nas próprias auatrquias, conseguiram chegar a presidência das autarquias, e fazer votar mais membros para Assembleias Municipais locais.
Os mesmos cenários vividos nas referidas autarquias, revelam que os resultados obtidos nas outras autarquias apurando consideráveis membros nas assembleias, foi pelo mérito dos candidatos a presidência e não do partido. Por esse facto, o novo modelo proposto pelo PR penaliza e já prevê cenários de pouco agrado para o MDM, por isso mesmo espera-se que este partido vote contra esta proposta na Assembleia da República, pese embora não venha fazer alguma diferença na sua aprovação, devido ao reduzido número de membros que possui naquele órgão a surtir efeitos na aprovação ou reprovação.
Um dos grandes ganhos desta proposta é a possibilidade dos partidos fazerem acordos e cedências na Assembleia Municipal, em caso de nenhum deles possuir maioria para garantir governabilidade na autarquia. Do mesmo modo, fica resolvido o problema de segunda volta nas eleições quando não se alcançam os 50% mais 1. Entretanto, é inevitável lamentar a perda de um grande ganho que os munícipes haviam adquirido que é o direito de eleger directamente o seu presidente do Conselho Municipal.
Esta proposta realça sobremaneira o poder das organizações políticas em detrimento de cidadãos singulares. Significa não haver possibilidade de um certo indivíduo, de forma singular, poder concorre para a edilidade, o que tira crédito ao poder dos singulares e dá ênfase às organizações políticas.
Isto torna-se mais lamentável sobretudo quando já assistíamos à emergência de cidadãos que se colocam em frente dos destinos das autarquias e alavancam partidos, aliás, se filiam à eles apenas para pode ter apoio na respectiva assembleia municipal. São exemplo disso Daviz Simango, na Beira, que primeiro concorreu como independente e só depois criou o seu próprio partido. Manuel de Araújo em Quelimane seguiu o mesmo exemplo e depois filiou-se ao MDM. O falecido Mahamudo Amurane, em Nampula, tencionava desvincular-se do MDM para fundar o seu próprio partido. Como podemos ver, esta proposta não apenas lesa o MDM, mas também inibe a iniciativa singular de cidadãos particulares se lançaram na vida política sem estarem atrelados aos partidos.
3.3. Órgãos Distritais
O comunidado do PR apresenta uma outra disposição inovadora, que tem a ver com os administradores distritais, que passam da actual fórmula de nomeação do ministro que superintende a área de administração estatal. No novo modelo a ser aprovado nesta revisão constitucional, os administradores distritais passam a ser nomeados pelo mesmo ministro, mediante a indicação do partido que tiver maioria dos votos na Assembleia Distrital. O mesmo deve antes candidatar-se como membro da Assembleia Distrital para merecer a nomeação.
Dois elementos aqui precisamos referir: i) há criação de novos empregos, a partir do momento em que se constituem assembleias distritais que nos actuais modelos não temos; ii) temos uma melhoria na gestão dos distritos pois os órgãos de administração passarão a ser sufragados, embora que não seja de forma directa.
Outro aspecto que é preciso salientar é que o modelo aperfeiçoa e alarga as possibilidades de empregabilidade dos membros da Frelimo e Renamo que já têm o seu histórico e percurso em distritos e em todo o país, e os mesmos argumentos apresentados no discurso sobre as autarquias, fundamenta a penalização do MDM.
Em suma, há que referir que estas inovações substanciais apresentadas em consenso pelas duas partes, resolvem em medida moderada os problemas de conflitos pós-eleitorais, mas que não definem ainda na completude as soluções dos problemas da nação, e a ideia sempre reivindicada pelo MDM de fazer parte do diálogo ganha sentido.
4. Áreas de Penumbra
Do que foi adiantado acima pode-se inferir que estas propostas, com o seus prós e contras, devem ser acarinhadas, uma vez que existe um bem preciosíssimo por sua trás: A PAZ. Estes acordos são condição necessária para uma paz efectiva no nosso país e, como tal, é necessário que todas as questões estejam preconizadas e esclarecidas para que não haja espaço de conflitos que ameaçam a paz estabilidade política e social.
Das questões que precisam ser devidamente acauteladas, três parecem de extrema importância, nomeadamente: a questão fiscal, o âmbito de actuação dos governadores provinciais em relação aos administradores distritais e clarificação das competências do secretário de Estado.
Em relação à questão fiscal, é sabido que não se governa sem recursos. Sendo assim, necessário que fique bem claro qual parte do bolo ficará para as províncias e que mecanismos terão os governos provinciais para possuírem recursos: se será por meio de transferências do nível central, ou por própria arrecadação. De uma ou de outra forma, é necessário conceber e esclarecer critérios de alocação de recursos para cada província, uma vez que a província de Nampula é diferente de Província de Maputo em termos de densidade populacional, nível de arrecadação de receitas, desenvolvimento económico, infra-estruturas etc.
Na actuação dos governadores provinciais em relação aos administradores distritais, é necessário que se clarifique onde irão implementar os governadores os seus programas, sabendo que as províncias são organizadas em distritos e os distritos possuirão a sua própria organização e os seus próprios programas de governação. Em caso de distritos governados por partidos, coligações e grupos de amigos diferentes dos do governador provincial quais serão os mecanismos de articulação e coordenação governativa. Do mesmo modo, é importante clarificar quais áreas serão do domínio e da intervenção do governo provincial e quais serão do domínio do governo distrital.
É importante ainda clarificar as competências dos secretários de Estado nas províncias para que estes não funcionem como sombra dos governadores, principalmente nas províncias que serão governadas pela oposição. É importante que se evite o tipo de conflitos gerados, por exemplo, pela existência de administradores nos municípios, cuja actuação é desconfiada pelas edis provenientes da oposição.
E ainda neste âmbito dos possíveis conflitos, apenas uma curiosidade: como ficará o caso da Cidade de Maputo? É sabido que ela tem estatuto de província (aliás nos moldes actuais tem um governador), entretanto, o seu espaço coincide com o da autarquia. Terá também uma assembleia municipal e um governador eleito pela respectiva assembleia? Os distritos municipais, terão também uma assembleia e um administrador?
Considerações Finais
O comunicado do Presidente da República sobre os consensos alcançados no diálogo directo com o Presidente da Renamo – segunda maior força político-partidária no país, são uma autência luz de esperança para as populações que têm vindo desde a experiência eleitoral de 1994 a serem nómadas logo depois do sufrágio.
O comunicado refere que os consensos alcançados serão submetidos para a revisão pontual da Constrituição na Assembleia da República, e que as inovações com relação às autarquias entram em vigor logo no sufrágio de Outubro de 2018, sobre as províncias em 2019 e sobre os distritos serão implementados a partir de 2024. O que substancialmente pode significar uma preparação já acima do calendário por parte dos partidos que vão à eleições autárquicas em Outubro de 2018. Quanto aos distritos, faz sentido que o Estado se prepare para a eleição dos administradores e instalação das Assembleias Distritais, que em princípio vão movimentar avultadas somas de dinheiro para a construção de infra-estruturas, alocação de recursos para o funcionamento, quadro de pessoal, etc. São novos postos de trabalho a serem criados e a logística é maior.
Os modelos ora referenciados têm a sua vantagem porque já permitem ao eleitor sufragar o seu administrador distrital e governador provincial ainda que de forma indirecta. Em termos económicos, a eleição via parlamentar já privilegia poucos gastos, pois não serão necessárias novas eleições sempre que se verificar incapacidade permanente dos administradores autárquicos, distriatais e e provinciais.
Este modelo de descentralização e eleição directa dos administradores a nível local, obriga a desconcentração do poder decisório, e a uma reforma da legislação fiscal, pois as instituições já descentralizadas, precisarão de fundos para o seu funcionamento, e tal só pode ser viável por via da colecta de impostos localmente. Por um lado temos a emergência de transferência do know-how da capital para as províncias e distritos, e por outro lado temos a emergência de delegar poderes aos órgão locais do poder para legislar sobre a fiscalidade, fazer os seus programas de governação e desenvolvimento.
Espera-se que o modelo proposto impulsione à velocidade o desenvolvimento dos distritos e províncias, que em tempos se sentiram excluídos do plano do desenvolvimento enquanto os programas de desenvolvimento das províncias fossem derivados do governo central. É importante também chamar atenção ao problema dos conflitos entre as lideranças dentro das mesmas províncias que provavelmente venham a ser de partidos diferentes, sobretudo nas províncias do centro e norte do país, onde espera-se que a Renamo, e com raridade o MDM consigam mais distritos e províncias para eleger seus governadores.
Quanto ao sul do país, é quase que certa até ao momento a hipótese de que a Frelimo poderá governar todas as três províncias e seus distritos, uma vez ser o seu bastião até agora. No centro e norte do país, espera-se que se firmem acordos entre os partidos para a eleição dos governadores e administradores, se a lei exigir a maioria absoluta (50% + 1%), pois não constiuirá surpresa que em alguns pontos nenhum partido chegue a maioria absoluta.
Este modelo é feliz na medida em que permite as comunidades locais sufragarem os seus dirigentes, mas questiona-se se será efectivamente feliz na resolução dos conflitos dos resultados, uma vez que as manobras de roubo de voto dizem-se diversificadas.
Mesmo assim, existem margens de penumbras que precisam ser devidamente acauteladas para que esta proposta tenha consistência e robustez necessária, para que os conflitos sejam minimizados e não se volte ao confronto militar.
Por fim, esperamos que Assembleia da República chancele estes acordos, e reveja a transferência de poderes do central para o local. O ano 2018 em Moçambique será de muitas reformas legislativas (sobretudo as ligadas às matérias eleitorais), o que exige maior anfico por parte dos parlamentares.
Referências Bibliográficas
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TENÓRIO, F. G.; ROZENBERG, J. E. Metodologias participativas em acção. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 7, junho, 1997.
[1] Licenciado em Filosofia, especialidade em Gestão de Recursos Humanos e Ética pela Universidade São Tomás de Moçambique, e Mestrando em Direito e Negócios Internacionais na Universidad Europea del Atlântico – Barcelona. É Administrador de Recursos Humanos de profissão.
[2] É Licenciado em Filosofia, especialidade em Gestão de Recursos Humanos e Ética pela Universidade São Tomás de Moçambique, e Licenciado em Administração Pública pela Universidade Eduardo Mondlane – Maputo. É docente de Filosofia e Ciências Humanas na Universidade Pedagógica.
[3] Primeiramente foram denominados Rebeldes, pois não se sabia ao certo com quem se combatia uma guerra civil.