À sombra de Orwell
Ives Gandra da Silva Martins*
O mundo caminha a passos largos para a concretização da profecia orwelliana, de controle absoluto do Estado sobre os direitos das pessoas e uma vigilância que reduz a privacidade a tema de tertúlias acadêmicas.
A título de combater o terrorismo, os americanos pisotearam os ideais de seus fundadores, dos federalistas, dos 55 de Filadélfia, dos pais da Constituição de 1787 e da pátria americana. Guantanamo, Abu-Ghraib, e as interceptações telefônicas – que reduzem os direitos individuais a uma quimera própria de poetas e filósofos – demonstram que hoje, nos Estados Unidos, os direitos da pessoa humana são menos respeitados que no passado.
Na preservação de seus interesses, os europeus esqueceram-se das lições do constitucionalismo francês, que colocava o cidadão como a razão de ser do Estado. Passaram a perseguir emigrantes de países emergentes, a título de proteger suas populações, esquecendo-se de que, no passado, estas nações emergentes foram suas colônias, e tiveram sua população e riquezas dizimadas por senhorios, muitas vezes cruéis. No século passado, foram também esses países que albergaram os europeus, egressos de cíclicas crises econômicas, em seus territórios. Agora, no tocante a direitos humanos, dividem os cidadãos naqueles de 1ª categoria, que são os seus, e cidadãos de 2ª. categoria, aqueles dos países emergentes.
Na África, um genocida, no estilo de Stálin e de Hitler, através de uma farsa, reelegeu-se novamente presidente de um país, que sufoca há 28 anos, à custa de um sem número de assassinatos e de fraudes, mas com o apoio de outros títeres continentais, entre os quais o do Sudão, e de simbólicas sanções das nações desenvolvidos. Novamente, os direitos humanos foram catapultados.
O Oriente Médio vive da desastrada invasão americana, do fantasma homicida de terroristas com verniz religioso e da eliminação oficial da maior parte dos direitos do cidadão, negando à mulher o seu anseio legítimo de igualdade.
Nada obstante, o progresso da Índia, China e Coréia do Sul, na Ásia, a China continua uma ditadura; a Índia, com suas questões de castas e religiões, um foco permanente de tensões e violências; o Paquistão, uma semi-ditadura que é também escola de terroristas e de assassinatos de opositores. Resta a estável democracia japonesa e a conturbada democracia coreana, como esteios, num continente, em que a Coréia do Norte e o Sri Lanka não são modelos de respeito a direitos humanos.
A América Latina não fica muito atrás. Alguns poucos países são exceção, no Caribe (Costa Rica, Antilhas Holandesas, Ilhas Virgens, e outras colônias européias). Cuba, Bolívia, Venezuela e Equador, continuam desrespeitando os direitos humanos; a liberdade de imprensa sofre duros golpes e os direitos individuais são cerceados.
Nem mesmo o Brasil se salva, na medida em que passou a banalizar a violência a direitos fundamentais. As escutas telefônicas, praticadas pelas Polícias, são autorizadas sem respeito à Constituição e, apesar dos sucessivos alertas do presidente da Suprema Corte, continua a invasão à privacidade das pessoas, algo que não encontra paralelo em nenhuma democracia moderna.
Creio que nem mesmo Orwell, quando escreveu “1984”, imaginou que o mundo, graças à tecnologia moderna, se transformaria numa “ditadura global” dos que controlam a vida dos cidadãos e que empurram o mundo inteiro, na era dos direitos e das garantias constitucionais, para o universo da insegurança, do medo e das perseguições.
Decididamente, vivemos, neste início do século XXI, à sombra de George Orwell
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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