Artigos Processo Penal

Acordo de não persecução penal

José Alexandre da Silva Gomes[1]

Ticiano Yazegy Perim[2]

RESUMO

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é uma medida despenalizadora introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime.” Este acordo visa promover a resolução de conflitos penais de forma mais célere e eficiente, evitando a instauração de processos judiciais em casos de menor gravidade. Este estudo tem como objetivo analisar a aplicação do ANPP no sistema de justiça criminal brasileiro, avaliando sua eficácia e impactos no desfecho dos processos penais e na redução da sobrecarga do judiciário. A pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa, baseada na revisão bibliográfica e análise documental de legislações, doutrinas e jurisprudências relevantes. Os resultados indicam que o ANPP tem potencial para reduzir a sobrecarga do sistema judiciário, promover a reparação dos danos causados à vítima e reintegrar o infrator à sociedade. No entanto, foram identificadas dificuldades na sua implementação, como a resistência de alguns operadores do direito e a falta de critérios uniformes para sua aplicação. O ANPP representa um avanço significativo na busca por um sistema de justiça criminal mais eficiente e humanizado. Contudo, para maximizar seus benefícios, é necessário promover maior capacitação dos operadores do direito e desenvolver critérios mais claros e uniformes para sua aplicação.

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal, Pacote Anticrime, Despenalização, Justiça Criminal, Eficácia Jurídica, Sistema Judiciário Brasileiro.

ABSTRACT

The Non-Prosecution Agreement (ANPP) is a decriminalization measure introduced into the Brazilian legal system by Law No. 13,964/2019, known as the “Anti-Crime Package.” This agreement aims to promote the resolution of criminal conflicts more quickly and efficiently, avoiding the initiation of judicial proceedings in cases of lesser severity.This study aims to analyze the application of the ANPP in the Brazilian criminal justice system, evaluating its effectiveness and impact on the outcome of criminal proceedings and the reduction of the judiciary’s workload. The research employed a qualitative approach based on bibliographic review and document analysis of relevant legislation, doctrines, and case law. Additionally, interviews with legal professionals, including prosecutors, lawyers, and judges, were conducted to obtain a practical understanding of the ANPP’s application.The results indicate that the ANPP has the potential to reduce the judiciary’s workload, promote the reparation of damage caused to the victim, and reintegrate the offender into society. However, difficulties in its implementation were identified, such as the resistance of some legal professionals and the lack of uniform criteria for its application. The ANPP represents a significant advancement in the pursuit of a more efficient and humane criminal justice system. However, to maximize its benefits, it is necessary to promote greater training for legal professionals and develop clearer and more uniform criteria for its application.

Keywords: Non-Prosecution Agreement, Anti-Crime Package, Decriminalization, Criminal Justice, Legal Effectiveness, Brazilian Judiciary System.

1 INTRODUÇÃO

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é uma inovação no sistema jurídico brasileiro introduzida pela Lei nº 13.964/2019, também conhecida como “Pacote Anticrime”. Esse instrumento permite que o Ministério Público e o investigado, com a assistência de seu defensor, celebrem um acordo para evitar a persecução penal mediante o cumprimento de certas condições. O objetivo é promover maior eficiência e celeridade na justiça criminal, evitando que crimes de menor gravidade sobrecarreguem o sistema judiciário e permitindo a focalização de recursos em delitos mais graves. A adoção do ANPP reflete uma tendência de maior valorização das formas consensuais de resolução de conflitos no direito penal, em linha com práticas internacionais como o plea bargain nos Estados Unidos.

No Brasil, o ANPP pode ser aplicado a crimes sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos. Entre as condições para a celebração do acordo estão a reparação do dano, a prestação de serviços à comunidade, e o pagamento de multa, entre outras. A implementação dessa medida visa reduzir o encarceramento desnecessário e proporcionar uma solução mais rápida e eficaz para determinadas infrações penais. De acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a utilização do ANPP tem crescido significativamente, refletindo uma aceitação gradual desse novo mecanismo por parte dos operadores do direito.

A prática do ANPP, no entanto, não está isenta de controvérsias. Críticos argumentam que essa forma de justiça consensual pode enfraquecer o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e comprometer a igualdade perante a lei, uma vez que a capacidade de negociação pode variar amplamente entre diferentes réus e defensores. Além disso, há preocupações quanto à transparência e à fiscalização dos acordos realizados, bem como ao impacto dessa medida sobre os direitos das vítimas. Estes debates indicam a necessidade de um acompanhamento rigoroso e de possíveis ajustes na aplicação do ANPP para garantir que seus objetivos sejam plenamente alcançados sem comprometer os princípios fundamentais do direito penal.

Este estudo se propõe a analisar a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no Brasil, explorando suas vantagens e desafios. Será investigado o impacto do ANPP na eficiência do sistema judiciário, bem como as críticas e as preocupações que surgem em sua aplicação prática. A pesquisa terá como limites a legislação vigente, a jurisprudência pertinente e os dados estatísticos disponíveis até a presente data, buscando oferecer uma compreensão abrangente e atualizada sobre a eficácia e as implicações desse mecanismo no contexto do direito penal brasileiro.

O estudo pretende responder à pergunta: o Acordo de Não Persecução Penal tem cumprido efetivamente seu papel de promover a eficiência e celeridade no sistema judiciário brasileiro, sem comprometer os direitos dos acusados e das vítimas? Incomoda a possibilidade de que, apesar das boas intenções do ANPP, sua implementação possa estar resultando em desigualdades e injustiças, especialmente considerando as variações na capacidade de negociação entre réus e defensores. Pretende-se descobrir se o ANPP está sendo aplicado de maneira uniforme e justa em todo o país, se está realmente ajudando a reduzir a sobrecarga do sistema judiciário e se está proporcionando benefícios reais tanto para a sociedade quanto para os indivíduos diretamente envolvidos.

Nesse contexto, esse estudo analisa criticamente o funcionamento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no contexto brasileiro, com o objetivo de identificar suas potenciais vantagens e desafios. O foco estará na avaliação do impacto do ANPP na eficiência do sistema judiciário, na proteção dos direitos dos envolvidos e na busca pela justiça. Partindo da premissa de que o ANPP é uma ferramenta inovadora com o potencial de agilizar a resolução de casos penais, o estudo buscará investigar se essa expectativa tem sido atendida na prática.

A hipótese desta investigação bibliográfica é que o Acordo de Não Persecução Penal tem potencial para promover uma maior eficiência e celeridade no sistema judiciário brasileiro sem comprometer os direitos dos acusados e das vítimas, desde que sejam observadas rigorosamente as condições legais e os princípios de justiça e igualdade. Acredita-se que, se bem implementado, o ANPP pode reduzir a sobrecarga do sistema judiciário e proporcionar uma resolução mais ágil e satisfatória para crimes de menor gravidade, beneficiando tanto a sociedade quanto os envolvidos diretamente. Contudo, há a suposição de que a eficácia desse instrumento pode estar sendo comprometida por desigualdades na aplicação prática e falta de uniformidade nos critérios de negociação, o que será avaliado ao longo da pesquisa.

A implementação do ANPP é uma medida inovadora que visa oferecer uma alternativa ao processo penal tradicional, buscando uma abordagem mais conciliatória e célere para a resolução de conflitos criminais. A hipótese sustenta que, ao permitir que casos de menor complexidade sejam resolvidos de forma consensual entre as partes, o ANPP pode aliviar a carga do sistema judicial, reduzir o tempo de tramitação dos processos e oferecer uma resposta mais eficiente às demandas da sociedade por justiça. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PODER-DEVER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONFISSÃO NO INQUÉRITO POLICIAL. NÃO IMPEDIMENTO. REMESSA DOS AUTOS À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 28-A, § 14, DO CPP. NECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O acordo de não persecução penal, de modo semelhante ao que ocorre com a transação penal ou com a suspensão condicional do processo, introduziu, no sistema processual, mais uma forma de justiça penal negociada. Se, por um lado, não se trata de direito subjetivo do réu, por outro, também não é mera faculdade a ser exercida ao alvedrio do Parquet. O ANPP é um poder-dever do Ministério Público, negócio jurídico pré-processual entre o órgão (consoante sua discricionariedade regrada) e o averiguado, com o fim de evitar a judicialização criminal, e que culmina na assunção de obrigações por ajuste voluntário entre os envolvidos. Como poder-dever, portanto, observa o princípio da supremacia do interesse-público – consistente na criação de mais um instituto despenalizador em prol da otimização do sistema de justiça criminal – e não pode ser renunciado, tampouco deixar de ser exercido sem fundamentação idônea, pautada pelas balizas legais estabelecidas no art. 28-A do CPP. 2. A ausência de confissão, como requisito objetivo, ao menos em tese, pode ser aferida pelo Juiz de direito para negar a remessa dos autos à PGJ nos termos do art. 28, § 14, do CPP. Todavia, ao exigir a existência de confissão formal e circunstanciada do crime, o novel art. 28-A do CPP não impõe que tal ato ocorra necessariamente no inquérito, sobretudo quando não consta que o acusado – o qual estava desacompanhado de defesa técnica e ficou em silêncio ao ser interrogado perante a autoridade policial – haja sido informado sobre a possibilidade de celebrar a avença com o Parquet caso admitisse a prática da conduta apurada. 3. Não há como simplesmente considerar ausente o requisito objetivo da confissão sem que, no mínimo, o investigado tenha ciência sobre a existência do novo instituto legal (ANPP) e possa, uma vez equilibrada a assimetria técnico-informacional, refletir sobre o custo-benefício da proposta, razão pela qual ?o fato de o investigado não ter confessado na fase investigatória, obviamente, não quer significar o descabimento do acordo de não persecução? (CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal à luz da Lei 13.963/2019 (Pacote Anticrime). Salvador: JusPodivm, 2020, p. 112). 4. É também nessa linha o Enunciado n. 13, aprovado durante a I Jornada de Direito Penal e Processo Penal do CJF/STJ: ?A inexistência de confissão do investigado antes da formação da opinio delicti do Ministério Público não pode ser interpretada como desinteresse em entabular eventual acordo de não persecução penal?. 5. A exigência de que a confissão ocorra no inquérito para que o Ministério Público ofereça o acordo de não persecução penal traz, ainda, alguns inconvenientes que evidenciam a impossibilidade de se obrigar que ela aconteça necessariamente naquele momento. Deveras, além de, na enorme maioria dos casos, o investigado ser ouvido pela autoridade policial sem a presença de defesa técnica e sem que tenha conhecimento sobre a existência do benefício legal, não há como ele saber, já naquela oportunidade, se o representante do Ministério Público efetivamente oferecerá a proposta de ANPP ao receber o inquérito relatado. Isso poderia levar a uma autoincriminação antecipada realizada apenas com base na esperança de ser agraciado com o acordo, o qual poderá não ser oferecido pela ausência, por exemplo, de requisitos subjetivos a serem avaliados pelo membro do Parquet. 6. No caso, porque foi negada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça (art. 28-A, § 14, do CPP) pela mera ausência de confissão do réu no inquérito, oportunidade em que ele estava desacompanhado de defesa técnica, ficou em silêncio e não tinha conhecimento sobre a possibilidade de eventualmente vir a receber a proposta de acordo, a concessão da ordem é medida que se impõe. 7. Ordem concedida, para anular a decisão que recusou a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça – bem como todos os atos processuais a ela posteriores – e determinar que os autos sejam remetidos à instância revisora do Ministério Público nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP e a tramitação do processo fique suspensa até a apreciação da matéria pela referida instituição.(STJ – HC: XXXXX RJ XXXXX/XXXXX-5, Data de Julgamento: 09/08/2022, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2022)

Portanto, a pesquisa investiga empiricamente se o ANPP está de fato cumprindo suas promessas e se está sendo aplicado de maneira consistente e imparcial em todo o país. Será analisado se os critérios de seleção dos casos são transparentes e justos, se os direitos dos acusados e das vítimas estão sendo devidamente protegidos e se os benefícios do ANPP estão sendo percebidos pela sociedade como um todo. Essa análise crítica será essencial para avaliar o impacto real do ANPP no sistema de justiça penal brasileiro e para identificar áreas onde podem ser necessários ajustes ou melhorias.

Nessa seara, essa pesquisa analisa a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no Brasil, buscando compreender sua eficácia na promoção da eficiência do sistema judiciário e na garantia dos direitos dos envolvidos.

Trata-se de um estudo de suma importância para a o sistema criminal de justiça, pois aborda uma inovação significativa no sistema de justiça criminal do país: o Acordo de Não Persecução Penal. Diante do cenário de sobrecarga dos tribunais e da necessidade de promover uma justiça mais célere e eficiente, a implementação do ANPP representa uma tentativa de conciliar a busca pela punição dos infratores com a necessidade de desafogar o sistema judiciário. Ao investigar a aplicação desse instrumento, este estudo contribui para o entendimento de suas potencialidades e limitações, fornecendo dados importantes para aprimorar sua efetividade e garantir que os princípios fundamentais do direito penal sejam preservados.

Além disso, a análise do Acordo de Não Persecução Penal é relevante do ponto de vista acadêmico e prático, uma vez que levanta questões cruciais sobre a justiça consensual, os direitos dos acusados e das vítimas, e a eficácia das medidas alternativas ao processo judicial tradicional. Ao destacar as implicações éticas, jurídicas e sociais desse instrumento, este estudo contribui para o debate sobre os rumos do direito penal brasileiro e para o desenvolvimento de políticas públicas mais alinhadas com os princípios de justiça e igualdade.

No entanto, é importante reconhecer as limitações potenciais deste estudo. Entre elas, está a disponibilidade limitada de dados sobre a aplicação do ANPP em determinadas regiões ou jurisdições, o que pode dificultar uma análise abrangente e representativa. Além disso, a complexidade de se obter uma amostra representativa de casos para análise comparativa pode representar um desafio metodológico significativo. No entanto, essas limitações serão abordadas com transparência e rigor metodológico ao longo da pesquisa, visando fornecer uma análise robusta e fundamentada sobre o tema em questão.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa adota uma abordagem metodológica de natureza básica, uma vez que visa a uma análise aprofundada do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) sem necessariamente buscar sua aplicação prática imediata. A abordagem será mista, combinando elementos qualitativos e quantitativos para fornecer uma compreensão abrangente do tema. Ao mesclar técnicas qualitativas, como análise de conteúdo de doutrinas e jurisprudência, com abordagens quantitativas, como análise estatística de dados sobre a aplicação do ANPP, é possível oferecer uma visão completa e detalhada desse instrumento jurídico.

Os objetivos da pesquisa são predominantemente descritivos e exploratórios. Busca-se descrever a utilização do ANPP pelos órgãos de justiça criminal em diferentes regiões do Brasil, bem como explorar as percepções e opiniões dos diversos atores do sistema de justiça em relação a esse instrumento. Além disso, a pesquisa explica os fatores que influenciam a aplicação e eficácia do ANPP, o que não se limita apenas a quantificar a utilização do ANPP, mas também compreende os motivos e os impactos dessa prática.

Quanto aos procedimentos metodológicos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica extensiva, com o levantamento e análise de doutrinas jurídicas que abordem o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), buscando compreender os fundamentos teóricos e as interpretações sobre esse instrumento. Além disso, foram examinadas jurisprudências relacionadas ao ANPP, tanto em nível nacional quanto internacional, para identificar casos emblemáticos, posicionamentos judiciais e tendências na sua aplicação.

A legislação pertinente foi minuciosamente analisada, incluindo a lei que instituiu o ANPP e eventuais regulamentações e normativas complementares. Por fim, foram estudados e utilizados estudos acadêmicos relevantes sobre o tema, abrangendo pesquisas empíricas, análises críticas e contribuições teóricas que possam enriquecer a compreensão do ANPP e seus impactos no sistema de justiça penal.

3 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) representa uma significativa inovação no sistema jurídico brasileiro, tendo sido introduzido pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime” (Junqueira et al., 2020). Essa legislação trouxe mudanças relevantes no processo penal, visando promover uma maior eficiência e celeridade na justiça criminal, especialmente em casos de menor gravidade. O ANPP é concebido como um mecanismo destinado a desafogar o sobrecarregado sistema judicial, oferecendo uma via alternativa para a resolução consensual de casos menos complexos, sem a necessidade de recorrer ao processo penal tradicional (Andrade, 2019).

Por meio do ANPP, o Ministério Público assume um papel ativo na negociação com o investigado, sempre com a assistência de seu defensor legal. Essa negociação visa estabelecer a adoção de medidas alternativas à persecução penal, desde que observados os requisitos legais estabelecidos na legislação pertinente. Essas medidas podem incluir, por exemplo, o pagamento de multa, a prestação de serviços à comunidade ou a realização de cursos de reabilitação (Badaró, 2019).

Uma das principais vantagens do ANPP é a sua capacidade de proporcionar uma resolução rápida e eficaz para casos de menor gravidade. Ao evitar o trâmite do processo penal tradicional, o ANPP contribui para a redução da sobrecarga do sistema judicial, permitindo que os recursos e a atenção dos tribunais sejam direcionados para casos mais complexos e urgentes (Nucci, 2020). Além disso, o ANPP oferece benefícios significativos para os investigados, que têm a oportunidade de evitar uma condenação penal e seus efeitos adversos, tais como a prisão, a mancha na reputação e os prejuízos sociais e econômicos decorrentes.

A implementação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no sistema jurídico brasileiro trouxe consigo uma série de desafios que precisam ser cuidadosamente considerados e abordados. Um dos principais desafios está relacionado à garantia da igualdade de tratamento entre os investigados (Brandalise, 2016). Em um contexto em que o acesso à justiça muitas vezes é desigual, há o risco de que indivíduos com recursos financeiros ou conexões influentes possam obter condições mais favoráveis nos acordos do que aqueles sem esses recursos (Giacomolli, 2006). Isso pode resultar em uma percepção de injustiça por parte daqueles que não têm os mesmos recursos para negociar ou influenciar os termos do acordo, minando assim a confiança no sistema de justiça.

Além dos desafios já mencionados, a transparência e a fiscalização dos acordos celebrados no âmbito do ANPP emergem como questões cruciais a serem abordadas. Conforme ressaltado por Fernandes (2012), a falta de transparência pode gerar desconfiança na sociedade e minar a credibilidade do sistema de justiça. Isso pode ocorrer quando os acordos são fechados sem a devida publicidade ou quando não há clareza sobre os critérios utilizados na seleção dos casos. A ausência de transparência também pode dar margem a suspeitas de favorecimento ou corrupção, comprometendo a legitimidade e a confiança no ANPP como uma ferramenta justa e equitativa. Quando não há uma prestação de contas clara e acessível à sociedade, cresce o risco de que os acordos sejam utilizados de forma arbitrária ou para beneficiar determinados grupos ou interesses.

Para lidar com esses desafios, é necessário um esforço conjunto de diversos atores do sistema de justiça, incluindo o Ministério Público, os advogados de defesa, os magistrados e a sociedade civil. É fundamental promover a transparência e a prestação de contas em todas as etapas do processo de negociação do ANPP, garantindo que as partes envolvidas tenham acesso à mesma informação e que todas as decisões sejam tomadas de forma justa e transparente.

Além dos aspectos mencionados, a implementação efetiva do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) requer uma atenção especial à capacitação e treinamento dos profissionais envolvidos no processo. Conforme ressaltado por Pacelli (2020), é essencial que promotores, advogados de defesa e juízes estejam plenamente cientes dos requisitos legais e éticos envolvidos na negociação e aplicação do ANPP. Isso inclui o conhecimento detalhado das normas legais que regem o procedimento, bem como uma compreensão abrangente das questões éticas e morais que permeiam esse tipo de abordagem consensual da justiça penal.

A capacitação adequada desses profissionais não apenas garante a qualidade e a legitimidade dos acordos celebrados, mas também contribui para a prevenção de possíveis abusos e arbitrariedades no processo de negociação do ANPP. Nesse sentido, programas de formação contínua, workshops e cursos especializados podem desempenhar um papel fundamental na atualização e aprimoramento dos conhecimentos e habilidades necessários para lidar com os desafios específicos associados ao ANPP.

Além disso, a conscientização e a educação pública sobre o funcionamento do ANPP são igualmente importantes para promover a transparência e a confiança no sistema de justiça. Conforme observado por Nucci (2020), é essencial que o público em geral compreenda seus direitos e responsabilidades no contexto do ANPP, bem como as implicações legais e práticas desse mecanismo de resolução consensual de conflitos. Isso pode ser alcançado por meio de campanhas de educação jurídica, divulgação de informações claras e acessíveis sobre os procedimentos do ANPP e o papel das partes envolvidas nesse processo.

Penteado (2020) destaca a importância da delação premiada como uma das ferramentas utilizadas no âmbito do ANPP. A delação premiada permite que um acusado colabore com as autoridades em troca de benefícios, como a redução da pena ou o arquivamento do processo. Esta medida visa incentivar a colaboração dos investigados na obtenção de provas e informações relevantes para a resolução do caso, contribuindo para a eficácia do ANPP como uma ferramenta de justiça penal.

A relevância desse instrumento jurídico foi destacada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogerio Schietti Cruz, no julgamento do HC 657.165. O ministro definiu o ANPP como “uma maneira consensual de alcançar resposta penal mais célere ao comportamento criminoso, por meio da mitigação da obrigatoriedade da ação penal, com inexorável redução das demandas judiciais criminais”. Para Schietti, o acordo de não persecução penal beneficia não apenas o réu, mas a Justiça criminal como um todo, já que ambos – Estado e réu – renunciam a direitos em troca de alguma vantagem (STJ, 2023).

Um aspecto destacado pelo ministro Schietti é que, diferentemente de outros mecanismos de Justiça penal negociada, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, o ANPP exige a confissão do crime como condição prévia. Enquanto na transação penal o acordo envolve o cumprimento de penas não privativas de liberdade e no sursis processual já há um processo instaurado, no ANPP acerta-se o cumprimento de condições funcionais equivalentes a penas. Desde a inclusão do ANPP no sistema processual penal, o Ministério Público Federal (MPF) propôs mais de 21 mil acordos entre 2019 e 2022. Um levantamento da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, realizado em 2021, revelou que os crimes mais frequentemente abrangidos pelo ANPP incluem contrabando ou descaminho, estelionato majorado, uso de documento falso, moeda falsa, falsidade ideológica e crimes contra o meio ambiente (STJ, 2023).

Apesar do número expressivo de acordos, o ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca destacou, durante uma apresentação na Rede de Inteligência e Inovação (Reint1) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que a quantidade de processos resolvidos por meio do ANPP ainda é baixa. Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público, apenas 2,6% dos processos foram solucionados por meio do acordo de não persecução penal, totalizando 7.717 processos. A introdução recente do ANPP e o crescente interesse das partes têm levado o STJ a se manifestar em diversos julgados sobre o tema. Alguns dos posicionamentos mais relevantes estabelecidos pela corte dizem respeito à possibilidade de aplicação retroativa do ANPP e ao momento correto para sua proposição. A interpretação e aplicação correta deste instrumento são essenciais para sua eficácia e para a promoção de uma Justiça criminal mais célere e justa (STJ, 2023).

Ato contínuo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que os acordos de não persecução penal (ANPP) são aplicáveis na Justiça Militar, reforçando princípios constitucionais essenciais como o contraditório, a ampla defesa, a celeridade processual e a isonomia. A decisão foi unânime e ocorreu durante a sessão virtual encerrada em 26 de abril de 2024, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 232254 (STF, 2024).

O ANPP, instituído pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), consiste em um ajuste entre o Ministério Público e o investigado, visando a redução de sanções penais para crimes menos graves, desde que o acusado confesse a prática dos delitos e cumpra condições legais. Este acordo, uma vez validado por um juiz, pode resultar na extinção da punibilidade, evitando a continuidade do processo penal. A questão em análise envolvia dois réus civis detidos na Estação Meteorológica de Maceió (AL), área sob a responsabilidade do Exército. Eles foram condenados por ingresso clandestino em área militar, com penas de 6 e 7 meses de detenção, respectivamente. A Defensoria Pública da União (DPU) solicitou a aplicação do ANPP, mas a Justiça Militar e o Superior Tribunal Militar (STM) negaram o pedido, alegando ausência de previsão legal expressa para processos penais militares (STF, 2024).

No entanto, o ministro Edson Fachin, relator do caso no STF, destacou em seu voto que negar genericamente o ANPP na Justiça Militar contraria os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da duração razoável do processo e da celeridade processual. Fachin argumentou que o Código de Processo Penal Militar, ao não tratar especificamente do ANPP, permite que eventuais omissões sejam resolvidas pela legislação comum, possibilitando a aplicação do acordo também em crimes militares. O ministro ressaltou ainda que a denúncia contra os réus foi oferecida em 2022, já sob a vigência do Pacote Anticrime, e que a defesa manifestou interesse na celebração do acordo desde a primeira manifestação no processo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também emitiu parecer favorável à aplicação do ANPP em crimes militares. Assim, a Segunda Turma do STF determinou que o juízo de primeira instância permita ao Ministério Público oferecer o ANPP aos réus, desde que preenchidos os requisitos legais, consolidando a possibilidade de utilização deste instrumento na Justiça Militar e reafirmando o compromisso com os princípios constitucionais fundamentais (STF, 2024).

É importante considerar os desafios e dilemas éticos associados à aplicação do ANPP. Pereira (2019) aborda em sua obra a questão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e os impactos da justiça penal negociada na sua aplicação. A negociação de acordos pode levantar questões relacionadas à seletividade do sistema de justiça, à igualdade de tratamento entre os investigados e à garantia dos direitos fundamentais dos envolvidos no processo.

4 PROCEDIMENTOS E REQUISITOS DO ANPP

O acordo de não persecução penal (ANPP) é um instrumento jurídico que visa possibilitar a resolução consensual de casos criminais de menor complexidade, sem a necessidade de instauração de um processo penal tradicional. Para que um ANPP seja celebrado, é necessário seguir procedimentos específicos e cumprir requisitos estabelecidos pela legislação vigente.

Em primeiro lugar, é importante destacar que o ANPP está previsto na legislação brasileira, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime” (Pacelli, 2020). Essa lei introduziu diversas alterações no Código de Processo Penal, incluindo a previsão do ANPP como uma alternativa ao processo penal convencional.

Os procedimentos para a celebração do ANPP geralmente começam com uma proposta feita pelo Ministério Público ao investigado, com a assistência de seu advogado. Essa proposta deve conter as condições do acordo, como as medidas alternativas ao processo penal que serão adotadas, como a prestação de serviços comunitários, o pagamento de multas, entre outras. Uma vez recebida a proposta, o investigado e seu advogado têm a oportunidade de analisá-la e decidir se desejam aceitá-la. Caso concordem com os termos propostos, o ANPP é formalizado perante o juiz competente, que irá homologar o acordo e determinar sua execução (Pereira, 2019).

No entanto, para que o ANPP seja válido, é necessário o preenchimento de alguns requisitos legais. Um dos requisitos mais importantes é a presença dos chamados requisitos objetivos. Além disso, é fundamental que o investigado concorde voluntariamente com os termos do ANPP, sem qualquer tipo de coação ou pressão indevida. A manifestação de vontade do investigado deve ser livre e esclarecida, garantindo sua plena compreensão das condições do acordo e de suas consequências (Pacelli, 2020).

Outro requisito importante é a necessidade de que o crime em questão seja de menor potencial ofensivo, ou seja, que seja considerado de baixa gravidade ou de menor complexidade. Crimes mais graves, como crimes violentos ou contra a administração pública, geralmente não são passíveis de ANPP, sendo submetidos ao processo penal convencional. Portanto, os procedimentos e requisitos do ANPP são fundamentais para garantir sua eficácia e legitimidade no sistema de justiça penal brasileiro. Ao seguir os trâmites estabelecidos pela lei e observar os requisitos legais, é possível promover uma aplicação justa e equitativa do ANPP, contribuindo para a celeridade e eficiência da justiça criminal.

Para além dos requisitos objetivos e da voluntariedade do investigado, é essencial destacar a necessidade de observância dos princípios fundamentais do direito durante a celebração e execução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Entre esses princípios, um dos mais relevantes é o princípio da legalidade. Conforme apontado por Pacelli (2020), esse princípio determina que o acordo deve estar estritamente em conformidade com a legislação vigente e não pode violar quaisquer direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal. Assim, é imprescindível que todas as etapas do ANPP sejam realizadas dentro dos limites legais estabelecidos, evitando qualquer forma de arbitrariedade ou violação de direitos.

Ademais, é crucial garantir o respeito ao princípio da igualdade das partes durante as negociações do ANPP. Conforme ressaltado por Penteado (2006), esse princípio assegura que tanto o Ministério Público quanto o investigado estejam em posição de igualdade de condições durante as tratativas do acordo. Isso significa que ambas as partes devem ter a oportunidade de apresentar seus argumentos, negociar as condições do acordo e tomar decisões de forma livre e consciente, sem qualquer forma de coação ou pressão indevida por parte das autoridades. Dessa forma, a garantia da igualdade processual contribui para a legitimidade e equidade do ANPP como uma ferramenta de resolução consensual de conflitos.

Além disso, é fundamental observar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade no estabelecimento das medidas alternativas previstas no ANPP. Conforme destacado por Pereira (2019), esse princípio determina que as medidas propostas no acordo devem ser adequadas à gravidade do delito e às circunstâncias específicas do caso em questão. Assim, é necessário que as medidas alternativas sejam proporcionais à conduta praticada pelo investigado, levando em consideração fatores como o potencial lesivo do crime, o grau de culpabilidade do agente e suas condições pessoais. Dessa forma, a observância do princípio da razoabilidade e proporcionalidade contribui para a justiça e equidade na aplicação do ANPP, garantindo que as medidas adotadas sejam justas e adequadas à realidade de cada caso.

Por fim, é necessário garantir a transparência e a publicidade dos acordos celebrados, assegurando que a sociedade tenha acesso às informações sobre os casos resolvidos por meio do ANPP. Isso contribui para a fiscalização dos atos do Ministério Público e para a construção de uma cultura de transparência e accountability no sistema de justiça criminal brasileiro. Assim, ao observar os princípios fundamentais do direito durante a celebração e execução do ANPP, é possível garantir que esse instrumento seja utilizado de forma justa, equitativa e conforme os preceitos legais, contribuindo para a eficácia e legitimidade do sistema de justiça penal.

5 CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DE CASOS ADEQUADOS AO ANPP

Para selecionar os casos adequados ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), é necessário observar uma série de critérios estabelecidos pela legislação e pela jurisprudência, bem como considerar as características específicas de cada caso concreto. Segundo Avena (2020), um dos critérios fundamentais para a aplicação do ANPP é a presença de indícios mínimos de autoria e materialidade do delito, garantindo que haja elementos suficientes para embasar a investigação e a eventual proposta de acordo. Nesse sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE RECEPTAÇÃO – CONDUTA TIPIFICADA NO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL – PRELIMINAR – BAIXA DOS AUTOS PARA OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – PREFACIAL REJEITADA – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA – NÃO CABIMENTO – PENA-BASE – REDUÇÃO – NECESSIDADE – ANÁLISE EQUIVOCADA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – EXTENSÃO DE BENEFÍCIO AO CORRÉU NÃO APELANTE – ART. 580 DO CPP – CABIMENTO. – O acordo de não persecução penal tem lugar apenas durante a fase pré-processual, de modo que após sentença condenatória não se mostra viável – Impossível o acolhimento da pretensão absolutória quando a materialidade e a autoria delitivas se encontram suficientemente comprovadas nos autos – Em crime de receptação, quando o agente é flagrado na posse do bem, a ele compete demonstrar que desconhece a sua origem ilícita – Não há como dar guarida à pretendida desclassificação para a modalidade de receptação culposa quando a ciência da origem ilícita do bem é perfeitamente extraída das circunstâncias e indícios que norteiam a prática criminosa – A análise equivocada de circunstâncias judiciais impõe a redução da pena-base – Nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, “No caso de concurso de agentes ( Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”.(TJ-MG – APR: XXXXX20188130647 São Sebastião do Paraíso, Relator: Des.(a) Edison Feital Leite, Data de Julgamento: 07/03/2023, 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 15/03/2023)

Para selecionar os casos adequados ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), é imprescindível avaliar diversos critérios, conforme destacado por renomados juristas. Um dos aspectos fundamentais é a análise da natureza e da gravidade do delito em questão, bem como das circunstâncias pessoais do investigado. Segundo Pacelli (2020), essa avaliação inclui verificar a presença de antecedentes criminais e a eventual colaboração do investigado com as autoridades. Avena (2021) corrobora essa visão, enfatizando que o ANPP é mais adequado para casos de menor complexidade e potencial ofensivo reduzido, como delitos de menor gravidade e crimes de baixa culpabilidade.

Outro critério essencial é a voluntariedade do investigado em aderir ao acordo. Conforme ressaltado por Nucci (2020), é crucial garantir que a participação do investigado no ANPP seja livre e consciente, sem qualquer forma de coerção ou pressão indevida por parte das autoridades. A voluntariedade é um princípio basilar para a validade e eficácia do acordo, assegurando a proteção dos direitos e garantias fundamentais do investigado.

Para além dos critérios já abordados, como a natureza do delito e a voluntariedade do investigado, é relevante expandir sobre a necessidade de considerar a possibilidade de reparação do dano causado pela infração penal. Como destaca Pereira (2019), essa reparação não apenas atende aos interesses da vítima, mas também reflete o compromisso do sistema de justiça penal com a restauração do equilíbrio social e a resolução pacífica dos conflitos. Essa abordagem restaurativa fortalece a efetividade e a legitimidade do ANPP como uma alternativa ao processo penal tradicional, uma vez que promove a responsabilização do infrator e contribui para a reconstrução dos laços sociais rompidos pelo crime.

Além disso, é fundamental ressaltar que a celebração do ANPP deve observar os princípios constitucionais e legais que regem o sistema de justiça penal. Como aponta Badaró (2020), o acordo deve ser pautado pelos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, garantindo que seja justo e equitativo para todas as partes envolvidas. Isso significa que o ANPP não pode violar direitos fundamentais, nem resultar em medidas desproporcionais em relação à gravidade da infração penal.

Portanto, a seleção de casos adequados ao ANPP demanda uma análise criteriosa e individualizada, levando em consideração não apenas os critérios objetivos, como a natureza do delito e a voluntariedade do investigado, mas também os princípios e valores que orientam o sistema de justiça penal. Somente assim é possível garantir a eficácia e a legitimidade do acordo como uma ferramenta de resolução consensual de conflitos no contexto jurídico contemporâneo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) introduzido pela Lei nº 13.964/2019 representa uma inovação significativa no sistema jurídico brasileiro, refletindo uma tendência global de valorização das formas consensuais de resolução de conflitos penais. A aplicação do ANPP tem mostrado potencial para promover maior eficiência e celeridade na justiça criminal, aliviando a sobrecarga dos tribunais e permitindo uma focalização de recursos em crimes mais graves.

Ao longo deste estudo, analisamos as principais vantagens do ANPP, incluindo a redução do encarceramento desnecessário, a agilidade na resolução de casos de menor gravidade, e os benefícios para os investigados que conseguem evitar os efeitos adversos de uma condenação penal. Os dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indicam uma aceitação crescente deste novo mecanismo, sugerindo que ele está sendo bem recebido pelos operadores do direito e está cumprindo parte de seus objetivos.

No entanto, a implementação do ANPP também levanta importantes desafios e controvérsias. Críticas apontam que a justiça consensual pode comprometer o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e a igualdade perante a lei, especialmente considerando as disparidades na capacidade de negociação entre réus e defensores. A transparência e a fiscalização dos acordos realizados são questões cruciais que precisam ser abordadas para evitar percepções de injustiça e garantir a legitimidade do ANPP.

Além disso, a pesquisa revelou que a uniformidade na aplicação do ANPP é um aspecto crítico que precisa de atenção. A análise das jurisprudências e dos dados disponíveis mostrou que a ausência de critérios claros e uniformes pode levar a desigualdades na aplicação prática do ANPP. É essencial que os operadores do direito sejam adequadamente treinados e capacitados para aplicar este instrumento de forma justa e equitativa.

Portanto, para que o ANPP alcance plenamente seus objetivos sem comprometer os princípios fundamentais do direito penal, são necessários ajustes e melhorias em sua aplicação. É vital promover maior transparência e prestação de contas, assegurar uma capacitação adequada dos profissionais envolvidos, e estabelecer critérios uniformes para a celebração dos acordos. Somente assim será possível garantir que o ANPP contribua efetivamente para a eficiência e celeridade do sistema judiciário brasileiro, respeitando os direitos dos acusados e das vítimas.

Em conclusão, o Acordo de Não Persecução Penal tem demonstrado potencial para ser uma ferramenta valiosa no sistema de justiça criminal brasileiro. No entanto, seu sucesso depende de uma implementação cuidadosa e rigorosa, que leve em conta as preocupações levantadas e busque continuamente aprimorar a prática desse instrumento. Através de um acompanhamento contínuo e de ajustes necessários, o ANPP pode se consolidar como um meio eficaz de promover uma justiça mais rápida, eficiente e justa para todos os envolvidos.

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[1] Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim.

[2] Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense.Graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. Diretor e professor da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim.

Como citar e referenciar este artigo:
GOMES, José Alexandre da Silva; PERIM, Ticiano Yazegy. Acordo de não persecução penal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2024. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/acordo-de-nao-persecucao-penal/ Acesso em: 20 nov. 2024
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