Alimento, no entendimento jurídico, tem abrangência muito maior do que apenas comida. Inclui tudo que se entende por necessário para a manutenção de um
indivíduo como vestuário, saúde, habitação, educação, lazer etc.
Falácia social
A obrigação de alimentar, da maneira apresentada, constrói, na sociedade, uma série de entendimentos dogmáticos, preconceituosos e falaciosos. Em
sociedades como a nossa, os ascendentes alimentam os descendentes e vice-versa, respeitadas as possibilidades e necessidades de cada envolvido.
A obrigação moral de alimentar, quando determinada e quantificada pelo juiz, institui a obrigação judicial. Só então sua inadimplência é passiva de
prisão. Neste momento, abre-se um portal para a má-interpretação, para o autoritarismo que garante valores materiais em detrimento de valores morais,
sociais, psicológicos, familiares e outros que ferem a dignidade da pessoa humana. A exemplo disso estão casos de credores que executam o devedor,
mesmo sem precisarem dos alimentos, apenas por vingança ou desafeto por qualquer outro motivo; há também casos como a decisão de um juiz de São Paulo
em manter o devedor preso, já que dos quase R$ 4.000,00 que este pagou da dívida, ficaram faltando R$ 0,72 (setenta e dois centavos).
Sustento na miséria
As mazelas de uma economia sofrível agridem o cidadão, seja por má distribuição de renda, seja por uma globalização desajustada. Essas condições são
responsáveis por um número sem fim de cidadãos à margem da sociedade, mas que mantêm sua formação familiar de forma heróica. Há um número incontável de
famílias que sobrevivem em situação de miséria.
Chefes de família são expostos a todo tipo de privação, vítimas da má administração de recursos brasileiros. Entretanto, não é razoável mandar para a
cadeia cidadãos que não conseguem alimentar, educar, dar saúde, lazer e tantas outras necessidades a seus filhos por serem ou estarem pobres. Em alguns
casos, a melhor opção para conseguir alimentação é estar na cadeia sob tutela do Estado.
Ciência humana
A doutrina e a jurisprudência pouco têm se manifestado nesse campo. As normas que determinam prisão civil para o devedor de alimentos são aplicadas de
maneira mecanicista, irracional, em desacordo com situações fáticas e humanas. Os dogmas legais devem ser discutidos com certa periodicidade, já que o
Direito não é uma ciência exata como a matemática.
Na Comarca de Poços de Caldas, através de parecer do promotor responsável pela área de família e aceitação do juiz, tem-se determinado uma nova
modalidade de audiência, a “audiência de justificativa”. Com fundamento em uma interpretação extensiva do Código de Processo Civil, os devedores têm a
oportunidade de apresentar suas justificativas ou compor suas dívidas com o credor em audiência com teor conciliatório. O procedimento inovador tem-se
apresentado ótima ferramenta na contenção de litígios e solução pacífica das execuções, evitando a pena de prisão ao devedor de maneira indiscriminada.
Os credores sensatos não querem ver os devedores presos, mas querem seus créditos quitados. Outras coações podem ser impostas aos devedores de
alimentos ao invés da privação de sua liberdade. Que outros operadores do Direito tenham o mesmo bom senso, afinal, o Direito existe em função da
sociedade e não a sociedade em função do Direito.
FERRAMENTA DE COAÇÃO
Prisão é um instituto severo que não pode ser usado como coação civil. Nem mesmo a moderna doutrina do Direito Penal considera prisão um
instrumento de punição, mas de recuperação. Quando muito, prisão tem teor protetivo à sociedade, afastando temporariamente o indivíduo desajustado
do convívio social.
A jurisprudência e a doutrina caminharam quanto à impossibilidade de prisão civil para depositário infiel, porém, quando determinada ao devedor de
alimentos, são realmente cegas. Qualquer possibilidade de prisão civil deve tender a extinção.
FILHOS NÃO-ALIMENTADOS
Quantos brasileiros deveriam estar na cadeia por não suprir suas obrigações alimentares? Isso não ocorre pela exigência de um pré-requisito na
aplicação da prisão civil do devedor de alimentos: o título judicial determinando obrigação legal. Os que têm direito legal a alimentos não teriam
a mesma necessidade daqueles que tem direito moral aos alimentos? Certamente, porém, outro pré-requisito é necessário para a imposição de prisão
civil do devedor de alimentos, especialmente no caso de obrigação entre genitor e prole: a separação, o divórcio, a ausência de união estável geram
o pedido de obrigação alimentar.
O indivíduo que vive em comunhão familiar pode não alimentar os filhos ou cônjuge, seja por dificuldades financeiras ou por motivos diversos. A
desunião é fator fático necessário para requisição da obrigação alimentar. A Lei 6515/77(Lei do Divórcio) tem seção específica determinando fixação
de alimentos. Nesse diapasão, é preciso que o técnico do Direito e o aplicador desse intensifiquem sua atenção para evitar que motivos alheios à
obrigação alimentar gerem injustiças.
Lúcio Corrêa Cassilla*
Pedagogo; Advogado; Pós-graduando em Ciencias Criminais.