Processo Civil

Existe um limite quantitativo na aplicação da astreinte?

Robson Zanetti*

 

 

O termo e o instituto foram importados da França, trata-se da aplicação de uma multa processual com a finalidade de fazer com que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa, ou seja, serve como um meio de coação.

 

A multa diária venha sendo muitas vezes aplicada de forma excessiva, quebrando sociedade empresariais, desfalcando patrimônios e levando muitas pessoas a receber um verdadeiro “prêmio” judicial.

 

O multa se aplica a pessoa que tinha a obrigação de fazer ou não fazer e não a praticou ou se absteve após a tomada de uma decisão judicial. Ainda que inicialmente seu valor parece não ser grande com relação ao patrimônio da pessoa que terá que pagar o valor da multa, ela acaba em muitas vezes se revelando absolutamente desproporcional ao dano sofrido.

 

O valor da multa diária não é limitado pela legislação pátria e isto faz, por exemplo, com que o juiz arbitre uma multa de R$ 1.000,00 por dia a uma construtora que se comprometeu a liberar a hipoteca de um imóvel adquirido por um consumidor pelo valor de R$ 100.000,00 e por problemas financeiros esta não venha a conseguir liberá-lo. Se após 100 dias não houver a liberação, o consumidor já ganhou um “prêmio” de R$ 100.000,00 ou seja, comprou um apartamento e já ganhou outro de “presente” e assim vai, conheço caso onde uma pessoa comprou um apartamento e só a título de multa diária já ganhou quase 100 outros. O que o Sr.(a) acha que é mais fácil: ganhar na Mega-Sena ou estar numa situação dessas? O Sr.(a) entende que isso se caracteriza como uma sanção judicial ou como um verdadeiro prêmio?

 

Na prática e não na teoria, o que ocorre normalmente é que os empresários não liberam a hipoteca junto a instituição financeira porque não tem dinheiro e se não tem dinheiro, como frear a aplicação da multa diária? Se uma simples “canetada” tem o poder de enriquecer uns e o poder de empobrecer outros seria possível acabar com todos os problemas do mundo: a realidade no mundo real é diferente daquela imaginada.

 

Uma pessoa que teve seu nome encaminhado a um serviço de proteção ao crédito por uma suposta dívida no valor de R$ 10.000,00 também pode ser “premiada”. Assim por exemplo, aquele que tem o nome negativado num serviço de proteção ao crédito, após ter obtido uma decisão judicial temporária para que seu nome seja excluído da restrição, pede ao juiz para que aplique uma multa diária de R$ 1000,00 ao dia para que o a pessoa obrigada a retirá-lo o retire. Por um motivo ou outro, o obrigado acaba não o retirando e após 30 dias o suposto devedor já tem um crédito a seu favor de R$ 30.000,00. Como o andamento processual é demorado, após dois anos já teríamos um passivo de R$ 730.000,00.

 

É muito fácil dizer: porque não retirou o nome, se tivesse retirado isso não teria ocorrido. Ocorre que a aplicação da multa diária se dá diante de obrigações de fazer ou não fazer e muitas vezes é muito difícil verificar se a obrigação foi ou não cumprida, ficando a critério do poder discricionário do juiz a tomada de decisão e como os julgamentos são subjetivos as pessoas estão expostas a um risco imenso.

 

Ainda, o não cumprimento da obrigação não pode gerar o enriquecimento da outra parte, basta ver que em muitos casos concretos o beneficiário da multa diária acaba recebendo um “ prêmio “ que muitas vezes jamais conseguiria trabalhando sua vida toda 24 horas por dia sem parar.

 

Entendemos que a imposição da multa diária deve ser limitada e ainda, se ela é processual deveria ser destinada a um fundo e não ao credor, já que a tutela jurisdicional é prestada pelo Estado e o desrespeito é a uma ordem judicial e não a uma ordem do credor, ou seja, não se trata de uma relação de direito material e sim processual.

 

Caso a aplicação da multa não seja suficiente para o cumprimento da obrigação, existe medida penal para esta finalidade e ainda poderiam ser criadas outras, mas o que não pode ocorrer é que o nome formal “multa pecuniária” se transforme num meio de distribuição de rendas “com chapéu alheio”.

 

 

* Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 100 artigos e das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi e A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas. É também árbitro e palestrante

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ZANETTI, Robson. Existe um limite quantitativo na aplicação da astreinte?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/limiteastrinte/ Acesso em: 21 nov. 2024
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