Processo Civil

Breve análise do pensamento dos processualistas BEDAQUE, BUENO, FUX, MARINONI e TALAMINI sobre as tutelas antecipatória e cautelar

 

 

Introdução

 

As tutelas, antecipada e cautelar, embora tenham características, hipóteses de cabimento e aplicações distintas, são espécies do gênero tutela de urgência.

 

No Código de Processo Civil vigente, a tutela antecipada é tratada, especificamente e de acordo com a natureza da obrigação, em três dispositivos, a saber: artigos 273, 461 e 461-A.

 

Já a tutela cautelar, é descrita, de modo genérico, no artigo 798, também do Código de Processo Civil.

 

É sobre a visão que os processualistas José Roberto dos Santos Bedaque, Cássio Scarpinella Bueno, Luiz Fux, Luiz Guilherme Marinoni e Eduardo Talamini têm sobre estes dois institutos que versará o presente trabalho.

 

Justificativa

 

O Código de Processo Civil brasileiro optou pela segurança jurídica, mantendo-se fiel ao princípio da efetividade, segundo o qual o juiz não pode decidir baseado em verossimilhança.

 

A verdade é que a estrutura dada ao mecanismo estatal de prestação jurisdicional não dá ao crescente e contínuo número de processos um atendimento eficaz. E a conseqüente lentidão na solução dos conflitos é um mal que se verifica não apenas nos tribunais pátrios, mas em todo mundo. Sobre tal paradoxo, com propriedade, José Roberto dos Santos Bedaque observa que a ampliação do acesso à Justiça acaba dificultando o acesso à Justiça.

 

De sua parte, alerta Luiz Guilherme Marinoni:

 

“Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da Justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do procedimento ordinário – no qual alguns imaginam que ele não erra…”

 

E Cássio Scarpinella Bueno arremata:

 

O processo, pois, não pode ser obstáculo à realização do direito“.

 

As tutelas de urgência surgiram para que o lapso do processo não venha prejudicar o autor que tem razão. Destarte, buscam acelerar a produção de efeitos práticos do provimento, visando atenuar os danos causados pela excessiva demora processual.

Como já o afirmamos, as tutelas antecipadas e cautelar são espécies do gênero tutela de urgência.

 

Entre as características comuns aos dois institutos, comumente lembradas pela doutrina, e refrisadas por José Roberto dos Santos Bedaque, estão a cognição sumária realizada para a concessão de ambas as tutelas – excluindo-se a antecipação prevista pelo art. 273, § 6º, CPC, conforme veremos -, a provisoriedade, e a referência a uma outra tutela.

 

No rol das diferenças são alistadas a possibilidade da tutela cautelar, em casos excepcionais e previstos em lei, ser concedida de ofício, ao passo que a antecipada sempre exige pedido do autor. Diferentes igualmente são os requisitos para a concessão de tais tutelas: embora se reconheça a identidade de significados entre “periculum in mora” e “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, não há negar a diferença entre o “fumus boni iuris” e a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”. As duas tutelas também se diferenciam pela autonomia, podendo-se falar em ação cautelar, mas não em ação de tutela antecipada. Mas a mais destacada diferença entre as duas tutelas concerne à natureza jurídica que, tecnicamente, não se confundem. A da tutela antecipada tem natureza satisfativa fática, ao proporcionar ao autor a antecipação dos efeitos práticos que seriam gerados apenas com a futura sentença de procedência transitada em julgado. Ao autor permite-se que usufrua o bem da vida imediatamente, tal qual faria caso houvesse obtido uma sentença definitiva a seu favor. No que concerne à tutela cautelar não deve esta antecipar qualquer espécie de satisfação, limitando-se a garantir a utilidade/eficácia do resultado do processo principal. Por conseguinte, o autor não passa, de imediato, a usufruir do bem da vida, mas cria condições materiais para que no futuro possa, efetivamente usufruí-lo.

 

Eduardo Talamini sustenta:

 

“O importante é ter consciência dos pontos comuns entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Ambas podem ser inseridas em uma

 

categoria geral das “tutelas de urgência”. Essa constatação tem decorrências muito importantes. A primeira é a de que se aplicam à tutela antecipada as normas sobre a tutela cautelar – e vice-versa -, relativamente a todos os pontos em que as características de uma e de outra são as mesmas. Por exemplo, a regra da responsabilidade objetiva do requerente da medida cautelar (art. 811) aplica-se à tutela antecipada. Já a regra que prevê que a medida cautelar perde a eficácia se a ação principal não for proposta em trinta dias (art. 806 e 808, I) não é obviamente, aplicável à tutela antecipada dos arts. 273 e 461, §3º, uma vez que essa, no regime vigente não opera através de processo preparatório. A segunda conseqüência é o reconhecimento de certo grau de fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Muitas medidas encontram-se em uma “zona cinzenta”, entre o terreno inequivocamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação. Estabelece-se, em virtude disso, verdadeira “dúvida objetiva” – semelhante à que autoriza, no campo dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade. Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta.”

 

Sobre a possibilidade de um regime jurídico único para as tutelas emergenciais, assim se posiciona Eduardo Talamini:

 

“Em situações como essas, em que há disputa séria e objetivamente exteriorizada acerca da natureza da medida de urgência, parece ser o caso de o juiz, ainda que pessoalmente convencido de que a via adequada era a outra que não a adotada pelo requerente, relevar esse aspecto formal e passar à análise dos demais requisitos para a concessão da providência. Os princípios que norteiam tal solução são os mesmo que dão suporte à teoria da fungibilidade em matéria de recursos (efetividade da tutela, instrumentalidade das formas, economia processual, proteção à boa-fé). Desse modo, em certos casos, possibilitar-se-á antecipação da tutela, apesar de ter sido requerida mediante a instauração de um autônomo processo cautelar, bem como, em situações excepcionais, será viável a concessão da tutela meramente conservativa no bojo do próprio processo principal, a despeito de não se tratar de uma das hipóteses em que isso é expressamente autorizado pela lei”.

 

 

Desenvolvimento

 

As tutelas de urgência surgiram, exatamente, para eliminar a excessiva demora processual, acelerando a produção de efeitos práticos do provimento. Corrobora não só a efetividade do processo como a idéia de que protelação ou prolongamento de tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão.

 

Neste sentido, doutrina Luiz Guilherme Marinoni acerca da antecipação de tutela:

 

“A técnica antecipatória, é bom que se diga, é uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. A antecipação certamente eliminará uma das vantagens adicionais do réu contra o autor que não pode suportar, sem grave prejuízo, a lentidão da justiça.”

 

Semelhante consideração sobre a tutela antecipada é feita por Cássio Scarpinella Bueno:

 

“…porque a incorporação do instituto no Processo Civil Brasileiro acabou por revelar opção nítida do legislador brasileiro no sentido de prestigiar, naqueles casos encartáveis no caput e nos incisos I ou II do atual art. 273 do CPC, a efetividade da Justiça e não a segurança jurídica, estandarte do processo de conhecimento pleno e exauriente, do qual o ato culminante é a sentença.”

 

Entretanto, Bedaque adverte:

 

(…) a necessidade de solução justa para as controvérsias requer a prática de atividades que demandam tempo, especialmente para possibilitar ao juiz adequado conhecimento da realidade substancial que lhe é submetida à apreciação. Também devem as partes ter amplas condições de debater a respeito dos fatos controvertidos e questionar decisões do órgão jurisdicional, impugnando-as.

 

Ensina-nos Bedaque que o processo civil não é do autor nem do réu, precisamente por isso urge um contraditório efetivo e equilibrado. Não se pode pensar o processo como meio de satisfação dos interesses do autor, buscando-se o resultado custe o que custar. Preocupa-se Bedaque que a utilização da tutela urgente propicie a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, posto que o mencionado instituto baseia-se em cognição sumária, o que terminaria por limitar aquelas garantias constitucionais.

 

No caso específico da tutela antecipada, importante é aqui reproduzirmos o pensamento do jurista:

 

Por isso, é imprescindível que a regulamentação da tutela antecipada leve em consideração não apenas a necessidade de conferir a efetividade ao processo, mas também a impossibilidade de reduzir a parte contrária a mero integrante da relação processual, sem qualquer oportunidade de influir em seu resultado.

 

Ao exigir completa cognição e observação e plena observação do contraditório, Bedaque se aproxima dos processualistas que privilegiam a segurança jurídica, em detrimento da efetividade do processo. Bedaque entende que antecipar os efeitos da tutela implica no sacrifício dos postulados do devido processo legal – especialmente o contraditório e a ampla defesa. É conceituar em demasia a efetividade, em menoscabo à segurança do resultado. Contudo, por entender ser provisória a medida, acentua que a atividade destinada à cognição plena, ao contraditório e à ampla defesa, ocorreriam em momento posterior à antecipação, a fim de alcançar a tutela final definitiva.

 

De acordo com a previsão expressa no art. 273, caput, CPC, a antecipação de tutela depende de pedido expresso da parte interessada, que é invariavelmente o autor. E, embora a doutrina majoritariamente defenda a impossibilidade da concessão de ofício pelo juiz da tutela antecipada, interpretando, assim, literalmente o dispositivo legal, na corrente contrária, e em minoria, estão José Roberto dos Santos Bedaque e o Ministro do STJ Luiz Fux, defendendo tal possibilidade, ainda que em casos excepcionais. Por esse entendimento, estaria criado, a exemplo do poder geral de cautela, um poder geral de antecipação de tutela, permitindo, em situações específicas, a manifestação de ofício do juiz.

 

Defende, igualmente, que a antecipação da tutela sem a oitiva da parte contrária é possível apenas em casos excepcionais: “embora admissível a antecipação antes de o réu integrar o contraditório, tal solução mostra-se absolutamente excepcional, pois o juiz terá, como elementos de informação, apenas a visão unilateral do fenômeno apresentada pelo autor.”

 

Sobre o mesmo tema, assim manifesta-se Marinoni:

 

“(…) o direito à tutela antecipatória é corolário do direito do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, e esse, evidentemente, não pode ser restringido por lei infraconstitucional. Por isso, a tutela antecipatória deve ser concedida – obviamente que mediante a devida justificativa – quando as circunstâncias do caso concreto demonstrarem sua necessidade antes da ouvida do réu.”

 

Bedaque admite a antecipação de tutela na própria sentença, tendo “como conseqüência exatamente retirar o efeito suspensivo da apelação”.

 

Marinoni entende que, finda a instrução, o juiz pode conceder a tutela antecipada no próprio instrumento em que é proferida a sentença, certamente em capítulo à parte e nunca na própria sentença, já que o recurso de apelação frustraria sua própria finalidade.

 

Para a hipótese de levar o pedido ao tribunal quando os autos ainda lá não chegaram,  Bedaque apresenta a seguinte possibilidade: “interposta apelação e antes da remessa dos autos ao tribunal, pode surgir a necessidade da antecipação dos efeitos da tutela final. Deverá a parte pleitear a tutela correspondente pela via autônoma.”

 

O inciso II do art. 273, indica duas espécies de hipóteses – manifesto propósito protelatório e abuso do direito de defesa – que, em conjunto com a probabilidade de serem verdadeiros os fatos alegados pelo autor, levariam à concessão da tutela antecipatória sancionatória. Embora possa parecer que essa antecipação de tutela, cuja concessão é bastante rara, seja exclusiva do autor – visto que somente ao réu interessa protelar o resultado do processo e somente ele se defende no processo, podendo vir a abusar desse direito -, a verdade é que, em casos raros, há imaginar situações em que o réu venha a pleitear a concessão de tutela antecipada baseado num abuso de direito de defesa do autor ou num manifesto propósito protelatório deste.

 

Sobre o tema, nos elucida Marinoni:

 

A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento, constituindo-se em verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação (artigo 273, I), mas também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (artigo 273, II).

 

A terceira espécie de tutela antecipada está prevista no § 6º, do art. 273, segundo o qual poderá ser concedida a antecipação de tutela quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. Há entender por “pedido incontroverso” aquele sobre o qual não pairam mais quaisquer dúvidas quanto aos fatos que fundamentam o pedido do autor. Assim sendo, a antecipação de tutela seria possível em duas situações: fatos incontroversos – confessados de forma expressa ou tácita pelo réu – e fatos controversos já devidamente provados nos autos. Nessas duas hipóteses, de desnecessária instrução probatória, é possível a antecipação de tutela; quanto à parte controvertida do pedido, que requer instrução probatória, essa daria causa à continuação do processo.

 

Entretanto, registre-se que, caso o juiz reconheça a incontroversibilidade dos fatos, por já confessos ou provados, somente concederá a antecipação de tutela se concordar com a aplicação do direito exposto pelo autor. Ao revés, indeferirá o pedido, porquanto absurdo seria o juiz antecipar algo que não concederia de forma definitiva.

 

Devemos observar que enquanto as duas outras espécies de antecipação fundam-se num juízo baseado em cognição sumária, em verossimilhança; nesta, onde o pedido é incontroverso, a cognição realizada para seu julgamento terá sido exauriente, baseada em certeza, e não em verossimilhança. Constatando isso, Marinoni fala até mesmo em tutela antecipada definitiva, em verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide. Porque embora seja prolatada por uma decisão interlocutória, recorrível por agravo de instrumento, se deste não for feito uso, ou se esgotados os recursos possíveis, transita em julgado material.

 

O parágrafo 2° do artigo 273, do Código de Processo Civil veda a concessão da antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Assim, é condição de deferimento da medida, que haja a possibilidade de revertê-la.

 

Contudo, inexiste razão para não se admitir à antecipação de tutela a produção de efeitos fáticos irreversíveis, pois sacrifica-se o provável em favor do provável.

 

Sobre o tema, assim opinou Bedaque:

 

Não se pode desprezar, porém, a possibilidade de situações extremas, em que se permite a satisfatividade irreversível da tutela antecipada, sob pena de perecimento do direito. Se a única forma de evitar essa conseqüência e assegurar a efetividade do processo for antecipar efeitos irreversíveis, não se pode excluir de plano a medida.

 

Continuando em seu raciocínio, Bedaque elucida que o juiz, diante da dúvida a respeito da possibilidade de retorno ao status quo, deve identificar o interesse mais relevante, valendo-se do Princípio da Proporcionalidade.

 

Para Luiz Fux, os pressupostos substanciais para a concessão da tutela antecipada são a “evidência” e a “periclitação potencial do direito objeto da ação”, sendo processuais a “prova inequívoca conducente à comprovação da verossimilhança da alegação” e o “requerimento da parte”. De acordo com este jurista, o juízo de verossimilhança quando se trata de direito evidente ocorre sem maiores percalços. Contudo, em se tratando de direito em estado de periclitação, caberá ao juiz avaliar, confrontando a prova inequívoca com a urgência requerida, compondo um juízo de probabilidade que o autorizará a concessão da tutela antecipada. Destaca o iminente jurista que todo meio de prova moralmente legítimo pode ser usado para a comprovação da verossimilhança da alegação capaz de resultar a antecipação de tutela.

 

Claro, o juiz corre o risco de prejudicar, até de modo irreversível, o réu. Mas, para prestar a adequada tutela jurisdicional, sacrifica-se um direito improvável, visto que não só a concessão, mas, igualmente, a negação de uma liminar pode causar perda insanável. Ocasionada esta situação irreversível, o único interesse em prosseguir com a demanda seria a condenação do vencido nas custas e honorários advocatícios e, possivelmente, uma declaração da ilegalidade da medida irreversível, a fim de instruir uma futura ação de indenização civil.

 

O exemplo citado por Bedaque é o da autorização liminar para transfusão de sangue. Uma vez realizada a transfusão, qual o interesse na obtenção de futura sentença declaratória?

 

Num caso em que uma testemunha de Jeová, alegando motivos religiosos, recusa-se a ser submetida a uma transfusão de sangue, e um parente vem a requerer seja deferida uma liminar para que a transfusão seja realizada pois há risco de morte. Deferida a liminar, e a transfusão for realizada – medida irreversível – o processo não terá motivo para prosseguir.

 

Adverte Bedaque que, na sistemática processual vigente, não há resposta que satisfaça plenamente a realidade, porquanto a segurança será sacrificada pela urgência que a situação requer, tornando desnecessário, sem préstimo o contraditório futuro.

 

Com a alteração feita no art. 527, III, do CPC, pela Lei n. 10.352/01, tornou-se pacífica a jurisprudência no sentido de que o relator tem não só o poder de suspender os efeitos da decisão agravada, como ainda o de conceder, ele mesmo, a medida urgente que haja o juiz de primeiro grau negado. Essa possibilidade do relator, de forma monocrática, deferir em antecipação de tutela a pretensão recursal, tem sido denominada pela doutrina “efeito ativo”. Contudo, entende Marinoni, que é a própria decisão do relator que defere a tutela antecipada que tem efeito, não havendo falar em efeito ativo de decisão do juiz de instância inferior que tenha negado a tutela antecipada. Assim doutrina Marinoni:

 

“Quando o magistrado de segundo grau de jurisdição decide reformar a decisão, ele pode cassar seus efeitos – no caso em que a decisão de primeiro grau tiver deferido a tutela – ou conferir efeitos à sua própria decisão – quando a decisão recorrida não concedeu a tutela. Não há como o magistrado de segundo grau atribuir efeitos à decisão que não concedeu a tutela, pois essa não tem eficácia alguma, e, portanto, não tem efeito obstaculizado que possa ser ativado. É por esta razão que a nova disposição do art. 527 fala em “antecipação da tutela”, e não “efeito ativo””.

 

Sobre a tutela cautelar, assim Marinoni a define, distinguido-a da tutela sumária satisfativa:

 

“A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é ‘satisfativa sumária’. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado”.

 

O art. 798, do CPC, dispõe sobre a tutela cautelar genérica. Tal dispositivo permite diante da prova da existência de estado perigoso, capaz de seriamente ameaçar a segurança de certo direito da parte e somada a aparência do direito do requerente, vir instruir garantia sobre esse direito seja por ato voluntário da outra parte, seja em decorrência até mesmo de ato de terceiro ou de algum fato natural.

 

Há sugestão se concentrar o Poder Geral de Cautela neste art. 798.

 

Atualmente, concorda-se que não deve generalizar a prática de forma que o processo cautelar venha transformar-se em mais uma alternativa para resolver a morosidade da prestação jurisdicional.

 

Marinoni atribui esse desvirtuamento e uso indistinto do processo cautelar à ineficiência do procedimento ordinário, que transforma o art. 798 em verdadeira “válvula de escape” e panacéia para a consecução da tutela jurisdicional adequada.  Para Marinoni, a utilização indiscriminada da tutela cautelar surgiu como “conseqüência da superação da ordinariedade e da tendência daí decorrente, como meio para alcançar uma tutela rápida capaz de tornar efetivo o direito material”.

 

Segundo Bedaque, “a urgência está normalmente vinculada ao fator perigo. Em princípio só se justifica a medida dessa natureza se houver risco para a efetividade da tutela final. Por mais provável o direito afirmado, não há como antecipar sua eficácia sem a efetiva demonstração do perigo concreto à utilidade do provimento definitivo”

 

Conclusão

 

Por conclusão, será aqui dada a palavra para alguns dos processualistas, cuja doutrina foi alvo neste trabalho de brevíssima análise.

 

Para José Roberto dos Santos Bedaque,

 

a principal missão do processualista é buscar alternativas que favoreçam a resolução dos conflitos. Não pode prescindir, evidentemente, da técnica. Embora necessária para a efetividade e eficiência da justiça, deve ela ocupar o seu devido lugar, como instrumento de trabalho, não como um fim em si mesmo. Não se trata de desprezar os aspectos técnicos do processo, mas apenas de não se apegar ao tecnicismo. A técnica deve servir de meio para que o processo atinja seu resultado”.

 

E, por arremate, afirma:

 

é preciso conciliar a técnica processual como seu escopo. Não se pretende nem o tecnicismo exagerado, nem o abandono total da técnica. Virtuoso é o processualista que consegue harmonizar esses dois aspectos, que implicará a construção de um sistema processual apto a alcançar seus escopos, de maneira adequada.

 

Por fim, há, igualmente, transcrever essa importante lição do professor Luiz Guilherme Marinoni:

 

b) Os novos direitos e o uso anômalo da ação cautelar

Se os procedimentos jurisdicionais nada mais são do que tecnologias que devem estar (espera-se!) a serviço da sociedade, seria sinal de inadmissível ingenuidade supor que tais procedimentos não precisam adequar-se aos direitos que vão surgindo na medida em que a vida social evolui.

 

É preciso enxergar a verdadeira razão de ser dos procedimentos, dos provimentos e dos seus meios de execução, para que se deixe de lado o apego despropositado às classificações feitas a partir de conceitos baseados em realidades processuais que serviam a direitos de épocas passadas. Pensar que as classificações não devem ser alteradas é o mesmo que supor que os direitos de hoje são os mesmos do que os direitos de cem anos atrás e que, por esta razão, a realidade processual, e assim as classificações que nela se baseiam, podem ser congeladas no tempo. Ora, é evidente que instituições que têm íntima relação com o modo de ser da vida não podem ser eternizadas no tempo, a menos que pretenda-se um direito processual distanciado da sociedade.

 

Como o procedimento comum do processo de conhecimento foi construído sem liminar e com provimento final que não tinha aptidão para evitar a violação de um direito (já que a sentença condenatória, que deve ser seguida pela execução, é voltada para o passado), não foi difícil perceber a insuficiência de tal processo para a efetiva tutela dos novos direitos, basicamente dos direitos não patrimoniais (que evidentemente não podem ser lesados) e dos direitos patrimoniais que não podem ser efetivamente tutelados por meio da sentença condenatória (vale dizer, do ressarcimento através de dinheiro), como por exemplo o direito à marca comercial.

 

Como o procedimento cautelar, concebido originariamente apenas para garantir a frutuosidade do processo de conhecimento ou de execução, possui liminar e provimento final que pode ser executado na pendência do recurso de apelação, não é difícil imaginar a razão pela qual os advogados e membros do Ministério Público preferiram utilizar a ação cautelar para buscar a tutela dos direitos que foram a eles confiados. Assistiu-se ao uso distorcido da ação cautelar, também conhecido como o uso da ação cautelar com finalidade satisfativa ou como técnica de sumarização do processo de conhecimento, exatamente porque não se podia suportar a inefetividade deste último, que ficou congelado como se fosse algo intocável e que não precisaria adequar-se aos novos direitos e à nova sociedade.

 

c) A tutela antecipatória

 

Diante deste quadro, o Código de Processo Civil brasileiro ganhou novas normas, que disciplinam a chamada tutela antecipatória[20], a qual configura a possibilidade de o juiz conferir à parte, antes do término do processo, o direito que antes somente poderia lhe ser outorgado ao final[21].

 

Vale a pena transcrever o conteúdo da norma que está no art. 273:

 

“ Art. 273 – O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

 

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

 

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

 

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

 

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

 

§ 3o A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.

 

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

 

§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”.

A tutela antecipatória também foi prevista na norma do art. 461, que tem por fim permitir a efetiva tutela dos direitos que dependem do cumprimento de obrigações, ou deveres, de não fazer ou de fazer.

Não é preciso dizer que tais normas configuram a maior inovação realizada no Código de Processo Civil brasileiro”.

 

 

Referências bibliográficas

 

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997)

 

Poittevin, Ana Laura González. Tutela irreversível e efetividade processual. Disponível em:

http://www.tex.pro.br/wwwroot/06de2005/tutelairreversivel-analauragonzalespoittevin.htm#-ftnref1 Acesso em: 02 fev.2008

 

Cordeiro, Maria Christina M. O. Neves. Disponível em:

http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/BKP/COLABO0606.DO Acesso: 02 fev.2008.

 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. A Tutela Antecipada. Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosf/Daniel-Tutela.doc

Acesso em: 02 fev.2008

 

FUX, Luiz. A tutela de Urgência na Jurisdição de Família: cautelares, tutela antecipada. Disponível em:

http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/768/1/Tutela-de-urg%C3%AAncia-na-jurisprud%C3%AAncia.pdf

Acesso em: 26 fev.2008

 

MARINONI, Luiz Guilherme. O Custo e o Tempo do Processo Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/principal/home/?sistema=conteudos|conteudo&id-conteudo=125

Acesso em: 26 fev.2008

 

SOUZA, Odilon Capucho Pontes de. Tutela antecipada e fumus boni iuris . Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5430>. Acesso em: 26 fev. 2008.

 

 

* Lucília Lopes Silva – Formação acadêmica: Graduada em Direito pela Faculdade Cândido Mendes. Pós-graduada Lato Sensu em Direito Civil, pela ESA/OAB-RJ. Cursos de especialização na FGV Online: Direitos do Consumidor, Direitos Humanos, Direito Societário, Direito Processual Civil – Fundamentos e Teoria Geral e Atualização em Direito Processual Civil. Dados profissionais: Consultora jurídica e parecerista

 

Como citar e referenciar este artigo:
, Lucília Lopes Silva. Breve análise do pensamento dos processualistas BEDAQUE, BUENO, FUX, MARINONI e TALAMINI sobre as tutelas antecipatória e cautelar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/breve-analise-do-pensamento-dos-processualistas-bedaque-bueno-fux-marinoni-e-talamini-sobre-as-tutelas-antecipatoria-e-cautelar/ Acesso em: 21 mai. 2024
Sair da versão mobile