Política

A reforma política ideal

Há, pelo menos, dois anos, o Conselho Superior de Direito da FecomercioSP se debruça sobre as diversas alternativas para uma reforma política. Realizou, em 2016, o Simpósio Nacional com a Academia Internacional de Direito e Economia-Aide, intitulado “Parlamentarismo: utopia ou realidade”, editando livro com 26 trabalhos de eminentes personalidades, todas favoráveis a esse sistema de governo. Entre eles, o relator da Constituinte, Bernardo Cabral, além de deputados, senadores e professores universitários.

A FecomercioSP, que congrega 154 sindicatos de comércio e prestação de serviços, na linha de seu Conselho Superior, tem buscado se aprofundar nos principais temas dessa necessária reforma.

Entre eles destaque para o voto distrital. A ideia-chave seria o distrital misto, com um candidato por partido e por distrito para líderes regionais, em metade das cadeiras, e proporcional, para líderes nacionais, na outra metade. Condenamos o voto em lista fechada, próprio de regimes parlamentares, pois, no Brasil, com 35 partidos, sendo 26 deles com assento no Congresso, perpetuar-se-iam os “donos de partidos”, cujos nomes estariam no topo da lista, sem ostentarem qualquer legitimidade perante o eleitor.

Quanto à fidelidade partidária, o sistema português seria um bom mecanismo para viabilizá-la, de tal maneira que um deputado eleito, se deixasse seu partido, continuaria exercendo o mandato, em respeito à vontade do eleitor, mas não poderia ingressar em outro partido senão no fim daquele período. Perderia, portanto, a eleição seguinte. Com isso, os mais votados seriam sempre os eleitos, independentemente do partido, valendo o mesmo princípio para os suplentes. Por tal sistema, os dois maiores objetivos seriam atingidos (vontade do eleitor em ter o mais votado o representando e valorização dos partidos com a fidelidade partidária assegurada).

O domicílio eleitoral para cargo eletivo deveria ser de, pelo menos, dois anos no seu distrito; e o número de deputados, reduzido em 25% e proporcional ao número de eleitores. Embora mais difícil tal desiderato, acarretaria uma sensível redução no custo do Poder Legislativo. O grande problema é conseguir que o atual Congresso apoie tal profilático objetivo.

O Senado é que seria a verdadeira Casa da Federação, no qual, independentemente da população, todos os Estados teriam idêntica representação. Aliás, o Senado americano surgiu por esse prisma na Constituição de 1787, objetivando contrabalançar, a favor do Sul, a maior população do Norte. Há, todavia, na proposta da FecomercioSP uma redução para dois senadores por Estado, que, aliás, é o número de senadores da Casa Alta dos Estados Unidos.

O calendário eleitoral seria conjunto, a fim de se evitar o que ocorre atualmente: viver o País em constantes períodos eleitorais, pois a cada dois anos há eleições. O ponto crucial, entretanto, é quanto ao financiamento de campanha. Dinheiro do contribuinte, em um país carente de saúde, educação e segurança, não deve ser destinado a alavancar carreiras políticas.

A FecomercioSP é rigorosamente contra qualquer financiamento público de campanha. Deveria tal financiamento ser exclusivamente privado, subordinado às seguintes regras: doações somente poderiam ser feitas aos partidos por pessoas jurídicas ou pessoas físicas; partidos deveriam registrar as doações no TSE, informando CNPJ ou CPF do doador; partidos seriam responsáveis pela destinação dos recursos recebidos; empresas poderiam doar, no total, até 1% de seu faturamento anual do exercício fiscal do ano anterior, limitando-se ao total de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); pessoas físicas poderiam doar até R$ 10.000,00 (dez mil reais), com apresentação de comprovação de rendimentos, ou até 1% de seus rendimentos declarados no ano fiscal anterior ao das eleições, limitado ao valor máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com apresentação de comprovação de rendimentos para doações de valores superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais); e empresas prestadoras de serviços públicos não poderiam fazer doações a candidatos em Estados ou municípios onde atuassem.

O Conselho Superior de Direito da Entidade e a própria Entidade por seus sindicatos –  representativos de 11% do PIB paulista e 4% do PIB brasileiro – entendem que tais medidas reduziriam o custo do processo eleitoral, sobre gerar efeitos colaterais relevantes, a saber: fortalecer a estrutura partidária; racionalizar e moralizar o financiamento de campanha; reduzir as disparidades de poder econômico de empresas e pessoas físicas; valorizar os partidos; e reduzir o poder de barganha e pressão de financiadores sobre candidatos específicos.

No momento em que o Congresso praticamente reduz a Reforma Política ao financiamento público de campanha, num país com déficit programado, em âmbito federal, de R$ 159 bilhões, parece à Entidade que o tema merece reflexão do povo para que a sociedade pressione o Congresso a não ingressar em mais um caminho conducente ao desperdício de dinheiro público, incompatível com a atual conjuntura nacional.

A situação delicada por que passa o Brasil, em que há invasão do Judiciário nas competências do Legislativo, do Ministério Público naquelas dos delegados de Polícia, tolerando vazamentos seletivos e não os apurando, com nítido intuito de influenciar a opinião pública, a instabilidade jurídica é permanente, visto que o Congresso, acuado por denúncias, não tem a coragem de fazer as reformas necessárias. Cabe, pois, à sociedade pressionar seus representantes para que façam aquelas de que o Brasil necessita, para que saiamos deste estado gelatinoso em que todos os Poderes mal se equilibram.

Ives Gandra da Silva Martins – Advogado, Professor Emérito da Universidade Mackenzie,  das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A reforma política ideal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-reforma-politica-ideal/ Acesso em: 21 nov. 2024
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