Abílio Osmar dos Santos[1]
Resumo: O presente artigo apresenta uma visão do Pós-Marxismo sob o enfoque de um dos seus maiores representantes: Ernesto Laclau. Por meio de algumas de suas principais obras se construiu um panorama reflexivo da direções do pensamento de Marx na contemporaneidade.
Palavras-chave: Direito, Pós-Marxismo e Populismo.
Sumário: Introdução.1. Sobre Hegemony and Socialist Strategy, de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe; 2. Visões de Ernesto Laclau em Emancipation; 3. Ernesto Laclau e o Populismo; Conclusão; Bibliografia.
Introdução
O Marxismo foi possível em decorrência da tensão existente entre o objetivismo e a negatividade introduzidos pela “luta de classes”. Tal tensão aponta para uma indeterminação e o papel da “superestrutura” na formação da história. Sendo, portanto, inegável o peso do objetivismo existente em Marx; o qual é traduzido pela concepção da sociedade como um conjunto coerente de fundamentos apreensíveis.
O Pós-Marxismo, por sua vez, seria uma forma de revitalizar a tradição Marxista, na medida em que demonstra um progressivo abandono do essencialismo, do determinismo e do objetivismo do discurso social e político como parte da história interna do próprio Marxismo. Dessa forma, o Pós-Marxismo se apresenta como o resultado de um questionamento teórico e político feito ao Marxismo com relação às questões contemporâneas da sociedade capitalista, as quais não tinham sido abarcadas pelo momento histórico de Marx; como questões ligadas à subjetividade – psicanálise –, à fenomenologia, à filosofia analítica e à linguística.
Os estudiosos do Pós-Marxismo, em sua maioria, são “ex-marxistas” ou “marxistas reformados”; iniciando suas proposições por uma crítica ao Marxismo e apresentando contradições na mesma, com o intuito de apresentar uma linha de análise mais plausível ao seu contexto. Alguns dos argumentos que traçam o perfil Pós-Marxista são: 1. as ideologias são falsas, uma vez que refletem o domínio de um sistema de gênero e raça; o socialismo não funcionou e é este o destino de qualquer outra teoria geral da sociedade; 2. o Marxismo, por ser baseado apenas na luta de classes, é uma teoria reducionista, pois o que há é a dissolvição das classes e os princípios políticos são culturais (raça, gênero, etnia, preferência sexual); 3. a sociedade civil é a base da democracia, o Estado é o seu inimigo; 4. a luta da esquerda origina regimes autoritários, as lutas locais sobre questões específicas é que se apresentam como forma democrática de modificação da sociedade; et. al.
Entre os principais pós-marxistas encontram-se Ernesto Laclau, Chantal Mouffe, Judith Butler e Fredric Jameson. Laclau é um teórico político argentino, nascido em 1935, cuja principal obra é Hegemony and Socialist Strategy, a qual foi realizada em parceria com Chantal Mouffe. Ela, por sua vez, é uma teórica política belga, nascida em 1943, cujos pensamentos foram descritos como Pós-Marxista após ter se envolvido no movimento estudantil e os novos movimentos sociais, durante a década de 60, assim como Ernesto Laclau.
Ambos rejeitam o determininsmo econômico do Marxismo e a noção de classes como único antagonismo da sociedade; a seu turno, eles objetivam uma democracia radical pluralista, onde todos os antagonismos sociais possam estar incluídos e representados. Para os dois, uma sociedade não pode existir sem que existam antagonismos.
É diante deste contexto do Pós-Marxismo que o presente artigo será desenvolvido, com o intuito de analisar mais profundamente o pensamento e a obra de Ernesto Laclau; realizada, em parte, em parceria de Chantal Mouffe. A importância de estudarmos esses dois filósofos, mais especificamente Laclau, se dá em decorrência da grande relevância de ambos no cenário acadêmico internacional do final do século XX, tendo sido eles os precursores e disseminadores dessa análise Marxista no contexto do pós-modernismo, que é o chamado Pós-Marxismo; temática central da pesquisa que se desenvolverá a seguir.
1. Sobre Hegemony and Socialist Strategy, de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe
No livro que lançou as bases do pensamento pós-marxista, Laclau e Mouffe analisam através do método da história interna do marxismo e sobretudo através de um discurso externo a ele, as pré-condições que levaram Marx ao seu ideário, descobrindo a partir daí que a teoria marxista pode ser mais diversificada que as diversas correntes que partiram daquela teoria no final do século XIX em diante. Baseiam-se os autores no pensamento de Gramsci e tomam o conceito de “hegemonia” como ponto de partida de sua análise política e filosófica. Hegemonia teria uma dimensão universal. Diferente do conceito de “classe universal” de Hegel e diferente da noção marxista do proletariado visto como “classe universal”. Hegemonia é na essência, política e leva a outro conceito que é o antagonismo[2]. A sociedade seria constituída através de limites antagônicos que formariam fronteiras do espaço político. A política não estaria na superestrutura, mas teria autonomia em relação a ela.
Nesse sentido, o discurso político deveria ser radicalizado com o objetivo de alterar a estrutura de poder vigente, estabelecendo-se assim uma nova fronteira do espaço político.
Sob uma nova perspectiva marxista, definida pelos próprios autores como “reativação” (reactivation), tomando uma expressão Husserliana, desconstroem o marxismo, uma vez que muitos problemas contemporâneos já não podem mais ser explicados ou solucionados pelo pensamento marxista ortodoxo. Propõem uma releitura do marxismo, sem abandoná-lo, “as the process of reappropriation of an intellectual tradition, as well as the process of going beyond it”.[3]
Entendem , Laclau e Mouffe a necessidade de se alterar a ordem hegemônica capitalista[4], porém, não através da revolução, mas através de um espaço democrático onde o discurso seria radicalizado. Criticam, assim, o recente pensamento da esquerda que teria abandonado a tentativa de alterar a presente hegemonia.
O livro foi escrito em 1985, antes da queda do muro de Berlim, em um período onde o socialismo ainda era visto por muita gente como um “projeto viável, indo para além do Leninismo e da social democracia”.[5] Fazendo um retrospecto do pensamento de esquerda, notam os autores que já em meados dos anos 1970 o Marxismo se via diante de um impasse, uma vez que havia chegado ao seu limite de expansão teórico com o althusserianismo e evoluidas e modificadas visões de Gramsci. É a partir de então que o pensamento marxista é colocado em xeque, tendo em vista a rápida expansão capitalista. O pensamento de esquerda teria então se bifurcado. Alguns pensadores buscariam novamente o marxismo ortodoxo. Outros, passariam a fazer análises da sociedade de forma justaposta, sem integração ou coesão. Laclau e Mouffe propõem uma terceira via, “reativando” as pré-condições que levaram Marx às suas ideias, abandonando a concepção tradicional de divisão da sociedade em classes e criticando a contradição existente entre forças produtivas e relações de produção.
Na busca das condições precedentes ao pensamento marxista, Laclau e Mouffe descobrem que é possível haver uma maior diversificação na continuidade do pensamento marxista. Para demonstrar essa teoria, tomam de exemplo correntes opostas ao marxismo, como aquelas que levaram ao seu empobrecimento, através do leninismo e aquelas que ao contrário o enriqueceram, através da possibilidade de diversificação de pensamentos, como o Austro-Marxismo no final da Segunda Internacional[6].
Laclau e Mouffe em seu Hegemony and Socialist Strategy desconstroem categorias centrais da teoria marxista para em momento seguinte reapropriá-las e ir para além do pensamento marxista. Globalização e sociedade da informação que marcam o último quarto do século XX e início do século XXI eram impensáveis à época de Marx e conflitam com os dois paradigmas ontológicos do marxismo: o hegelianismo e o naturalismo. Assim, a alteração no conteúdo ôntico de um campo de análise traz necessariamente a construção de um novo paradigma ontológico[7].
Hegemonia, em Hegemony and Socialist Strategy, é o ponto central desse novo paradigma ontológico, e seria o objeto de análise em substituição à identidade de classe, da mesma forma que o verificacionismo de Popper, Kuhn, Feyerabend na epistemologia.
Hegemonia, como categoria antagônica central da análise política, é objeto político complexo e deve ser entendida em suas mais variadas facetas. Representa a totalidade, a universalidade estrutural (em oposição ao particularismo) e é dependente de articulações políticas (atos visíveis) que ocorrem no espaço do discurso. É teoria da decisão em terreno da não decisão (Derrida).
Para Laclau e Mouffe, quando certas particularidades estabelecem relações de equivalência entre si e assumem a representação de uma universalidade, tem-se o que se chama de relação hegemônica. Um exemplo de hegemonia para os autores seria o modo de produção capitalista e o estado neo-liberal dos países desenvolvidos. Para que haja uma mudança da hegemonia seria necessária a radicalização da democracia.
A radicalização da democracia não aconteceria em espaço neutro, e teria como objetivo a transformação das relações de poder vigentes com posterior estabelecimento de uma nova hegemonia, através da criação de novas fronteiras políticas. A esquerda não deveria nem rumar ao centro nem tampouco destruir a democracia liberal através da revolução. O problema da democracia liberal não está nos seus valores de liberdade e igualdade mas no sistema de poder que limita tais valores. A radicalização deveria ser vista como instrumento de ampliação da igualdade e liberdade para o maior número de relações sociais possíveis[8].
Como forma de amplificar a radicalização da democracia, a esquerda deveria reunir os mais diferentes movimentos de luta contra a subordinação e a opressão, como os movimentos feministas, ecológicos, contra a homofobia, contra o racismo, étnicos, regionais, etc.[9] em uma articulação com o movimento dos trabalhadores em um projeto hegemônico novo e plural[10].
2. Visões de Ernesto Laclau em Emancipation
Emancipation foi escrito na primeira metade da década de 90, assim, todos os artigos, com exceção do último, que foi escrito em 1989, foram escritos entre 1991 e 1995. Esta época é caracterizada, de acordo com Laclau, por particularidades étnicas, raciais, nacionais e sexuais em oposição às ideologias totalitárias que dominavam as décadas precedentes[11].
Os ensaios presentes neste livro, foram escritos na convicção de que tanto o universalismo, quanto o particularismo, são indissociáveis na construção de identidades políticas; assim, o cenário contemporâneo se dá em torno de duas posições: o universalismo em oposição ao pluralismo e o contextualismo puros. Embora Laclau afirme que não aceita nenhuma dessas posições, ele acredita que o mais importante é determinar a lógica da possível mediação entre elas; apresentando como tese principal deste livro, que tal mediação só pode ser do tipo hegemônica, a qual faz referência ao universal como um lugar vazio. Essa operação desempenha modificações tanto no que diz respeito ao particular, quanto no que diz respeito ao universal[12].
O discurso de Laclau, em Emancipation trava um diálogo entre o Marxismo e a pós-modernidade; a partir do qual ele nega todo o essencialismo e qualquer privilégio da classe proletária, afastando-se, portanto, da sua origem Marxista. Esse pensamento pós-moderno de Laclau apresenta uma forma crítica de relacionar as premissas básicas do Marxismo com a racionalidade e os princípios do Iluminismo; ao mesmo passo em que se aproxima das correntes pós-modernas ao expor uma noção de objetividade, do homem e do universal.
É nesse momento que se apresenta a ruptura de Laclau, pois para ele a possibilidade de emancipação só pode se fazer presente diante de uma objetividade pura e, portanto, impossível. Então ele critica Marx por ter dado um caráter universal ao proletariado, enquanto que na verdade, diante do capitalismo, o seu caráter era particular, apresentando-se como um sujeito particular. Para Ernesto Laclau, o universal é vazio de significado.
3. Ernesto Laclau e o Populismo
Busca-se debater a contribuição de Ernesto Laclau para pensar a questão do populismo e as implicações no campo da sociologia política. Segundo Laclau, o populismo é uma lógica política surgida em momentos de crise hegemônica que interpela o “povo” de maneira a antagonizá-lo com o bloco de poder dominante. Esta lógica pode operar em movimentos com distintas bases sociais e orientações ideológicas. Além disso, sua emergência não está restrita a um momento histórico determinado. Consideramos esta análise importante, pois além do fato de ser bastante utilizada, tal teoria do populismo tem o mérito de abrir caminho para uma possível interpretação dos processos de radicalização do populismo.
Uma análise do livro de Laclau Política e Ideologia na Teoria Marxista (1979) permite compreender qual a motivação mais geral de sua obra e como a questão do populismo se articula com esta. Sua obra se inspira fortemente nas perspectivas abertas pela obra de Antonio Gramsci, na qual a política conquista sua especificidade no seio do marxismo, abrindo caminhos para novas abordagens.
Apoiada na contribuição do marxista italiano, Laclau irá igualmente construir uma crítica ao economicismo, presente de maneira marcante na tradição marxista. Ao contrário, Laclau confere à dimensão política e ideológica uma autonomia relativa, isto é, se existe determinação de classe, suas formas ideológicas não podem ser deduzidas desta condição. Nesse sentido:
Esta confusão provém de uma ausência de diferenciação de dois aspectos: o problema geral da determinação de classes das superestruturas política e ideológica e as formas de existência das classes ao nível das referidas superestruturas. Observe-se que se trata de dois problemas diferentes: afirmar a determinação de classe das superestruturas não significa estabelecer a forma em que esta definição se exerce.[13]
Sua análise do “povo” busca desenvolver esta noção. Para ele, este seria uma categoria política e não um dado social. Nele estaria contido uma tensão permanente entre sua universalidade e sua parcialidade.
Es esta contaminación entre la universalidad del populus y la parcialidad de la plebs [“los de abajo”] donde descansa la peculiaridad del pueblo como actor histórico. La lógica de su constitución es lo que hemos denominado razón populista[14]
É desta tensão que emerge o discurso populista. A emergência com força das interpelações populares e democráticas se dá em tempos de crise de hegemonia nos quais a contradição povo/bloco de poder é potencialmente mais explosiva. Tal crise é demonstrada pela perda de efetividade dos instrumentos de mediação que conectam as demandas populares e o bloco de poder. Em geral, tal incorporação se dá em um nível mais local através das relações clientelistas estabelecidas entre os dirigentes locais (caciques, punteros, etc).
Portanto para este autor a presença no discursos vinculado ao bloco de poder das interpelações popular-democráticas não o caracteriza por si só como populista. Tais interpelações estão quase sempre presentes no discurso da classe dominante, cuja dominação se deve justamente ao fato de seus discursos interpelarem não só os membros de sua classe mas igualmente os membros das classes dominadas. Tal incorporação se dá neutralizar os antagonismos entre povo e bloco de poder, transformando estes em simples diferenças não-antagônicas.
É neste sentido que a presença de elementos populares em um discurso não é suficiente para caracterizá-lo como populista. O populismo começa no ponto em que os elementos popular-democráticos se apresentam como opção antagônica face à ideologia do bloco dominante.
Isto é, o populismo emerge quando as interpelações populares-democráticas são articuladas por alguma classe ou fração de classe contra o bloco de poder dominante, em uma situação de crise deste. Nestes momentos, as demandas oriundas de diferentes setores não são incorporadas no regime, abrindo uma situação que Laclau chama de pré-populista, momento no qual há um acúmulo de demandas não-atendidas. Isto é, quando a institucionalidade existente não tem condições de assimilar de forma particular tais demandas.
Esta não assimilação abre o caminho para que comecem a se tecer uma relação de equivalência entre estas demandas particulares por se defrontarem frente a um antagonista comum, expresso na institucionalidade existente. Para que a lógica populista se construa é necessário que aquilo que estas demandas têm em comum seja simbolizado por algo que não esteja identificado com a parcialidade de nenhuma delas. A isto Laclau dá o nome de significante vazio. Justamente aquilo que a lógica populista tem de impreciso é a força desta lógica, não pelo que define, mas por aquilo que articula.
Outra das características da abordagem, de Laclau é compreender que este discurso visa construir diferentes tipos de mudança e é apropriado por diferentes setores sociais, o que caracteriza novamente uma especificidade da teoria de Laclau do populismo. O autor identifica a possibilidade de um populismo da classe dominante e da classe dominada.
A superação da crise do bloco dominante não passa necessariamente por dentro das estruturas deste, mesmo que sejam frações da própria classe dominante que estejam atuando para superar a crise e instaurar uma nova hegemonia. Para analisar este processo, Laclau se dedica à análise dos regimes nazi-fascistas e, sobretudo, de sua ascensão ao poder. O autor explica a ascensão destes movimentos, por um lado, devido a uma crise no bloco de poder dominante em conseguir manter sua hegemonia e, por outro lado, em uma crise do movimento operário em articular as interpelações populares.
Mas a maior originalidade do enfoque de Laclau está em suas formulações ao redor do populismo das classes dominadas. Em sua análise do combate à ascensão do nazi-fascismo justamente o que teria faltado ao movimento operário teria sido a capacidade de operar a lógica populista articulada à classe trabalhadora.
A realização de um potencial revolucionário de um movimento que opera a partir de uma lógica populista (no sentido proposto por Laclau) depende dos limites colocados pelos setores dominantes e das possibilidades colocadas pelos setores populares.
A proposta de Laclau de compreensão do populismo tem elementos bastante interessantes e que nos parecem valiosos para compreender as formas de articulação política de diversos setores sociais ao redor de projetos e lideranças. Porém o uso do termo populismo para definir este processo para bastante difícil, tendo em vista que seu significado é excessivamente carregado para poder empregar novas definições. Em alguma medida, o uso proposto por Laclau, devido ao nome utilizado, parece mais dificultar a análise por ele proposta.
Conclusão
Com base nas idéias sedimentadas por Laclau, é possível inferir que a desconstrução das categorias marxistas nada mais é do que uma alteração substancial dos paradigmas do marxismo ortodoxo, onde a abordagem de determinados temas passa a ser visualizada de acordo com as características próprias da pós-modernidade.
Há, portanto, um processo de renovação e readaptação da teoria marxista através da interpretação da realidade como uma estrutura movediça e passível de constante alteração, e não como um significante estático atrelado a conceitos fechados, já que, para o autor, não é possível impor a realidade através de critérios físicos. Desta maneira, o paralelo entre a realidade na visão laclauniana e a liquidez característica da pós-modernidade fica evidenciado.
Neste ponto, vale ressaltar que o autor opõe-se à visão de classe social abordada na teoria marxiana, mais especificamente à idéia do proletariado, tido como classe universal na acepção marxista do termo. Para Laclau, o proletariado é uma classe particular que, através do processo hegemônico, onde tal demanda assume a representação de muitas outras, chega-se ao universal, sendo este conceito diferente do mencionado por Marx, já que sempre estará atrelado à presença concreta do vazio.
Outro aspecto que assume grande relevo no cenário pós-moderno no qual se trava a discussão laclauniana é o que tange à interpretação do indivíduo social enquanto pluralidade, ou seja, dependente de diversas posições através das quais este indivíduo é constituído no âmbito de múltiplas formações discursivas. Em outras palavras, o sujeito estará inserido em locais diferentes no interior de uma mesma estrutura, sendo que para Laclau, esta estrutura ou conjunto de posições diferenciais é chamada de discurso. Assim, o papel da psicanálise, a fim de interpretar o indivíduo que compõe determinada esfera social, acarretará na alteração da noção de subjetividade das ciências sociais, característica do pós-marxismo.
Por fim, evidenciamos que na crítica de Laclau em relação à corrente marxista, principalmente, o autor se utiliza de abordagens da fenomenologia (intersubjetividade), estruturalismo e psicanálise, o que possibilitou o desenvolvimento de suas principais teses sobre hegemonia e projetos políticos. Tais teses, por sua vez, refletem a transformação social ao longo do tempo e possibilitam a análise da esquerda mundial sobre um novo prisma, a fim de adequar e atualizar o pensamento marxista em face das substanciais modificações ocorridas na pós-modernidade.
Bibliografia
IANNI, Octávio. A formação do estado populista na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
______________. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª ed. Londres e Nova Iorque: Verso, 2001.
LACLAU, Ernesto. La Razón Populista. Buenos Aires: FCE, 2005.
________________, Emancipation. London: Verso, 2007.
________________; Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e populismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
[1] Mestrando em Filosofia do Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com estudos em MBA em Gestão de Estratégica e Econômica de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP). Advogado.
[2] “Inspired by diverse traditions – Gramscian socialism, liberal democratic discourse on rights and citizenship, post-structuralism, post-analytic philosophy, phenomenology and Lacanian psychoanalysis – Laclau and Mouffe have attempted to produce a political theory that captures the specificity of contemporary antagonisms”, in Laclau and Mouffe – The radical democratic imaginary, por SMITH, Anna Maria, Routledge, Nova Iorque, 1998, p. 3
[3] LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª Edição, Londres e Nova Iorque: Verso, 2001, p. ix
[4] “Of course, every project for radical democracy implies a socialist dimension, as it is necessary to put na end to capitalist relations of production, which are at the root numerous relations of subordination; but socialism is one of the components of a project for radical democracy, not vice versa.” LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª Edição, Londres e Nova Iorque: Verso, 2001, p. 178
[5] LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª Edição, Londres e Nova Iorque: Verso, 2001, p. vii
[6] As profícuas discussões a respeito o Austro-Marxismo se arrefeceram entre as duas grandes guerras mundiais. Gramsci teria sido um dos poucos pensadores marxistas a trazer conceitos novos após a Segunda Internacional.
[7] Althusser dizia que atrás da filosofia de Platão, existia a matemática grega; atrás do racionalismo do século XVII, a física de Galileu, atrás da filosofia de Kant, a teoria de Newton. Assim, segundo Laclau e Mouffe a transição do marxismo para o pós-marxismo é ôntica e ontológica.
[8] “The task of the Left therefore cannot be to renounce liberal-democratic ideology, but on the contrary, to deepen and expand it in the direction of a radical and plural demcracy.” LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª Edição, Londres e Nova Iorque: Verso, 2001, p. 176.
[9] “What interests us about these new social movements, then, is not the idea of arbitrarily grouping them into a category opposed to that of class, but the novel role they play in articulating that rapid diffusion of social conflictuality to more and more numerous relations which is characteristic today of advanced industrial societies. This is what we shall seek to analyse through the theoretical problematic presented above, which leads us to conceive these movements as an extension of the democratic revolution to a whole new series of social relations. As for their novelty, that is conferred upon them by the fact that they call into question new forms of subordination.” LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal: Hegemony and Socialist Strategy – Towards a Radical Democratic Politics, 2ª Edição, Londres e Nova Iorque: Verso, 2001, p.
[10] Pluralism is radical only to the extent that each termo f this plurality of identities finds within itself the principle of its own validity, without this having to be sought in a transcendent or underlying positive ground for the hierarchy
[11] LACLAU, Ernesto. Emancipation. London: Verso, 2007. p. vii.
[12] Ibid. p. viii.
[13] LACLAU, Ernesto. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e populismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 165
[14] LACLAU, Ernesto La Razón Populista. Buenos Aires: FCE, 2005.