Epistemologia Jurídica[1] Contemporânea
Resumo: O artigo pretende provocar a reflexão sobre a influência do Iluminismo na Teoria Geral do Direito e, principalmente, na compreensão do Direito contemporâneo vinculado à cidadania.
Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Direito Civil. Constituição Federal. Direitos Humanos.
Cumpre preliminarmente refletir sobre a influência do Iluminismo na Ciência do Direito da contemporaneidade que afloram da doutrina e do direito positivo. O movimento de Iluminismo ou Ilustração foi resultante de longo processo, marcado pela laicização, não apenas do saber científico, mas principalmente das investigações sobre a vida, a política, artes e a moral.
O ideal iluminista[2] conquistou liberdade, recusando-se a submeter-se às arbitrariedades dos governantes, ao domínio de crenças e forças estranhas às suas concepções sobre si mesmo, sua consciência e possibilidades de escolher os rumos de sua vida (autonomia), além de criar vínculos jurídicos.
Os princípios legados pelo Iluminismo se destacaram pela importância na construção de todo saber do mundo ocidental e por estarem positivados em diversos diplomas legais pelo mundo.
A teoria geral do direito nem sempre se ocupou da análise de princípios cujas origens remontam ao Renascimento não obstante estarem assíduos em textos legais contemporâneos.
Cesare Beccaria foi doutrinador que elaborou sistema de direito penal com base em princípios iluministas e criou as bases primeiras do direito penal moderno de cunho liberal, mas ainda, com profundas ligações com o absolutismo austríaco.
Em sua obra Dei Delitti e delle Penne procurou reforçar a compreensão sore o modo como o Iluminismo contribuiu para a formação do absolutismo dos Habsburgo. O nome de Cesare Beccaria é um daqueles que considerado como clássico dentro da história do direito penal. Notadamente por ter sido considerado a principal inserção dos princípios do Iluminismo no âmbito do saber jurídico-penal, o que nos permite posicioná-lo entre os pioneiros da construção da modernidade jurídica.
O vastíssimo conceito de modernidade se aplica aos vários setores do conhecimento humano. A modernidade jurídica corresponde ao elevado grau de complexidade que a organização do direito que se alcançou em certas civilizações, explicando as mais complexas relações jurídicas e as mais inusitadas situações jurídicas.
Somente a título de exemplificação basta recordar que no Egito Antigo, o ilícito jurídico era simultaneamente grande imoralidade e, mesmo pecado contra a estrutura social. Não existia separação entre o ilícito religioso e o ilícito moral, ilícito jurídico e o ilícito presente nos usos sociais, pois as grandes ordens normativas eram muito assemelhadas.
Tem-se como os primeiros registros históricos a esse respeito a Antígona de Sófocles, que se propôs separar nitidamente o direito de Créon, posto, do direito natural superior, reclamado por Antígona para sepultar seu irmão.
A peça teatral grega Antígona é a continuação dramática de Édipo Rei de Sófocles. Depois da tragédia ocorrida na primeira peça, a desgraça parece ter sido o legado deixado por Édipo aos seus quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia). Com sua partida para o exílio, os filhos lutaram pelo poder e chegaram a um acordo de revezamento no comando a cada ano.
No entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim do mandato, não quis ceder o lugar do poder ao irmão Polinice, que revoltado foi para a cidade vizinha e rival da grande Tebas Ali, reunindo um exército aliado, Polinice enfrentou o irmão visando ao trono de Tebas.
O conflito acabou com os dois se matando e, então, assumiu o poder o tio Creonte, irmão de Jocasta, esposa de Édipo que também morreu na primeira peça. Usando de seu poder, Creonte estabeleceu que o corpo de Polinice não receberia as honrarias tradicionais dos funerais, pois este tinha lutado contra a pátria. Já ao irmão, Etéocles, o rei determinou que fossem dadas tais honrarias fúnebres. Além disso, determinou pena de morte a quem desobedecesse às suas ordens.
Entretanto, Antígona, irmã dos herdeiros e protagonista da peça, entendeu que esse procedimento do Tio Creonte, agora rei, era arbitrário, não respeitando as leis naturais mais antigas ou divinas que estabeleciam que todo homem devia ter o seu devido sepultamento. Era crença antiga que os rituais de passagem eram importantes para que a alma não ficasse vagando eternamente sem destino[3].
Bem mais tarde, com a famosa frase de Jesus Cristo e que está presente em três dos quatros evangelhos oficiais da Igreja Católica, in litteris: “Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”[4]. Manuel Elias Souza Jahel abordando sobre a imparcialidade do juiz, reprisando os dizeres evangélicos, transformou tais dizeres em dia a César, o que é de César, a justiça, o que for justo e aos acusados, o perfeito julgamento, pois só assim obteremos a tríade ideal composta de justiça, justa e perfeita.
Começou-se então, a pleitear, dentro do forte monopólio do Estado Romano que havia normas éticas, a separação entre uma esfera e outra, o que seria da competência da Igreja emergente, independente de outra ordem, atribuída ao Estado Romano onipresente, onisciente e onipotente na época.
Afinal, os pensadores do Catolicismo realizaram um bom trabalho e apenas no século XVIII é que aparecem o que se pode alcunhar de “Jesus Cristos às avessas” e, os dois primeiros grandes juristas modernos se destacaram: Samuel Pufendorf e Christian Thomasius.
O primeiro foi jurista alemão (1632-1694) e, tornar-se nobre, fora elevado a barão, pouco meses antes de sua morte, o seu nome então passou a ser Samuel von Pufendorf. Um dos expoentes da corrente jusnaturalista e criou o transpersonalismo, tendo seus escritos influenciado de forma duradoura o ensino do Direito na maioria da Europa, com destaque para os países de tradição católica, entre os quais Portugal, onde as suas obras foram adotadas como manuais na Universidade de Coimbra.
Pufendorf defende a noção de que o direito internacional não está restrito à cristandade, mas constitui um elo comum a todas as nações, pois todas elas formam a humanidade. Pufendorf é um teórico da guerra justa.
As suas obras são adotadas em muitas cadeiras de Direito Natural, mas a leitura do Direito Natural procura destacá-lo daquilo que é em geral a Ética, assumindo que a construção de um sistema de Direito Natural é diferente da construção de uma ética.
A concepção de Estado é também inovadora para a época: visão na sua relação com a sociedade, que mais tarde é classificada como transpersonalismo. A visão transpersonalista traz que o Estado é um ente moral. O processo de divisão entre Estado e as pessoas que corporalizam esse Estado – pessoa física do soberano. Isto, porque, até aqui, falar de Estado e de soberano era a mesma coisa. Portanto, aqui o Estado é separado das pessoas físicas.
Outra novidade igualmente importante diz respeito à soberania; Pufendorf subscreve a ideia de que a soberania não se cria na sociedade, não é criada por ninguém; quando muito, institui-se. Ideia de que o Estado é muito mais, e, sobretudo, distinto da soma das vontades individuais, isto é, mesmo numa perspectiva do Estado com base em contrato social, o que emerge desse acordo de vontades é mais do que a soma dessas vontades.
Christian Thomasius (1655-1728) foi jurista e filósofo alemão. É considerado o precursor do iluminismo na Alemanha. Contribuiu significativamente com seu direito penal humanitário orientado pelo iluminismo para a abolição de tortura. Em 1687, desafiou a prática comum acadêmica de sua época ao dar suas aulas em alemão ao invés de latim, além de dar a lição intitulada “Como alguém deveria imitar o modo de vida francês”, se referindo ao costume dos franceses de usarem sua língua nativa, não só no dia a dia, mas também no meio acadêmico. De acordo com o estudioso Klaus Luig, esse evento marca o verdadeiro começo do Iluminismo na Alemanha.
No ano seguinte, começou a publicar um periódico mensal (Scherzhafte und ernsthafte, vernüftige [sic] und einfältige Gedanken über allerhand lustige und nutzliche Bücher und Fragen) no qual ridicularizava o que julgava como fraquezas pedantes dos letrados, ficando ao lado dos pietistas na controvérsia destes com os luteranos ortodoxos e defendendo o casamento entre calvinistas e adeptos de Lutero; também publicou um volume sobre direito natural, no qual enfatizava a razão natural e uma redação, na qual, novamente, defendia o casamento entre luteranos e cristãos reformados.
Por causa destas e de outras posições, foi denunciado em 10 de maio de 1690 nos púlpitos, sendo proibido de ensinar ou escrever, com sua prisão sendo decretada. Porém, Christian escapou, fugindo para Berlim, e o eleitor Frederico III de Brandemburgo ofereceu a ele um refúgio em Halle, com um salário de 500 thaler e a permissão para que ele pudesse lecionar. Lá, ajudou a fundar a Universidade de Halle (1694), onde se tornou segundo e então primeiro professor de Direito e, em 1710, reitor da universidade. Sendo um dos mais estimados professores da universidade e um influente escritor em seu tempo, foi nomeado membro do conselho privado em 1709.
Thomasius é referido com frequência, em livros germânicos, como o autor do sistema territorial, também conhecido como teoria erastiana de governo eclesiástico; mas ele ensinou que o estado pode interferir em questões relacionadas a deveres públicos ou legais, e não com aqueles morais ou privados.
Em seu ideário, ateus, por exemplo, não deveriam ser punidos pelo estado, apesar de defender que eles deveriam ser expulsos do país; também era um ardente oponente a perseguição das bruxas e ao uso de tortura. Na teologia, não era um naturalista ou deísta, mas um defensor da necessidade da religião revelada para a salvação.
Foi fortemente influenciado pelos pietistas, particularmente por Spener, e havia um traço de misticismo em seu pensamento, que não se destacava mais pela barreira que os outros elementos da natureza, sob sua concepção, representavam.
A primeira teoria jurídica a sustentar uma separação real entre Direito e Moral veio de Thomasius. O pensador criou sua teoria a partir de uma concepção em que a ação humana possui dois momentos: Um interno, outro externo. O primeiro, seria interior à consciência do homem, e o segundo uma projeção para a sociedade, composta pelo resto da humanidade.
Logicamente, a moral corresponderia ao momento interno, ao passo que o Direito seria resultado da exteriorização. O critério utilizado por Thomasius para diferenciar os dois momentos e, consequentemente, os dois conceitos, foi a coercibilidade. A ação jurídica, por ser necessariamente uma exteriorização da individualidade, se desdobra em um meio social, estando sujeita a autoridade deste e, portanto, precisando da força física para sua concretização material.
O objetivo prático das teorias de Pufendorf e Thomasius é contrário: arrancar um pouco dessa competência omnicompreensiva da Igreja para o Estado absolutista que nascia. Como toda grande teoria, como toda ideologia influente, a de Pufendorf e Thomasius também tinha objetivo prático específico, que era este: subtrair da competência da Igreja[5] aquela parte das ordens normativas que seria, exatamente, a parte jurídica, destinada à competência estatal.
Os critérios diferenciadores que tais pensadores inventaram são bem conhecidos daqueles que estudaram Introdução ao Estudo do Direito. Em primeiro lugar, o da interioridade e da exterioridade ao Estado estariam afetas as condutas externas dos indivíduos enquanto que à religião, as condutas internas.
É a partir daí que a ciência jurídica nascente vai aperfeiçoar os parâmetros de Pufendorf e Thomasius, trazendo argumentos mais sofisticados como autonomia e heteronomia, identidade e alteridade, unilateralidade e bilateralidade ou coercitividade e incoercitividade.
Há três pressupostos sociais que são caracterizadores da modernização do direito. Como utilizar a expressão “positivar” o deu direito, ou, ainda, torná-lo dogmático.
Trata-se da pretensão de monopólio do Estado na produção de normas jurídicas. E, assim, pela primeira vez na civilização ocidental apareceu a instituição que cria a competência para monopolizar o direito. Porém, isto não significa que o Estado moderno legitimamente produza todas as normas jurídicas, mas sim, que é direito aquele que este produz ou tolera que seja produzida por outras fontes.
No fundo, de modo geral, o Estado sempre existiu. mas o Estado moderno diferenciado dos Estados, como o egípcio, o sumério e o feudal, por exemplo, entre várias características, não tinham o monopólio na produção do direito.
Pois existiam instituições produtoras de direito tão ou quiçá mais relevantes do que o Estado, como era o caso do paterfamilias em Roma ou até das corporações de ofício medievais[6]. Pois o pai romano tinha até o direito de vender seu filho e, mantê-lo sob seu jugo durante toda vida. Já no mundo moderno, a emancipação se dá por decurso temporal, mesmo contra a vontade paterna, a quem tampouco é permitido exagerar nos castigos, embora fosse titular do pátrio poder.
Na educação familiar nota-se uma restrição nos métodos de educar os filhos, como por exemplo, os pais são impedidos pelo Estado, através da Lei n° 13.010/2014[7] (conhecida como lei da palmada), de castigar seus próprios filhos, ainda que moderadamente para fins corretivos. Portanto, o Estado confere aos pais vários direitos e deveres nas quais devem ser cumpridos, pois aqueles que descumprem sofrem as sanções e penalidades legais, porém de outra banda, o Estado limita o exercício deste poder familiar, criando regras e normas nas quais interferem nas relações familiares para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes.
No entanto, enquanto o Direito pode estar unido à coação, este não está necessariamente sujeita a ela, que só ocorre mediante falha do cumprimento espontâneo do postulado pela ordem jurídica. Na moralidade, no entanto, a possibilidade do uso da força física (coação in potentia) não se demonstra presente.
A imagem bem estereotipada e genérica que compõe as concepções mais afoitas da Ilustração do século XVIII acabou por vezes contaminando a interpretação da obra de Beccaria e desviando a atenção dos estudiosos do direito penal para aspectos relacionados a glorificada autoimagem que se fez de si mesmo e da modernidade aflita que tanto viveu o jurista italiano.
Consequentemente quando cogita sobre os tradicionais manuais de direito penal, leva-se em conta, normalmente, seu papel de corajoso “defensor da humanidade” que teria contribuído para sanear o contexto europeu do “banho de sangue” no qual estaria imerso, estatuindo a repressão penal em conformidade com os princípios filosóficos materializados na Revolução Francesa.
Beccaria era adepto da teoria do contrato social de Thomas Hobbes, e via o Estado como o responsável por preservar as liberdades individuais, bem como prevenir ações que causem prejuízos ao bem estar coletivo. Acredita-se que a gênese das leis se deu graças ao contrato social para proteger as porções de liberdades individuais cedidas ao Estado, das possíveis ações decorrentes ainda do estado de natureza, anterior ao paco social.
Sua obra foi considerada como crítica direta aos sistemas penais de sua época e demonstram sua repulsa à forma como se aplicavam as penas, sobretudo desumanas e desproporcionais em relação aos crimes praticados e que, muitas vezes, eram fruto da arbitrariedade de juízes extremamente parciais em seus julgamentos.
A mencionada obra é publicada em meio ao choque de ideias sobre o direito. De um lado, o direito natural, dado por Deus, logo imutável; do outro, o direito positivo, que à medida que é construído pelos homens, estes podem adaptá-lo para atender as demandas sociais.
Era profundo admirador da corrente utilitarista, a qual defende a ideia de que as ações humanas e públicas, por parte do Estado, devem se pautar num cálculo utilitário no qual seus resultados práticos devem promover a maior felicidade possível para o maior número de pessoas possível, Beccaria sugeriu a concepção utilitária da prevenção à concepção purgativa da pena. Esta corrente de pensamento tem em Jeremy Bentham[8] seu maior expoente.
Ao consultar a história e verificamos que as leis, que são ou deveriam ser pactos entre homens livres, não passaram, geralmente, de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nasceram da necessidade fortuita e passageira; jamais foram estas ditadas por um frio examinador da natureza humana, capaz de aglomerar as ações de muitos homens num só ponto e de considerá-las de um único ponto de vista: a máxima felicidade compartilhada pela maioria.
Discorre, adiante, sobre a formação das leis que, segundo ele, tiveram sua gênese a partir do momento em que os indivíduos abandonaram seu estado de natureza e aderiram ao pacto social, demonstrando assim a influência do contratualismo em seu pensamento, conforme retromencionado.
Naquele nefasto tempo, o direito era ditado pelo Estado e pretendia alcançar inclusive as mais íntimas relações humanas, como aquelas de família, ou mesmo, o que é chamado de “débito conjugal”.
Afinal, com a constituição do casamento surgiram também direitos e deveres para os cônjuges e, novamente sob a influência da Igreja Católica, surgiu o poder-dever do débito conjugal[9], o qual pode ser entendido como obrigação dos cônjuges satisfazerem o desejo sexual um do outro, mais propriamente, do direito-dever do marido e de sua mulher, de forma realizarem entre si o ato sexual.
O débito conjugal está embrionariamente relacionado com Antiguidade Clássica quando os costumes ditavam a subjugação do corpo da mulher. No Código de Hamurabi conhecida por suas rigorosas penalidades, a mulher era tratada tal como propriedade privada do homem, por isso, o adultério[10] quando cometido por ela, era rigidamente punido.
Entre os assírios, reconhecidos como de hábitos violentos, dava à mulher tratamento que destoava dos costumes, para eles, as mulheres mereciam prestígio em razão de sua função reprodutora. E, por isso, quando casavam, podiam optar pela não coabitação com seus maridos, situação na qual permaneceriam sob os cuidados de seu pai.
Novamente, no Direito Romano, a mulher voltou a ser tratada como propriedade, e, por essa razão que a Lei das XII Tábuas trazia as três formas de sujeição da mulher ao poder do marido. A primeira forma é que o homem poderia devolver sua esposa após um ano de convivência, se esta não tivesse o satisfeito; a segunda é que o casamento era uma transação comercial e, a mulher seria o objeto de compra e venda e, a terceira era que, ao casar, a mulher passava a se sujeitar ao poder do marido.
Para o Direito Canônico, o débito conjugal adquiriu forma mais similar com a atual, sendo atrelado a consumação do casamento. E, sob a égide dessas leis, a impotência tornaria o matrimônio nulo e, o adultério[11] era a única causa de separação perpétua, provas de como o sexo no âmbito do casamento adquiriu real importância, independentemente da reprodução.
Muitos séculos depois, no império construído pelo corso Napoleão Bonaparte o Código Civil francês de 1804 trouxe a importante inovação: a separação de Estado e Igreja[12] e, consequentemente, a separação das leis e da religião.
Ainda que a lei civil possa parecer mais progressista, a prestação do débito conjugal era tratada com tamanha rigidez que a doutrina francesa da época chegou a afirmar que o verdadeiro escopo do casamento havia sido reduzido ao débito conjugal.
Chamou nossa atenção Jhering para o fato de que há menos de duzentos anos, os crimes contra a honra, na Alemanha[13], não eram monopólio total do Estado, admitindo-se em casos de ofensas, que as questões fossem resolvidas através do duelo. E, caso a pretensão do Estado de monopólio da violência legítima não estava ainda consolidada havia parcos dois séculos, no coração da cultura europeia, então tal fenômeno é muito recente.
O duelo[14], aliás, encontrava-se institucionalizado no Código Penal uruguaio e, se não chega a ser prática estimulada, diminui drasticamente as penas referentes às lesões corporais graves e homicídio, com ou sem uso de armas de fogo, constituindo-se em evidente circunstância atenuante, desde que adotado o procedimento dogmático prescrito e que tenha sido obedecido as formalidades atais como padrinhos, o tribunal de honra e, etc.
A segunda característica da modernização do direito é a crescente importância dada as fontes estatais em detrimento das fontes espontâneas e extraestatais do direito. O costume que sempre teve significado primordial no direito antigo, ainda hoje é reverenciado na sociedade moderna.
Mas, todo advogado ou estudioso do Direito sabe que quem tem a lei ao seu lado, leva vantagem na argumentação, sobre aquele que alega apenas um costume em sentido contrário. Aliás, deve-se alegar que o costume não segue as fontes normativas estatais e, a lei e a jurisprudência poderão respaldar plenamente sua pretensão.
Registram-se notícias históricas de que a jurisprudência e a lei são tão antigas quanto a civilização. E os historiadores cogitam dos éforos no direito de Esparta e dos Códigos de Manu[15] e Hamurábi[16], pois, tão logo o ser humano aprendeu a escrever, preocupou-se em reduzir a termo os costumes então existentes.
Mas, é somente com o Estado moderno onde o processo legislativo resulta em lei e o costume jurisprudencial originando essa jurisprudência característica passam a preponderar sobre as fontes não-estatais do direito como contrato, as declarações unilaterais de vontade ou o costume jurídico, que só valem na medida em que constituem fontes complementares ou subsidiárias às regras estatais.
Mas, lembremos que para a escorreita configuração do contrato é indispensável haver objeto lícito, possível ou pelo menos determinável, agente capaz e, a vontade livre e idônea. De sorte que só a autonomia de vontade não é o suficiente para estabelecer o vínculo jurídico, sendo necessário haver a formalização do acordo conforme as fontes estatais do direito.
Sendo possível até reconhecer que essa formas de organização social sob as quais vivemos estão em extinção, pois com a globalização, o Estado Nacional parece enfraquecer-se. De fato, a estrutura em que a maioria das comunidades vive atualmente, ainda é aquela do Estado Nacional e, esta teoria não pretende ser meramente prospectiva, vez que não se pretende realizar previsões apocalípticas.
A terceira e derradeira característica da modernização do Direito é a que faz uma sociedade ser capaz de dogmatizar seu Direito, é o que se chama de relativa emancipação da ordem jurídica perante às demais ordens normativas existentes, a autorreferência do sistema jurídico.
Nos primórdios da civilização humana era elemento importante a indiferenciação das ordens normativas, de sorte que, havia indistinção entro o que seria jurídico e, o que seria religioso, jurídico, moral e o cultural. Havia franca comunicabilidade entre direito e economia, direito e magia, direito e história, direito e política.
A autorreferência significa que os critérios definidores do que seja lícito ou ilícito, juridicamente, são em larga medida independentes em relação aos demais modos de organização da vida social, com as regras internas do sistema, as normas jurídica, definido e disciplinando o que seja juridicamente relevante(fechamento), e, ainda, em permanente interação com demais subsistemas (abertura). E, dentro de tais limites simplificadores, pode-se denominar esta autorreferência como autopoiese (autopoiesis), reservando-se a expressão alopoiese (ou allopoiesis) para descrever as interferências entre os mais diversos subsistemas em sociedades menos diferenciadas.
Portanto, admite-se que os indivíduos componentes de certa comunidade organizassem segundo as mais diversas regras, formando diferentes subsistemas sociais: há os religiosos e os que não têm religião, os estéticos e os não- estéticos, os amistosos e os belicosos, os nortistas e sulistas, os progressistas ou conservadores.
Há aqueles que possuem muitos bens e os que nada possuem. Afinal, o direito da sociedade humana será tão mais complexo quanto mais nitidamente estiver separado tais subsistemas, quanto mais esteja este imunizado contra as interferências destes, entre outras várias características.
E, ao contrário, uma sociedade pode ser dita mais indiferenciada na medida em que ocorre essa interferência, como, por exemplo, quando o fato de alguém pertencer ao grupo de amigos (subsistema de contato, de boas relações) do presidente de determinado tribunal interfere na afirmação da jurisdictio, no dizer o direito.
Uma exemplificação concreta de alopoiese no Brasil parece ser o subsistema jurídico-penal carcerário: se, cogitamos, metade da população brasileira é economicamente carente (independentemente dos critérios usados para definir a carência) e 95% dos condenados encarcerados ajustam-se ao mesmo conceito, está havendo interferência da condição econômica na decisão sobre o lícito e o ilícito, pois a distribuição de assistência judiciária a todos não cumpre seu papel.
Argumenta-se, por outro lado, que uma maior proporção de condenados pobres se deve ao fato de estes estarem mais sujeitos a ingressar na criminalidade, sendo o procedimento jurídico igualmente aplicado a quaisquer classes, a alopoiese é diferente, mas ainda clara: não ter certas condições econômicas interfere e corrompe o código jurídico em nível material, pelo menos. Porém, se esta segunda hipótese pode funcionar quanto aos crimes contra a vida e o patrimônio, há ilícitos penais praticados em proporção semelhante por ricos e pobres, sem serem correspondentes os índices de condenação. Quanto ao subsistema de boas relações, basta lembrar o ditado popular: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei[17]“.
O que certamente poderá gerar graves problemas de legitimação, os quais, em sistemas menos complexos, que são tratados e contornados por outras estratégias extrajurídicas. Não se deve pensar que um sistema alopoiético não se legitima, mas apenas que sua legitimação não é moderna do ponto de vista da autopoiese, processando se por outras vias.
Simplificando a modernidade, há três ressalvas epistemológicas. A primeira se refere ao conceito qualitativo e não meramente temporal. As sociedades assim estruturadas podem ditas modernas porque sua forma de organização obedece ao padrão ora escolhido para melhor definir modernidade.
Assim, nem tudo o que é contemporâneo, vem após a Revolução Francesa ou a Segunda Grande Guerra Mundial, é moderno, conforme exemplificam os sistemas jurídicos teocráticos fundamentalistas ou as formas de organização do direito em comunidades no interior brasileiro.
A segunda ressalva é que não se pretende relacionar o conceito de modernidade a qualquer juízo de valor que os tipos ideais de modernidade ora descritos, sejam melhores ou piores para as sociedades e as pessoas.
Não se deve cogitar que sistemas alopoiéticos[18] sejam necessariamente mais disfuncionais ou em si mesmos, menos complexos e sofisticados do que o direito característico da modernidade.
São menos complexos somente pelo ponto de vista da diferenciação funcional. A terceira ressalva é que os parâmetros de organização do direito definidos como modernos não constituem necessariamente um caminho pelo qual evoluirão todos os povos e a sociedade globalizada dos neoliberais. Não parece indicar que o mundo esteja indo na direção da complexificação social.
E, a maioria dos sistemas jurídicos alopoiéticos contemporâneos apresentam outras formas também altamente complexas e estáveis, estrategicamente, bem sucedidas de positivação do direito. Só que funcionam diversamente.
Sem maiores pretensões científicas, são modernos os sistemas jurídicos emancipados e autorreferentes no Primeiro Mundo e, por dois motivos, a saber: O primeiro é seu caráter inusitado, sem precedentes na história do Direito. Um ordenamento jurídico identificado com a religião ou a influência da riqueza econômica sobre a jurisdição, sobre o poder de separar o lícito do ilícito, são fatos conhecidos dos historiados do direito.
Mas o direito dogmático, autopoiético[19], este é uma grande novidade da modernidade. E, o segundo motivo é a tendência dos países contemporâneos, sendo bem sucedida ou não, no sentido de dogmatizar seu direito, com Estado progressivamente tomando a jurisdição, fixando os agrupamentos de normas positivas. pretensamente omnicompreensivas e inequívocas, além de eficazes, dotado de corpo de funcionários específico para decidir o direito.
Conforme afirmam os positivistas, a legitimidade se torna vazia ao ser equiparada à legalidade, pois o direito legítimo, nos sistemas modernos, é aquele produzido de acordo com as regras do sistema. E, se pode constatar isso pela teoria da validade das normas, na teoria da inconstitucionalidade das leis e atos jurídicos.
Será válida e, portanto, também legítima toda norma elaborada de acordo com o conteúdo das normas superiores, é o que se denomina de compatibilidade material emanada do poder competente e elaborada conforme o procedimento prescrito pelo ordenamento jurídico, é o que se chama de compatibilidade forma.
E, no ápice do sistema de normas, ato de vontade do poder constituinte originário que fixa livremente os conteúdos do direito. E, em prol do fim da ideologia do direito natural, o positivismo coloca como modernidade exatamente essa autofixação de critérios do lícito e ilícito.
Ao entender que não é justo e, assim não seria jurídico, um sistema que proíba a liberdade de imprensa ou que consagre a desigualdade entre homens e mulheres é peremptoriamente antipositivista, antidogmático e, jusnaturalista. Porque parte do princípio de que há normas superiores e anteriores à fixação de regras positivas de direito e que essas normas superiores valem por si mesmas, qualquer que seja seu fundamento, servindo como critério para aferir a legitimidade do direito posto.
Aliás, o sistema jurídico piramidal, idealizado por um antecessor de Kelsen, chamado Adolf Merkl[20], estabelece que a partir da norma fundamental, os critérios, os quais não possuem qualquer conteúdo axiológico aprioristicamente válido.
Só é possível decretar-se a inconstitucionalidade material, ou por conteúdo, porque foram fixados conteúdos normativos na primeira constituição pelo Poder Constituinte originário[21], mas a inconstitucionalidade permanece um conceito interno do direito positivo. Assim, as decisões da assembleia constituinte originária não podem ser inconstitucionais, uma vez que, ab initio, esquecendo as pressões da comunidade internacional, dentre outras regras extradogmáticas, esta é juridicamente incondicionada. Eis o cerne de toda a doutrina jurídica positivista.
Se ao mesmo tempo em que a modernização do direito assume altíssimo risco de instabilidade de um direito emancipado das certezas da religião e da mora, relativamente independente de uma ideia material de justiça, esta também traz consigo a ética vantagem de ter maior tolerância para com as diferenças individuais entre os seres e grupos humanos.
Pois um sistema jurídico emancipado de ordens normativas, outras permite maior diversidade de condutas, assumindo o monopólio da coercitividade, da violência legítima apenas no que concerne à suas próprias regras.
Conclui-se, que existe uma tendência no Estado dogmático de permissividade em relação aos comportamentos que não seguem a ortodoxia moral, religiosa, a etiqueta, desde que seja de acordo com o subsistema jurídico.
Adeodato deu exemplo bem prosaico de alopoiese, em nosso país, mesmo em capitais mais tolerantes e modernas, um jurista que use brincos, por exemplo, mesmo que bem titulado e qualificado, será presidente do Tribunal de justiça ou mesmo coordenador do curso de Doutorado de Direito. Eis um sintoma evidente de alopoiese, pois se supõe que a aparência das orelhas interfere indevidamente no comportamento do referido jurista.
E, de fato, interfere, na medida em que a sociedade está assim organizada e, os advogados, as partes e serventuários talvez não interagissem devidamente diante de desembargador heterodoxo, provocando disfunções naquele subsistema, ainda que todos saibam, que uma coisa nada tem a ver com a outra. Uma sociedade será tanto mais diferenciada quanto mais esses subsistemas estejam imunizados uns diante dos outros.
A paradoxal complexidade do mundo contemporâneo traz para o direito o problema de precisar lidar com os mais diversos conteúdos, valores por vezes incompatíveis. Há o subsistema moral daqueles que querem a pena de morte para os homossexuais[22]; há os que pretendam permitir que os homossexuais tenham direito à vida, desde que recluso em guetos, sem cidadania. E, outros, ainda defendem a igualdade de direitos para os homossexuais e heterossexuais e, há até aqueles que pretendem tornar o homossexualismo obrigatório.
E, o mesmo pode ser aventado das mulheres ou quaisquer grupos sociais, raciais, regionais, nacionais, culturais, enfim, diante essas visões de mundo, o subsistema jurídico tem que escolher uma e fixá-la como dogma, como norma de direito.
O direito é dogmático quando os pontos de partida são inegáveis. O que significa isso que um argumento é juridicamente aceitável se, na medida em que, toma por base uma norma jurídica do sistema, pois é exatamente a norma que constitui o dogma deste tipo de direito. Isto não implica que não se possa rejeitar esta ou aquela norma jurídica, mas sim, que uma norma jurídica só pode ser recusada com base em outra norma jurídica.
Um juiz alternativo pode desejar não despejar um inquilino inadimplente em época de pandemia[23], mesmo que esteja inadimplente, porque ele é pobre, enquanto que o proprietário é rico, mas não pode basear sua decisão expressamente neste argumento, posto que não há no sistema brasileira uma norma que garanta direitos subjetivos meramente pela pobreza ou que penalize alguém por possuir imóveis mais do que necessita para morar.
Dessa forma, o julgador vai até as normas constitucionais, e algumas dessas são vagas e ambíguas justamente para permitir que os mais diferentes argumentos caibam nestas, e, lá toma a norma que protege a dignidade humana para embasar seu argumento que a moradia é essencial à dignidade e que a Constituição Federal deve prevalecer sobre a Lei de Inquilinato. Lei que seria a via normal e dogmática de aplicação naquele caso concreto.
Enfim, o argumento não vale por ser racional, empírico ou até cientificamente demonstrável. Pois a atividade dogmática nada tem de científica, podendo, no máximo ser objeto da ciência do direito. Kelsen afirmou que a dogmática é a única ciência puramente jurídica, uma vez que as normas preponderam sobre os fatos. Mas, vai depender da definição da ciência do Direito adotada.
Verifica-se quando se analisa o conceito jurídico de pai, que pode diferir do que é definido pela Biologia ou pela Genética (através do DNA), a não ser que uma norma jurídica prescreva que pai é aquele que a ciência biológica designa como tal. O pai pode não ser exatamente aquele cujos espermatozoides fecundaram o óvulo da mãe, e geraram a criança, sem a interferência externa de perspectivas da biologia, mas sim, aquele que o sistema jurídico, em sentença transitada em julgado, apontou como pai. Vejamos a paternidade socioafetiva[24].
A Escola do Direito Livre[25] cogitou sobre a revolta dos fatos contra as normas, porém, Kelsen defendeu uma revolta das normas contra os fatos, pois, literalmente, as normas fazem os fatos. Os fatos, principalmente os fatos jurídicos, não são dados puros da realidade e não se confundem com os eventos do mundo, os fatos são versões linguísticas sobre a realidade e eventos[26].
Assim, um fato jurídico, para a dogmática jurídico, é aquilo que a norma determina como tal. Por essa razão, que os profissionais repetem que o que não está nos autos não está no mundo. Prevalece a presunção de que são do marido, os filhos da mulher casada havidos na constância do casamento, mesmo que as evidências empíricas indiquem o contrário, conforme o caso de Dom Casmurro[27], escrito por Machado de Assis. Reverenciamos o dogma fundamental, argumentar a partir do texto de alguma norma jurídica do sistema.
Outra característica do direito dogmático é a proibição do non liquet, ou seja, a obrigatoriedade de decidir do Judiciário quando provocado. Somente com o moderno Leviatã[28], o Estado passa a decidir sempre, tudo que é juridicamente relevante, pretendendo ter o monopólio da violência legítima e do dizer o direito, em última análise e instância.
Afinal, esse é o drama de todo magistrado que tem que entender de tudo para decidir sobre tudo. Mesmo diante do direito se tornando cada vez mais complexo e, seja juridicamente relevante, sendo impossível que o julgador consiga aprender-lhe todos a miríade de matizes.
Comenta-se que o juiz probo tem complexo de Atlas[29], o Titã que carrega a abóbada celeste sobre os ombros. Lidando com lides de conteúdos jurídicos simples, mas que envolvam valor profundo, não necessariamente econômica, mas por seu jaez axiológico relevante.
É frequente os atritos e ruídos advindos da guerra compartilhada que se torna a forma legal de estipulação de guarda de crianças e adolescentes. Porém, nem sempre a prioridade do melhor interesse das crianças e adolescentes é considerado. Preocupando-se apenas em aplicar a positividade da lei, sem se relevar se os menores estão se sentindo bem, com a partição da guarda.
A proibição do non liquet não era manifesto problema para o Rei Salomão, que julgando o caso de duas mulheres que reclamavam a maternidade da mesma criança, na falta de prova conclusiva, propõe a destruição do objeto controverso, isto é, manda dividir justamente ao meio a dita criança, para repartir entre as querelantes.
Diante da reação de uma das mulheres, que prefere que filho fique vivo e seja entregue à outra mulher, Salomão decide em prol da renunciante. Assim exercitou sua sabedoria, por meio de uma proposta violenta.
Já o juiz contemporâneo, após longos estudo dos autos, se propuser a destruição da coisa em disputa, alegando não possuir os elementos para decidir, seria certamente considerado insano.
Evidentemente, do tempo do Rei Salomão[30] até os dias de hoje, muita coisa mudou, e o Estado assumiu o monopólio da jurisdição e da competência para decidir tudo que seja juridicamente relevante. E, aí, percebe-se claramente a importância nos meios alternativos para dirimir os conflitos, tais como a mediação e conciliação. Trazendo uma terceira via, menos belicosa e impositiva e, portanto, mais dialogal[31].
Tanto os dogmáticos como a clássica teoria geral do direito encontram-se obsoletos e, enquanto que na visão política do direito, tenha exercido influência conservadora, o fato de ser dogmático não significa que o direito moderno implica numa visão limitada dos problemas jurídicos, nem que sua teoria geral, a dogmática, seja atitude necessariamente inadequada diante do mundo concreto e real.
Existem competente posturas diante do direito dogmático que exigem, ao invés da utilização do dogma jurídico, a norma, como porta de entrada extremamente complexa para esta outra realidade construída. De sorte que o jurista dogmático tem árdua e hercúlea tarefa de transformar demandas sociais efetivas em demandas jurídicas. E, é por isso, que quem sabe fazer isso bem, tem o poder.
Enfim, o jurista dogmático tem justamente a missão de transformar tais conflitos existenciais, dramáticos, humanos, emocionais em lides dogmáticas. Valendo-se da hermenêutica jurídica[32] que é, metaforicamente, a filha mais nobre e querida da teoria geral do direito. Iludem-se aqueles que acreditam que a prática dogmática se opõe à teoria geral.
O jusnaturalismo pode produzir injustiças. O direito natural parte do princípio antidemocrático de que existe um conteúdo de justiça apriorístico em relação ao direito positivo, contribuição ética do positivismo, no amplo sentido, tal como se define como não há uma justiça evidente em si mesma, os próprios cidadãos é que têm de tomar o fardo de dizer, de pôr o direito.
O direito continua axiológico, tal como é inevitavelmente, mas seu valor não está prefixado por qualquer instância a ele anterior ou superior. Este nem é imposto pela infalibilidade do Papa ou da Santa Madre Igreja (nem por Deus ou a Santíssima Trindade), pela natureza, nem é determinado a partir desta ou daquela concepção que alguém tenha de justiça ou de razão.
A racionalidade no Direito que tem dimensão ética ou meramente instrumental e tecnológica, não se impõe por si mesma ao direito, e ainda existem profundas e paradoxais divergências[33] quanto ao seu total significado. Pagamos caríssimo pela emancipação, por outro lado, adquirimos essa ética tolerante e mais democrática.
Referências:
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STRECK, L.L. O Brasil revive a Escola do Direito Livre! E dá-lhe pedalada na lei! Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jun-25/senso-incomum-brasil-revive-escola-direito-livre-lhe-pedalada-lei Acesso em 1.5.2020.
[1] A epistemologia jurídica é o estudo do conhecimento jurídico que compõe as disciplinas como a teoria geral do direito, teoria geral do direito penal, da norma e do ordenamento jurídico. Estuda a estrutura do fenômeno jurídico traduzido em regras, normas, princípios, costumes, jurisprudência e doutrina. Em boa parte de seu conteúdo, abeberou-se da História do Direito, em face da longa trajetória evolutivo do Direito nas sociedades humanas.
[2] Basicamente o Iluminismo defendeu o uso da razão tida como luz contra o antigo regime (trevas) e pregava a maior liberdade econômica e política. Possuía o apoio da burguesia e as críticas do movimento ao Antigo Regime eram de diversos aspectos, a saber: mercantilismo, absolutismo monárquico, poder da igreja e as verdades reveladas pela fé. Notabilizou pela defesa da liberdade econômica, isto é, sem a intervenção do Estado na economia; o antropocentrismo, propondo o progresso da ciência e da razão e, ainda, incentivava o predomínio da burguesia e de seus ideais. As noções liberais iluministas se disseminaram celeremente por toda Europa e, alguns reis absolutistas, com medo de perder o governo ou, até mesmo, a cabeça então, passaram aceitar alguns ideais iluministas. Tais absolutistas eram chamados de “déspotas esclarecidos” pois tentavam conciliar a forma de governo absolutista com as ideias de progresso iluminista Como exemplos de déspotas esclarecidos temos Frederico II, da Prússia, Catarina II, da Rússia e Marquês de Pombal de Portugal.
[3] Percebe-se que estavam em conflito as leis divinas, encarnadas na religiosa Antígona e as leis humanas determinadas pelo arbítrio de Creonte. A finalidade da obra trágica era justamente combater as duas posições extremistas, punindo ambas, por não buscarem um acordo e desejarem prevalecer uma sobre a outra. Do lado de Antígona, havia a desobediência das leis de seu país. Do lado de Creonte, havia a desobediência das tradições. Foi assim que cada um foi punido ao final, Antígona, por sua desobediência, provocou a morte de mais duas pessoas. Então, ela tornou-se uma heroína dos valores, mas que não gozou de prêmio nenhum. Creonte, por sua ambição e por seu despotismo, perdeu seu filho e sua esposa, evidenciando que devemos pensar sobre a responsabilidade de nossas ações no mundo. A tragédia Antígona, de Sófocles, evidenciou o embate entre as tradições religiosas e o poder humano.
[4] O episódio aparece em Marcos 12 (Marcos 12:13-17), Mateus 22 (Mateus 22:15-22) e Lucas 20 (Lucas 20:20-26). A frase, amplamente citada, se tornou uma espécie de resumo da relação entre o cristianismo e a autoridade secular. Na mensagem original, esta apareceu como resposta a uma questão sobre se seria lícito para um judeu pagar impostos a César e dá margem a múltiplas interpretações sobre em que circunstâncias seria desejável para um cristão se submeter à autoridade terrena. Reddite ergo quae sunt Caesaris Caesari et quae sunt Dei Deo – “Dai então a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” – Resposta de Jesus Cristo aos fariseus que lhe perguntavam capciosamente se era preciso pagar tributo a César. (São Lucas).
[5] Um Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião. O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença. O laicismo é uma doutrina que defende que a religião não deve ter influência nos assuntos de Estado. Essa ideia foi responsável pela separação moderna entre a Igreja e o Estado e ganhou força com a Revolução Francesa (1789-1799). Portanto, podemos dizer que o Estado laico nasce com a Revolução Francesa e que a França é a mãe do laicismo. Nos anos que se seguiram à revolução, o Estado francês tomou medidas em direção ao laicismo propriamente dito. 1790: todos os bens da Igreja foram nacionalizados; 1801: a Igreja passou para a tutela do Estado; 1882: o governo determina que o sistema de ensino público deve ser laico; 1905: a França se tornou um Estado Laico, separando definitivamente Estado e Igreja e garantindo a liberdade filosófica e religiosa; 2004: entra em vigor uma lei que proíbe vestes e símbolos religiosos em quaisquer estabelecimentos de ensino.
[6] Corporações de ofício, guildas ou mesteirais eram associações que surgiram na Idade Média, a partir do século XII, para regulamentar as profissões e o processo produtivo artesanal nas cidades. Essas unidades de produção artesanal eram marcadas pela hierarquia (mestres, oficiais e aprendizes) e pelo controle da técnica de produção das mercadorias pelo produtor. Entende-se por corporação de ofício as guildas (associações) de pessoas qualificadas para trabalhar numa determinada função, que se uniam em corporações, a fim de se defenderem e de negociarem de forma mais eficiente. Dentre as mais destacadas, estão as corporações dos construtores e dos artesãos. Uma pessoa só poderia trabalhar em um determinado ofício – pedreiro, carpinteiro, padeiro ou comerciante – se fosse membro de uma corporação. Caso esse costume fosse desobedecido, corria-se o risco de até mesmo ser expulso da cidade.
[7] Lei nº 13.010 DE 26/06/2014. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
[8] Jeremy Bentham (1748-1832) foi filósofo e jurista e, um dos derradeiros iluministas a propor a construção de sistema de filosofia moral, não somente formal e especulativo, mas com real preocupação de alcançar a solução para a sociedade de sua época. Suas propostas se notabilizam por ser de caráter filosófico, reformador e sistemático. É atribuída a Bentham a idealização do Panopticon, ideia que teria sido extraída de cartas escritas pelo jurista em Crecheff, na Rússia, em 1787, destinadas a um amigo. A partir destes escritos, foi possível extrair um modelo estrutural que seria capaz de ser aplicado as mais diversas instituições (escolas, prisões, hospícios e hospitais), como forma de otimização da vigilância e economia de pessoas para realizar tal função. Esta estrutura é caracterizada por um edifício circular que possui uma torre de vigilância e celas à sua volta. Cada uma das celas teria uma abertura para a entrada de luz e portas com grade para a difusão da luz no interior do edifício. Na virada para o século XIX, Bentham passou a enxergar maior sentido em penas pecuniárias, conquistando sucesso em propostas de arrecadação de receitas para a compensação das vítimas dos crimes. Apesar da sua extrema dedicação à reforma penal, o reconhecimento do autor somente se deu mais tarde e deveu-se a seu esforço em desenvolver codificações e críticas a mecanismos democráticos, tais como o sufrágio universal, eleições anuais, formas de impeachment e voto secreto.
[9] O cristianismo teve, nessa evolução, sua inegável importância, pois conseguiu amenizar o tratamento dado à mulher, prestigiando sua posição. Todavia, não aboliu a ideia de sujeição, que ainda perdurou por muitos séculos. Por outro lado, com o objetivo de evitar imoralidades, o cristianismo acolheu o conceito de débito conjugal, que era considerado um vínculo de notável força, tanto que se um marido resolvesse deixar seu casamento por uma vida monástica , pelo fato da existência do débito conjugal, ele somente poderia ir para o mosteiro, se sua esposa concordasse com sua partida. No entanto, tal paradigma foi nitidamente alterado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, que acabou instituindo, conforme Maria Helena Diniz, a igualdade jurídica entre os cônjuges, a qual já havia sido proclamada na “Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), na Declaração de Princípios Sociais da América (México, 1945), na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), e entre nós promulgada pelo Decreto n. 31.643/52”.
[10] No Antigo Testamento da Bíblia, a lei mosaica determina a pena de apedrejamento para o casal no ato do adultério, o que era praticado pelos hebreus, e seus descendentes israelitas, mesmo na época de Jesus Cristo (ver Levítico 20:10; Jó 8:1-5), inclusive Jesus foi israelita. No direito Romano pré-cesariano, como na Lei das Doze Tábuas, havia punição pecuniária para os crimes considerados menos graves, como o adultério, então considerado simultaneamente como crime contra a autoridade do paterfamilias ou pai de família e como crime contra os bons costumes, relativamente ao qual a Lex Julia de adulteriis estabeleceu um prazo de prescrição de cinco anos, os quais se contavam a partir da data do ato, mesmo que a mulher já tivesse morrido, por forma a poder condenar o adúltero «cúmplice» (como se pode ver do Digesto, 48.5.12.4 «adulterii reuni infra quinque annos contínuos a die criminis admissi defuncta quoque muliere postulari posse palam est» «pode-se postular, isto é, denunciar à autoridade, contra o réu de adultério, pelo prazo de cinco anos contínuos contados da data da comissão do crime, mesmo que a mulher já tenha falecido»). Em Portugal até 31 de dezembro de 1982 esteve em vigor uma norma, proveniente do direito muito antigo, segundo a qual o marido que encontrasse o cônjuge a praticar adultério e não estivesse impedido de o acusar, por, eventualmente, ter contribuído voluntariamente para o ato ou o ter incitado a tal, e nesse ato matasse esta ou o adúltero, ou ambos, ou lhes infligisse ofensas corporais graves, se encontrava sujeito apenas a uma pena de desterro por seis meses, e que o mesmo regime se aplicava aos pais de filhas menores enquanto estas se encontrassem sob o seu pátrio poder, como se encontrava consignado na última versão do artigo 372 do Código Penal de 1886, sendo certo que, até alguns anos antes, tal poder de matar era apenas concedido ao marido e aos pais, em idênticas circunstâncias. Nos tempos atuais, esta violação ainda é punível severamente, inclusive com pena de morte para a adúltera e seu cúmplice, em algumas partes do mundo, geralmente nos países orientais. Nos países do Ocidente, a punição se dá muito mais brandamente embora ainda se constitua em causa eficiente para o divórcio ou rescisão do casamento. Porém, os relacionamentos com terceiros, eventualmente, são aceitos em algumas circunstâncias como o demonstram as práticas cada vez mais assumidas publica e socialmente de swing e poliamor. No Brasil, a prática do adultério já foi capitulada como crime no artigo 240 do Código Penal, tendo sido revogado em 2005 pela Lei 11.106. Em Portugal, o crime do adultério foi revogado em 1973. Em Portugal, no atual Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro a palavra adultério não é mencionada numa única passagem. Já no atual Código Civil faz-se apenas referência ao adultério aquando da existência de heranças e respetivos testamentos e é referido no art. 2,196 que é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério.
[11] O juiz Luiz Claudio Bonassini da Silva, da 3ª Vara da Família e Sucessões de Campo Grande (MS), atestou o sofrimento e a humilhação a que o adúltero submeteu a esposa. Afirmou em sua decisão que um casamento de mais de 30 anos merecia um “final mais digno”. Outro caso inusitado ocorreu em Goiânia (GO), em setembro de 2008. Desta vez, a amante do adúltero foi condenada a indenizar a ex-esposa traída em R$ 31, 1 mil. Ficaram provadas no processo condutas da amante que levaram à ex-esposa a intenso sofrimento, tendo, inclusive, que se submeter a um tratamento psiquiátrico, além de ser forçada a mudar de endereço e emprego, ante a humilhação à qual foi submetida. O adultério propriamente dito não é mais punido criminalmente nem traz consequências na esfera civil, em um primeiro plano, mas pode ter implícitos determinados traços que conduzam os juízes a entendimentos diversos sobre o mesmo tema. O contexto no qual foi praticado o adultério é o fator determinante para aplicação ou não da obrigação de indenizar e do valor indenizatório.
[12] Com a ascensão do Império do Brasil, embora o catolicismo mantivesse seu status de credo oficial subsidiado pelo Estado, às outras religiões foi permitido florescer, visto que a Constituição 1824 garantia o princípio de liberdade religiosa mas com algumas restrições, a liberdade religiosa para as religiões não católicas não eram plenas, pessoas de baixa renda e que não professassem o catolicismo romano não poderia ocupar cargos políticos. A queda do Império em 1889, deu lugar a um regime republicano e uma nova Constituição foi promulgada em 1891, rompendo os laços entre a Igreja e o Estado; ideólogos republicanos, como Benjamin Constant e Rui Barbosa, foram influenciados pela laicidade na França e nos Estados Unidos. A separação entre Igreja e Estado promulgada pela Constituição de 1891 tem sido mantida desde então. A atual Constituição do Brasil, em vigor desde 1988, assegura o direito à liberdade religiosa individual de seus cidadãos, e proíbe o estabelecimento de igrejas estatais e de qualquer relação de “dependência ou aliança” de autoridades com os líderes religiosos, com exceção de “colaboração de interesse público, definida por lei.” O conceito da separação entre Igreja e Estado se refere à distância na relação entre a religião organizada e o Estado-nação. O termo é um desdobramento da frase, “muro de separação entre Igreja e Estado”, como está escrito na carta de Thomas Jefferson para a Associação Batista de Danbury, em 1802. O texto original diz: “… eu contemplo com reverência soberana que age de todo o povo americano, que declarou que sua legislatura deve ‘fazer nenhuma lei respeitando um estabelecimento da religião, ou proibindo o seu livre exercício’, assim, construindo um muro de separação entre Igreja e Estado.” Jefferson reflete sobre o tema falando frequentemente que o governo não está a interferir na religião.
[13] Os países que adotam o modelo germânico não têm em suas legislações penais um tipo específico que corresponda ao crime de desacato. Condutas de menosprezo ao funcionário têm a mesma consideração do que as dirigidas contra os particulares, ou seja, são consideradas crimes contra a honra. Alemanha, Áustria e Suíça são exemplos do modelo germânico. Um conceito de “honra-prestígio” institucional é estranho à tradição legal desses países, o que leva a um tratamento igualitário diante de condutas ofensivas.
[14] Como exemplo mais corriqueiro (emocional), temos os duelos do antigo Oeste americano e do sertão brasileiro, esses também individuais ou entre famílias, facções ou grupos, rivais, donde dois ou mais valentões ou valentonas, representantes dos grupos se ofendiam e se digladiavam mutuamente. Provocações essas disputadas no confronto através do “gatilho mais rápido”, “chicote mais rápido”, e assim por diante. Foi modelo de disputa em confrontos muito usados no Oriente Próximo, na Europa e nas Américas. O último país do mundo ocidental em que o duelo era legal foi o Uruguai, que o manteve em legislação própria até a década de 1980. O último duelo realizado em Portugal ocorreu no dia 27 de dezembro de 1925 e fez capa no Diário de Notícias. No Jockey Club do Campo Grande, confrontaram-se António Beja da Silva, um republicano, vice-presidente da Câmara de Lisboa, e António Centeno, um monárquico diretor das Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade, acusado de não cumprir um acordo sobre a subida do preço do gás e do aluguer dos contadores. Beja da Silva acabou por perder o duelo e faleceu por síncope cardíaca.
[15] O Código de Manu é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em quatro compêndios: o Mahabharata, o Ramayana, os Puranas e as Leis Escritas de Manu. Inscrito em sânscrito, constitui-se na legislação do mundo indiano e estabelece o sistema de castas na sociedade Hindu. Redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. em forma poética e imaginosa, as regras no Código de Manu são expostas em versos. Cada regra consta de dois versos cuja métrica, segundo os indianos, teria sido inventada por um santo eremita chamado Valmiki, em torno do ano 1500 a.C.
[16] O Código de Hamurabi é um conjunto de leis criadas pelo sexto rei da Suméria Hamurábi, da primeira dinastia babilônica, no século XVIII a.C., na Mesopotâmia. É um código baseado na lei do Talião, que representa uma dura retaliação do crime praticado e de sua pena.
[17] Getúlio Vargas, que foi presidente do Brasil, tinha uma frase lapidada: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei “, ou seja, quando usamos a lei de forma tirânica significa maior punição possível contra qualquer um. No caso, ele se referia aos inimigos de seu regime, à época, uma ditadura.
[18] A palavra autopoiese deriva do grego autós (por si próprio, de si mesmo) e poiesis (criação, produção), tendo sua origem na teoria biológica de Maturana e Varela. Deve-se a Niklas Luhmann, porém, ingresso do conceito de autopoiese nas ciências sociais, notadamente no Direito. Segundo o doutrinador alemão, “um sistema é dito autopoiético quando este se reproduz primariamente com base nos seus próprios códigos e critérios, assimilando os fatores do seu meio-ambiente circundante (expectativas sociais), mantendo, assim, a sua autonomia e identidade perante os demais sistemas sociais”. Numa posição diametralmente oposta, temos o conceito de alopoiese. Derivada do grego alo (um outro, diferente) e poiesis (criação, produção), a palavra, como bem define Marcelo Neves, “designa a (re)produção do sistema por critérios e códigos do seu meio-ambiente. O respectivo sistema perde em significado a diferença entre sistema e meio-ambiente, sendo incompatível (…) com a própria noção de referência ao meio-ambiente…”. Concordamos com o jurista quando ele, complementando a sua definição, afirma que um sistema alopoiético constitui-se da “confusão de códigos jurídicos construídos e aplicados difusamente, como também do intrincamento destes com os códigos do poder, da economia, familiar, da amizade, como também daquilo que os alemães chamam de “boas relações”.
[19] O direito é abordado como direito positivo na sociedade moderna, cuja análise se dá por meio do funcional-estruturalismo. Partindo um conceito de sociedade como sistema e suas diferenciações, chega-se a uma concepção do direito como sistema autopoiético. A autopoiese foi utilizada no campo do direito pela teoria dos sistemas para resolver o fundamental problema de delimitar externamente um sistema nos confrontos do seu ambiente, sem excluir a própria capacidade de introduzir ao seu interno mudanças que assegurem a sua sobrevivência. Em particular, a teoria dos sistemas considera o sistema jurídico apto a gerir as relações entre os próprios elementos com diversos níveis de complexidade do ambiente e da específica normatividade capaz de atingir níveis de generalizações superiores aos dos outros sistemas normativos.
[20] Adolf Julius Merkl (1890-1970) foi jurista austríaco, muito atuante nas áreas de direito administrativo e constitucional. Fora aluno de Hans Kelsen e, também, por isso era considerado um dos mais relevantes representantes da escola austríaca de teoria jurídica. Foi professor da Universidade de Viena entre 1932 a 1938 e, novamente, a partir de 1950. Em 1938, Merkl foi demitido de sua posição na Universidade de Viena como parte da purgação nacional-socialista, e em 1939 foi aposentado permanentemente. Inicialmente ativo como “auxiliar de assuntos fiscais”, conseguiu trabalhar como professor na Universidade de Tubingen, mas sob a condição de não se manifestar sobre assuntos políticos ou constitucionais. Apesar de recusar-se a se afiliar ao Partido Nacionalista dos Trabalhadores da Alemanha (ou uma de suas subdivisões), Merkl continuou lecionando em Tubingen durante a Segunda Guerra Mundial e foi um dos poucos a permanecer no corpo docente de qualquer universidade na Alemanha. Com seu trabalho sobre a estrutura hierárquica da ordem jurídica, Merkl contribuiu significativamente para o sucesso da teoria pura do direito como ferramenta para a compreensão da relação entre as normas de uma ordem jurídica. Merkl explicou que cada lei tem elementos jurídicos da constituição, e elementos de aplicação da lei. Logo, um julgamento dentro do quadro legislativo de um país faz justiça, e não apenas aplica-se a constituição. Uma simples lei também reforça a Constituição de um país, já que uma lei tem de ser obrigatoriamente condizente com a Constituição do país. Merkl chamou isso de “Janus” ou “dupla face” das leis. Portanto, no direito positivo, não se pode diferenciar precisamente entre a legislação e a aplicação da lei.
[21] Pelos estudiosos do Direito é aquele poder atribuído a um número determinado de seres humanos, que irão exercer um poder soberano em nome de todos os demais integrados numa sociedade política, estável, de âmbito geral e de base territorial tendo por fim governar pessoas e administrar os meios segundo os fins dessa associação, a qual conhecemos como Estado. Será este poder, então, capaz de estabelecer uma nova ordem constitucional, sendo assim responsável pelas leis fundamentais de sua respectiva nação. É dotado deste poder todo o indivíduo a quem se atribui a tarefa de criar as leis fundamentais do Estado, que servirão de orientadoras para todas as leis infraconstitucionais, ou seja, aquelas subordinadas e convalidadas pela Constituição. O Poder Constituinte Originário pode assumir duas formas, que são: Poder Constituinte Originário Histórico – refere-se ao poder atribuído àqueles que pela primeira vez elaboram a Constituição de um Estado, responsáveis por sua primeira forma estrutural. Poder Constituinte Originário Revolucionário – é todo o poder responsável pela criação de constituições que se sobrepõem à primeira. É revolucionário todo o poder constituinte que rompa com um poder constituinte previamente estabelecido em uma determinada nação soberana.
[22] A legislação sobre pessoas LGBT varia de acordo com a cultura de cada país. Na atualidade existe uma enorme variedade no alcance das leis que afetam as pessoas do grupo LGBT no mundo. Essas diferenças nos direitos relativos a pessoas LGBT estiveram presentes ao longo da história das civilizações humanas, persistindo até aos tempos atuais. Desde países que criminalizam a homossexualidade com a pena de morte, tais como, a Arábia Saudita, a Mauritânia ou o Iêmen, até aqueles países que já legalizaram o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, como Países Baixos, Espanha ou Canadá. As principais organizações mundiais de saúde, incluindo muitas de psicologia, não mais consideram a homossexualidade uma doença, distúrbio ou perversão. Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como tal pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975, a Associação Americana de Psicologia adotou o mesmo procedimento, deixando de considerar a homossexualidade como doença. No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixa de considerar a homossexualidade como um desvio sexual e, em 1999, estabelece regras para a atuação dos psicólogos em relação à questões de orientação sexual, declarando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e que os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade. No dia 17 de maio de 1990, a Assembleia-geral da Organização Mundial de Saúde (sigla OMS) retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a Classificação internacional de doenças (sigla CID). Por fim, em 1991, a Anistia Internacional passa a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos. Apesar da despatologização da homossexualidade, pessoas trans ainda têm sua identidade de gênero patologizada pela OMS e por quase todos os países, exceto a França. No Brasil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era considerado como ato jurídico inexistente até meados de 2011, mesmo se realizado num país que o reconhecia. Com a decisão do STF sobre a união estável entre homossexuais e a edição da Resolução nº 175 de 14/05/2013, do Conselho Nacional de Justiça, o casamento tornou-se válido em todo o país. Todavia, não há, atualmente, nenhuma lei ou norma constitucional que a garanta o exercício de tal direito.
[23] Foi com base nesse entendimento que o Desembargador Luiz Guilherme Costa Wagner, da 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, indeferiu pedido de uma casa de show para reduzir o valor do aluguel em 70%, mantendo a redução em 50%, tal como foi definido em primeiro grau. Processo 2069928-09.2020.8.26.0000; O juiz Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, da 22ª Vara Cível de São Paulo, concedeu liminar para reduzir o valor do aluguel pago por um restaurante em virtude da epidemia da Covid-19 no Brasil, que resultou na redução das atividades e dos rendimentos do estabelecimento. Pela decisão, o restaurante pagará 30% do valor original do aluguel enquanto durar a crise sanitária. Proc. n 1026645-41.2020.8.26.0100.
[24] Segundo a concepção sistêmica de Minuchin, a família é um grupo social cujos membros estão em constante interação entre si e com o ambiente, delineando, assim, o seu comportamento. As mudanças nas configurações familiares, decorrentes das atuais demandas sociais e contemporâneas têm gerado um maior interesse, por parte da sociedade, sobre a importância da figura paterna para a família e, especificamente, para o desenvolvimento da criança.
[25] Todos sabem que o século XIX foi o século da razão. A razão que foi “aprisionada” na lei. Daí três tipos de positivismo: o francês (exegetismo), o alemão (jurisprudência dos conceitos) e o inglês (jurisprudência analítica). A esses tipos de positivismo houve reações das mais variadas (explico isso em Hermenêutica Jurídica em Crise). Aqui, fico com uma delas, a Escola do Direito Livre, do início do século XX. Fundada por Hermann Kantorowicz (1906, A Luta pela Ciência do Direito), essa doutrina defende — atenção! — para a época — a plena liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei. O juiz não estaria lançando mão apenas do seu poder decisório, mas, mais do que isso, a sua função de legislador, seu poder legiferante para encontrar aquilo que ele, juiz, percebe como “o justo”. Bingo. E binguíssimo. Dizia-se da Escola do Direito Livre: Escola do Direito Livre…da Lei! In: STRECK, L.L. O Brasil revive a Escola do Direito Livre! E dá-lhe pedalada na lei! Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jun-25/senso-incomum-brasil-revive-escola-direito-livre-lhe-pedalada-lei Acesso em 1.5.2020.
[26] Escola Histórica do Direito e do pensamento jurídico, foi precursora do positivismo normativista que apareceria com a Jurisprudência dos conceitos, que surgira nos territórios alemães no início do século XIX e exerce firme influência em todos países de tradição romano-germânica. Muito influenciada pelo romantismo, partia do pressuposto de que as normas jurídicas seriam o resultante de evolução histórica e que a essência destas seria encontrada nos costumes e crenças dos grupos sociais. Assim, o Direito seria como produto histórico e manifestação cultural, nasceria do espírito do povo, em alemão: Volksgeist. E, na dicção de Savigny, o Direito teria suas origens nas forças silenciosas e não no arbítrio do legislador. Esta Escola surgiu em oposição ao jusnaturalismo iluminista que considerava o Direito como fenômeno independente do tempo e espaço e cujas bases seriam ancoradas na razão e na natureza das coisas.
[27] A semelhança entre Ezequiel, filho do casal, e o finado Escobar, reparada um ano depois, foi a evidência final de que o protagonista precisava para se convencer do adultério. O casamento desgastou-se, e em pouco tempo a simples presença do filho já lhe era insuportável.
[28] Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, comumente chamado de Leviatã, é um livro escrito por Thomas Hobbes e publicado em 1651. Ele é intitulado em referência ao Leviatã bíblico. O livro diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo, e é considerado como um dos exemplos mais antigos e mais influentes da teoria do contrato social. No livro, que foi escrito durante a Guerra Civil Inglesa, Thomas Hobbes defende um contrato social e o governo de um soberano absoluto. Hobbes escreveu que o caos ou a guerra civil – situações identificadas como um estado de natureza e pelo famoso lema Bellum omnium contra omnes (eterna luta de todos contra todos) – só poderia ser evitado por um governo central forte.
[29] Atlas também chamado de Atlante, na mitologia grega é um dos titãs, condenado por Zeus a sustentar os céus para sempre. Casado com Pleione, com a qual teve sete filhas conhecidas como Plêiades, bem como sete filhas que eram ninfas, as hespérides. Era filho do titã Jápeto e da oceânide Ásia. Juntando-se a outros titãs, forças do caos e da desordem pretendiam alcançar o poder supremo e atacaram o monte Olimpo, combatendo ferozmente Zeus e seus aliados, que eram as energias do espírito, da ordem e do Cosmos. Zeus triunfou e castigou seus inimigos – que eram escravos da matéria e dos sentidos, inimigos da espiritualização, lançando-os ao Tártaro. Porém, para Atlas, deu-lhe o castigo de sustentar para sempre nos ombros o céu. Seu nome passou a significar “portador” ou “sofredor”. Assim punido, passou a morar no país das hespérides, as três ninfas do Poente: Eagle, Eritia, Hesperatetusa. Nas terras das hespérides, ninfas do poente, estavam plantadas as maçãs de ouro, que tinham sido o presente de casamento oferecido pela Terra nas bodas de Zeus e Hera. A deusa as plantara no jardim dos deuses e, para proteger a árvore e os frutos, deixara sob a guarda de um dragão de cem cabeças e das três ninfas do poente.
[30] Salomão foi um rei de Israel (mencionado, sobretudo, no Livro dos Reis), filho de David com Bethe-Seba, que teria se tornado o terceiro rei de Israel, governando durante cerca de quarenta anos (segundo algumas cronologias bíblicas, de 966 a 926 a.C.). Salomão também é o escritor de Provérbios e Eclesiastes, livros sapienciais da Bíblia. O nome Salomão ou Shlomô (em hebraico: ????), deriva da palavra Shalom, que significa “paz” e tem o significado de “Pacífico”. Também chamado de Jedidias (em árabe ?????? Sulayman) pelo profeta Natã. 2 Samuel (II Samuel 12:24-25). A Salomão é atribuída a famosa história de que duas mulheres foram ao seu palácio. Duas mulheres tiveram filhos juntos, um dos filhos morreu e a mãe do que morreu, pegou o da outra mãe. De manhã, ela percebeu que aquele que tinha morrido não era seu filho e começaram a discutir. Foram até o palácio do rei Salomão e contaram-lhe a história. Ele mandou chamar um dos guardas e lhe ordenou: “Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma”. Falado isso, uma das mães começou a chorar e disse: “Não, eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus”, enquanto a outra disse: “Pra mim é justo”. Salomão, reconhecendo a mãe na primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho.
[31] Endossa, Carlos Eduardo de Vasconcelos que conceitua a mediação como sendo: (…) método diagonal de solução ou transformação de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(s) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo, a começar pelas apresentações, explicações e compromissos iniciais(…) com vistas a se construir a compreensão das vivências afetivas e materiais da disputa, migrar das posições antagônicas para a identificação dos interesses e necessidades comuns e para o entendimento sobre as alternativas mais consistentes, de modo que, havendo consenso, seja concretizado o acordo.
[32] A hermenêutica jurídica que se ocupa da interpretação das normas jurídicas, estabelecendo métodos para a compreensão legal. Utilizando-se do círculo hermenêutico, o jurista coteja elementos textuais e extratextuais para chegar-se a uma compreensão. Fundamentado na argumentação, a hermenêutica é um método humanístico de pesquisa, sendo distinto em escopo e procedimento do método científico. Sua função é fixar o sentido e o alcance da norma jurídica. O sentido, porque deve-se saber qual o significado, o que a norma quer passar ao operador do direito; o alcance, porquanto deve-se saber os destinatários para os quais a norma foi estatuída. “A partir do século XVIII, sob a proteção do direito natural, o pensamento jurídico encaminhou-se no sentido do total positivação do direito. Entretanto, somente no século XIX o estabelecimento do direito, mediante legislação, tornou-se uma rotina do Estado, e isso trouxe algo inédito: a modificação do direito pela legislação. Essa modificação tornou-se parte integrante e imanente do próprio direito. A matéria do antigo direito foi redimensionada, codificada e colocada na forma de leis escritas, e isso não só devido à praticidade do seu uso pelos tribunais e à facilidade de sua aplicação, mas também para caracterizá-la como estatuída, modificável e de vigência condicionada.
[33] Nossa época é marcada pelo relativismo moral, por um individualismo exagerado, um narcisismo hedonista, uma recusa simultânea da religião e da razão. A questão que se coloca hoje é a da superação dos empecilhos que dificultam a existência de uma vida moral autêntica. Nesse sentido, e visando também pôr um fim à violência que ainda impregna nossa civilização, tem se falado na necessidade de promover uma “cultura de paz” no planeta. A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou a presente década (2001-2010) como “Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência” e um manifesto foi esboçado por um grupo de laureados com o prêmio Nobel da Paz, propondo uma ética para o mundo de hoje.