A exigência da CND e o posicionamento dos magistrados no processo de Recuperação Judicial
Thiago Carvalho Santos*
Após algum tempo de aplicação da Lei de Recuperação Empresarial os operadores do Direito começam a adequar-se ao dia-a-dia do novo modelo processual da Recuperação Judicial e se inicia os questionamentos sobre a viabilidade prática de alguns dispositivos da referida Lei.
O que muito se discutiu, e poucos sabiam a resposta, se referia aos efeitos da não apresentação da Certidão Negativa de Débitos tributários, exigência imposta pelo art. 57 da Lei 11.101/05 – Lei de Falência e Recuperação Empresarial – após a aprovação do plano de recuperação pelos credores.
Em regra, a não apresentação da CND ensejaria no indeferimento do pedido de recuperação, resultando no prosseguimento das ações, execuções e pedidos de falência que se encontravam suspensas até então. Tal condição ganhou reforço com o artigo 191-A do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar 118/05, ressaltando que a “concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos”.
No entanto, a exigência de quitação dos débitos tributários para a concessão de recuperação judicial torna-se um contra-senso, tendo em vista que os débitos tributários, na maioria das empresas, no momento de dificuldade financeira são os primeiros a terem seus pagamentos suspensos pela empresa.
Ainda que a prática de sonegação deva sempre ser repudiada, a quitação de tais tributos inviabilizaria a própria recuperação da empresa, o que contraria o objetivo da nova lei de falência e recuperação empresarial.
Portanto, não se pode concordar com um dispositivo que foge completamente ao objetivo da recuperação empresarial, que impede a concessão do benefício no momento do seu início, tornando-se um dos principais pesadelos do empresariado que em situação financeira deficitária e detentores de passivos tributários, deixa de requerer a sua recuperação em virtude de tal dispositivo.
Nesse sentido, identificando tal necessidade, o legislativo começa a adotar medidas de modificar tal situação, merecendo destaque o projeto de lei 6.028/2005 do deputado Jorge Boeira que pretende revogar o disposto no art. 57 da Lei 11.101/05 – Lei de Falência e Recuperação Empresarial – utilizando-se em sua justificativa os ensinamentos do eminente Professor Manoel Justino Bezerra Filho:
Esclarece o autor que: “o objetivo do legislador nesse dispositivo (art. 57) é o de obrigar o devedor a quitar suas dívidas fiscais antes do ajuizamento da recuperação judicial, ou, ao menos, providenciar o seu parcelamento, nos termos da legislação tributária aplicável. Note-se, no entanto, que isso pode inviabilizar a recuperação de inúmeras empresas em situação de crise econômico-financeira, na media em que, na maioria das vezes, os encargos fiscais, ao lado das dívidas com financiamento bancário, são os maiores responsáveis pela própria crise em que a empresa se encontra”.
O raciocínio do eminente professor é lógico e atual ao cenário econômico-financeiro das empresas brasileiras, tendo em vista que, as empresas em dificuldades, em primeiro lugar, suspendem o pagamento dos tributos e por último os fornecedores, sendo tal procedimento normal, tendo em vista que a suspensão do pagamento dos tributos não inviabilizará a atividade empresarial.
Por óbvio, se a empresa recorreu ao benefício da recuperação, porque não consegue pagar seus fornecedores, credores quirografários, podemos concluir que seu passivo tributário estará avantajado.
Portanto, tal raciocínio começa a ser aplicado pelos magistrados nos processos de recuperação judicial, como se observa da decisão do juiz Alexandre Alves Lazarini, da 1º Vara de Recuperação e Falência de Empresas de São Paulo, na homologação do plano de recuperação da empresa Parmalat:
“Em relação à exigência do art. 57 da Lei 11.101/05 e artigo 191-A do CTN: a) trata-se de sanção política, profligada pela jurisprudência dos tribunais; b) fere o princípio da proporcionalidade, e, por isso, são insubsistentes; c) o descumprimento não acarreta a falência, conseqüência não desejada pela lei; d) a jurisprudência de nossos tribunais, historicamente, desprezou exigências fiscais de empresas em crise econômica, sem que isso represente proibição de cobrança de tributos pelas vias próprias”.
O magistrado aponta ainda a lição de Manoel Justino Bezerra Filho: “Aliás, neste ponto, a Lei não aproveitou o ensinamento que os 60 anos de vigência do Dec.-lei 7.661/45 trouxeram, a partir do exame do art. 174 daquela lei. Este artigo exigia que, para que a concordata fosse julgada cumprida, o devedor apresentasse comprovação de que havia pago todos os impostos, sob pena de falência. Tal disposição, de praticamente impossível cumprimento, redundou na criação jurisprudencial que admitia o pedido de desistência da concordata, embora sem expressa previsão legal. E a jurisprudência assim se firmou,porque exigir o cumprimento daquele art. 174 seria levar a empresa, certamente, à falência. Sem embargo de tudo isto, este art. 57, acoplado ao art. 49, repete o erro de trazer obrigações de impossível cumprimento para sociedades empresárias em crise”.
Necessário breve esclarecimento sobre o referido “princípio da proporcionalidade” mencionado pelo magistrado. No entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello o princípio da proporcionalidade “não é senão faceta do princípio da razoabilidade. (…) Posto que se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade”.
Chamado também de princípio da proibição de excessos, funciona como controle dos atos estatais, com a inclusão e manutenção desses atos dentro do limite da lei e adequado a seus fins. Seu verdadeiro sentido, é de que, a proporcionalidade deverá pautar a extensão e intensidade dos atos praticados levando em conta o fim a ser atingido. Não visa o emprego da letra fria da lei, e sim sua proporcionalidade com os fatos concretos, devendo o aplicador da norma usá-la de modo sensato, com vistas à situação específica de cada contribuinte.
O posicionamento do magistrado não pode ser tratado como caso isolado, tendo em vista que a desnecessidade da demonstração da regularidade fiscal possui precedentes em outros casos, tais como: recuperação judicial da empresa Wosgrau Participações Indústria e Comércio Ltda., Proc. n. 390/2005, MM. Juiz Luiz Henrique Miranda, j. 2/12/2005; e recuperação judicial da Varig S/A Viação Aérea Riograndense, MM. Juiz Luiz Roberto Ayoub, j. 28/12/2005.
Ademais, ainda que esteja em discussão na Câmara dos Deputados projeto de lei nº 5.250/2005, que tenha como previsão o parcelamento de dívidas tributárias de empresas em recuperação em 72 meses e 84 meses para microempresas, não irá solucionar a questão, tendo em vista que se trata de prazo insuficiente para os padrões de endividamento de empresas brasileiras.
No entanto, não se pode olvidar que a Fazenda Nacional adotará medidas para evitar que decisões judiciais que homologuem planos de recuperação judicial sem que a empresa a ser recuperada apresente a CND prolifere.
Os primeiros embates já começaram. No Rio de Janeiro a Fazenda tentou reverter a homologação da recuperação judicial da Varig, sendo rejeitado o pedido de impugnação pelo juiz Luiz Roberto Ayoub.
Em São Paulo a procuradoria da Fazenda não pretende aceitar a possibilidade de homologação dos planos de recuperação sem a certidão tão facilmente. A procuradora-chefe da PGFN de São Paulo, Alice Vitória de Oliveira Leite, alegou que vai recorrer da homologação do plano da Parmalat.
Portanto, ainda que a questão esteja longe de ser pacificada e inevitavelmente deva ser decidida em instâncias superiores, concluímos que, em primeira instância, os magistrados começaram muito bem.
* Sócio do escritório Carvalho Santos & Pantaleão Advogados
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