Supremo Tribunal Federal derruba foro privilegiado para ex-detentores de cargos públicos
Lélio Braga Calhau*
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nos últimos dias uma importante ação que tratava de um dos pontos de engessamento dos processos de corrupção no Brasil. Por sete votos a três o STF acolheu o entendimento que a Associação Nacional do Ministério Público apresentou numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que foi aviada naquele tribunal contra a criação legislativa de um foro privilegiado para ex-autoridades em sede de ações criminais e ações cíveis de improbidade administrativa.
A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 84 do Código de Processo Penal, adicionados numa manobra legislativa de algumas lideranças políticas pela Lei Federal 10.628/02, que estabelecia foro privilegiado a ex-autoridades processadas por atos de improbidade administrativa ou de natureza criminal. A criação através da Lei Federal 10.628/02 de um foro privilegiado para ex-autoridades talvez tenha sido um dos atos mais lamentáveis realizados pelo Congresso Nacional nos últimos anos. A malsinada lei, além de criar um foro privilegiado para detentores de cargo público em ação civil pública de improbidade administrativa, criou um foro para ex-autoridades.
A própria Corte Constitucional já havia sinalizado entendimento que tal ato não poderia ser criado dessa forma, por ampliar competência exclusiva da Constituição Federal. Poucos anos antes o STF revogou a Súmula 394, que concedia o foro privilegiado para os ex-detentores dos cargos públicos. O assunto estava pacificado no Poder Judiciário. O foro privilegiado existe numa democracia para preservar o cargo público e não a pessoa que o esteja ocupando. Abandonada a função pública, não há sentido em sua manutenção. O efeito prático da manutenção do foro privilegiado para as ex-autoridades era nefasto.
Retirava o poder de ajuizar a ação dos promotores de justiça, esvaziando uma de suas mais importantes funções, e o concentrava na mão dos procuradores-gerais de justiça do estados e do procurador geral da república na esfera federal. Afastava, também, o magistrado de primeiro grau do julgamento dessas questões. É ele a pessoa mais indicada para analisar os casos que lhe são submetidos na área de sua comarca, pois ele está próximo dos jurisdicionados, da coleta das provas e possui melhores condições de analisar as características específicas nos casos concretos.
Porém, a questão ainda não está definida. No Brasil tudo pode ocorrer. A sociedade deve permanecer atenta e vigilante. Já existe um projeto de emenda á Constituição Federal no Congresso Nacional tentando, entre outras coisas, mais uma vez emplacar essa tese imoral do foro privilegiado para ex-autoridades. Pior, há um grupo de políticos que deseja acrescentar ainda as ações populares nessa restrição do foro. Tais medidas não podem ser aceitas, porque dificultam o acesso do cidadão á justiça e seriam uma vitória para aqueles que querem a manutenção de seus privilégios ilegais e da impunidade.
* Criminólogo. Professor de Direito Penal da UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ).
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