Direito Penal

Sobre a teoria da associação diferencial de Edwin Sutherland

Na atualidade, a Criminologia é vista como uma ciência empírica e interdisciplinar, que tem como objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o controle social. Acerca desse último fator, a partir das relações do indivíduo com a sociedade algumas vertentes criminológicas surgiram para explicar até que ponto as interações sociais são responsáveis pela gênese do crime ou o comportamento delinquente e de que forma a sociedade busca inibi-los ou controlá-los.

Assim, surgem as teorias sociológicas, as quais podem ser divididas em dois subgrupos: teorias de conflito e teorias de consenso. Essa dicotomia forma-se a partir da análise do significado e da função dos valores sociais na comunidade.

Para as teorias de conflito, a ordem da sociedade é sustentada pelo conflito, pela força e pela coerção, ou seja, na dominação e submissão de indivíduos. Essas teorias acreditam que o conflito é necessário, pois evita a estagnação da sociedade. Só que é importante frisar, que mesmo a sociedade sobrevivendo devido ao conflito, esse deve ser limitado, de modo a evitar o caos e provocar as mudanças necessárias. Assim, o crime seria decorrência desses conflitos, não algo patológico.

Para as teorias de consenso, a identidade do sistema social é fundamentada na ordem social construída a partir dos valores comuns aos membros da sociedade. Ou seja, a finalidade da sociedade somente é atingida quando suas instituições funcionam perfeitamente e os cidadãos respeitam e vivem conforme as mesmas regras sociais. Assim, quando a sociedade diverge sobre determinados valores sociais, tendo indivíduos que desrespeitam essas regras, nasce imensa possibilidade de surgimento de crimes e do criminoso.

As teorias de consenso também são conhecidas como teorias etiológicas ou epidemiológicas, respectivamente, porque buscam as causas da criminalidade e se preocupam com as taxas de criminalidade em específicas regiões e grupos sociais.

Exemplo de uma teoria de consenso é a teoria da Associação Diferencial, que foi elaborada por Edwin Sutherland, nos Estados Unidos da América, na edição de 1939 (sofrendo uma alteração em 1947) do livro Principles of Criminology (FERRO, 2008, p. 144-145). Segundo o pensamento de Sutherland, o crime não é um fenômeno exclusivo das classes menos favorecidas, porque em áreas mais abastardas também existe crime.

De acordo com a teoria da associação diferencial, o indivíduo é convertido em delinquente quando a sociedade em que vive ensina valores que impulsionam o crime. Essa teoria é regida pelas Leis da Imitação, as quais são divididas em três, quais sejam:

A primeira delas permite dizer que o indivíduo, em contato próximo com outros, imita-os na proporção direta do contato que mantem entre si. Tarde diferenciava os contatos diferentes e rápidos que ele denomina de moda, característicos da grande cidade, e os contatos mais lentos e menores, que ele denomina costume, característicos do campo. Por forca dessa ideia, ele acreditava ter a imprensa um papel central nos meios de comunicação e interação entre as pessoas, propagando e potencializando essas imitações. Sua segunda lei de imitação projetava a direção do processo: o inferior imita o superior; os jovens imitam os mais velhos, os pobres imitam os ricos, os camponeses imitam a realeza e assim por diante. Isto permite a s pessoas seguirem o modelo de maior status, na esperança de que suas condutas possam garantir-lhes uma recompensa associada aquele patamar superior social. A terceira lei e a da inserção. Se duas modas diferentes e superpõem, a mais nova substitui a mais antiga. Por exemplo, o assassinato a facadas e substituído pelo executado com armas de fogo; a s drogas substituem o papel estimulador desempenhado, no passado, pelo álcool. Dentro dessa linha de pensamento, sempre que existir um contato social deletério, haverá criminalidade potencializada. (SHECAIRA, 2012, p. 89-90)

Ainda, Shecaira (2012) explica o processo pelo qual o indivíduo é levado a cometer delitos, conforme a teoria de Sutherland.

Primeiramente, reconhece-se que o delito não tem como causa fatores hereditários, mas a influência do meio. Em outras palavras, o comportamento delituoso é um comportamento aprendido, assim como uma ação considerada boa em determinada sociedade.

Ademais, Shecaira (2012) esclarece o meio pelo qual há esse aprendizado do comportamento criminoso, que é pela linguagem, pela comunicação com outras pessoas, o que o pensamento de Sutherland vai afirmar ser a lei da imitação, que tem início no seio familiar. Importante a se destacar nessa teoria é quanto mais íntimas as relações sociais entre os indivíduos, maior será a influência criminógena.

Aqui, frisa-se que a conversão do indivíduo em criminoso se completa quando os pontos favoráveis à violação da norma superam as desfavoráveis. Dessa maneira, a intenção de praticar o crime prevalece à não intenção de praticar o crime. As pessoas se associam por afinidade de valores, no entanto o conteúdo desses valores se distingue conforme a espécie de associação. Daí vem o nome da teoria, Associação Diferencial.

As associações diferenciais podem variar conforme frequência, duração, intensidade e prioridade. Logo, valores aprendidos na infância podem acompanhar um indivíduo durante toda a vida.

De acordo com essa teoria, a inexistência de um controle social informal e a desorganização social causada pela perda de identidade cultural acabam fomentando a prática de crimes.

A teoria da Associação Diferencial de Sutherland relaciona a criminalidade com a associação e a aprendizagem. Desse modo, as pessoas se associam em torno de objetivos comuns, inclusive à prática de crimes. O comportamento delituoso seria aprendido, não uma mera imitação.

Os estudos de Sutherland muito contribuíram para o desenvolvimento da Criminologia e derrocada do predomínio das ideias de Lombroso, Ferri e Garófalo. Isso porque quando Sutherland comprovou que o comportamento delituoso não está ligado à classe social, que pessoas privilegiadas também praticam delitos, como os crimes de “colarinho branco”, não mais se pôde relacionar a delinquência com uma “anormalidade”.

Referências

FERRO, Ana Luiza Almeida. Sutherland: a teoria da associação diferencial e o crime de colarinho branco. De jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 11, p. 144-167, jul./dez. 2008. Disponível em: < https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/102/Sutherland_Ferro.pdf?sequence=1> Acesso em 24 set. 2020

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 4. ed. Editora Revista dos Tribunais, 2012.

Como citar e referenciar este artigo:
PINTO, Fernanda Miler Lima. Sobre a teoria da associação diferencial de Edwin Sutherland. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/sobre-a-teoria-da-associacao-diferencial-de-edwin-sutherland/ Acesso em: 22 nov. 2024
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