Reforma psiquiátrica e medidas de segurança
Paulo Queiroz*
A lei de reforma psiquiátrica (Lei n° 10.216/2001), expressamente aplicável às medidas de segurança, que as chama de internação compulsória (art. 6°, III, e 9°), trouxe importantes modificações em matéria penal e está a exigir uma releitura de todo o Código Penal e Lei de Execução Penal, havendo inclusive quem defenda, como Paulo Jacobina, a derrogação da LEP no particular e de parte do Código1. Eis as modificações mais importantes:
Finalidade preventiva especial. A lei considera como finalidade permanente do tratamento a reinserção social do paciente em seu meio (art. 4°, §1°), reforçando assim a finalidade – já prevista na LEP – preventiva individual das medidas de segurança. Portanto, toda e qualquer disposição que tiver subjacente a idéia de castigo restará revogada.
Excepcionalidade da medida de segurança detentiva (internação). Exatamente por isso, a internação só poderá acontecer quando for absolutamente necessária, isto é, quando o tratamento ambulatorial não for comprovadamente o mais adequado. É que, de acordo com lei, a internação só é indicada quando os recursos ex-hospitalares se mostrarem insuficientes, devendo ser priorizados os meios de tratamento menos invasivos possíveis (art. 4° e 2°, parágrafo único, VIII). Portanto, independentemente da gravidade da infração penal cometida, preferir-se-á o tratamento menos lesivo à liberdade do paciente, razão pela qual, independentemente da pena cominada (se reclusão ou detenção), o tratamento ambulatorial (extra-hospitalar) passa a ser a regra, e o ambulatorial, a exceção, apesar de o Código Penal dispor em sentido diverso2. É vedada ainda a internação de pacientes em instituições com características asilares (art. 4°, §3°).
Revogação dos prazos mínimos da medida de segurança. Parece certo também que a fixação de prazos mínimos restou revogada, pois são incompatíveis com o princípio da utilidade terapêutica do internamento (art.4°, §1°) ou com o princípio da desinternação progressiva dos pacientes cronificados (art. 5°). Além disso, a presunção de periculosidade do louco e o seu tratamento em função do tipo de delito que cometeu (se punido com reclusão ou detenção), baseado em prazos fixos e rígidos, são incompatíveis com as normas sanitárias que visam a reinserção social do paciente3.
Alta planejada e reabilitação psicossocial assistida. No caso de paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente (art. 5°).
O paciente tem direito ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com as suas necessidades, garantindo-se-lhe, entre outras coisas, livre acesso aos meios de comunicação disponíveis (art. 2°, parágrafo único).
1Paulo Jacobina. Direito Penal da Loucura: Medidas de Segurança e Reforma Psiquiátrica. Boletim dos Procuradores da República, n° 70, ano VI, Maio/2006. O autor também defende a inconstitucionalidade das medidas de segurança.
2No sentido do texto, Haroldo Caetano. Execução Penal. Porto Alegre: Magister editora, 2006, p.295.
3Nesse sentido, Paulo Jacobina, cit.
* Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral. Rio: Lumen juris, 2008, 4ª edição
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