Adriano dos Santos *
Filipe Siviero*
Guilherme Vasconcellos Severino*
Lucas Mussi*
Marcus Vinícius Peres*
Miguel Armando Pereira Jr.*
INTRODUÇÃO
A conduta que contrariar a norma, incidindo no tipo penal definido em lei, será denomina como ato antijurídico, ou seja, um comportamento contrário ao que prescreve o Direito. Deve o infrator responder pela responsabilidade penal, se a conduta praticada estiver expressamente proibida em dispositivo penal como um delito ou um crime. Citemos como exemplo, o fato de um pessoa que dispara uma arma de fogo contra alguém, vindo este a falecer. Na esfera penal o infrator estará sujeito a um processo criminal porque sua conduta incidiu no tipo penal (matar alguém), contrariando a norma que estabelecia como dever legal “não matar”. Será julgado pelo fato imputado, definido como crime no Art. 121 do Código Penal, sujeito às penas cominadas, se for condenado, de reclusão de seis a vinte anos.
Para o direito penal brasileiro, a prática da discriminação e do preconceito por raça, etnia, cor, religião ou procedência nacional consiste em um delito previsto na lei 7.716/89, alterada pela lei 9.459/97. As referidas legislações foram promulgadas em consonância com o Art. 5º, inciso XLI, que estabeleceu, em foro Constitucional, a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
A lei 9.459, de 13.05.1997, corrigiu a Lei 7.716, de 15.01.1989, modificando os arts. 1º e 20º, e revogando o art. 1º da Lei 8.081 e a Lei 8.882, de 03.06.1994. Além de punir, com penas de até cinco anos de reclusão, e multas, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, introduziu no Art.140 do Código Penal o parágrafo terceiro, tipificando a injúria com utilização de elementos relacionados a raça, cor, etnia, religião ou origem, com penas de reclusão de um a três anos, mais multas.
1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
1.1 Os conceitos.
1.1.1 Preconceito
Conforme o dicionário Aurélio, o termo preconceito possui os seguintes significados:
– conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimentos dos fatos; idéia preconcebida.
– julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste – prejuízo;
– superstição, crendice;
– e por extensão: suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões etc.
Fabio Medina Osório e Jairo Gilberto Schafer conceituam dentro do direito positivo que “o preconceito representa uma idéia estática, abstrata, pré-concebida, traduzindo opinião carregada de intolerância. Alicerçada em pontos vedados na legislação repressiva”. (Dos crimes de discriminação e preconceito: anotações à lei 8081/90, p. 329).
Só será possível a punição do agente se houver a exteriorização do preconceito, sendo a mera elaboração intelectiva um indiferente penal.
1.1.2 Discriminação
É um conceito diferente de preconceito e racismo, pois é uma palavra derivada de discriminar, que significa diferenciar, discernir.
Ser discriminado, portanto, não quer dizer algo negativo, pois alguém pode ser diferenciado em um grupo por suas características positivas. Por isso, tem-se adotado a expressão discriminação positiva para explicar as medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, com o objetivo de eliminar as desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento.
A Convenção internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que foi ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968, previu em seu art. I, item 4 (quatro), que : “ não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados seus objetivos”. (LEX federal, v.33, p. 2545-2557, nov./dez.1969.)
Segundo a lei nº7716/89, o elemento discriminação deve ser interpretado como espécie de segregação negativa, dolosa, comissiva ou omissiva, adotada contra alguém por pertencer, real ou supostamente, a uma raça, cor, etnia, religião, contrariando o principio constitucional da isonomia.
1.1.3 Racismo
Definição: doutrina que sustenta a superioridade de certas raças; tese que admite o predomínio de certas raças humanas; teoria que tende a preservar a unidade de raça numa nação.
Maria Luiza Tucci Carneiro define assim o racismo: “muito mais que apenas discriminação ou preconceito racial, é uma doutrina que afirma haver relação entre características raciais e culturais e que algumas raças são, por natureza, superiores a outras. O racismo deforma o sentido científico do conceito de raça, utilizando-o para caracterizar diferenças religiosas, lingüísticas e culturais” (O Racismo na História do Brasil: mito e realidade, p.6).
No Brasil, a classificação das raças é a seguinte: Branca, Negra e Vermelha.
Já as os frutos da miscigenação ente essas raças formam as seguintes: Mameluco (vermelha x branca); Mulato (branca x preta); e Cafuzo (vermelha x preta)
Outros critérios já foram utilizados para classificar a raça de um indivíduo. Um exemplo é que nos EUA, indivíduos já foram classificados como negros ou índios por terem um dezesseis avos de sangue índio ou sangue negro, ou seja, quando um de seus dezesseis ancestrais foi um negro ou índio, pouco importando se fosse um indivíduo com a cútis branca, e cabelos loiros lisos e olhos azuis.
Essas classificações não poderiam pretender delimitar a humanidade em categorias rigorosamente separadas e, em virtude da complexidade da historia humana, é difícil estabelecer o lugar de certos grupos, numa classificação racial, especialmente o de certas populações que ocupam uma posição intermediária.
Com relação à interpretação da expressão raça no direito penal, devem ser levadas em conta as classificações usualmente consagradas, na prática, basear seu entendimento de acordo com a expressão usada pelo agente delitivo, que externa não gostar de tal raça. Cabe ao operador do direito adequar as expressões.
1.1.4 Cor
É um termo empregado para definição da pigmentação epidérmica dos seres humanos, sentindo que deve ser dado efeito de interpretação da lei nº. 7716/89. A expressão cor é até mesmo referida pela ONU, na redação de Convenções. Para o direito positivo e para o senso comum, cor deve ser entendida como tonalidade da pele, não havendo correspondência exata entre as cores, amplamente, e as cores da epiderme.
1.5 Etnia
O Aurélio define a expressão como: “grupo biológico e culturalmente homogêneo, relativo ou pertencente a povo ou raça. A nacionalidade não se confunde com a etnia, mas pode ocorrer em paises onde há homogeneidade cultural, lingüística etc”.
1.2 Análise jurídica do tema
1.2.1 Na Constituição
A Constituição de 1988 afirma que um dos fundamentos de nosso país é a dignidade da pessoa humana ( art.1º, inc. III). No art. 3º observa-se que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O repúdio ao racismo foi erigido como princípio constitucional norteador da República em suas relações internacionais (art. 4º, VIII). O art. 5º inc. XLII afirma que o racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
1.2.2 Histórico Legislativo Brasileiro e Análise da Legislação Correlata
A abolição da escravatura a pouco mais de um século revela que em nosso país, o direito positivo passou a reconhecer a igualdade formal entre os seres humanos em momento recente.
* Ordenações Filipinas de 1603:
Vigoraram de 1603 até vigência do Código Criminal de 1831, apresentavam, em seu livro V as seguintes previsões preconceituosas e xenófobas:
Título XIV – Do infiel que dorme com alguma cristã e do cristão que dorme com infiel – pena de morte a ambos.
Título LXIX – que não entrem no Reino ciganos, armênios, arabios, persas nem moriscos de Granada.
As penas diferiam de acordo com a espécie de invasor.
Título LXX – que os escravos não vivam por si e os negros não façam bailes em Lisboa.
Título XCIV – Dos mouros e judeus, que andam sem sinal.
Mesmo com a Constituição Imperial no Brasil, o escravo continuou não sendo cidadão, nem ser humano, pois era considerado um res, uma coisa, um semovente para fins civis. Até o escravo liberto sofria restrições em sua cidadania, pois não podia votar e nem ser votado.
* Código Criminal do Império
Esse código, de 1831, já equiparava o escravo aos demais homens para efeitos criminais. Caso praticasse algum delito, seria acusado e julgado, mas se figurasse como vítima, poderia ser tido como homem ou como coisa.
* O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
Tal código, de 1890, portanto posterior à promulgação da Lei Áurea, não estabelecia nenhuma punição aos autores de discriminação e enunciava como contravenção penal a pratica da capoeira, com prisão de 2 a 6 meses.
* Código Penal de 1940
O Código Penal em vigor não cuida da discriminação nem do preconceito, apenas prevendo como agravante genérica a hipótese da prática de crime contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida, no art. 61, inciso II, alínea h.
* Lei n. 1390/51 – Lei Afonso Arinos
Realizando uma ruptura com o rol de normas anteriores surge a lei Afonso Arinos, estabelecendo o racismo como infração penal. A iniciativa foi um importante marco histórico da defesa dos discriminados, pois reconheceu oficialmente a existência do racismo no Brasil e possibilitou a punição criminal de algumas formas de exteriorização do preconceito de raça e cor.
* Lei n. 2889/56
Lei que definiu o genocídio da seguinte forma: quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso (…), será punido (…).
* Lei n. 7170/83
Lei de Segurança Nacional, que revogou o decreto-lei n. 314/67, e estabeleceu em seu art. 22: Fazer, em público, propaganda:
II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;
Pena: detenção, de um a quatro anos.
* Decreto-lei n. 1001/69
Em 1969 foi editado o decreto-lei n. 1101, que instituiu o Código Penal Militar, onde foi prevista a prática do genocídio no art. 208, com a seguinte redação: “Matar membros de um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente a uma determinada raça, com o fim de destruição total ou parcial desse grupo. Pena- reclusão, de 15 a 30 anos.
Trata-se de crime próprio.
* Lei n. 6001/73 – Estatuto dos Índios
O Estatuto do índio enumera nos três incisos do seu art. 58 hipóteses de delitos como:
I – escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer moído a sua prática;
II – utilizar o índio ou a comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para fins lucrativos;
III – propiciar, por qualquer meio, aquisição, o uso, e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou ente índios não integrados.
Conforme o art. 3º, I, do Estatuto, índio ou silvícola é todo individuo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional. Pode ser considerado isolado, em vias de integração ou integrado.
No campo penal, assim como no civil, o índio recebeu tratamento discriminatório, não sendo enquadrado como imputável. Hoje, o Estatuto prevê em seu art., 56 que se o condenado em processo criminal for índio, o juiz deve atentar para a atenuação da pena, levando em consideração o grau de integração do silvícola.
* Lei n. 7437/85 – Sexo e Estado civil (a questão do homossexualismo)
Essa lei aumentou a gama das possíveis vítimas. Além do preconceito de raça e de cor, passou-se a prever como infração penal também o preconceito por sexo ou estado civil.
* Lei n. 7853/89
Desconhecida hoje no mundo jurídico, essa lei dispõe sobre as pessoas portadoras de deficiências. Atualmente, o descaso dos operadores do direito com essa lei é preocupante, pois sua ausência de aplicação prova o desconhecimento do texto, o que acaba por não diminuir o preconceito para com os deficientes.
Segundo Luiz Alberto Davis Araújo, pessoa portadora de deficiência é aquela que, por falta ou por excesso sensorial ou motor, deve apresentar dificuldades para seu relacionamento social.
2. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA DA LEI 7.716/89
Art. 1º – Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação e de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Acrescentado pela Lei 9.459, de 13 de maio de 1997.
Doutrina:
O artigo primeiro estabelece que as condutas abaixo descritas são consideradas crimes de discriminação ou de preconceito. Portanto estão proibidas sob pena do infrator estar sujeito a um processo criminal que será movido pelo Ministério Público. O bem jurídico protegido pela lei é o direito ao tratamento igualitário. Neste sentido a lei reforça o dispositivo do Art. 5º ”caput” e regulamenta o inciso XLII.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que impedir ou obstar o acesso ao cargo de alguém por preconceito ou discriminação, nos termos do artigo 1° da Lei.
Sujeito Passivo: Qualquer pessoa considerada habilitada a ocupar o cargo, ou seja, que preencha as características tidas como essenciais em edital do concurso público ou processo seletivo, ou então no rol de requisitos para cargos de livre provimento.
Elementos objetivos e normativos do tipo:
Núcleos: impedir ou obstar
Acesso: entrada ou aproximação
Alguém: ser humano vivo
Devidamente habilitado: que atenda aos requisitos formalmente exigido de todos os pretendentes do cargo.
Cargo: Ocupação, posto de trabalho, função.
Administração direta: é aquela que integra os próprios Poderes que compõem as pessoas jurídicas de direito público com capacidade política.
Administração indireta: defini-se como aquela desenvolvida por autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
Classificação doutrinaria: delito formal ou de consumação antecipada.
Tentativa: o delito admite a forma tentada.
Art. 2º (vetado)
Art. 3º – Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Doutrina:
Impedir é criar obstáculo, proibir, obstruir, estorvar, embaraçar, de qualquer maneira, o acesso de alguém, que esteja habilitado, a qualquer cargo, nas entidades descritas. Obstar é opor-se, causar embaraço. Ambos os verbos são sinônimos. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário entre os postulantes devidamente capacitados a cargos no serviço público.
Art. 4º – Negar ou obstar emprego em empresa privada.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Doutrina:
Basta a negativa ou impedimento para que se materialize o crime. São figuras semelhantes (esta e a hipótese infra) tratadas de forma diversa. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário ao acesso a vagas de trabalho oferecidas pelas empresas da iniciativa privada.
Sujeito Ativo: qualquer pessoa que se coloque na situação de poder interferir na contratação de empregado em empresa privada. Na modalidade de obstar emprego, qualquer pessoa, mesmo sem possuir vinculo com a empresa, que atrapalhe o exercício do empregado.
Sujeito passivo: qualquer pessoa que se candidate a emprego (na modalidade do delito de negar emprego) ou que já seja empregada em empresa privada (na modalidade delitiva d obstar emprego).
Elementos do tipo:
Núcleos: negar ou obstar.
Emprego: ocupação de alguém como decorrência de contrato de trabalho, estabelecendo-se a relação entre empregado e empregador.
Empresa privada: é a pessoa física ou jurídica que exerce atividade em âmbito não-público, de cunho econômico e voltada à produção ou circulação de bens ou serviços.
Qualificação doutrinaria: crime comum e material
Tentativa: não é possível.
Jurisprudência:
Tal norma não deve ser interpretada restritivamente. Conforme o Tribunal de Justiça de São Paulo há o crime mesmo no caso de emprego em condomínio residencial, no qual não se exerce atividade econômica:
“EMENTA: RACISMO – Caracterização – Anúncio de emprego em condomínio denotando preconceito racial – Alegação de que aquele não exerce atividade econômica, não podendo ser incluído na expressão empresa privada da Lei 7.776/89 – Hipótese em que a norma não deve ser interpretada para fins meramente econômicos – Condenação mantida – Recurso não provido. A hermenêutica menos restritiva da Lei 7.776/89 leva à ilação de que em nenhum lugar, sob quaisquer hipóteses, pudesse ter alguém conduta discriminante por raça, cor ou credo, sendo inócuos para a interpretação da norma, conceitos particulares aplicáveis a determinados ramos do Direito, obstando sua salutar aplicação. (Apelação Criminal n. 141.820-3 – Araçatuba – Relator: FRANCO DE GODOY – CCRIM 3 – v.u. – 10.02.95)”.
Art. 5º – Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Permitir o ingresso mas não o atender, servir, ou receber, calcado em preconceito ou discriminação, também caracteriza o crime. Cometerá o crime o preposto, o dono ou o empregado do estabelecimento. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário nos estabelecimentos comerciais.
Sujeito ativo: o comerciante ou comerciário. Também comete o crime o delito o proprietário, sócio, gerente, etc, que determina a seus subordinados a atuação criminosa.
Sujeito passivo: o cliente ou comprador.
Elementos do Tipo:
Núcleos: recusar ou impedir.
Estabelecimento comercial: por imprecisão do legislador, deve ser entendido em seu sentido vulgar, não técnico, ou seja, como loja, local onde se comercia.
Qualificação doutrinária: trata-se de crime próprio e material.
Tentativa: é cabível
Art. 6º – Recusar, negar, ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público de qualquer grau.
Pena: reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo Único – Se o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito) anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).
Doutrina:
Recusar e negar têm o mesmo sentido: opor-se, rejeitar. É bastante a recusa de inscrever ou impedir o ingresso de aluno em estabelecimento de ensino, não importa se público ou privado, nem o grau em questão. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário no acesso aos estabelecimentos de ensino.
Sujeito ativo: qualquer pessoa que se coloque na situação de poder interferir na inscrição ou ingresso ou ingresso de aluno.
Sujeito passivo: qualquer pessoa que se encontre na condição de aluno em estabelecimento de ensino.
Elementos do tipo:
Núcleos: recusar, negar ou impedir.
Inscrição: é o ato pelo qual o pretendente a uma vaga na escola formaliza sua intenção.
Ingresso: admissão, ação de entrar. Possui tanto o significado de ter aceita a inscrição, a matrícula, quanto o de adentrar corporalmente nas dependências do estabelecimento de ensino.
Art. 7º – Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
Pena: reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.
Doutrina:
Hotel, estalagem, pensão ou qualquer estabelecimento similar: quando impedido o acesso ou negada a hospedagem. Não importa onde estejam localizados esses estabelecimentos. O simples obstáculo ou a oposição à hospedagem é indicativo do crime. Permitir o ingresso, mas recusar hospedagem configurará o crime, porque de nada adiantará o ingresso nesses locais se houver recusa em hospedar a pessoa. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário no acesso aos serviços acima mencionados.
Sujeito ativo: quanto ao núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito. No que tange a recusar a hospedagem, o proprietário, sócio, gerente ou empregado do estabelecimento,
Sujeito passivo: qualquer pessoa que pretenda ingressar ou hospedar-se em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento similar.
Núcleos: impedir o acesso ou recusar hospedagem.
Hospedagem: dar abrigo, dormida, pousada.
Qualificação doutrinária: quanto ao núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito, motivo pelo qual o crime é comum. No que tange a recusar hospedagem, somente o proprietário, sócio, gerente, empregado do estabelecimento ou pessoa que ali preste serviço podem praticá-lo, motivo pelo qual é crime próprio.
O crime é material nas duas formas previstas na norma penal incriminadora.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito quando se impede o acesso ou recusa-se hospedagem a alguém nos locais previstos em lei.
Não é possível a tentativa na modalidade de recusar a hospedagem, mas é cabível no caso de impedir o acesso ao saguão de hotel, pro exemplo.
Art. 8º – Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes, abertos ao público.
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Trata-se de tipo penal bastante parecido com o previsto no art. 7° e de idêntica formulação aos tipos previsto nos arts. 9° e 10° da Lei em estudo (n. 7.716/89), havendo modificação apenas na enumeração dos estabelecimentos, revelando existência de excessiva e desnecessária repetição.
Sujeito ativo: quanto ao núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito. No que tange recusar atendimento, o proprietário, sócio, gerente ou empregado do estabelecimento.
Sujeito passivo: qualquer pessoa que pretenda ingressar ou ser atendida em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público.
Núcleos: impedir o acesso ou recusar o atendimento.
Acesso: entrada ou aproximação.
Atendimento: entende-se pela expressão a mais ampla disponibilização dos serviços e bens colocados pelo estabelecimento ao alcance dos clientes ou fregueses, de modo que nada que seja servido ou colocado às ordens de um ou alguns possa ser recusado a outros, por discriminação ou preconceito.
Qualificação doutrinária: quanto ao núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito, motivo pelo qual o crime é comum. No que tange recusar o atendimento, somente o comerciante ou o comerciário pode praticá-lo, motivo pelo qual é crime próprio.
O crime é material na modalidade de impedir o acesso, sendo exigido o resultado naturalístico para a consumação do delito. Quanto a recusar atendimento, contudo, trata-se de crime formal, de consumação antecipada.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito quando se impede o acesso ou recusa-se o atendimento a alguém nos locais previstos em lei.
Não é possível a tentativa na modalidade de recusar o atendimento, mas é cabível no caso de impedir o acesso ao inteiro do estabelecimento ou a alguma de suas dependências, como o banheiro, por exemplo.
Art. 9º – Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Sujeito ativo: quanto ao núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito. No que tange recusar atendimento, o proprietário, sócio, gerente ou empregado do estabelecimento.
Sujeito passivo: qualquer pessoa que pretenda ingressar ou ser atendida em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.
Deixar-se-ão de analisar os tópicos já verificados em artigos anteriores.
Aqui se exige para a caracterização do delito que o acesso ao local não seja restrito a associados. Não obstante, caracterizará crime a recusa de ingresso aos quadros associativos ou listas de acesso de qualquer pessoa por discriminação ou preconceito, já que admite dupla acepção, entrada nas dependências físicas ou admissão no quadro associativo.
Questão prática que merece a atenção de todos é o sistema de restrição de acesso que algumas casas noturnas dos grandes centros urbanos do país têm imposto a freqüentadores. Porteiros ou encarregados são previamente orientados a somente permitir a entrada de pessoas que atendam a critérios vagos e imprecisos, supostamente de beleza ou adequação ao vestuário.
Quanto à adequação de vestuário, há a necessidade de exposição de critérios objetivos, devidamente expostos, que permitam aos interessados o cumprimento das regras.
Qualificação doutrinária: quanto a núcleo impedir, qualquer pessoa pode praticar o delito, motivo pelo qual o crime é comum. No que tange a recusar atendimento, somente o comerciante ou comerciário podem praticá-lo, motivo pelo qual é crime próprio.
O crime é material na modalidade de impedir o acesso, sendo exigido o resultado naturalístico para a consumação do delito. Quanto a recusar atendimento, contudo, trata-se de crime formal, de consumação antecipada.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito quando se impede o acesso ou recusa-se o atendimento a alguém nos locais previstos em lei.
Não é possível a tentativa na modalidade de recusar o atendimento, mas é cabível no caso de impedir o acesso ao interior do estabelecimento ou alguma de suas dependências, por exemplo.
Jurisprudência:
Conforme o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a cor da vítima deve ser a causa para o impedimento do ingresso em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público, nos casos de preconceito de cor:
“EMENTA: RACISMO ¿ ART. 9O, LEI N. 7.716/89. ABSOLVIÇÃO. PROVA INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE A COR DA VÍTIMA TENHA IMPEDIDO SEU INGRESSO NO RECINTO SOCIAL, HAVENDO REFERÊNCIA DE QUE OUTRAS PESSOAS DA MESMA COR ALI SE ENCONTRAVAM (Processo n. 70006208839, de Encruzilhada do Sul – RS, rel. Des. Oliveira, j. 03.09.03)”.
Art. 10º – Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, bares, termas ou casas de massagem ou estabelecimentos com as mesmas finalidades:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Qualificação doutrinaria: quanto a núcleo impedir, qualquer pessoas pode praticar o delito, motivo pelo qual o crime é comum. No que tange a recusar atendimento, somente o comerciante ou comerciário podem praticá-lo, motivo pelo qual é crime próprio.
O crime é material nas modalidades de impedir o acesso, sendo exigido o resultado naturalístico para a consumação do delito. Quanto a recusar atendimento, contudo, trata-se de crime formal, de consumação antecipada.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito quando se impede o acesso ou recusa-se o atendimento a alguém nos locais previstos em lei.
Não é possível a tentativa na modalidade de recusar o atendimento, mas é cabível no caso de impedir o acesso ao interior do estabelecimento ou alguma de suas dependências, por exemplo.
Art. 11º – Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Consuma-se o crime ao se impedir qualquer pessoa de ter acesso a esses locais, determinando-lhe uma entrada específica e causando-lhe constrangimento e vergonha. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário no acesso às entradas sociais em edifícios públicos e privados.
Trata-se de delito praticado largamente em nosso país, embora as estatísticas revelem poucos casos registrados, revelando que a falta de conhecimento dos ofendidos e o desconhecimento, até, de que a conduta caracteriza crime.
Qualificação doutrinária: é crime comum, pois qualquer pessoa pode praticá-lo, tanto funcionário ou empregado do edifício como o usuário de elevador ou transeunte.
O delito também é classificado como material.
Consumação e tentativa: consuma-se a infração quando se dá o impedimento ao acesso. Admite-se a tentativa.
Art. 12º – Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios, barcos, ônibus, trens, metrô, ou qualquer outro meio de transporte concedido:
Pena: reclusão de 1(um) a 3 (três) anos.
Doutrina:
Incide também o tipo penal em restrições ao acesso ou uso de helicóptero, táxi aéreo, charrete, táxi, motocicleta-táxi. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário no acesso aos meios de transportes.
Sujeito ativo: qualquer pessoa.
Sujeito passivo: qualquer pessoa.
Uso: utilização dos serviços de transporte. Quando se fala em impedir o acesso, significa atrapalhar a entrada no tem, metro, etc. Quando se prevê impedir o uso, diz respeito a estorvar o inicio ou o prosseguimento da viajem de quem já teve acesso ao meio de transporte.
Transportes públicos: o termo “como” indica que o rol previsto no artigo é exemplificativo, de tal sorte que o transporte pertença ao poder público.
Qualificação doutrinária: é crime comum, pois qualquer pessoa pode praticá-lo, e material, por ser necessário o resultado naturalístico à sua consumação.
Consumação e tentativa: consuma-se a infração quando se dá o impedimento ao acesso ou ao uso. Admiti-se tentativa.
Art. 13º – Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Doutrina:
As forças Armadas constituem-se da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. As polícias militares e os corpos de bombeiros, como forças auxiliares e reserva do Exército, não escapam a essa norma, assim como, também é crime obstar ou impedir o acesso ao serviço dessas corporações. O dispositivo visa proteger o tratamento igualitário dos postulantes, devidamente capacitados, no acesso ao serviço das Forças Armadas.
Sujeito ativo: qualquer pessoa que impedir ou obstar o acesso ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Sujeito passivo: qualquer pessoa que atenda aos requisitos para realizar serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Acesso: entrada ou aproximação.
Serviço: por impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas entende-se qualquer conduta que dificulte, atrapalhe ou de fato impeça alguém de exercer funções civis ou militares nas Forças Armadas.
As Forças Armadas são o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Fazem parte delas as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal, embora sejam forças auxiliares e reserva do Exercito.
Classificação doutrinária: trata-se de delito formal ou de consumação antecipada, por bastar ao agente atrapalhar ou dificultar o acesso ao serviço. Assim é possível a caracterização da infração mesmo quando a vítima, ao final, vencido as injustas barreiras, ter conseguido prestar o serviço militar.
Trata-se de crime comum, já que não se exige nenhuma qualificação pessoal do sujeito ativo, ou seja, qualquer pessoa pode praticá-lo.
Tentativa e momento consumativo: consuma-se o crime com a pratica de atos que causem óbice ao acesso ao serviço. O delito admite a forma tentada.
Art. 14º – Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar ou social:
Pena: reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Doutrina:
Meio é o recurso empregado para atingir um objetivo. Forma é a maneira, o jeito, o modo. O dispositivo visa proteger o convívio familiar e social e a liberdade para contrair núpcias entre os indivíduos.
Sujeito ativo: embora normalmente os pais acabem tendo maior influência para cometer o delito quanto a seus filhos, qualquer pessoa pode praticá-lo.
Sujeito passivo: qualquer pessoa.
Por qualquer meio ou forma: elementos inseridos na norma para evitar qualquer duvida sobre as possibilidades de cometimento do delito.
Casamento: em nosso país laico, o ordenamento jurídico entende como tal Apenas “(…) o vínculo entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisopsíquica e a constituição de uma família legitima”.
Refere-se apenas ao casamento previsto no direito positivo (casamento civil) e também ao casamento religioso realizado com efeitos civis.
Convivência familiar: tem significado de união estável gravada apenas pela cerimônia religiosa.
Convivência social: expressão e alcance mais amplo, significa qualquer forma de contato mais próximo, fora do âmbito familiar.
Qualificação doutrinária: trata-se de crime comum e material.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito quando se dá o impedimento ou se opõem óbices ao casamento ou convivência familiar ou social.
Art. 15º (vetado)
Art. 16º – Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior 3 (três) meses.
Doutrina:
Conforme determina o Art. 16 da lei nº. 7.716/89, faz parte da condenação para os crimes configurados nesta lei a perda do cargo ou função pública, se o autor possuía esse status público, e o fechamento de estabelecimento comercial onde se deu a ocorrência do injusto culpável “por prazo não superior a três meses”.
Este dispositivo expande os efeitos das condenações chamadas tradicionais (multa, penas restritivas de liberdade e/ou direito), lembrando que na jurisprudência se entende que no caso de estabelecimento privado comercial é necessário ter sido cometido o crime de preconceito por parte dos proprietários ou por anuência dos mesmos, se, por exemplo, tratar-se de um funcionário, não poderá o juiz determinar o cumprimento do disposto no art. 16, ressalta-se que esse artigo não é aplicável ao disposto no art. 20 da mesma lei.
Também tratando sobre os efeitos da condenação, observando o art. 20, § 2º, que “após o trânsito julgado, todo material apreendido deve ser destruído”. Essa norma é aplicável pelos tribunais apenas nos casos onde os bens a serem destruídos tratam-se de panfletos, impressos, e outros materiais semelhantes. Há casos onde as apreensões encontram materiais eletrônicos, computadores, aparelhos de rádio, etc., neste caso a justiça retira destes equipamentos o que lembra a propagação do preconceito e os torna utilizáveis pelo setor público.
Art. 17º (vetado)
Art. 18º – Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Art. 19º (vetado)
Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Acrescentado pela Lei 9.459, de 13 de maio de 1997).
Pena: reclusão de um a três anos e multa
Doutrina:
Praticar o crime é realizá-lo com esforço próprio. O próprio agente o comete. Induzir é persuadir, aconselhar, argumentar. Pressupõe a iniciativa à prática, que pode ocorrer por qualquer meio. Incitar é instigar, provocar a prática do crime, por qualquer meio ou de qualquer forma, sem necessidade de que isso aconteça através de meios de comunicação social ou publicação. O dispositivo penal visa proteger o tratamento igualitário que todos os cidadãos possuem como direito subjetivo independente de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
Jurisprudência:
Não há que se falar em crime de racismo previsto na Lei nº 7.716/89 quando a suposta ofensa se dirige contra o agente considerado individualmente, hipótese em que se configura a infração penal prevista no art. 140, § 3º do Código Penal Brasileiro. Extrai-se de alguns acórdãos, a exemplo de um do Tribunal de Justiça do Pará, esse entendimento:
“EMENTA: PROCEDIMENTO CRIMINAL – IMPUTAÇÃO A MAGISTRADO DE CRIME DE RACISMO – DESCABIMENTO – FATOS NARRADOS DA PEÇA INICIAL QUE NÃO CARACTERIZAM CRIME PREVISTO NA LEI Nº 7.716/89 – OCORRÊNCIA EM TESE DE CRIME DE INJÚRIA – ART. 140 § 3º DO CPB CUJA AÇÃO PENAL É DE INICIATIVA PRIVADA […]” (AC n. 55138, de Abaetuba – PA, rel. Des. Nunes, j. 09.12.04).
Vale lembrar que, para a configuração de um dos núcleos do tipo em questão, há a necessidade que o agente tenha vontade consciente dirigida no sentido de estimular a discriminação ou preconceito racial, exige o dolo direto ou mesmo o eventual. Confirmando essa idéia temos um acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“EMENTA: CRIME DE RACISMO – LEI 7.716/89 – COLUNISTA DE JORNAL – CONDENAÇÃO MONOCRÁTICA – PRELIMINAR DE NULIDADE – INDEFERIMENTO DE PERGUNTAS NO JUÍZO DEPRECADO – REJEITADA – POLITICAMENTE CORRETO – TEXTO HUMORÍSTICO – DOLO INEXISTENTE – ABSOLVIÇÃO – RECURSO PROVIDO” (Processo n. 1.0000.00.229590-5/000(1), de Belo Horizonte – MG, rel. Des. Santiago, j. 28.05.02).
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar que seja ouvido o Ministério Público, ou que, a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II – a cassação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito de condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
Doutrina:
Percebe-se nitidamente que se trata de um tipo com maior abrangência, criado para aumentar o alcance da Lei n. 7.716/89, ante a dificuldade pratica de enquadramento das condutas nos tipos anteriormente existentes.
Não caracteriza o tipo penal aberto, contudo, como já se afirmou, em se adotando o entendimento esposado por Julio Fabbrini Mirabete, para o qual, nessa espécie de tipo “transfere-se (…) ao intérprete a tarefa de tipificar cada conduta com fundamento em doutrina e jurisprudência, valendo-se, para tanto, de elementos não integrantes expressamente do tipo”.
Sujeito ativo: qualquer pessoa
Sujeito passivo: qualquer pessoa
Praticar: configura a figura típica qualquer ato caracterizador de preconceito ou discriminação penalmente puníveis.
Induzir: tomou-se como correto na doutrina e na jurisprudência nacionais, que induzir é fazer penetrar na mente de alguém idéia ainda não refletida.
Incitar: incutir na mente alheia idéia que lá já existia.
Classificação doutrinaria: crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, por possuir três núcleos to tipo; crime subsidiário implícito, aplicável quando não possível o enquadramento de conduta preconceituosa ou discriminatória nos tipos previstos nos arts. 3° a 14 e 20, 2° da Lei n. 7.716/89.
O delito é formal, não se exigindo a produção de resultado naturalístico para se consumar.
Consumação e tentativa: consuma-se o delito no momento em que se pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito nas hipóteses legais.
A tentativa é teoricamente possível: através da forma escrita quando está não chega atingir vítima.
Art. 20, §2° – Se qualquer dos crimes previsto no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.
Decorre da hipótese de presunção de que por tais meios o dano social seria maior, face ao presumível aumento do número de pessoas que por eles teriam conhecimento das condutas preconceituosas ou discriminatórias.
Quanto ao termo publicação de qualquer natureza, significa material informativo, com circulação aberta ao público, comercial ou não. Trata-se de matéria escrita, ilustrada, falada, impressa ou não, tendo em vista a expressão utilizada, destinada a servir de suporte para verbos do tipo incriminador.
Jurisprudência:
Nos casos do §2º deste artigo, presume-se que por tais meios o dano seja maior, como julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
“EMENTA – RACISMO – Caracterização – Discriminação e incitação contra a raça negra em meio radiofônico – Comentário que, dirigido a um número muito grande de ouvintes, produz seus efeitos deletérios ou, pelo menos, reunia potencial suficiente e era meio idôneo para tanto – Hipótese de delito formal, sem resultado – Recurso não provido. (Apelação Criminal n. 153.122-3 – São Carlos – 5ª Câmara Criminal de Férias – Relator: Celso Limongi – 30.08.95 – V.U.)”.
3. DISTINÇÃO: RACISMO x INJÚRIA POR PRECONCEITO
3.1 Código Penal
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro:
Pena: detenção, de 1 (um) a 6(seis) meses, ou multa.
§ 3º Se a injúria consiste da utilização de elementos relacionados à raça, cor, etnia, religião ou origem:
Pena: reclusão, de 1( um )a 3 ( três) anos e multa.
Comentário: De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de “negro”, “preto”, “pretão”, “negão”, “turco”, “africano”, “judeu”, “baiano”, “japa”, etc. desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de 1 (um) ano de reclusão, além de multa.
3.2 Da Prática da Discriminação e do preconceito com Ato Ilícito
Na esfera civil, a responsabilidade se define pelo dever de reparar os interesses privados, não importando tenha o ato praticado infringido disposição penal. A responsabilidade civil, de forma simples, pode ser definida como sendo a obrigação de reparar o dano causado a outrem. O dever de reparação tem fundamento na culpa ou no risco decorrente do ato ilícito do agente. O fundamento está na razão da obrigação de recompor o patrimônio diminuído com a lesão ao direito subjetivo.
O réu pode ser civilmente obrigado à indenização do dano, e o fator gerador do prejuízo poderá não ser considerado uma conduta definida como crime. Isso quer dizer que pode um réu ser absolvido no juízo criminal, pela prática de um fato inicialmente considerado delituoso, e ser obrigado a indenizar à vítima, ao seu representante legal ou aos seus herdeiros, ou, ainda, reparar o dano provocado, perante o juízo cível.
Vejamos algumas hipóteses em que em caso de absolvição a vítima ainda poderá ingressar com Ação Cível de indenização:
I ? Absolvição criminal pela ausência de prova sobre a existência do fato. Dá?se quando não é reconhecida categoricamente a inexistência do fato material, nem que o fato existiu, por força da dubitoriedade da prova, dando ensejo à aplicação do princípio “in dubio pro reu”. Na área cível poderá ser provada a existência do fato, pois, para tanto não haverá impedimento ao exercício da ação de reparação do dano originário da conduta do agente.
II ? Absolvição criminal por não constituir o fato infração penal. Trata?se de caso atípico narrado na denúncia. Uma vez absolvido o réu poderá ingressar com ação cível e demonstrar que ainda que não tenha sido um ilícito penal, pode constituir ilícito civil.
III – Absolvição criminal por não existir prova de ter o réu concorrido para a prática da infração penal. Se nos autos do processo não tiver prova suficiente da participação do acusado na prática criminosa, o mesmo poderá ser absolvido. No entanto, se o ofendido obtiver prova poderá ingressar com a ação cível.
IV ? Absolvição criminal por não existir prova suficiente para condenação. Ocorre quando nos autos do processo não tenha prova suficiente para convencer o julgador da veracidade do conjunto dos elementos para comprovação de um crime. Contudo, nada obstará o direito do exercício da ação de reparação.
O ato ilícito pode ser entendido como todo ato que venha a produzir lesão a um bem jurídico. Logo, o ato ilícito pressupõe uma lesão de direitos personalíssimos ou reais, ou a violação de preceitos legais de interesses privados. A ação ou a omissão envolvendo infração de um dever legal, contratual ou social, pode constituir ato ilícito.
Dano quer dizer, de forma genérica, ofensa, mal. Na esfera jurídica a concepção é mais ampla, pois corresponde ao prejuízo originário de ato de terceiro que cause diminuição no patrimônio juridicamente tutelado. O sentido normal de dano está sempre ligado à idéia de prejuízo ou perda, caracterizando a diminuição do patrimônio atingido. O dano pode ser considerado como:
a) Patrimonial, quando ocorre prejuízo ao patrimônio. Corresponde ao dano material, porque refere-se à perda ou ao prejuízo praticado diretamente a um bem patrimonial diminuindo o valor, anulando ou não a utilidade dele.
b) Moral, quando são alcançados os bens de ordem moral, tais como: direito à honra, à família, à liberdade, ao trabalho. Existem duas modalidades de danos morais a saber: o dano moral com reflexo violador que cause perdas no patrimônio material e o dano moral que cause lesões ao patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, compreendendo tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico: a dor moral, a ofensa à dignidade, etc… Na prática, torna-se difícil estabelecer a quantia em dinheiro que corresponda à extensão do dano moral experimentado pela vítima. Recomenda-se que o valor a ser estabelecido leve em consideração a extensão do dano moral experimentado pela vítima. Neste sentido, temos entendido que o dano causado por discriminação e preconceito, com base na raça, cor ou etnia extrapolam a competência dos juizados Especiais Cíveis que fixam em 40 salários mínimos o valor da ação a ser apreciada.
a) fundamento legal para reparação de danos morais e materiais
3.3 Código Civil
Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1537 a 1553.
Comentários: A prática da discriminação constitui-se, em matéria civil, um ato ilícito praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano à vítima criando o dever de repará-lo. No momento em que se verifica a ocorrência dos fatos discriminatórios surge o direito da vítima propor uma ação de ressarcimento dos danos que podem ser patrimoniais ou morais. Teremos a hipótese de danos morais, em strict senso, danos morais com reflexo patrimonial e danos patrimoniais.
3.4 Caso Grafite
A PRISAO DO JOGADOR ARGENTINO LEANDRO DESÁBATO POR RACISMO IMPRÓPRIO E A REPERCUSSAO MUNDIAL
O zagueiro argentino Desábato, do Quilmes, foi recolhido a Cadeia Pública do 34° Distrito Policial de São Paulo, no bairro do Morumbi. Ele ofendeu o atacante Grafite no jogo da noite de quarta-feira, dia 14/4/2005, pela Taça Libertadores, vencido pelo São Paulo por 3 a 1.
O argentino teria usado palavreado racista com o atleta do São Paulo. Irritado com o xingamento, Grafite empurrou o rosto do adversário e acabou expulso de campo. Com o fim da disputa, o delegado Osvaldo Gonçalves deu voz de prisão ao argentino ainda no gramado.
– Ele se mostrou arrependido, mas, como o Grafite se sentiu ofendido, o necessário para que seja considerado racismo, ele continua preso – explicou o delegado Gomes Neto em entrevista a Rede Globo.
Desábato teve amostras das impressões digitais recolhidas e continuará na cadeia até que um juiz decida o caso. O zagueiro argentino está incurso no parágrafo 3 do artigo 140 do Código Penal (injúria qualificada), que tem pena prevista de um a três anos de reclusão, com a possibilidade de pagamento de fiança.
– Ele vai ficar preso e o flagrante foi encaminhado ao Judiciário, onde o juiz decidirá seu destino – completou o delegado.
Na partida disputada na Argentina contra o Quilmes, Grafite já havia reclamado de ter sido alvo de comentários racistas.
Desde o momento de sua expulsão, aos 45 minutos do primeiro tempo do duelo com o Quilmes (ARG), o atacante são-paulino Grafite tornou-se uma das pessoas mais comentadas no mundo. Em virtude da discriminação que sofreu do zagueiro argentino Leandro Desábato, do clube rival, a polemica ganhou destaque.
Logo após sua expulsão, chateado com a atitude do adversário, o jogador decidiu ir atrás de seus direitos como cidadão. Conversou com membros da diretoria tricolor e denunciou o jogador argentino, preso no vestiário do Morumbi.
A atitude, inédita até então, fez com que o atacante ficasse no 34o Distrito Policial, na Vila Sônia, Zona Sul de São Paulo, até quase as 6h da manha prestando um longo depoimento. Calado, o são-paulino deixou a delegacia e só pronunciou-se após o treino de quinta-feira a tarde, no Centro de Treinamento do clube, no bairro da Barra Funda. O argentino, por sua vez, ficou detido.
De cabeça fria, Grafite falou sobre sua experiência. Disse que não se arrepende da sua atitude, mas contou que, se Desábato pedisse desculpas, ele aceitaria.
– Não vou retirar a “queixa”(leia-se, notitia criminis em ação penal privada) de jeito nenhum, mas aceitaria as desculpas. Já havia acontecido isso no jogo entre nós na Argentina, mas achei que era uma situação de jogo. Ele (Desábato) saiu do país dele e não poderia me desrespeitar dentro da minha casa – desabafou Grafite.
Cansado, o jogador acordou quinta-feira às 14h30min. Foi para o CCT e fez um treino junto com os jogadores que não entraram em campo na quarta-feira. Grafite havia passado recentemente um drama ao ver sua mãe seqüestrada (extorsão mediante seqüestro) e agora com mais uma situação lamentável.
Porém, o juiz Marcos Zilli concedeu no início da noite de quinta-feira (dia 14/4/05) liberdade provisória com fiança ao jogador argentino Leandro Desábato, acusado pelo são-paulino Grafite de ofensas racistas, mediante pagamento de fiança no valor de R$ 10 mil.
O juiz poderia conceder liberdade provisória sem fiança do artigo 310, parágrafo único do CPP, porém, neste caso, o argentino ficaria mais dias preso, pois nesta o Ministério Público teria que ser ouvido antes, enquanto que na fiança o juiz a decreta e o MP é ouvido depois.
No entanto Desábato somente foi libertado na sexta-feira (dia 15/4/05), pois ainda não foi feito o pagamento da fiança. Com isso, ele deverá passar a noite no 13o DP (Casa Verde), onde foi transferido a tarde.
Relembrando, Desábato foi detido na madrugada de quinta pelo delegado Osvaldo Nico Gonçalves, do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), nos vestiários do Morumbi, após jogo entre seu time, o Quilmes, e o São Paulo, pela Taça Libertadores.
Ele foi enquadrado por crime de injúria qualificada com agravante de racismo, que tem pena prevista de um a três anos de reclusão e pode lhe ser oferecido o benefício da suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9099/95), no caso de queixa-crime pelo jogador Grafite, por seu advogado.
De acordo com Zilli, Desábato terá que comparecer no primeiro dia útil, após a concessão da liberdade provisória, para assinar um termo de compromisso que indica que ele terá que estar presente a todos os atos do inquérito policial e de uma eventual ação penal.
Fonte: info.reuters@reuters.com
3.5 Racismo ou injúria racial?
A Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Já a Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, alterou o art. 140 do Código Penal, que trata do crime de injúria.
Conforme leciona Damásio de Jesus: “O art. 2º da Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se cometida mediante ‘utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem’. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado somente injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Por isso o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça, cor, etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa” (Código Penal anotado, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, p. 437).
Nessa mesma linha argumentativa salienta Celso Delmanto que “comete o crime do art. 140, § 3º, do CP, e não o delito do art. 20 da Lei nº. 7.716/89, o agente que utiliza palavras depreciativas referentes a raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da vítima” (Celso Delmanto e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305).
Não se desconhece, ainda, a posição daqueles que defendem que é impossível falar em crime de preconceito de raça quando na essência todos os homens (e mulheres) são componentes de uma única raça: a raça humana. Segundo os defensores de tal doutrina, tal fato impediria a distinção que se faz na lei a respeito de raças, e não havendo raças (no plural), a unidade racial seria óbice intransponível à pretensa distinção e conseqüente discriminação ensejadora da tipificação penal.
A verdade, porém, é que para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência e na doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo.
3.6 Caso Siegfried Ellwanger
Ementa – CRIMINAL. HABEAS CORPUS. PRÁTICA DE RACISMO. EDIÇÃO E VENDA DE LIVROS FAZENDO APOLOGIA DE IDÉIAS PRECONCEITUOSAS E DISCRIMINATÓRIAS. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO. CONSIDERAÇÕES ACERCA DE SE TRATAR DE PRÁTICA DE RACISMO, OU NÃO. ARGUMENTO DE QUE OS JUDEUS NÃO SERIAM RAÇA. SENTIDO DO TERMO E DAS AFIRMAÇÕES FEITAS NO ACÓRDÃO. IMPROPRIEDADE DO WRIT. LEGALIDADE DA CONDENAÇÃO POR CRIME CONTRA A COMUNIDADE JUDAICA. RACISMO QUE NÃO PODE SER ABSTRAÍDO. PRÁTICA, INCITAÇÃO E INDUZIMENTO QUE NÃO DEVEM SER DIFERENCIADOS PARA FINS DE CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE RACISMO. CRIME FORMAL. IMPRESCRITIBILIDADE QUE NÃO PODE SER AFASTADA. ORDEM DENEGADA.
O Superior Tribunal de Justiça julgou a incitação ao preconceito ou à discriminação de raça uma prática racista e manteve a condenação do editor de livros Siegfried Ellwanger por editar e vendar obras com mensagens anti-semitas. No STJ, trata-se de uma interpretação inédita ao artigo 20 da Lei 7.716 – “praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça”. Pela Constituição, o racismo é crime imprescritível e inafiançável.
Condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a dois anos de reclusão, com sursis (suspensão condicional da pena) pelo prazo de quatro anos, o editor de livros entrou com habeas-corpus no STJ para que fosse retirada da condenação a acusação de racismo. Assim, ele estaria em condições de requerer a extinção da pena. Ao réu foi imposta a pena de dois anos prevista no artigo 20 da Lei 7.716, com nova redação da Lei 8.081, pela “edição e venda de livros fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias”.
A defesa sustentou que Ellwanger não poderia ser condenado pela prática do racismo, pois o “incitamento contra o judaísmo”, do qual foi acusado, não teria conotação racial. “Entretanto, penso que deve ser ressaltado que a condenação do paciente se deu por delito contra a comunidade judaica, não se podendo abstrair o racismo de tal comportamento”, disse o relator do habeas-corpus, ministro Gilson Dipp, no voto adotado pela maioria do colegiado da Quinta turma. A decisão do TJ, segundo ele, “foi suficientemente clara e motivada nesse sentido, sendo descabida a pretendida reavaliação de seus fundamentos”.
Para sustentar a alegação de que o réu não cometeu crime de racismo, os advogados do editor sustentaram que “judeu não é raça, mas povo”. A tese é reforçada com citação de um trecho da declaração da Unesco sobre as diferenças raciais: “Os muçulmanos, os judeus não formam uma raça, assim como os católicos ou os protestantes…”. Segundo eles, a definição de judeu como raça “encontra sempre o veemente repúdio de toda a comunidade judaica, tanto pelos antropólogos judeus, pelos rabinos e pela sua intelectualidade”.
“Entendo que não há que se fazer diferenciação entre as figuras da prática, da incitação ou do induzimento, para fins de configuração do racismo, eis que todo aquele que pratica uma destas três condutas discriminatórias ou preconceituosas, é autor do delito de racismo, inserindo-se, em princípio, no âmbito da tipicidade direta”, afirmou Dipp. Tais condutas, segundo ele, “caracterizam um crime formal, de mera conduta, não se exigindo a realização do resultado material para a sua configuração, bastando, para tanto, a concretização do comportamento típico, como descrito na legislação, com a intenção de sua realização”.
Decisão do STF
Com base na decisão do STF extrai-se um novo conceito jurídico de racismo no Brasil, da qual se faz a seguinte classificação:
RACISMO PRÓPRIO |
RACISMO IMPRÓPRIO |
Conceito político-social e não biológico ou religioso |
Conceito político-social e não biológico ou religioso |
Importa numa segregação de Direitos
|
Importa numa qualificação negativa, um adjetivo negativo
|
Lei Afonso Arinos revogada pela Lei 7.716/89(artigo 20) e modificada pela Lei 9459/97 |
Lei 9459/97 que criou o tipo de injúria qualificada do artigo 140, §3o do CP. |
Conseqüências jurídicas: O crime é inafiançável (embora caiba Liberdade Provisória sem fiança do artigo 310, parágrafo único do CPP, eis que a CF/88 não falou no gênero e sim na espécie) O crime é imprescritível (artigo 5o, XLII da CF/88) |
Conseqüências jurídicas:
O crime é afiançável
|
Precente no STF:
HC do escritor anti-semita (HC 82424)
|
Exemplo polêmico recente:
Prisão do jogador argentino Leandro Desábato por ofender o jogador Grafite do SP – abril de 2005. |
4. IMPRESCRITIBILIDADE E INAFIANÇABILIDADE
4.1 Imprescritibilidade
Na Constituição Federal consta no rol de crimes imprescritíveis o racismo (art. 5º, inciso XLII). Imprescritível significa que o crime não prescreve, que o agente pode ser denunciado e conseqüentemente julgado até a sua morte.
Esta matéria ainda traz muita polêmica, já que a maioria dos juízes brasileiros não acredita na existência desta característica em nenhum caso penal. Muitos alegam ser esse dispositivo constitucional ser “inconstitucional”. Como é meio irracional considerar essa hipótese, o próprio STF já determinou que tal norma é aplicável, não cabendo prescrição do delito.
Nos últimos anos essa característica especial ganhou força no cenário internacional, principalmente nos países que adotam o sistema da common law, países na maioria colonizados pela Inglaterra, e também nos tratados internacionais, protegendo as vítimas de genocídio, racismo e outros crimes contra a prescrição dos delitos.
Observação importante deve ser feita no fato de que a imprescritibilidade só é válida para os crimes de discriminação de raça, cor e etnia. Os injustos culpáveis referentes a origem nacional, religião e o de injúria qualificada continuam prescritíveis.
4.2 Inafiançabilidade
De início é preciso quebrar um mito corrente na sociedade, “inafiançável” não significa dizer que o agente deve ficar preso durante o processo.
O acusado de crime preso em flagrante pode receber liberdade por três motivos principais relatados no Código de Processo Penal e no Código Penal, uma dessas possibilidades é o pagamento de fiança. O crime de preconceito é inafiançável, isto é, o acusado não pode receber liberdade provisória através do pagamento de fiança, mas pode ser solto se cumprir providência cautelar determinada no art. 310 do Código Penal ou no art. 321 do Código de Processo Penal. Não esquecendo da possibilidade de prisão domiciliar, comparecimento noturno a delegacia e outras possibilidades.
5. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
É corrente alguém acusado de cometer crime de preconceito alegar liberdade de expressão. Por certo este é um princípio constitucional, mas da mesma forma o é a igualdade e a dignidade humana. Como ensina Robert Alexy em “Teoria dos Direitos Fundamentais”, os princípios se chocam e em alguns casos um é renegado por ser, naquela situação, menos valioso que o outro. É o que se vê nessa situação, o direito de se expressar não é superior a tudo, principalmente a dignidade do outro, não pode ele assim ferir a todos sem medir conseqüências. Vê-se, então, que a liberdade de expressão alcança seu limite quando passa a propagar determinada conduta ilícita como correta. O art. 20 da lei 7.716/89 é o que melhor define os casos onde a imprensa pode provocar preconceitos.
6. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
No âmbito internacional, desde 1945 foram ratificados vários acordos que estimulam o fim do preconceito e do racismo, estes tratados lançaram os princípios que, posteriormente, foram usados pelos países para coibir tal conduta entre os seus cidadãos. Destes tratados se destacam os da Organização das Nações Unidas, principalmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outro tratado importante foi a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil em 1968, esta Convenção tratada mais especificamente do combate ao nazismo, mas serviu de modelo para a construção de uma sociedade sem discriminações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É patente a importância de uma legislação específica que combata o crime de racismo no nosso país. A plataforma do regime nazista era a suposta noção da existência de uma raça superior que deveria dominar outras raças inferiores e até mesmo extinguir a raça judaica do mundo. A humanidade ficou abismada com a brutalidade do genocídio deste regime que executou de forma industrializada seis milhões de judeus com o único intuito de simplesmente se livrar deles para sempre.
Para impedir que tal brutalidade pudesse incidir novamente no mundo, foi adotada e proclamada pela resolução 217 (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, a declaração universal dos direitos humanos que logo no seu primeiro artigo proclama: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. No seu segundo artigo complementa ainda mais esse conceito dizendo que “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. Seu sétimo artigo garante a todos proteção contra a discriminação: “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
O Brasil apesar de passar uma falsa imagem de suposta miscigenação racial, possui como foi dito por Doudou Diéne, o relator especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Racismo Discriminação, Xenofobia e Intolerância, um racismo profundo contra negros e índios que só poderá ser combatido com mudanças profundas de mentalidade da sociedade. Apesar disso o código penal prevê conseqüências duras para aqueles que incidirem no crime de racismo como a sua inafiançabilidade.
*Acadêmicos de Direito na UFSC
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