Direito Penal

Organização Criminosa: Bem ou Mal, Legem Habemus!

Como já se sabe, na sessão do dia 12 de junho deste ano de 2012, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº. 96007,
decidiu “trancar” um processo no qual os pacientes respondiam pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro por meio de organização criminosa,
previsto no inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98. A decisão foi unânime. A denúncia do Ministério Público “
revelava a existência de uma suposta organização criminosa, comandada pelos pacientes, que se valeria da estrutura de entidade religiosa e de empresas
vinculadas para arrecadar grandes valores em dinheiro, ludibriando os fiéis mediante variadas fraudes, desviando os numerários oferecidos para
determinadas finalidades ligadas à igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas,
desvirtuando as atividades eminentemente assistenciais e aplicando seguidos golpes
.” No habeas corpus a defesa alegou “
que na própria Lei nº. 9.613/98 diz que para se configurar o crime de lavagem de dinheiro é necessária a existência de um crime anterior, que a
denúncia aponta ser o de organização criminosa. Para o advogado, contudo, não existe no sistema jurídico brasileiro o tipo penal organização criminosa,
o que levaria à inépcia da denúncia
.”

Esta matéria voltou novamente a julgamento com a apresentação do voto-vista da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha que, em novembro de 2009, havia pedido
vista dos autos após os votos dos Ministros Marco Aurélio (relator) e Dias Toffoli, favoráveis ao encerramento do processo. Na sessão do dia 12 de junho, a
Ministra Cármen Lúcia votou da mesma forma, concedendo a ordem e, na sequência do julgamento, os Ministros Luiz Fux e Rosa Weber também se manifestaram
nesse sentido. A Ministra Cármen Lúcia ressaltou “ a atipicidade do crime de organização criminosa, tendo em vista que o delito não consta na legislação penal brasileira.” Ela afirmou “
que, conforme o relator, se não há o tipo penal antecedente, que se supõe ter provocado o surgimento do que posteriormente seria “lavado”, não se tem
como dizer que o acusado praticou o delito previsto no artigo 1º da Lei 9.613/98
”. De acordo com a Ministra, a questão foi debatida recentemente pelo Plenário do Supremo, que concluiu no sentido do voto do Ministro Marco Aurélio, ou
seja, de que “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa
de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido”. “Não há como se levar em consideração o que foi denunciado e o que foi aceito”,
concluiu.

Na época, louvamos a acertada decisão do Supremo Tribunal Federal, pois se atentou para o princípio da legalidade, absolutamente inafastável em um Estado
Democrático de Direito, ainda mais quando se tratava de estabelecer uma exata definição acerca de uma estrutura criminosa, que permite ao Estado autorizar
contra o indivíduo, ainda presumivelmente inocente, atos investigatórios invasivos de sua privacidade.

Evidentemente que não desconhecíamos, nem negávamos a existência de organizações criminosas, inclusive em nosso País, mas era preciso que, antes de
qualquer coisa, houvesse um conceito legal para aquelas estruturas criminosas, tal como fez, por exemplo, o Código Penal, no art. 288, ao conceituar o
crime de quadrilha ou bando e a Lei nº. 11.343/06, no art. 35 (Associação para o Tráfico – Lei de Drogas).

Obviamente, e até como uma decorrência do tráfico internacional de drogas e da lavagem de capitais[1], mas não somente por causa deles, o crime organizado
vem desde algum tempo se desenvolvendo em todo o mundo. Hoje, apenas para citar alguns exemplos, temos os grandes cartéis das drogas, inclusive na América
Latina, as máfias italiana, japonesa e russa, os traficantes de armas, o terrorismo, etc, etc., tudo facilitado pela globalização e pelos seus respectivos
instrumentos de atuação.

A questão situava-se, no entanto, na grande dificuldade, inclusive doutrinária, de se estabelecer exatamente o conceito de crime organizado, até para que
pudessem ser utilizados adequadamente os meios repressivos postos à disposição da Polícia e da Justiça criminal no combate a este tipo de atividade e, ao
mesmo tempo, impedir que sejam aplicados tais atos investigatórios (evidentemente mais drásticos e gravosos) em casos que não eram especificamente de
“organização criminosa”.

Em trabalho anterior e já vetusto, arriscamo-nos (equivocadamente, hoje reconhecemos), a conceituar crime organizado como uma estrutura criminosa formada
por um número razoável de integrantes, ordenados de forma estável e duradoura, tendo como finalidade precípua a prática de um determinado ilícito penal,
continuadamente, utilizando-se quase sempre do mesmo modus operandi, além de violência e da alta tecnologia, inclusive bélica.

Para alguns existiria esta definição legal em nosso ordenamento jurídico por força do Decreto nº. 5.015/2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional, onde se lê que se considera “Grupo Criminoso Organizado” aquele “
estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material
.” Não concordávamos com tal entendimento, pois uma norma internacional de caráter incriminadora não poderia adentrar o nosso ordenamento jurídico. Neste
sentido, a exegese dos §§ 2º. e 3º. do art. 5º. da Constituição Federal. Neste sentido, fundamental transcrevermos a lição de Luiz Flávio Gomes:


1º) a definição de crime organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica, e viola a garantia da taxatividade (ou de certeza), que é
uma das garantias emanadas do princípio da legalidade; 2º) a definição dada, caso seja superada a primeira censura acima exposta, vale para nossas
relações com o direito internacional, não com o direito interno; de outro lado, é da essência dessa definição a natureza transnacional do delito (logo,
delito interno, ainda que organizado, não se encaixa nessa definição). Note-se que a Convenção exige “(…) grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção
de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Todas as infrações enunciadas na Convenção versam sobre a
criminalidade transnacional. Logo, não é qualquer criminalidade organizada que se encaixa nessa definição. Sem a singularidade da transnacionalidade
não há que se falar em adequação típica, do ponto de vista formal; 3º) definições dadas pelas convenções ou tratados internacionais jamais valem para
reger nossas relações com o Direito penal interno em razão da exigência do princípio da democracia (ou garantia da lex populi). Vejamos: quando se
trata das relações do indivíduo com organismos internacionais (com o Tribunal Penal Internacional, v.g.), os tratados e convenções constituem as
diretas fontes desse Direito penal, ou seja, eles definem os crimes e as penas. É o que foi feito, por exemplo, no Tratado de Roma (que criou o TPI).
Nele acham-se contemplados os crimes internacionais (crimes de guerra, contra a humanidade etc.) e suas respectivas sanções penais. Como se trata de um
ius puniendi que pertence ao TPI (organismo supranacional), a única fonte (direta) desse Direito penal só pode mesmo ser um Tratado internacional. Quem
produz esse específico Direito penal são os Estados soberanos que subscrevem e ratificam o respectivo tratado. Cuidando-se do Direito penal interno
(relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro) tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou
seja, nenhum documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta válida para o Direito interno
brasileiro. O Tratado de Palermo (que definiu o crime organizado transnacional), por exemplo, não possui valor normativo suficiente para delimitar
internamente o conceito de organização criminosa (até hoje inexistente no nosso país). Fundamento: o que acaba de ser dito fundamenta-se no seguinte:
quem tem poder para celebrar tratados e convenções é o Presidente da República (Poder Executivo) (CF, art. 84, VIII), mas sua vontade (unilateral) não
produz nenhum efeito jurídico enquanto o Congresso Nacional não aprovar (referendar) definitivamente o documento internacional (CF, art. 49, I). O
Parlamento brasileiro, de qualquer modo, não pode alterar o conteúdo daquilo que foi subscrito pelo Presidente da República (em outras palavras: não
pode alterar o conteúdo do Tratado ou da Convenção). O que resulta aprovado, por decreto legislativo, não é fruto ou expressão das discussões
parlamentares, que não contam com poderes para alterar o conteúdo do que foi celebrado pelo Presidente da República. Uma vez referendado o Tratado,
cabe ao Presidente do Senado Federal a promulgação do texto (CF, art. 57, § 5º), que será publicado no Diário Oficial. Mas isso não significa que o
Tratado já possua valor interno. Depois de aprovado ele deve ser ratificado (pelo Executivo). Essa ratificação se dá pelo Chefe do Poder Executivo que
expede um decreto de execução (interna), que é publicado no Diário Oficial. É só a partir dessa publicação que o texto ganha força jurídica interna
(Cf. Mazzuoli, Valério de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 2. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 291 e SS). Conclusão: os tratados e
convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a
organismos internacionais – TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com
o ius puniendi do Estado brasileiro), porque o parlamento brasileiro, neste caso, só tem o poder de referendar (não o de criar a norma). A dimensão
democrática do princípio da legalidade em matéria penal incriminatória exige que o parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso não é a mesma
coisa que referendar. Referendar não é criar ex novo
.”[2]

A propósito, após advertir que o conceito de criminalidade organizada possui “contornos muito imprecisos e cheios de relativismos”, Montalvo
estabelece algumas condições fundamentais para que bem se caracterize a existência de uma organização criminal, a saber: “ la existencia de un centro de poder, donde se toman las decisiones ”; “actuación a distintos niveles jerárquicos”; “aplicación de tecnología y logística”; “fungibilidad o intercambialidad de los miembros”;
“sometimiento a las decisiones que emanan del centro de poder”; “movilidad internacional” e “apariencia de legalidad y presencia en los mercados como
medio de transformación de los ilícitos benefícios
”.[3]

Exatamente por causa desta “mobilidade internacional” da qual se refere o jurista espanhol e que indiscutivelmente caracteriza a organização
criminosa, é que, como dizia o Juiz italiano Falcone, “
la correcta política-criminal frente a la delicuencia organizada es la destrucción del poder económico de estas organizaciones a través de la
cooperación internacional efectiva y eficaz
”.[4]

Pois bem.

Agora, como afirmado acima, lege habemus: a Lei nº. 12.694/2012, publicada no Diário Oficial da União do dia 25 de julho e com uma vacatio legis de noventa dias, conceitua uma organização criminosa como “
a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos
ou que sejam de caráter transnacional
.”

Com esta definição legal (não isenta de reparos, evidentemente – mas este não é o escopo deste trabalho), salvou-se, ainda que tardiamente, uma lei
anterior, promulgada há quase duas décadas (Lei nº. 9.034/95), que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas. Esta lei procurou definir e regular os meios de prova e os procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos
decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Por ela, permite-se, em qualquer fase da
persecução criminal, ou seja, tanto na investigação criminal, quanto na instrução criminal, e sem prejuízo dos meios de prova já previstos na legislação
processual brasileira, os seguintes procedimentos de investigação:

1) A ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde
que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e
fornecimento de informações. Permite-se, por exemplo, que não se prenda os agentes desde logo, ainda que em estado de flagrância, quando há possibilidade
de que o diferimento da medida possa ensejar uma situação ainda melhor do ponto de vista repressivo. Exemplo: a Polícia monitora um porto à espera da
chegada de um grande carregamento de cocaína, quando, em determinado momento, atraca um pequeno bote com dois dos integrantes da organização criminosa (já
conhecidos) portando um saco plástico transparente contendo um pó branco, a indicar ser cocaína. Pois bem: os agentes policiais, ao invés de efetuarem a
prisão em flagrante, pois há um crime visto, procrastinam o ato, esperando que a “grande carga” seja desembarcada em um navio que se sabe virá dentro em
breve. É o chamado flagrante diferido ouprotelado. Em suma, evita-se a prisãoemflagrante no momento da prática do delito, a fim queemummomentoposterior,
possa ser efetuada commaioreficácia a prisão de todos os participantes da quadrilhaoubando, bemcomo se permita a apreensão. Há quem faça diferença entre a
ação controlada e a chamada “entrega vigiada”, distinção que não enxergamos. Assim, Mariângela Lopes Neistein e Luiz Rascovski diferenciam: “
A entrega vigiada é a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas de entorpecentes ou outras substâncias proibidas circulem pelo
território nacional, bem como dele saiam ou nele ingressem, sem interferência impeditiva da autoridade ou seus agentes, mas sob sua vigilância. Tudo
com o fim de descobrir ou identificar as pessoas envolvidas no cometimento de algum delito referente ao tráfico dessas drogas, bem como prestar auxílio
a autoridades estrangeiras nesses mesmos fins
.” Já a “
ação controlada consiste, conforme artigo 2º, da Lei 9.034/95, em retardar a interdição policial do que se supõe tratar-se de ação praticada por
organizações criminosas ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais
eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações. A ação controlada é uma exceção ao flagrante obrigatório previsto em lei
para a autoridade policial e seus agentes. Refere-se ao chamado flagrante diferido, ou prorrogado ou, ainda, postergado, situação em que o policial,
por autorização legal, pode aguardar o melhor momento para prender uma pessoa em flagrante, para obtenção de um maior número de provas. Assim, a ação
controlada é utilizada para a investigação de todo e qualquer crime que praticado por organizações criminosas. Ao contrário, a entrega vigiada,
conforme salientado, é um meio de investigação típico do crime de tráfico internacional de entorpecentes, em que é autorizada o controle do tráfego de
drogas que circulem dentro ou fora do país
.”[5]

2) O acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Nesta hipótese, ocorrendo a possibilidade de violação de sigilo
preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. Ainda neste caso,
para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos
objetos do sigilo. Permite a lei que o juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e
anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo
anterior como escrivão ad hoc. O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor,
somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos caso de divulgação.
Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá
servir como elemento na formação da convicção final do juiz. Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao
juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público
e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça. Tínhamos aqui uma perigosa
e desaconselhável investigação criminal levada a cabo diretamente pelo Juiz. Não é possível tal disposição em um sistema jurídico acusatório, pois que
lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo[6] caracterizado, como genialmente diz o jurista italiano Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad ”, ou seja, este método “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[7] Ao
comentar este artigo, Luiz Flávio Gomes, pedindo a devida vênia, já afirmava que o legislador “
acabou criando uma monstruosidade, qual seja, a figura do juiz inquisidor, nascido na era do Império Romano, mas com protagonismo acentuado na Idade
Média, isto é, época da Inquisição.
(…) Não é da tradição do Direito brasileiro e, aliás, também segundo nosso ponto de vista, viola flagrantemente a atual Ordem Constitucional ”.[8] É evidente que o dispositivo era teratológico, pois não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar
como “
necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo
garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar na mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das
garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração de justiça
. (…)
Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso
da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’
”.[9] Havia, efetivamente, uma mácula séria aos postulados do sistema acusatório, precipuamente à imprescindível imparcialidade[10] que deve nortear a
atuação de um Juiz criminal, o que não se coaduna com a feitura pessoal e direta de diligências investigatórias. Neste sistema, estão divididas claramente
as três funções básicas, quais sejam: o Ministério Público acusa (ou investiga), o advogado defende e o Juiz apenas julga, em conformidade com as provas
produzidas pelas partes. “
Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la
investigación como para preservar las garantías procesales
”, como bem acentua Alberto Binder.[11] Mas, finalmente, em 12 de fevereiro de 2004 o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, declarou a
inconstitucionalidade deste art. 3º., na parte que se refere à quebra de sigilos fiscal e eleitoral. A decisão foi dada pelos ministros ao julgarem
parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 1570). A ação havia sido ajuizada pela Procuradoria-Geral da República. O Ministro
Relator, Maurício Corrêa, ao proferir seu voto, observou que o dispositivo impugnado confere ao juiz competência para diligenciar pessoalmente a obtenção
de provas pertinentes à persecução penal de atos de organizações criminosas, dispensando o auxílio da Polícia e do Ministério Público, in verbis: “
Passados mais de cinco anos do julgamento cautelar, e após refletir mais detidamente sobre o tema, agora tratando-se de julgamento definitivo, penso
que, efetivamente, o dispositivo atacado não pode prevalecer diante das normas constitucionais vigentes
”. O Ministro também lembrou que a Lei Complementar nº. 105/01 (norma superveniente e de hierarquia superior), regulou integralmente a questão do sigilo
bancário e financeiro nas ações delituosas praticadas por organizações criminosas e revogou, por incompatibilidade, a Lei nº. 9034/95. Para ele, em face da
referida Lei Complementar restava prejudicada a ADIN na parte em que o procedimento visado incide sobre o acesso a dados, documentos e informações
bancárias e financeiras: “
Na verdade, a amplitude ditada pela lei complementar superveniente, incompatível com o cuidado excessivo do preceito em exame, praticamente acabou com
a já comprometida eficácia do citado artigo 3º, cuja aplicação prática, a propósito, segundo tenho conhecimento, é quase nula
”. O Ministro ainda afirmou que a lei questionada permanece em vigor quando trata da obtenção de informações fiscais e eleitorais, implicando na violação
de sigilo preservado pela Constituição ou por lei. Sobre a alegação de violação do princípio do devido processo legal, observou que o art. 3º. criou um “
procedimento excepcional, não contemplado na sistemática processual penal contemporânea, dado que permite ao juiz colher pessoalmente as provas que
poderão servir, mais tarde, como fundamento fático-jurídico de sua própria decisão
.” (…) “
Ninguém pode negar que o magistrado, pelo simples fato de ser humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com a
causa, contaminando sua imparcialidade
”. No seu voto, sustentou o Relator que, tanto no Direito Penal quanto no Direito Civil, afasta-se do julgamento o juiz que se considera impedido ou cuja
suspeição é argüida, inclusive citou o art. 424 do Código de Processo Penal, dispositivo que determina o desaforamento se houver comprometimento com a
exigência de imparcialidade do julgador. Para ele, a neutralidade do juiz é essencial, pois sem ela nenhum cidadão procuraria o Poder Judiciário para fazer
valer seu direito e o art. 3º. teria exatamente criado o juízo de instrução, que nunca existiu na legislação brasileira. Por fim, julgou a ação procedente,
em parte, para declarar inconstitucional o art. 3º. da Lei 9.034/95, na parte em que se refere aos dados “fiscais” e “eleitorais”.

3) A captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização
judicial. Esta medida é novidade em nosso sistema jurídico, que apenas conhecia a interceptação e a escuta telefônicas, disciplinadas pela Lei nº.
9.296/96. Para Luiz Flávio, entende-se “
por interceptação ambiental a captação de uma conversa alheia (não telefônica), feita por terceiro, valendo-se de qualquer meio de gravação. Não se
trata, como se percebe, de uma conversa telefônica. Não é o caso. É uma conversa não telefônica, ocorrida num gabinete, numa reunião, numa residência
etc. Se nenhum dos interlocutores sabe da captação, fala-se em interceptação ambiental em sentido estrito; se um deles tem conhecimento, fala-se em
escuta ambiental
.”[12] Segundo Francisco Muñoz Conde, “
la principal fuente de controversias doctrinales y decisiones judiciales sobre el carácter de prueba prohibida de las obtenidas con violación de
derechos fundamentales, la deparan hoy las derivadas del empleo de medios audiovisuales
.” (Valoración de las grabaciones audiovisuales – Buenos Aires: Hamurabi, 2004, p. 27). Nesta obra, Muñoz Conde adverte que passamos da fase que Michel
Foucault chamava de controle do corpo (a tortura), para o controle da alma (por meio do alcance “da parte espiritual da personalidade”). Este
autor (p. 31) distingue provas proibidas (que não podem ser objeto de valoração em nenhum caso), ilícitas (que podem ser objeto de valoração em
determinadas circunstâncias, seja pela aplicação do princípio da proporcionalidade ou da boa-fé, seja porque não lesionou, direta ou indiretamente, um
direito fundamental) e irregulares (aquela obtida sem alguns requisitos processuais não essenciais e cuja ausência pode ser sanada posteriormente).

4) A infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante
circunstanciada autorização judicial, caso em que a autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a
infiltração. Vários são os países que adotam a figura do agente infiltrado, senão vejamos: Portugal (Lei nº. 101/2001, exigindo-se observância ao princípio
da proporcionalidade); Argentina (“
si las finalidades de la investigación no pudieran ser logradas de outro modo – Lei nº. 24.424/94, prevendo-se, também, uma escusa absolutória para o
agente infiltrado que vier a praticar, nesta condição, um delito, salvo se o crime colocar em grave risco a vida ou integridade física de uma pessoa ou
impuser grave sofrimento físico ou moral a outrem); Alemanha (desde 1992); França (art. 706-32 do Code de Procédure Pénale); México (Ley Federal contra
la Delicuencia Organizada de 1996); Chile (Lei nº. 19.366/95) e Espanha
.” (Ley de Enjuiciamento Criminal – art. 282 – bis).

Ademais, o art. 5º. da Lei nº. 9.034/95, dispõe que a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será
realizada independentemente da identificação civil. Este artigo já havia sido revogado pela antiga lei de identificação criminal (Lei nº. 10.054/00), que
regulamentava a matéria inteiramente, enumerando “
de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles,
a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5º da
Lei nº 9.034/95, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência
de identificação civil
.”[13] Com mais razão, continua este dispositivo sem aplicação, agora em razão da nova lei sobre identificação criminal que, expressamente, revogou a Lei
nº. 10.054/2000 (evidentemente não há falar-se em repristinação, posto proibida); esta lei mais recente, repetindo o dispositivo constitucional, o seu art.
1
º estabelece que o “civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei.”

Outrossim, nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao
esclarecimento de infrações penais e sua autoria (delação premiada).[14] O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que a
Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto.

Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa. Tampouco o
réu poderia apelar em liberdade (arts. 7º. e 9º.). A esse respeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu o Habeas Corpus nº. 84078 para permitir
a um condenado que recorra em liberdade. O processo foi trazido a julgamento pelo Ministro Menezes Direito, que pediu vista do processo, quando o relator,
Ministro Eros Grau, já havia votado pela concessão do HC. O caso começou a ser julgado na Segunda Turma do STF, que decidiu afetá-lo ao Plenário, quando
Menezes Direito pediu vista. O processo provocou prolongados debates, tendo de um lado, além de Eros Grau, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso,
Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que votaram pela concessão do HC. Foram vencidos os Ministros Menezes Direito,
Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que o negaram. Prevaleceu a tese de que a prisão antes da sentença condenatória transitada em
julgado, contrariaria o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. Já os Ministros Menezes Direito e Joaquim Barbosa sustentaram que o esgotamento de
matéria penal de fato se dá nas instâncias ordinárias e que os recursos encaminhados ao STJ e STF não têm efeito suspensivo. Menezes Direito e Ellen Gracie
sustentaram, também, que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário) não assegura direito
irrestrito de recorrer em liberdade, muito menos até a 4ª instância, como ocorre no Brasil. Afirmaram, ainda, que país nenhum possui tantas vias recursais
quanto o Brasil. Direito citou os Estados Unidos, o Canadá e a França como exemplos de países que admitem o início imediato do cumprimento de sentença
condenatória após o segundo grau. Observaram, ademais, que a execução provisória de sentença condenatória serve também para proteger o próprio réu e sua
família. Esta, entretanto, conforme o Ministro Celso de Mello, “não é juridicamente viável em nosso sistema normativo”. Ele admitiu, no entanto,
que a prisão cautelar processual é admissível, desde que fundamentada com base nos quatro pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal
– garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal. Ao proferir seu voto – o
último do julgamento –, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto majoritário do relator, Ministro Eros Grau. Apresentando dados, ele admitiu que a
Justiça brasileira é ineficiente, mas disse que o país tem um elevado número de presos – 440 mil. “Eu tenho dados decorrentes da atividade no Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) que são impressionantes. Apesar dessa inefetividade (da Justiça), o Brasil tem um índice bastante alto de presos. São 440 mil
presos, dados de 2008, dos quais 189 mil são presos provisórios, muitos deles há mais de dois, mais de três anos, como se tem encontrado nesses mutirões do
CNJ. E se nós formos olhar por estado, a situação é ainda mais grave. Nós vamos encontrar em alguns estados 80% dos presos nesse estágio provisório [prisão
provisória]”.“
os mutirões realizado pelo CNJ encontraram-se presos no estado Piauí que estavam há mais de três anos presos provisoriamente sem denúncia apresentada ”, relatou ainda o ministro. “
No estado do Piauí há até uma singularidade. A Secretaria de Segurança do Estado concebeu um tal inquérito de capa preta, que significa que a Polícia
diz para a Justiça que não deve soltar aquela pessoa. É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira. Muitas vezes com a conivência da Justiça e
do Ministério Público
”.“
Dos habeas corpus conhecidos no Tribunal, nós tivemos a concessão de 355”, informou o presidente do STF. “Isto significa mais de um terço dos habeas
corpus. Depois de termos passado, portanto, por todas as instâncias – saindo do juiz de primeiro grau, passando pelos TRFs ou pelos Tribunais de
Justiça, passando pelo STJ – nós temos esse índice de concessão de habeas corpus. Entre REs e AIs [agravos de instrumento] tratando de tema criminal,
há 1.749, dos quais 300 interpostos pelo MP. Portanto, não é um número tão expressivo
”.“
De modo que eu tenho a impressão de que há meios e modos de lidar com este tema a partir da própria visão ampla da prisão preventiva para que, naqueles
casos mais graves, e o próprio legislador aqui pode atuar, e eu acho que há propostas nesse sentido de redimensionar o sentido da prisão preventiva,
inclusive para torná-la mais precisa, porque, obviamente, dá para ver que há um abuso da prisão preventiva
”, assinalou Gilmar Mendes. “
O ministro Celso de Mello tem liderado na Turma lições quanto aos crimes de bagatela. Em geral se encontram pessoas presas no Brasil porque furtaram
uma escova de dentes, um chinelo
”.“
Portanto – concluiu –, não se cumprem minimamente aquela comunicação ao juiz para que ela atenda ou observe os pressupostos da prisão preventiva. A
prisão em flagrante só deve ser mantida se de fato estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva. Do contrário, o juiz está obrigado, por
força constitucional, a relaxar [a prisão]. De modo que estou absolutamente certo de que esta é uma decisão histórica e importante do Tribunal
.” Fonte: STF.

Esta decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal já se estabeleceu como precedente para casos semelhantes na Primeira Turma. Nesse sentido, a Primeira
Turma concedeu dois habeas corpus (HC 94778 e 93062) na linha do entendimento de que não é legal a execução da pena antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória. Os processos, relatados pelo Ministro Carlos Ayres Britto, buscavam a expedição de alvará de soltura, tendo em vista a decretação da
prisão após condenação confirmada em segundo grau. Ao conceder a ordem, em ambos os casos, o ministro Ayres Britto ressaltou que o Plenário reconheceu que
a condenação em segundo grau não opera automaticamente” e que a pena só pode começar a ser cumprida depois do trânsito em julgado da condenação,
quando não couber mais qualquer tipo de apelação ou recurso. No HC 94778, G.J.M., condenado no Espírito Santo a mais de cinco anos por roubo com uso de
violência, – sentença confirmada em segunda instância, questiona a determinação de sua imediata prisão pelo Tribunal de Justiça estadual, alegando que
ainda seriam cabíveis os recursos excepcionais – especial ou extraordinário. A expedição do mandado de prisão, neste caso, “ afronta o princípio constitucional da presunção da inocência”, sustenta a defesa de G.J.Condenado por extorsão a mais de seis anos de prisão,
L.G.A.M. impetrou no Supremo o HC 96062, alegando que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de negar apelação de sua defesa e determinar sua
prisão, é inconstitucional. Isso porque a defesa já teria interposto um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça e, portanto, com base na presunção
de inocência, a condenação ainda não teria transitado em julgado. Fonte: STF.

Aliás, os arts. 594 e 595 do Código de Processo Penal foram expressamente revogados (já eram inválidos, aliás, pois incompatíveis materialmente com a
Constituição), respectivamente, pela Lei nº. 11.719/08 e Lei nº. 12.403/11. Como se sabe, pela antiga regraimposta no art. 594 do Código de Processo Penal
“o réunão poderá apelarsem recolher-se à prisão, ouprestarfiança, salvo se for primário e de bonsantecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória,
ou condenado porcrimeque se livre solto.”

Voltando à análise da nova lei, a sua grande novidade consiste na faculdade do Juiz decidir pela formação de um órgão colegiado de primeiro grau (como o
Conselho de Sentença – no Júri, ou o Conselho de Justiça – na Justiça Militar) para a prática de qualquer ato processual em processos ou procedimentos que
tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, especialmente para a decretação de prisão ou de medidas assecuratórias, para a concessão
de liberdade provisória ou revogação de prisão, para a prolação da sentença e, inclusive, para incidentes do processo de execução penal, a saber:
progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, transferência de preso para estabelecimento prisional de
segurança máxima e inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. Este órgão jurisdicional será formado pelo juiz do processo e por dois outros
juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição. A sua competência limita-se ao
ato para o qual foi convocado e as suas reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da
decisão judicial, respeitando-se, obviamente, o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais. A reunião do colegiado composto por
juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica, por meio da videoconferência.

Para que se instaure este órgão colegiado, mister que o Magistrado indique os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em
decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento às respectivas Corregedorias.

A fim de que se assegure o sigilo de cada um dos Juízes e, conseguintemente, a segurança do Magistrado, a lei estabelece que as decisões do colegiado,
devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer
membro, devendo os Tribunais, no âmbito de suas competências, expedir normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados
para o seu funcionamento.

Evidentemente que os Ministérios Públicos, da União e dos Estados, deverão estabelecer normas que estabeleçam junto a estes órgãos colegiados a
atribuição, igualmente, de três membros do parquet, pois não faz sentido garantir-se a segurança dos Magistrados e não dos acusadores.
Esta tarefa caberá, certamente, ao Conselho Nacional do Ministério Público, por meio de resolução.

Aliás, os Tribunais, no âmbito de suas competências, estão autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente o
controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais; a
instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes; a instalação de aparelhos detectores de metais,
aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que
exerçam qualquer cargo ou função pública (membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Magistratura e Advogados), ressalvados os
integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

A lei promulgada também aproveitou para, acrescentando dois parágrafos ao art. 91 do Código Penal, permitir a decretação da perda de
bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior, hipótese em que as
medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior
decretação de perda.

O Código de Processo Penal também restou alterado pela nova legislação, acrescendo-se o art. 144-A, segundo o qual o juiz determinará a alienação
antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade
para sua manutenção (neste caso, o leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico e os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação
judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até dez dias contados da
realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a oitenta por cento do estipulado na avaliação judicial. O produto da
alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou
Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado. Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive
moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em
moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial. No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz
ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do
arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.
O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por
certidão ou publicação no órgão oficial.

Também foi alterado o Código de Trânsito Brasileiro para, “
excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito
competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão
temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido,
conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito –
CONTRAN
” (Art. 115, § 7o.).

Igualmente o art. 6o do Estatuto do Desarmamento passou a vigorar acrescido do seguinte inciso XI, segundo o qual “
os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de
servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho
Nacional de Justiça – CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP
.” Muita cautela!

Outrossim, foi acrescentado ao Estatuto o art. 7o-A, in verbis: “
As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e
guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem
estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição. §
1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa. § 2o O presidente do
tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que poderão portar arma
de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança. § 3o O porte de
arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos
requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência
de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. § 4o A listagem dos servidores
das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm. § 5o As instituições de que trata este artigo são
obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo,
acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras vinte e quatro horas depois de ocorrido o fato
.”

Ainda como garantia das autoridades judiciais e dos membros do Ministério Público e de seus familiares, diante de situação de risco decorrente do exercício
da função, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal. “
A proteção pessoal será prestada de acordo com a avaliação realizada pela polícia judiciária e após a comunicação à autoridade judicial ou ao membro do
Ministério Público, conforme o caso: pela própria polícia judiciária; pelos órgãos de segurança institucional; por outras forças policiais; de forma
conjunta pelos citados nos incisos I, II e III.
” Nada obstante, em caso de urgência, será prestada proteção pessoal imediata. A prestação de proteção pessoal será comunicada ao Conselho Nacional de
Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o caso. Verificado o descumprimento dos procedimentos de segurança definidos pela polícia
judiciária, esta encaminhará relatório ao Conselho Nacional de Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Com efeito, e à guisa de conclusão, afirmamos que com a nova lei podemos aplicar os dispositivos da Lei nº. 9.034/95, tratando-se de ações praticadas por
quadrilha ou bando (art. 288, Código Penal), por associações criminosas voltadas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes
previstos nos arts. 33, caput e parágrafo primeiro, e 34 da Lei de Drogas – Lei nº. 11.343/06, por força do seu art. 35 e, agora sim, por organizações criminosas.

[1] Kellens (“L’evolution de la théorie du crime organisé”), citado por Montalvo, José Antonio Choclán, in La Organización Criminal, Madrid: Dykinson,
2000, p. 12, adverte para a estreita vinculação da criminalidade organizada com a lavagem de dinheiro.

[2] Gomes, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br 06 de maio de 2009.

[3] Montalvo, José Antonio Choclán, La Organización Criminal, Madrid: Dykinson, 2000, p. 09.

[4] Apud, Montalvo, ob. cit., p. 13.

[5] “Alguns aspectos referentes à entrega vigiada no Direito Brasileiro” – Fonte: Informativo Eletrônico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais –
IBCCrim (julho de 2007).

[6] Parece-nos interessante transcrever um depoimento de Leonardo Boff, ao descrever os percalços que passou até ser condenado pelo Vaticano, sem direito
de defesa e sob a égide de um típico sistema inquisitivo. Após ser moral e psicologicamente arrasado pelo secretário do Santo Ofício (hoje Congregação para
a Doutrina da Fé), cardeal Jerome Hamer, em prantos, disse-lhe: “Olha, padre, acho que o senhor é pior que um ateu, porque um ateu pelo menos crê no ser
humano, o senhor não crê no ser humano. O senhor é cínico, o senhor ri das lágrimas de uma pessoa. Então não quero mais falar com o senhor, porque eu falo
com cristãos, não com ateus.” Por uma ironia do destino, depois de condenado pelo inquisidor, Boff o telefonou quando o cardeal estava à beira da morte,
fulminado por um câncer. Ao ouvi-lo, a autoridade eclesiástica desabafou, chorando: “Ninguém me telefona… foi preciso você me telefonar! Me sinto isolado
(…) Boff, vamos ficar amigos, conheço umas pizzarias aqui perto do Vaticano…” (in Revista Caros Amigos – As Grandes Entrevistas, dezembro/2000).

[7] Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 604.

[8] Crime Organizado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª. edição, 1997, p. 133

[9] Lopes Jr., Aury, Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74.

[10] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera
exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad
del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).

[11] Iniciación al Proceso Penal Acusatório, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43.

[12] Interceptação Telefônica, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 111.

[13] RHC 12965 / DF – Relator: Ministro Félix Fischer. Órgão Julgador: T5 – Data do Julgamento: 07/10/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 10.11.2003 p. 197.

[14] A respeito da delação premiada, leia-se o que escrevemos na obra “Direito Processual Penal”, Curitiba: Juruá, 2010.

* Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos na Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça
e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da
Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato
sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então
coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências
Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim. Integrante, por quatro vezes, de
bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação
dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF (SP) e do Centro de Aperfeiçoamento e Atualização Funcional do Ministério Público da Bahia. Autor das
obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Sabbá Guimarães), ambas publicadas pela
Editora Juruá, 2010 (Curitiba) e “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares – Comentários à Lei nº. 12.403/11”,
2011, Porto Alegre: Editora LexMagister, além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, publicado pela Editora
JusPodivm, 2008 (estando no prelo a 2ª. edição). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Organização Criminosa: Bem ou Mal, Legem Habemus!. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/organizacao-criminosa-bem-ou-mal-legem-habemus/ Acesso em: 22 nov. 2024
Sair da versão mobile