Direito Penal

O seqüestro do repórter da TV Globo

O seqüestro do repórter da TV Globo

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

Há ocasiões em que o politicamente correto deve ser deixado de lado. Este é o momento. E o uso da franqueza e concisão poderá, aqui, ajudar a clarear uma velha discussão que pensava morta e enterrada mas agora retorna à vida gemendo e uivando dentro do caixão. Refiro-me à pena de morte no Brasil.

 

Se duas ou três idôneas pesquisas de opinião disserem que uma ampla maioria da população brasileira aprova, em casos extremos, a pena de morte com injeção — a menos tétrica forma de execução — não sei como desconsiderar essa opção sem jogar no lixo o direito do povo de se manifestar em assuntos relevantes de seu interesse. Afinal, ele não é soberano? O fato da sua proibição hoje constituir “cláusula pétrea”, na vasta petrificação de nosso Direito, seria contornável com uma Assembléia Constituinte que poderia tornar mais maleável, funcional e duradoura a nossa Lei Magna. Mas Assembléia que ouvisse também a opinião pública, não se posicionando como dona olímpica da verdade, presumindo que o povo é ignorante, criança, não sabe o que diz e se deixa levar pelas emoções do momento. Emoções também conduzem os presunçosos donos da verdade. Emoções decidem eleições presidenciais e nunca um jurista se atreveu a pedir sua nulidade em razão do estado emocional dos eleitores.

 

O PCC avança com crescente confiança na impunidade. Isso porque seus comandantes já estão condenados a dezenas de anos de prisão, em regime fechado. Não têm mais o que temer em termos de perda da liberdade. A pena de prisão existe para intimidar, punir e reeducar. Se o condenado pela justiça já está preso, praticamente por toda a vida, desapareceu o contra-estímulo ao crime. E recuperá-lo, no caso, é praticamente inútil porque tais presos sairão tão velhos da cadeia — se saírem — que não terão mais condições de trabalhar. Teriam sido recuperados para morrerem velhinhos num asilo.

 

O próprio chefe do crime organizado em São Paulo já disse, em entrevista, que ele pode mandar matar policiais e autoridades à vontade, ao passo que ninguém poderá matá-lo porque isso seria ilegal. E, estando preso, sua vida está protegida contra ataques de outros líderes do tráfico que queiram tomar o seu lugar. Enfim, posição de rei dos tempos mais primitivos em que eram senhores absolutos da vida e da morte, não devendo satisfação nem mesmo aos barões e membros da aristocracia.

 

Regime Disciplinar Diferenciado, com total isolamento, é medida inútil, porque os chefões não a aceitam e, não aceitando, mandam seqüestrar ou matar quem bem entendam. Eles é que mandam, porque têm o poder de vida e morte, enquanto as autoridades nada podem fazer, a não ser vigorosos discursos, estudos e mais estudos.

 

Argumenta-se que com a proibição de ingresso de celulares e uso de bloqueadores estará impedida a comunicação do preso. Mas é impossível evitar totalmente o ingresso dos celulares. É impraticável examinar cada decímetro quadrado das toneladas de alimento que chegam aos presídios dentro de caminhões. E os telefones poderão estar enfiados, disfarçadamente, em qualquer parte do veículo transportador. Isso sem falar da cooperação de algum advogado “ovelha negra” que, talvez movido pelo desespero econômico ou pela ameaça, “esqueça” seu celular com o cliente que visitou. E existem alguns celulares, especiais — fiquei sabendo agora — cujo preço está acima de oito mil reais, que não dependem de postos de retransmissão. A comunicação é diretamente via satélite. Foram fabricados para grandes executivos que podem falar de qualquer parte do planeta, sem se preocupar com postos de retransmissão. E os chefões do crime são hoje também grandes executivos, embora lidando com uma mercadoria toda especial.

 

Nossa Constituição Federal diz que a pena de morte só pode ser aplicada na guerra. Mas, sob o ângulo de confronto com a criminalidade, estamos em uma espécie de guerra. E uma guerra toda especial, particular: os criminosos presos podem nos matar e nós podemos apenas fazer discursos, que só os matarão de for a custa de tanto rir.

 

Dirão, os inimigos da pena capital, que esta representa a barbárie e tem sido abolida em muitos países justamente pelo horror que inspira. Sabe, porém, o leitor, porque a pena capital adquiriu essa aura de primitivismo? Porque não houve um adequado “contraditório cinematográfico”. Explico: cinema e televisão, nos países que adotavam a pena máxima, exibiam apenas a cena do condenado sendo morto, na cadeira elétrica ou na sala em que recebe as injeções. A primeira apenas para dormir, a seguinte para morrer de fato (uma verdadeira eutanásia, morte sem dor). O público, no caso da forca ou cadeira elétrica, vê o condenado se contorcendo e isso basta para decidir pela abolição dessa pena. Fica condoído, e com razão, porque é um ser sensível. No entanto, se, pouco antes da cena de execução, ele assistisse a um quadro em que atores profissionais representassem a cena do condenado esfaqueando, atirando, estrangulando ou estuprando sua vítima, o sentimento de indignação levaria o público a pensar que, perto do que ele fez, a pena de morte até seria muito branda. Mesmo porque o condenado não concedeu à vítima — geralmente inocente — o direito de se defender, enquanto ele, condenado, se defendeu de todas as formas imagináveis através da benevolente legislação processual. O réu sempre tem direito a um defensor, mesmo pago pelo Estado. A vítima, não teve quem a defendesse naquele momento de terror.

 

No Brasil, conhecido o seu sentimentalismo e gosto pelos programas de auditório, com luta volúvel pelos níveis de audiência, se adotada a pena de morte, esta teria que ser aplicada com certa celeridade. Com justiça e celeridade. Condenado o réu a essa pena, sua apelação teria absoluta prioridade de julgamento tanto no tribunal de apelação quanto nos tribunais superiores. Ao contrário dos EUA, em que o condenado pode esticar por mais de dez anos a data da execução, sempre alegando que encontrou uma prova nova. Essa estranha — para um país tão prático — “abertura” fortalece o argumento de que a pena de morte torna caríssima a pena máxima. E os “erros judiciais” que ocorrem lá relacionam-se, quase sempre, com casos de estupro seguido de homicídio. O exame de DNA do sêmen provaria que não foi o réu o estuprador. Mas parece haver, naquele país, um certo preconceito exagerado contra o acusado de qualquer crime relacionado com o sexo, o que não existe no Brasil. Relembre-se o que ocorreu com Mike Tyson, acusado de estupro de uma moça que foi com ele para o quarto dele, de madrugada, e no último segundo, o decisivo, alegou depois ter mudado de idéia.

 

Alega-se que a Constituição assegura o direito à vida. Claro, seria ridículo se não assegurasse justamente o maior dos direitos. Mas esse direito deve ser assegurado também, e com muito mais razão, às vítimas dos grandes criminosos. E não se argumente que a pena de morte não intimida. O senso comum diz o contrário. Pergunte-se a qualquer presidiário se ele quer morrer já. Não quer. E se a pena de morte não intimida pelo menos faz cessar, apaga, para sempre, o criminoso que se concede o direito de matar qualquer um que esteja dentro ou fora da cadeia. Experimentando o próprio veneno, que aplica a bel prazer, sem medo de conseqüências, certamente passaria a ter outro comportamento. Teriam algo a temer, o que não ocorre agora.

 

O que foi dito acima não impede, por outro lado, o direito do preso de usufruir os direitos que por lei, lhe foram concedidos. Se há alguma benevolência, que se altere a lei.

 

Se alguém conhece outro remédio para conter a audácia do crime organizado, remédio que dispense o medo das conseqüências, que nos explique, porque desconhecemos.

 

Finalmente, que se arquive a falsa idéia de que quem é a favor da pena de morte é necessariamente um sujeito perverso, inimigo da “vida”. Pelo contrário. Os que conheço são pessoas equilibradas, com senso de justiça, porém realistas e que prefeririam que o Brasil não precisasse de punição tão extrema. Mas não é o caso, hoje, quando o direito à vida se mostra tão banalizado. Uma ficção para o cidadão comum e uma couraça pétrea para o bandido que manda matar à vontade.

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. O seqüestro do repórter da TV Globo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/o-sequeestro-do-reporter-da-tv-globo/ Acesso em: 22 nov. 2024
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