Direito Penal

O Estado versus libertários, o direito de matar em legítima defesa

A crescente violência no Brasil tem acirrado os ânimos ao debate quanto ao direito de legítima defesa. Pelos direitos humanos, a vida é o bem supremo, muito maior do que bens e patrimônios. Nesse caso, há uma presunção de culpa [responsabilidade objetiva] do cidadão que tira a vida de concidadão, mesmo que este seja assaltante, estuprador. Contudo, ainda nos direitos humanos, a legítima defesa é um direito, natural, de qualquer ser vivo, principalmente o animal humano, de se defender, isto é, defender e preservar sua vida.

LIBERTARISMO

Pela Filosofia Libertária, qualquer ser humano é livre para fazer o que bem entender com sua vida. O Estado, por sua vez, não pode ditar regras [art. 5º, II, da CF/88] aos cidadãos. Pela Lei da Natureza, que existe muito antes do ser humano, e da existência do Estado, a vida é o bem maior, não importando a natureza, a condição do ser humano. O direito à propriedade é outra condição natural ao ser humano. Quem tem direito à propriedade? Quem chega primeiro, quem efetua algum ato, desde pegar uma pedra até plantar algo — não há necessidade de construir cerca para delimitar a propriedade. A pessoa que assim procede, tem direito de se apropriar de tudo que existe na localidade. E ela tem direito, natural, de protegê-la de qualquer intruso, seja animal não humano e o próprio animal humano. Só entra, visita ou permanece na propriedade se o dono permitir. O dono é o senhor da propriedade. É direito natural do proprietário defender sua propriedade de qualquer intruso. E o dono pode usar quaisquer meios disponíveis para defendê-la. Por exemplo, se João, que é proprietário, avista um estranho, e não permite que este ingresse na propriedade. João tem o direito natural de cessar a intenção do estranho. João pode usar quaisquer meios necessários para impedir que o estranho adentre na propriedade. “Ei, você [estranho], pare imediatamente, ou atirarei”, diz João. Se o estranho — mesmo que seja um oficial de Justiça, mesmo que seja um carteiro — não lhe obedecer, João pode impedi-lo, sem hesitar. Pode João desferir um ou mais tiros no estranho. A vida do estranho, agora está nas mãos de João. João pode decidir se apenas fere o estranho, para depois retirá-lo da propriedade, ou matá-lo, para acabar logo de vez com a dúvida: Será que ele [estranho] retornará para se vingar”?

Pelos libertários, cada ser humano pode dispor de sua vida, de seus bens e patrimônios, como bem quiser. Se uma pessoa deseja dar tudo que possui, e mesmo assim ficar na miséria, ninguém pode, seja familiar, parentes e o próprio Estado, contradizê-lo, impedi-lo. Da mesma forma que o ser humano pode dispor de tudo que tem, até de sua vida, não pode nenhum ser humano tomar o que não lhe pertence. Se uma pessoa tem dez maçãs, e há pessoas famintas, nenhuma destas podem tomar [roubar], exigir que o possuidor original das maçãs lhes dê algumas. O Estado, por sua vez, jamais pode exigir, coagir o possuidor das maçãs doar, distribuir algumas para mitigar a fome que assola o grupo.

ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

No ordenamento jurídico brasileiro, a legítima defesa é possível [permitida pelo Estado]:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Porém, a legítima defesa não pode ser usada de qualquer maneira. Quem se defende [direito natural dos libertários] deve usar os meios necessários, porém de forma proporcional; o Estado passa a exigir proporcionalidade nos meios empregados para se defender, ou seja, o Estado dita, por coação, qual o limite da legítima defesa. A coação, pela visão libertária, é contra o direito natural de qualquer pessoa em se defender. No exemplo [João e o estranho], o possuidor, em legítima defesa, pode fazer o que bem quiser. João imagina que o estranho irá lhe assaltar [legítima defesa putativa]; com arma em punho, João desfere vários tiros, sendo que o estranho está a dez metros de distância, aparentemente o estranho está desarmado — não possui arma de fogo em suas mãos. Após os tiros desferidos no estranho, e este caído, João se locomove, se aproxima do estranho, dispara mais quatro tiros para cessar a possível vingança futura [legítima defesa subjetiva]. Para o ordenamento jurídico brasileiro, João cometeu crime, por exceder os limites legais — exercício arbitrário das próprias razões (art. 345); para os libertários é coação do Estado, pelo Direito Natural, condenar João por excesso. João tem o direito de defender seu patrimônio como bem quiser, o Estado não pode ditar normas jurídicas de” proporcionalidade “,” razoabilidade “na ação de João. Agindo assim, o Estado coage, rouba o Direito Natural de João de se defender como bem quiser. É direito, pela Lei Natural, de João tomar uma inciativa qualquer, seja ela de permitir que o estranho entre ou não; é direito de João, caso queira impedir o ingresso, ou mesmo continuar a permanência, do estranho.

A VISÃO LIBERTÁRIA DE JAIR BOLSONARO

O deputado Jair Bolsonaro apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7104/14. Em síntese, o possuidor ou o proprietário têm o direito de defender o imóvel. Lembra do exemplo de João e o estranho? O Projeto de Lei 7104/14 garante o pleno Direito Natural de agir, defender e proteger contra qualquer estranho. Por que eu não disse bandido? Recorda do exemplo entre João e o estranho? João não tinha plena convicção sobre o comportamento e intenções do estranho. Ao ver o estranho, João, pelo Direito Natural [libertários], tem o direito de defender, impedir o trânsito, em sua propriedade, de pessoas não autorizadas. João vê o estranho em sua propriedade, e resolve cessar a” invasão “[legítima defesa putativa ou imaginária].

AS CONSEQUÊNCIAS DO PROJETO

O exemplo apresentado [João e estranho] pode ser aplicado, caso o PL 7104/2014 seja aprovado: “Explicação da Ementa: Contra pessoa não autorizada a entrar”. Imagine estes exemplos:

· Você está em sua residência com sua família, de repente escuta um barulho no quintal. Você pega seu revolver, avista uma criança negra que nunca viu;

· Você está em sua residência com sua família, de repente escuta um barulho no quintal. Você pega seu revolver, avista uma criança branca que nunca viu.

Nos dois casos, seja verdadeiro, já que ninguém saberá sobre seus pensamentos, qual seria a sua reação? Em qual exemplo você logo dispararia? Parece racismo de minha parte, mas pelo que já examinei na internet, os comentários sobre” criminosos natos “são os negros, os moradores das favelas. Digamos que você não atire, por se tratarem de criança, você não é racista. Porém, seu senso moral, seja qual for, retarda sua ação de atirar [reflexo], e lhe causa problemas: a criança foi usada para lhe distrair. Há um adulto, ou adolescente, segurando uma arma de fogo, ele está escondido atrás da árvore que você tem em seu quintal. Observando-lhe, o real criminoso espera que você relaxe na postura de defesa. Pronto, o homem [invasor] brada “assalto”.

O PL 7104/2014 garante o Direito Natural de proteger sua propriedade. O vislumbre de pessoa estranha já lhe permite agir, como bem quiser. Não haverá, posteriormente, condenações [coação] pelo Estado. Necessário transcrever parte do PL 7104/2014:

A alteração proposta ao Código Penal brasileiro tem por objetivo resguardar o ambiente domiciliar do cidadão de bem que comumente se vê surpreendido pelo ingresso de assaltantes que, além de prejuízos materiais, por vezes, atentam contra sua integridade física e de seus familiares. [grifo]

No exemplo da criança e do homem escondido, você, se não atirou na criança, por achar que ela, por ser criança, é um ser inocente — estou pensando que você acha que criança é inocente —, foi pego de surpresa. Sua decisão lhe prejudicou depois. Você olhou a criança e não pensou que ela era assaltante. Tudo bem, ela é cúmplice. Digamos que, pelo PL 7104/2014, você resolve atirar logo na criança. Digamos que ela pulara o muro para pegar uma pipa. Você matou, e pronto. É seu direito de proteger sua propriedade, e principalmente sua família. A sua reação foi instintiva, ou seja, um reflexo, principalmente pelo seguinte motivo, a violência urbana é catastrófica. Pergunto-lhe, como ficaria após matar um inocente? Suas emoções, as emoções de sua família? Você e sua família se sentiriam assassinos? Ou somente um cidadão que” protegeu “sua propriedade?

O PL 7104/2014 tem o propósito de inibir assaltos. Quem pensar em assaltar ficará com medo [fator inibidor] de morrer. Todavia, sejamos realistas, para você defender sua propriedade precisará de arma de fogo. A maioria dos assaltantes têm arma de fogo, e você precisará de uma. O Estado, porém, dita regras para se ter arma de fogo, e há discussões calorosas sobre isto. Pela Filosofia Libertária, o fabricante de armas de fogo tem o Direito natural de comercializá-las como bem quiser. Pode o fabricante escolher para quem venderá, pelo preço que achar” justo “. Se os fabricantes disserem que não venderão em certa localidade, mesmo que você seja um cidadão que jamais cometerá crime, você ficará desprotegido, já que não poderá comprar arma — e as fronteiras do Brasil são bem vigiadas, pensemos assim. Se a arma de fogo é cara, você não tem dinheiro para comprá-la, mesmo pegando empréstimo, logo ficará desprotegido. Se você pensar que o Estado deve coagir os fabricantes para tornar o preço acessível a todos os brasileiros [pessoas honestas e de bem], você está admitindo coação do Estado, isto é, você está retirando o Direito Natural dos fabricantes de comercializarem como bem entenderem. Você não está sendo” libertário “, está sendo utilitarista: a maximização da felicidade das pessoas que merecem ser felizes, no caso, os cidadãos não criminosos.

Nada mal, assim você pode pensar, no utilitarismo, de que pessoas de bem tenha direito de ter arma de fogo. Só que, não esquecendo, você está permitindo que o Estado interfira, isto é, o Estado estará coagindo os fabricantes de arma a venderem por preço mais baixo, de forma que todos os cidadãos, de bem, possam comprar arma. Se o Estado coage, futuramente ele poderá ditar novas regras, e você poderá ter seu Direito natural limitado pelo Estado. No entanto, digamos que todos os brasileiros, de bem, usem o utilitarismo e ditem regras ao Estado, de que somente as pessoas que jamais cometeram crime são legítimas para terem arma de fogo. Não se esqueça que ter arma de fogo não é sucesso em sua defesa pessoal. Os cidadãos, chamaremos de criminosos, sejam casuais ou contumazes, têm condições de comprarem armas de forma ilegal. Bom, comprar de forma ilegal, pelo motivo de que, no exemplo, no Brasil, não há liberdade [libertarismo] de escolha para os fabricantes de arma em território nacional. Porém há para os fabricantes de outros países. Se nas fronteiras brasileiras não houver constante vigilância para coibir o ingresso ilícito de arma de fogo, provavelmente você terá uma arma que parecerá mais de brinquedo. Os desdobramentos da questão são muitos, e não os farei, para não torna o artigo cansativo.

O cerne da questão é, matar em legítima defesa. Como no exemplo de João e o estranho, talvez não tenham dúvidas. Quanto no exemplo da criança no quintal, a situação se torna mais complexa. Ou se atira, ou não se atira. Não cabe valores morais e religiosos no libertarismo. A propriedade é sua, você tem o Direito Natural de agir, de impedir que estranho ingressem. Você também tem o direito de não reagir. É uma escolha pessoal. Entretanto, o invasor além de não ter o direito, pela Lei da Natureza, de entrar sem o seu consentimento, também não tem o direito de matar você, ou qualquer outra pessoa, muito menos roubar. É possível retirar dentro de você os valores morais e religiosos? Matar uma criança, e saber que ela somente queria pegar uma pipa em sua propriedade, não lhe causará, posteriormente, transtornos emocionais? Mudarei um pouco. Imagine você correndo de um assaltante armado. Você pula um muro, entra [invasor] numa propriedade, o dono, cujo pensamento é de libertário, resolver disparar. Você é alvejado. Caído no solo, você vê o proprietário apontando o cano da arma para você. Você roga por sua vida, justifica sua invasão, mas o proprietário, pelo Direito Natural, resolve disparar.

É preciso pensar muito sobre prós e contras. Não há uma resposta pronta. Existe violência, assustadora, urbana e rural. O Estado não age com eficiência para diminuir, ou terminar, com os crimes diversos. Os cidadãos, chamarei de” cidadãos de bem “, são assaltados à luz do dia, o Estado pune excesso na legítima defesa, os criminosos se sentem tranquilos para fazerem o que bem quiserem, já que existem vários mecanismos para diminuir o tempo de pena [progressão de pena], a pena máxima no Brasil é de 30 anos. Tem-se também os centros universitários da criminalidade, os presídios. Policiais são mortos, os criminosos possuem armas sofisticadas e de calibres maiores. O cidadão de bem sente pavor de ser preso, o que lhe cria resistência de agir [libertarismo].

O artigo não dá resposta sobre o assunto, mas invoca o raciocínio próprio. Decisões causam efeitos, e cada qual é responsável pelos efeitos. Estamos em 2016, e há eleições. Saber quem escolher é determinar escolhas para a própria vida.

Sérgio Henrique da Silva Pereira: articulista, colunista, escritor, jornalista, professor, produtor, palestrante. Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], Investidura – Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação.

Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. O Estado versus libertários, o direito de matar em legítima defesa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/o-estado-versus-libertarios-o-direito-de-matar-em-legitima-defesa/ Acesso em: 22 nov. 2024
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