RESUMO INFORMATIVO: O presente trabalho decorre da observação da relevância da tipificação criminal da conduta constante do art. 168-A do CPB, bem como
da importância de que a reprovabilidade estatal ao delito de apropriação indébita previdenciária seja tratada com contornos de razoabilidade e
proporcionalidade. A partir da criteriosa análise de diversas decisões e sentenças proferidas por magistrados federais, este signatário valeu-se de
pesquisas jurisprudenciais envolvendo posicionamentos de altas autoridades da Magistratura Federal de 2ª Instância e preleções doutrinárias de mestres
renomados do Direito Penal acerca do assunto, manejando metodologia inerente ao sopesamento de valores sócio-jurídicos postos em contra-choque, com a
finalidade de colocar em destaque a louvável iniciativa do legislador penal infraconstitucional e a nobilíssima tarefa auferida os pretórios federais,
no sentido de impor delimitação razoável ao escopo do dispositivo penal sob comento, sem deixar de lado a intenção primária do legislador, para, ao
final, concluir pelo acerto na dose de reprovabilidade imposta à conduta, bem como na medida de equanimidade traçada pela jurisprudência federal mais
abalizada, no que se refere à amplitude com que deve ser abordada a extinção da punibilidade do delito em tela na hipótese de pagamento integral.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.Considerações contextuais. 3. Desenvolvimento da linha de intelecção. 4. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO.
A atual redação do art. 168-A do Código Penal Brasileiro, trazida à baila pela Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, foi
estatuída com o claro escopo de coagir as empresas a efetuarem o correto recolhimento de suas contribuições previdenciárias.
Sem olvidar a patente independência entre os mais diversos ramos da ciência e da própria positivação do direito pátrio, há que se
sobrelevar a importância da conduta do legislador ao incorrer na tipificação cada vez mais abrangente de ilícitos tributários, e isto mormente em face
do alto grau de lesividade em determinados comportamentos encetados por cidadãos/contribuintes, as quais culminam por acarretarem em vultoso dano para
os interesses do erário público como um todo, em especial, para o déficit previdenciário que se avoluma com o perpassar do tempo.
Entretanto, afigura-se imperiosa, em momento anterior a quaisquer outras análises em derredor da matéria ora sob comento,
que se efetue a transcrição da norma incriminadora ora sob comento:
Art.168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal
ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido
descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à
venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa
pela previdência social.
§2º É extinta e punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições,
importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação
fiscal.
§3º É Facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a multa se o agente for primário e de bons
antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida denúncia, o pagamento da contribuição sócia
previdenciária, inclusive acessórios;ou
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela
previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
02. CONSIDERAÇÕES CONTEXTUAIS
Num primeiro diapasão, comporta destacar que, para fins da caracterização do delito em tela (Art.168-A,CPB), propriamente dito,
não se afigura suficiente, simplesmente, a mera ausência do repasse. Registre-se, nesse interrregno, que a apontada mera ausência de recolhimento de
tributo, consoante já sedimentado no corpo da jurisprudência federal mais abalizada, não configura delito de natureza tributária capaz de render ensejo
ao “jus puniendi” estatal. Efetivamente, há que se sopesar, em cada hipótese concreta, a concorrência do dolo específico do agente, qual seja,
de deixar deliberadamente de repassar os montantes correspondentes às contribuições previdenciárias, de forma a exbordar em dois consectários bem
distintos, quais sejam, enriquecimento ilícito de sua parte e prejuízo para a esfera de interesses financeiros e patrimoniais da Previdência Social.
Feitas tais matizes de considerações, impõe-se consignar que assunto jungido à matéria ora sob comento, apto a
gerar determinada densidade de celeuma jurídica, corresponde às hipóteses em que, não obstante verificada a incorrência do agente na prática delituosa
ora em apreço, ainda assim militará em seu favor alguma das hipóteses de extinção da punibilidade inerentes à espécie criminal entelada.
O Código Penal estabelece causa especial de extinção da punibilidade para os crimes previstos no art. 168-A
e seu §1º, qual seja, “è extinta e punibilidade se o agente espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou
valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal”.
3. DESENVOLVIMENTO DA LINHA DE INTELECÇÃO
Entretanto, no ordenamento jurídico processual atualmente m vigor, mormente em face do teor da Lei nº 10.684, de 30 de maio de
2003, paira a suspensão da pretensão punitiva estatal no período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no regime de
parcelamento de débito, durante o qual não tem curso a prescrição.
Aqui, nesse ponto, cumpre a este signatário modestamente, posicionar-se segundo a intelecção dos festejados
doutrinadores Julio Fabbrini Mirabete* e Renato N. Fabbrini*, os quais prelecionam no moldes que se seguem:
“O pagamento integral do débito extingue a punibilidade, não se exigindo que seja efetuado antes da ação fiscal ou da ação penal”
Nesse justo interregno, cabe uma digressão relevante e oportuna.
A exegese conferida ao tema jungido à extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito direciona no sentido
de outorgar uma interpretação substancialmente mais extensiva a militar em prol dos interesses dos agentes responsáveis pela prática da figura típica
do art. 168-A do CPB.
Esclarece-se.
Efetivamente, respeitados eventuais posicionamentos contrários, a jurisprudência e a doutrina atuais mais abalizadas,
merecendo destaque as mais consolidadas decisões proferidas no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Egrégio Tribunal Regional Federal da
1ª Região corroboram fielmente a intelecção segundo a qual o pagamento integral do débito acarreta suspensão da exigibilidade, ainda na hipótese de ser
efetuado após o oferecimento da denúncia.
Consiste, em realidade, dentro dessa linha de entendimento, em honrosa homenagem a corolários basilares do sistema
jurídico-constitucional em vigor, consagrados na Carta Magna, tais como os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Nesse passo, tenho por bem em trazer à lume excertos de recentes julgados cujas relatorias foram auferidas ao
Excelentíssimo Senhor Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Dr. Arnaldo Esteves Lima, bem como ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Dr. Mário César Ribeiro, eis que prelecionam assazmente acerca do assunto ora sob comento, “ipsis litteris”
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART.168-A DO CP. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. ARTIGO 9º, § 2º, DA LEI N.
10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tipificado no artigo 168-A do Código Penal, por força do artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei
n. 10.684/2003, de eficácia retroativa por ser mais favorável ao réu. Precedentes do STJ e do STF.
Processo: ACR 0036858-11.2004.4.01.3400/DF; APELAÇÃO CRIMINAL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO Revisor: DESEMBARGADOR
FEDERAL HILTON QUEIROZ Órgão Julgador: QUARTA TURMA Publicação: 12/05/2010 e-DJF1 p.73 Data da Decisão: 27/04/2010
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EFEITOS
PENAIS REGIDOS PELO ART. 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PACIENTES GESTORES E ADMINISTRADORES DA
EMPRESA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Com a edição da Lei 10.684/2003, deu-se nova disciplina aos efeitos penais do pagamento do tributo, nos casos dos crimes previstos nos arts. 1º
e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e 168-A e 337-A do Código Penal. 2. Comprovado o pagamento integral dos débitos oriundos da falta de
recolhimento de contribuições sociais, ainda que efetuado posteriormente ao recebimento da denúncia, extingue-se a punibilidade, nos termos do 9º,
§ 2º, da Lei 10.684/03. 3. Não se pode ter por inépta a denúncia que descreve fatos penalmente típicos e aponta, mesmo que de forma geral, as
condutas dos pacientes, o resultado, a subsunção, o nexo causal (teorias causalista e finalista) e o nexo de imputação (teorias funcionalista e
constitucionalista), oferecendo condições para o pleno exercício do direito de defesa, máxime se tratando de crime societário onde a jurisprudência
tem abrandado a exigência de uma descrição pormenorizada das condutas. 4. Ordem parcialmente concedida para determinar o trancamento da ação penal,
exclusivamente, em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária.
4. CONCLUSÃO
Concluindo, é de se ter por induvidoso que a iniciativa legislativa de tipificar criminalmente a conduta
correspondente à apropriação indébita especificamente previdenciária rende espaço à ilação de que o bem jurídico tutelado, qual seja, a incolumidade da
esfera de interesses financeiros e patrimoniais da Previdência Social, está a desfiar, cada vez mais, condutas legiferantes a serem, efetivamente,
encetadas pelos legisladores infraconstitucionais, dada a relevância da ordem previdenciária para toda a coletividade, uma vez patente a influência da
conjuntura do sistema previdenciário a repercutir, de forma determinante, inclusive, nos dados estatísticos da macro-economia nacional.
Ao final, de outro diapasão, diametralmente diverso, afigura-se absolutamente oportuna e adequada a exegese que
vem sendo outorgada pelos pretórios federais à amplitude da hipótese de extinção da punibilidade em caso de pagamento integral do débito, como forma de
pautar-se o ordenamento segundo a linha de princípios e preceitos por si firmados, tais como o da razoabilidade e proporcionalidade, de forma
derradeira, portanto, a não exbordar a postura inibitória estatal em ocasião para manejo desnecessário da máquina judiciária, especificamente nas
situações em que o agente, espontaneamente, houver por bem em efetuar o pagamento de todas as contribuições, importâncias e valores devidos à
previdência social, ainda que em momento posterior ao oferecimento da denúncia.
De tais vértices, emerge cristalino o louvável encetamento de diligências jurídico-processuais concebidas de
forma racional e harmônica, de molde a propiciar um combate eficaz e, ao mesmo tempo, sem olvidar parâmetros de sensatez, no que se refere à prática
delituosa ora em apreço.
REFERÊNCIAS:
IBRAHIM, FÁBIO ZAMBITTE, CURSO DE DIREIRO PREVIDENCIÁRIO, 5ª EDIÇÃO, Editora Impetus, 2005, Niterói(RJ)
MANUAL DE DIREITO PENAL, MIRABETE, JULIO FABBRINI e FABBRINI, RENATO N, 25ª EDIÇÃO EDITORA ATLAS, 2006, SÃO PAULO
ACR 0036858-11.2004.4.01.3400/DF; APELAÇÃO CRIMINAL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO
*Emerson Aguiar, Chefe de Gabinete – Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 2ª Vara Especializada Criminal – Seção Judiciária do Estado da
Bahia – c\c Auxílio Técnico Jurídico à 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado da Bahia, Articulista Jurídico,
Parecerista/Avaliador Ad Hoc da Revista CEJ – Centro de Estudos Judiciários do STJ – Superior Tribunal De Justiça, Ex-Chefe de Gabinete da 5ª Vara
da Seção Judiciária da Bahia, Ex-Chefe de Gabinete da Vara Única da Subseção Judiciária de Itabuna[BA], Ex-Assistente Técnico de Apoio ao Gabinete
da Vara Única da Subseção Judiciária de Ilhéus[BA],Ex-Analista de Recursos Humanos da EMASA – Empresa Municipal de Águas e Saneamento S/A –
Itabuna[BA], Ex-Integrante das Equipes de Telejornalismo da Televisão Santa Cruz Ltda. (Afiliada Rede Globo – Sul da Bahia) e da TV Cabrália Ltda
(Afiliada Rede Record – Nordeste), Ex-Professor de Direito do Trabalho e Ex-Professor de Direito Processual do Trabalho da Universidade Estadual de
Santa Cruz – UESC, Ex-Advogado Militante nas Comarcas de Itabuna, Ilhéus, e outras do Sul da Bahia.