A quebra do sigilo telefônico de pessoa jurídica pode? E se não for crime ambiental?[1]
O Tribunal Regional Federal da 3ª. Região negou o pedido de liminar feito pelo jornal Diário da Região que tentava suspender a determinação de quebra de sigilo telefônico do jornal. De acordo com decisão do Juiz Federal Mauricio Kato, a defesa do periódico não apresentou documentação que comprovasse lesão que justificasse a liminar.
No Mandado de Segurança com pedido de liminar o jornal alegou que a quebra de sigilo determinada pelo Juiz Dasser Lettiére Júnior estava com fundamentação precária, sem indicar a real motivação e qualquer circunstância concreta que demonstrasse a necessidade da medida.
A pedido do Ministério Público, a 4ª. Vara Federal de São José do Rio Preto determinou a quebra do sigilo telefônico do jornal com o objetivo de descobrir quem foi a fonte que passou informações sobre uma operação da Polícia Federal sobre um esquema de corrupção na delegacia do trabalho local.
O Juiz Dasser Lettiére Júnior determinou que as operadoras TIM, OI, Vivo, Claro e Telefônica informem as linhas telefônicas registradas no CNPJ do jornal. A decisão foi tomada no Processo nº. 000702914.2011.4.03.6106, in verbis:
“Aprecio o pedido de quebra de sigilo telefônico formulado pela autoridade policial (fls. 279/280).Alega a autoridade signatária que os dados necessários ao procedimento investigatório somente podem ser obtidos mediante requisição judicial.Porém, observo nestes autos, indícios de fatos graves a serem apurados. Se imprescindível, como sustenta a autoridade policial, a obtenção de informações para apuração dos fatos, é de se deferir a ruptura do sigilo telefônico com a finalidade de obter os números de eventuais linhas pertencentes ao CPF do investigado, bem como em nome da empresa Publicidade Rio Preto Ltda./Diário da Região.Vigendo no processo penal o princípio da verdade real, certamente as diligências só virão trazer mais elementos para uma melhor prestação jurisdicional, seja para comprovar ou para infirmar os fatos em torno dos quais se desenrola a persecução criminal. De uma forma ou de outra, a Justiça sairá privilegiada.Assim, cumprido o artigo 93, IX da Constituição Federal, DEFIRO o pedido da autoridade policial, para determinar a expedição de ofício às concessionárias de serviços telefônicos TIM, OI, VIVO, CLARO e TELEFÔNICA S/A para que informem as linhas telefônicas registradas no CPF nº 268.244.38855,em nome de Allan de Abreu Aio, bem como em nome da Empresa de Publicidade Rio Preto Ltda./Diário da Região, inscrita no CNPJ sob nº 59.963.488/000103.As informações assim prestadas serão obrigatoriamente juntadas no presente feito, ficando vedada a extração de cópias, salvo expressa autorização deste Juízo.Anoto o prazo de 30 dias para cumprimento.Com as informações, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal nos termos da resolução nº63 de 26/06/2009 do CNJ e do art. 264Bdo Provimento COGE nº 64/2005 (com redação dada pelo Provimento nº 108 de 10/09/2009).Face ao teor do ofício de fls. 297, oficie-se ao Delegado de Polícia Federal subscritor daquela peça informando que a Empresa Brasileira de Telecomunicações respondeu, através de ofício recebido neste Juízo em 27/05/2013, a impossibilidade de prestar as informações requisitadas, bem como de que não houve qualquer justificativa acerca do não atendimento no prazo determinado por este Juízo. Instrua-se com cópia de fls. 207, 210, 213 e 291.Cumpra-se.” (grifei, estupefato!)
“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar,impetrado por Empresa de Publicidade Rio Preto Sociedade Anônima contra ato do MM° Juiz Federal da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que deferiu o pedido da autoridade policial, para determinar a expedição de ofício às concessionárias de serviços telefônicos para que informassem as linhas telefônicas registradas em nome da ora impetrante, nos autos n° 0007029-14.2011.403.6106. Alega, em síntese, que referida decisão que concedeu a quebra de sigilo encontra-se com precária fundamentação, sem indicar a real motivação e qualquer circunstância concreta e específica do caso que demonstrasse a necessidade e a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional em relação à impetrante. É o relatório. Decido: o magistrado de primeiro grau deferiu o pedido da autoridade policial, para determinar a expedição de ofício às concessionárias de serviços telefônicos para que informassem as linhas telefônicas registradas em nome do ora impetrante, sob os seguintes fundamentos:(…) observo, nestes autos, indícios de fatos graves a serem apurados. Se imprescindível, como sustenta a autoridade policial, a obtenção de informações para apuração dos fatos, é de ser deferir a ruptura do sigilo telefônico com a finalidade de obter os números de eventuais linhas pertencentes ao CPF do investigado, bem como em nome da empresa Publicidade Rio Preto Ltda./Diário da Região.Vigendo no processo penal o princípio da verdade real (sic)[2], certamente as diligências só virão trazer mais elementos para uma melhor prestação jurisdicional, seja para comprovar ou para infirmar os fatos em torno dos quais se desenrola a persecução criminal. De uma forma ou de outra, a Justiça sairá privilegiada. Compulsando os autos, verifica-se que a impetrante não instruiu o presente mandamus com a cópia do inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática do delito previsto no artigo 10 da Lei nº 9.296/96, a comprovar o direito que pretende ver amparado.Com efeito, o mandado de segurança instaura procedimento de caráter eminentemente documental, de modo que a pretensão jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante provas documentais previamente constituídas e hábeis a comprovar a ameaça ou lesão ao direito subjetivo invocado na inicial.Por esses fundamentos, não restando caracterizada qualquer violação a direito líquido e certo, por ora, indefiro o pedido liminar.Requisitem-se informações à autoridade impetrada, que deverão ser prestadas no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei nº12.016/2009.Após, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.Intimem-se.São Paulo, 23 de dezembro de 2014.” Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2014, 15h59. (idem)
Pois é, agora quebra-se o sigilo telefônico de uma pessoa jurídica, não acusada de praticar um crime ambiental (o que, em tese, seria possível), nada obstante o nosso posicionamento absolutamente contrário à responsabilidade penal da pessoa jurídica, seja crime ambiental ou não – a Constituição Federal, ao contrário do que se afirma, não o autoriza, muito pelo contrário.
Pois bem.
Como se sabe, o art. 5º. X da Constituição Federal estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Em complemento, o inciso XII impõe a inviolabilidade do “sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” (grifei).
O texto constitucional, portanto, fez uma ressalva expressa em relação aos últimos referidos sigilos. A propósito, veja-se a Resolução nº. 59, art. 10, II, do Conselho Nacional de Justiça.
Também como se sabe, o âmbito de abrangência da Lei nº. 9.296/96 (que regulamentou o inciso por último transcrito) apenas permite a interceptação e escuta telefônicas, não a gravação que, além de prova ilícita, pode caracterizar o crime de divulgação de segredo (art. 153, Código Penal).
Tal ato investigatório, nada obstante sê-lo, tem valor probatório por ser de natureza cautelar ou, como prefiram, irrepetível (art. 155, Código de Processo Penal). As suas hipóteses de cabimento estão previstas nos arts. 2º. e 4º., atentando-se para o art. 282 do Código de Processo Penal.
São seus pressupostos o fumus commissi delicti (indícios razoáveis da autoria), a participação em crime punido com reclusão (atentando-se, evidentemente, para o princípio da proporcionalidade-necessidade e proporcionalidade-adequação, além da ponderação de interesses).
É requisito indispensável para a decretação da medida cautelar o periculum in mora, isto é, tem que se tratar de ato investigatório imprescindível para a investigação criminal ou instrução criminal, daí não admitirmos que tal prova possa ser utilizada no Processo Civil ou Administrativo.
Para ser admitida a violação, é preciso que esteja manifestamente demonstrada de que a sua realização é necessária à apuração do crime (periculum in mora) e a indicação dos meios a serem empregados.
A decisão, além de evidentemente fundamentada (art. 93, IX, CF/88), tem que ser prolatada em 24h, devendo conter a descrição clara da situação objeto da investigação, além da indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade devidamente justificada (art. 2º., parágrafo único).
Em relação ao prazo de duração, determina a lei que o seja de 15 dias mais 15 dias (fundamentadamente) – ver decisões do STF (HC 83.515) e STJ (RHC 15121 x HC 76.686). Neste sentido, deve-se observar que a expressão “uma vez” é uma preposição e não adjunto adverbial. Na Espanha, por exemplo, o art. 579, 3, da Ley de Enjuiciamiento Criminal permite a interceptação por até 3 meses prorrogáveis por iguais períodos (já com a modificação de 25 de julho de 2014). Na Alemanha (§100b.2, StPO), também três meses prorrogáveis por igual período, uma vez.
É possível que fatos novos (não objetos da autorização judicial) ou nomes novos (não indicado pelo Magistrado), possam vir a ser citados: estaremos, então, diante do fenômeno da a serendipidade, ou do encontro casual ou do encontro fortuito.
A respeito, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou decisão do ministro Joaquim Barbosa que determinou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais que reexamine a denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual contra o juiz de Direito W.S.P., com base em prova que aponta a prática, em tese, dos crimes de prevaricação, advocacia administrativa e favorecimento pessoal, pelo envolvimento com delegado de polícia que vinha sendo alvo de interceptação telefônica.
Os Ministros da Segunda Turma rejeitaram agravo regimental apresentado pelo magistrado no Agravo de Instrumento (AI) 626214. Com isso, foi confirmada decisão individual do relator que, dando provimento a este agravo, acolheu o recurso extraordinário do Ministério Público e declarou legítimo o uso de prova obtida casualmente em interceptação telefônica judicialmente autorizada. O TJ-MG havia rejeitado a denúncia contra o juiz sob a alegação de ilegitimidade da prova, com base na Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas (Lei nº 9296/96), já que os crimes imputados ao juiz são punidos com detenção.
“O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais rejeitou a denúncia lastreada em provas de interceptação telefônica licitamente conduzida, considerando ilegítimo seu uso na comprovação de crimes apenados com detenção, diante de expressa vedação legal. Porém, este entendimento afrontou o teor do art. 5º, XII e LVI, da CF, por conferir-lhes interpretação excessivamente extensiva, incompatível com a que já lhes foi dada por este Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição”, disse o ministro Joaquim Barbosa.
A Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas (Lei nº 9296/96), que regulamentou a parte final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, estabelece em artigo 2º, inciso III, que “não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”. A lei foi invocada pelo juiz denunciado no Supremo Tribunal Federal, que alegou ainda a existência de precedentes da Corte contrários à possibilidade de utilização de prova obtida fortuitamente no caso de o crime descoberto ser punido com detenção. O juiz também alegou que o crime objeto da interceptação não guardaria qualquer nexo com o crime que veio a ser fortuitamente descoberto.
O Ministro Joaquim Barbosa esclareceu que no precedente invocado pelo magistrado, o ministro Nelson Jobim assentou seu entendimento no sentido de ser “plenamente constitucional a utilização de material de interceptação telefônica para embasar a denúncia dos crimes apenados com pena de reclusão e os crimes que, embora sejam punidos com detenção, sejam conexos àqueles”.
“Também em meu voto destaquei que a interceptação no caso dos presentes autos foi decretada para que se investigassem crimes apenados com reclusão, tendo sido constatada incidentalmente a ocorrência de outros delitos, estes punidos com detenção. O exame desta questão também deve ser feito à luz do princípio da razoabilidade. No caso em exame não era possível, a princípio, ter certeza sobre a eventual descoberta de crimes apenados com detenção no decorrer das investigações. Assim, embora não decretada para este fim específico, a interceptação serve como prova dos crimes punidos com detenção em vista da licitude da medida”, concluiu o ministro.
De acordo com o Ministério Público, a Justiça autorizou a interceptação das ligações telefônicas feitas por um delegado de polícia que estaria envolvido em vários delitos. No curso da diligência, constatou-se que o juiz de Direito estaria praticando “atos tendentes a subtrair o policial civil à ação da justiça”, razão pela qual lhe foram imputados os crimes de prevaricação, advocacia administrativa e favorecimento pessoal, considerados conexos aos crimes do delegado alvo da investigação.
Posteriormente, por unanimidade, os Ministros da Primeira Turma negaram Habeas Corpus 102304 para o administrador de empresas E.F.T., que responde a processo por corrupção ativa perante a Justiça Federal em Varginha (MG). O advogado pretendia retirar dos autos provas obtidas por meio de escutas telefônicas que, no entender da defesa, teriam sido realizadas de forma ilícita.
Os Ministros entenderam, contudo, que a prova foi obtida de forma legal.Após escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal na linha de um corréu na mesma ação, com a devida autorização judicial, a polícia encontrou indícios da prática do crime previsto no artigo 333 do Código Penal, por parte dos dois.
A relatora da ação, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, rechaçou os argumentos da defesa. Para ela, a conversa entre T.P. e E.F. foi interceptada quando já havia autorização para quebra do sigilo da linha de T.P. e, portanto, foram obtidas de forma totalmente lícita. Se durante uma interceptação se revela uma realidade fática nova, mesmo que sobre terceiros, explicou a ministra, nada impede que essas provas possam ser usadas para sustentar uma persecução penal.
A Ministra lembrou, inclusive, que a autorização de quebra de sigilo telefônico vale não só para o crime objeto do pedido, mas quaisquer outros. Se a interceptação foi autorizada, concluiu a ministra, ela é licita, e captará toda a conversa licitamente.O voto da ministra foi acompanhado por todos os ministros que compõem a Primeira Turma: Dias Toffoli, Ayres Britto, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu:
“O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012.” (HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014).
Ousamos discordar: só admitimos como prova lícita quando se trata de encontro fortuito referente a crimes conexos (art, 76, I, II e III, CPP) ou continência (art. 77, I e II, CPP). O “resto” valerá, no máximo, como uma mera notícia crime a ser investigada pela Polícia, sem a juntada aos autos do inquérito policial ou do processo criminal da transcrição feita a partir da interceptação telefônica.
Aliás, a própria questão da possibilidade da pessoa jurídica vir a delinquir é um tema penal tormentoso em todo o mundo. Os penalistas desde há muito enfrentam esta matéria que remonta à antiga discussão em torno da natureza da pessoa jurídica, é dizer, se se trata de uma mera ficção ou uma realidade.
Basicamente duas teorias enfrentaram o tema: a teoria da ficção, de tradição romanística, foi defendida, dentre outros, por Savigny, Vareilles-Sommières e, de certa forma, pelo próprio Ihering; já a teoria da realidade teve como grande defensor o jurista alemão Otto Gierke, sendo seguido por autores como Von Tuhr e Zitelmann.
Apesar de modernamente preponderar a teoria segundo a qual a pessoa jurídica não se trata de uma mera ficção (como afirmava Savigny), o certo é que também se aceita amplamente que a realidade da pessoa jurídica é inteiramente diversa da realidade da pessoa física. Como ensina o mestre civilista Washington de Barros Monteiro, “a pessoa jurídica tem assim realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições jurídicas.”[3] A pessoa jurídica, no dizer de Miguel Reale, “não é algo de físico e de tangível como é o homem, pessoa natural.”[4]
Mesmo aqueles que se inclinaram pela teoria da realidade nunca aceitaram a possibilidade da pessoa jurídica delinquir, sendo amplamente aceito o apotegma societas delinquere potest.
De fato, a incapacidade penal da pessoa jurídica salta aos olhos quando se estuda a teoria do delito e os seus postulados, dentre os quais o conceito de ação, a culpabilidade e a personalidade da pena, elementos indissociáveis da responsabilização criminal.
É sabido que nullum crimen sine actione e é evidente que ação é necessariamente uma conduta humana; logo só é possível atribuir a autoria de um crime a quem verdadeiramente pode agir, ou seja, o homem. Neste sentido,
Zaffaroni assevera que “en el derecho penal stricto sensulas personas jurídicas no tienen capacidad de conducta, porque el delito se elabora sobre la base de la conducta humana individual, (…) porque el delito según surge de nuestra ley es una manifestación individual humana.”[5]
Efetivamente a ação, como a define Roxin, é um “comportamento humano relevante no mundo exterior, dominado ou ao menos dominável pela vontade. Efeitos causados por animais ou poderes da natureza não constituem ações em sentido jurídico-penal, o mesmo podendo dizer-se dos atos de uma pessoa jurídica.”[6]
Exatamente por isso, Muñoz Conde ensina que “só a pessoa humana, considerada individualmente, pode ser sujeito de uma ação penalmente relevante.” Para ele, “a capacidade de ação (…) exige a presença de uma vontade, entendida esta como faculdade psíquica da pessoa individual, que não existe na pessoa jurídica, mero ente fictício ao qual o direito atribui capacidade para outros efeitos distintos do penal.”[7]
O mesmo entendimento extrai-se de Cerezo Mir para quem “solo puede ser sujeto activo del delito el ser humano”, razão pela qual “la persona jurídica carece, por ello, de capacidad de acción o de omisión en el sentido del Derecho penal. (…) Al carecer las personas jurídicas de capacidad de acción y de omisión, no es posible aplicarles tampoco medidas de seguridad pertenecientes al Derecho penal. La aplicación de estas medidas exige la realización de una acción u omisión típica e antijurídica.”[8]
Desde Mezger afirma-se que o delito é ação (conduta humana), pois “sólo el hombre y sólo el hacer y omitir del hombre es punible.” Diz ele que “sólo es punible, en princípio, el hombre como ser individual. Societas delinquere non potest. Com ello se muestra el Derecho Penal en notable contraste con el Derecho Civil: al delito de la corporación del Derecho Civil no corresponde outro análogo en el campo penal.”[9]
Afirma Wessels que “o ponto de referência no Direito Penal é a conduta humana ligada às consequências socialmente danosas.” Para este autor, “o homem se diferencia de outras formas de vida pelo fato de que porta em si mesmo uma imagem do mundo estampada por representações de valor e está apto, através de sua potencialidade criadora, à configuração sensível de seu meio.”
Exatamente por isso, “capaz de ação em sentido jurídico-penal é toda pessoa natural independentemente de sua idade ou de seu estado psíquico, portanto também os doentes mentais.” Logo, conclui que “as pessoas jurídicas e associações não são capazes de ação em sentido natural.”[10]
Para Hassemer “o dolo e a culpa são os dois elementos de uma conduta humana, dos quais resulta positivamente a possibilidade de imputação subjetiva.”[11]
O mestre italiano Bettiol, após afirmar que “apenas o homem pode agir no campo penal”, afirma que o “sujeito capaz de ação é apenas o homem, entendido como entidade psico-física, como entidade que pode cumprir uma ação animada por um processo psicológico finalístico, ainda que não passível de reprovação”.
Este grande jurista italiano, apesar de admitir que “a pessoa jurídica torna-se centro de imputação de atos de vontade expressos pelas pessoas físicas”, afirma que “o Direito Penal não atua com fundamento nestes critérios normativos.” Para ele, “o Direito Penal pressupõe que os seus violadores responsáveis sejam seres inteligentes, livres e sensíveis. Mas a pessoa jurídica é um ser abstrato, que não tem inteligência, nem liberdade, nem sensibilidade, se bem que, por privilégio da lei, seja capaz de prover; não é, portanto sujeito possível de delito. Isto significa que pelo crime praticado responderá em nome próprio a pessoa física, não a pessoa jurídica.”[12]
Outro jurista italiano, Giulio Battaglini escreveu que “o delito é a violação de norma de comportamento, suscetível de valoração moral. E essa valoração não pode dizer respeito senão à ação humana, pois somente nesta é que se pode encontrar uma vontade moralmente valorável.”[13](Grifo no original).
Gonzalo Rodriguez Mourullo também concorda que “sólo la persona humana puede realizar acciones en sentido jurídico-penal. Acción es únicamente, a estos efectos, el comportamiento dependiente de la voluntad humana”; assim, as pessoas jurídicas são irresponsáveis penalmente, pois “carecen de la voluntad en sentido psicológico que requiere el concepto jurídico-penal de acción.” Diz o jurista espanhol que neste sentido “la capacidad de acción (…) presupone la existência de una voluntad en términos psicológico-naturalísticos, que, por definición, es patrimônio exclusivo de las personas individuales.”[14]
Na doutrina brasileira, prepondera também este entendimento; dentre os autores, destacamos inicialmente o pensamento do Professor René Ariel Dotti:
“O ilícito penal (crime ou contravenção) é fruto exclusivo da conduta humana”, logo “somente a pessoa física pode ser sujeito ativo da infração penal. Apenas o ser humano, nascido de mulher pode ser considerado como autor ou partícipe do crime ou contravenção; somente a ação humana, conceituada como a atividade dirigida a um fim, pode ser considerada como suporte causal do delito.”[15]
Há muito, o mestre Aníbal Bruno, depois de afirmar que “sem ação não há crime, e não existe ação quando falta algum dos seus componentes”, complementa que a ação é constituída pelo “comportamento humano”, um “fazer do agente.”[16]
Na mesma linha de pensamento, destacam-se Luiz Régis Prado para quem “falta ao ente coletivo o primeiro elemento do delito: a capacidade de ação ou omissão (típica)”[17]; para Juarez Tavares, “o conceito de conduta está indissoluvelmente ligado às características da vida humana como vida de relação, da qual emergem todos os aspectos da sociabilidade e da individualidade e pela qual o homem se materializa e se realiza, produz, cresce, organiza e adquire, através de repetições e atividades laborais cada vez mais complexas, possibilidade de formular pensamentos abstratos e propor seus respectivos objetivos.”[18].
Segundo Juarez Cirino dos Santos “é possível concluir que a definição capaz de identificar o traço mais específico e, ao mesmo tempo, a característica mais geral da ação humana, parece ser a definição do modelo final de ação”[19]; e João Mestieri: “a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo por ser incapaz de ação (…). Pelos atos delitivos praticados em nome da sociedade respondem os indivíduos diretamente responsáveis pelos fatos incriminados, e não todos os diretores, como já se pretendeu no Direito Penal Econômico brasileiro.”[20]
Para o saudoso Heleno Cláudio Fragoso a “ação é atividade humana conscientemente dirigida a um fim.”[21]Cezar Roberto Bitencourt aduz que “por ser o crime uma ação humana, somente o ser vivo, nascido de mulher, pode ser autor de crime (…). A conduta (ação ou omissão), pedra angular da Teoria do Crime, é produto exclusivo do homem. A capacidade de ação (…) exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter.”[22]
Também é óbvio faltar capacidade de culpabilidade à pessoa jurídica, entendida aquela como um juízo de reprovabilidade, só passível de ser aferido a partir de um comportamento humano. É inadmissível uma pessoa jurídica praticar um fato culpável, pois “la capacidad (…) de culpabilidad (…) presupone la existência de una voluntad en términos psicológico-naturalísticos, que, por definición, es patrimônio exclusivo de las personas individuales.”[23].
Em conferência realizada na Universidade Central da Venezuela, no ano de 1945, Jiménez de Asúa já afirmava que “la culpabilidad es el conocimiento de la significación del hecho”, logo “la persona moral no puede ejecutar ningún hecho con dolo, ni tampoco la pena no tiene la fuerza de intimidar a una persona moral.”[24]
Battaglini, já citado neste trabalho, asseverava que “fora do homem, não se concebe crime: porque somente o homem possui a consciência e a faculdade de querer, exigidas pela responsabilidade moral, em que fundamentalmente se baseia o Direito Penal. E como as pessoas jurídicas só podem realizar atos jurídicos através de seus representantes, para se sustentar sua capacidade para o crime dever-se-ia reconhecer consciência e vontade no sentido supra mencionado, com referência ao ente representado. Mas isso é inadmissível. Assim é que os entes morais são conceitualmente incapazes de delinquir.”[25]
Também para Welzel “toda culpabilidade é culpabilidade de vontade. Somente o que o homem faz com vontade pode ser censurado como culpabilidade. Seus dons e predisposições – tudo o que o homem é em si mesmo – podem ser mais ou menos valiosos (portanto, podem ser também valorizados), mas somente o que disso faz ou como os empregou, em comparação com o que teria podido fazer deles ou como poderia ter empregado, somente isto pode ser computado como ´mérito` ou ser censurado como ´culpabilidade`.”[26]
Para Muñoz Conde “a capacidade (…) de culpabilidade (…) exige a presença de uma vontade, entendida esta como faculdade psíquica da pessoa individual, que não existe na pessoa jurídica, mero ente fictício ao qual o direito atribui capacidade para outros efeitos distintos do penal.”[27]
Também Cezar Bitencourt aduz com propriedade que “a capacidade (…) de culpabilidade exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter.”[28]João Mestieri também afirma que “a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo por ser incapaz (…) de culpabilidade.”[29]Idêntico pensamento extrai-se da obra de Régis Prado: “a pessoa jurídica é incapaz de culpabilidade (…). A culpabilidade penal como juízo de censura pessoal pela realização do injusto típico só pode ser endereçada a um indivíduo (culpabilidade da vontade). Como juízo ético-jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal pela norma, somente pode ter como objeto a conduta humana livre.”[30]
Aliás, Magalhães Noronha já advertia que a responsabilidade penal da pessoa jurídica seria “inconciliável com a culpabilidade, que é psicológico-normativa, o que impede sua atribuição à pessoa jurídica.”[31]
A propósito, “ser administrador ou sócio de uma empresa não torna uma pessoa responsável por crime ambiental cometido pela companhia. Isso porque a responsabilidade penal ambiental não é objetiva e, sim, subjetiva. Com base nesse entendimento, a 3ª Vara Penal de Barcarena (PA) absolveu quatro diretores de duas acusações de crimes ambientais feitas pelo Ministério Público.As duas ações foram movidas por causa de vazamentos de caulim, um minério usado na produção de papel, cerâmica e tintas que deixa a água esbranquiçada. No primeiro caso, que aconteceu em 2011, a liberação da substância foi motivada por um incêndio provocado por pessoas que até hoje não foram identificadas. Já o segunda vazamento foi em 2012 e liberação da substância deveu-se a uma queda de energia no distrito industrial de Barcarena, onde fica a empresa. O MP apresentou denúncia contra a empresa e os diretores alegando que eles foram omissos e teriam cometeram os crimes dos artigos 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) na forma do artigo 13, parágrafo 2º, do Código Penal. O órgão argumentou que, por se tratar de questão ambiental, não seria necessário provar a intenção de prejudicar (animus laedendi) dos réus. Com isso, pediu a condenação deles.Ao julgar o caso, o juiz Roberto Andrés Itzcovich, destacou que a responsabilidade penal ambiental busca reparação ou compensação pelo dano causado. Por entender que isso tem mais relação com a pessoa jurídica, ele negou a responsabilização objetiva dos executivos.De acordo com Itzcovich, não houve conduta dos diretores — nem ativa nem omissiva — que contribuísse para os vazamentos de caulim. E, “sem conduta materialmente típica, crime não há”, afirmou o juiz. Para fortalecer o seu entendimento, ele citou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus 34.957) que isenta administradores de culpa por danos ambientais quando não for possível provar o nexo causal.O fato de as pessoas figurarem como sócios de uma pessoa jurídica “não autoriza a instauração de processo criminal por crime contra o meio-ambiente se não restar minimamente comprovado o vínculo com a conduta criminosa, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva”, diz a ementa do caso. Dessa forma, o juiz absolveu os diretores das acusações feitas pelo MP. No entanto, ele ordenou o prosseguimento do processo com relação à pessoa jurídica da empresa.” Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2014, 18h41.
A possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica também afronta as teorias da pena, seja quando se fala em prevenção geral ou especial, ou mesmo quando se trata da ressocialização.
Ademais, há o princípio da personalidade da pena, segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art. 5.º, XLV da CF), que impede a aplicação de uma pena a um ente coletivo composto por várias pessoas, muitas delas absolutamente alheias à prática do fato criminoso. Seria mesmo a consagração da odiosa responsabilidade penal objetiva, de triste lembrança.
Valemo-nos mais uma vez do ensinamento de Magalhães Noronha, segundo o qual “a especialização e a individualização da pena, como também a finalidade de reajustamento, tudo isso impraticável com a pessoa jurídica, pois requer a existência do elemento biossociológico.”[32]
Aplicar uma sanção penal a uma corporação significa sancionar penalmente todos os seus membros, ferindo de morte o citado princípio constitucionalmente previsto. Neste sentido, Mourullo afirma que “la capacidad (…) de pena presupone la existência de una voluntad en términos psicológico-naturalísticos, que, por definición, es patrimônio exclusivo de las personas individuales.”[33]
Também Bettiol conclui que “a pessoa jurídica não pode sofrer sob a execução de uma pena, assim como sofre a pessoa física que cometeu o delito”[34], assim como Wessels, para quem “as pessoas jurídicas e associações (…) também não podem ser infligidas com pena criminal.”[35]
Para a solução da questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, poderíamos adotar o que o jurista alemão Winfried Hassemer chama de Direito de Intervenção, uma mescla entre o tradicional Direito Penal e o Direito Administrativo; este novo Direito excluiria as sanções tipicamente penais com garantias menores que o Direito Penal tradicional. Segundo ele, “o Direito Penal não serve para resolver os problemas típicos da tutela ambiental”, tendo nesta seara, simplesmente, um “caráter simbólico, cujo verdadeiro préstimo redunda em desobrigar os poderes públicos de perseguirem uma política de proteção do ambiente efetiva”, pelo que sugere “a criação de um novo ramo de direito. Para o efeito, escolhemos a designação de Direito de Intervenção (Interventionsrecht), mas poderemos designá-lo da forma que mais nos aprouver”, cujas principais características seriam: o seu caráter fundamentalmente preventivo, de imputação de responsabilidades coletivas, sanções rigorosas, com impossibilidade de admitir penas de privação de liberdade, atuação global e não casuística, atuação subsidiária do Direito Penal, como, por exemplo, para dar cobertura a determinadas medidas de proteção ambiental e, por fim, a previsão de soluções inovadoras, que garantam a obrigação de minimizar os danos.”[36] Seria, portanto, um Direito sancionador, sem os princípios, regras e postulados do Direito Penal das pessoas físicas. (Grifos no original).
Efetivamente, como afirma Ana Carolina Carlos de Oliveira, “o Direito de Intervenção serve de alternativa para conferir uniformidade ao conjunto sancionador fora do Direito Penal, e também para promover um processo de redução das fronteiras dessa área.” [37]
Aliás, desde há muito que os penalistas propõem a aplicação de medidas administrativas quando se está diante de ilícitos cometidos por intermédio de pessoas jurídicas. Bettiol, por exemplo, afirmava que a pessoa jurídica poderia “ser passível de medidas diversas da pena, de medidas de caráter administrativo (dissolução da sociedade, sanções pecuniárias, etc., mas, em nenhum caso de penas verdadeiras.”[38]
Também
Zaffaroni assevera que as leis “que sancionan a personas jurídicas, (…) no hacen más que conceder facultades administrativas al juez penal, o sea que las sanciones no son penas ni medidas de seguridad, sino consecuencias administrativas de las conductas de los órganos de las personas jurídicas.”[39]
Muñoz Conde defende “medidas civis ou administrativas que possam aplicar-se à pessoa jurídica como tal (dissolução, multa, proibição de exercer determinadas atividades, etc.)”[40], assim como Cerezo Mir ao afirmar que “sólo será posible aplicarles medidas de seguridad de carácter administrativo.”[41]
Questão que se mostra tormentosa no caso brasileiro diz respeito a uma suposta autorização constitucional para a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Com efeito, prescreve o art. 173, § 5.º da Constituição Federal que “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.” (grifo nosso)
Por este dispositivo fica bem clara a impossibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, ao se afirmar que ela ficará sujeita, tão-somente, a punições compatíveis com a sua natureza, ressalvando a possibilidade de responsabilidade individual (que poderá ser de índole penal) dos seus dirigentes.
Já o art. 225, § 3.º estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (grifo nosso)
Será que neste dispositivo, realmente, a Constituição Federal autorizou a responsabilidade penal da pessoa jurídica? Entendemos que não. Observa-se que a Constituição utilizou dois vocábulos diferentes: conduta, em primeiro lugar, e atividade em segundo lugar. Ora, conduta implica comportamento humano, de uma pessoa física; a atividade é que pode ser atribuída a uma pessoa jurídica. Na sequência refere-se às pessoas físicas em um primeiro momento e, depois, às pessoas jurídicas; por fim, indica sanções penais e depois sanções administrativas.
Com esta redação, fica patente que o legislador constituinte não autorizou atribuir-se sanção penal a pessoas jurídicas, mas apenas sanções administrativas por suas atividades. Às pessoas físicas reservou-se sanção penal, em razão de suas condutas. Resumindo:
1) conduta = pessoa física = sanção penal
2) atividade = pessoa jurídica = sanção administrativa
Neste sentido, trazemos à colação o entendimento de um importante e respeitado constitucionalista brasileiro, J. Cretella Jr. Este autor, comentando o primeiro dos artigos acima transcritos afirma que “o dispositivo é bem claro ao fixar, de início, os dois tipos de responsabilidades, a responsabilidade individual, civil ou criminal, dos dirigentes, pessoas físicas, e a responsabilidade civil, tão-só, da pessoa jurídica.” Para o autor, “não há a menor dúvida, porém, de que a fonte primeira ou remota – o ato gerador, a causa determinante – da responsabilidade, pública ou privada, é sempre, em última análise, o homem. (…) Daí o dizer-se que pessoa e responsabilidade são noções intimamente ligadas. A todo momento a ação (ou a omissão) humana pode empenhar a responsabilidade. ´Agir` ou ´deixar de agir` é traço típico do homem, da pessoa física, que se expande ou se retrai no mundo, influindo estas duas atitudes, ação ou omissão, sobre as relações jurídicas, de modo positivo ou negativo.”[42]
Ainda com Cretella Jr., pode-se afirmar que a responsabilidade penal “abrange uma área muito mais restrita, visto compreender apenas as pessoas físicas, os indivíduos, sabendo-se que as pessoas jurídicas, privadas ou públicas, são inimputáveis”, pois a responsabilidade da empresa “será necessariamente patrimonial, a única compatível com sua natureza de pessoa jurídica, irresponsável penalmente, mas responsável em decorrência dos atos praticados contra a ordem econômica, a ordem financeira e a economia popular.”[43]
Este constitucionalista, valendo-se das lições de Waline, na obra Droit Administratif, 9.ª ed., 1963, p. 786, afirma que “a pessoa jurídica, metafisicamente, não tem vontade; o direito lhe atribui a vontade de uma pessoa física ou de conjunto de pessoas físicas que concordam em representá-la, mas em definitivo sempre uma ou várias pessoas físicas é que cometeram o ato prejudicial imputado à pessoa jurídica.”[44]
Mesmo quando comenta o art. 225, § 3.º da Carta Magna, Cretella Jr. afirma incisivamente que a “Constituição de 1988, em momento algum, aceita o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Por exemplo, o art. 225, § 3.º, colocando, de um lado, a pessoa física, a quem se aplica o termo conduta, de outro lado, a pessoa jurídica, à qual se aplica o vocábulo atividade, cominando aos atos lesivos das primeiras, sanções penais e às atividades das segundas, sanções administrativas e econômicas, independentemente da obrigação de reparação dos danos causados.”[45]
Outro importante constitucionalista brasileiro, Ives Gandra da Silva Martins, após afirmar que “o constituinte não exclui qualquer tipo de pessoa, sendo puníveis tanto as físicas quanto as jurídicas”, adverte que as pessoas jurídicas serão punidas “pecuniariamente, e seus diretores, se tipificada a infração, penalmente.”[46]
Daí entendermos que o art. 3.º da Lei 9.605/98 que prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica não deve ser aplicado, pois, apesar de norma vigente formalmente (porque aprovada pelo Poder Legislativo e promulgada pelo Poder Executivo), é substancialmente inválida, tendo em vista a incompatibilidade material com a Constituição Federal. Relembremos que “não se pode interpretar a Constituição conforme a lei ordinária (gesetzeskonformen Verfassunsinterpretation). O contrário é que se faz.”[47]
Uma coisa é lei vigente, outra é lei válida.
Vejamos a lição de Miguel Reale: “Validade formal ou vigência é, em suma, uma propriedade que diz respeito à competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo.”[48]
Nem toda lei vigente é válida e só a lei válida e que esteja em vigor deve ser observada pelos cidadãos e operadores de Direito.[49] Como afirma Enrique Bacigalupo, “la validez de los textos y de las interpretaciones de los mismos dependerá de su compatibilidad con principios superiores. De esta manera, la interpretación de la ley penal depende de la interpretación de la Constitución.”[50]
A propósito, Ferrajoli:
“Para que una norma exista o esté en vigor es suficiente que satisfaga las condiciones de validez formal, condiciones que hacen referencia a las formas y los procedimientos de acto normativo, así como a la competência del órgano de que emana. Para que sea válida se necesita por el contrario que satisfaga también las condiciones de validez sustancial, que se refieren a su contenido, o sea, a su significado.” Para o autor, “las condiciones sustanciales de la validez, y de manera especial las de la validez constitucional, consisten normalmente en el respeto de valores – como la igualdad, la libertad, las garantias de los derechos de los ciudadanos.”[51]
Ainda que admitíssemos a constitucionalidade de tal responsabilidade penal, o certo é que esbarraríamos em um obstáculo que me parece intransponível: a Lei 9.605/98 não estabeleceu qualquer regra procedimental ou processual a respeito de um processo criminal em relação a uma pessoa jurídica, o que torna absolutamente impossível a instauração e o desenvolvimento válido de uma ação penal nestes termos.Evidentemente que o nosso Código de Processo Penal é um diploma dirigido a estabelecer regras para um processo penal cujos acusados são pessoas físicas; todos os seus dispositivos assim foram pensados.Ora, se as normas penais não podem ser aplicadas diretamente, pois o Direito Penal não é meio de coação direta, evidentemente que seria indispensável estabelecer-se o respectivo procedimento, adequado a esta nova realidade.
Observa-se que em França, ao contrário do Brasil, procurou-se adaptar as regras processuais penais à possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Naquele país, promulgou-se a Lei 92-1336, de 16 de dezembro de 1992, a chamada Lei de Adaptação, acrescentando ao Code de Procédure Pénaleo Título XVIII, sob a seguinte epígrafe: “De la poursuite, de l´instruction et du jugement des infractions commises par les personnes morales.”
O legislador francês neste título tratou de estabelecer as regras atinentes à acusação, instrução e julgamento das pessoas jurídicas. Assim, por exemplo, o art. 706-42 trata da questão relativa à competência; já o art. 706-43 trata de estabelecer que a ação pública é exercida contra o ente moral na pessoa do seu representante legal à l´époque dês poursuites.
O art. 706-44 estabelece que “o representante da pessoa jurídica processada não pode, nessa qualidade, ser objeto de nenhuma medida de coação, a não ser aquela aplicável à testemunha.” O art. 706-45 prevê uma série de obrigações às quais pode le juge d´instruction submeter a pessoa jurídica.
Esta mesma Lei de Adaptação modificou os arts. 555, 557 e 559 do Code de Procédure Pénale. O art. 557, por exemplo, afirma que o domicílio da pessoa moral se entende como sendo o do local de sua sede.
Em nosso País nada disso ocorreu, muito pelo contrário, razão pela qual o Professor René Ariel Dotti afirmou com muita propriedade que “os corifeus e os propagandistas da capacidade criminal das pessoas coletivas ainda não se dedicaram ao trabalho de analisar as consequências desse projeto no quadro do processo penal.”[52]
Vejamos, por exemplo, algumas dificuldades que existem quando se trata de um processo penal cujo acusado é uma pessoa jurídica.
1) A quem serão dirigidos os atos processuais de cientificação: citação, intimação e notificação? Ao Presidente da empresa ou a quaisquer dos seus diretores? Note-se que em França o art. 555 foi modificado para estabelecer expressamente o regramento das citações da pessoa jurídica.
2) Quem será interrogado? Teria ele o direito ao silêncio e o direito de não autoincriminação? Sabe-se que o interrogado tem também o direito indiscutível de não se autoincriminar e o de não fazer prova contra si mesmo, em conformidade com o art. 8.º, 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto 592, de 6 de julho de 1992. Já em 1960, o grande Serrano Alves escrevia uma monografia com o título O Direito de Calar (Rio de Janeiro, Editora Fretas Bastos S/A), cuja dedicatória era “aos que ainda insistem na violação de uma das mais belas conquistas do homem: o direito de não se incriminar”. Nesta obra, adverte o autor que “há no homem um território indevassável que se chama consciência. Desta, só ele, apenas ele pode dispor. Sua invasão, portanto, ainda que pela autoridade constituída, seja a que pretexto for e por que processo for, é sempre atentado, é sempre ignomínia, é torpe sacrilégio.” (p. 151).
3) E a confissão? Será admissível a confissão pelo interrogando (seja ele quem for) em prejuízo, por exemplo, dos demais sócios da pessoa jurídica? A confissão prejudicará os demais membros da corporação?
4) E a revelia? Será possível a decretação da revelia pela ausência injustificada de quem deveria comparecer para o interrogatório? E os demais membros do ente coletivo ficarão prejudicados? É possível a aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, no caso de citação editalícia?
5) E as regras sobre competência? Caso, por exemplo, não seja conhecido o lugar da infração, é possível aplicar-se o art. 72 do Código de Processo Penal? E se uma das pessoas físicas também denunciadas (em coautoria com a pessoa jurídica) tiver prerrogativa de função, aplicar-se-ão as regras de continência (art. 78, III, do Código de Processo Penal c/c o Enunciado 704 do Supremo Tribunal Federal)? A pessoa jurídica seria julgada pelo respectivo Tribunal ou haveria a separação do processo (art. 80, CPP)?
6) Quem teria interesse e legitimidade para recorrer em nome da pessoa jurídica? Apenas aquele que foi interrogado ou qualquer membro do ente coletivo que se sentiu prejudicado com a sentença?
7) Se se tratar de uma infração penal de menor potencial ofensivo, lavra-se o Termo Circunstanciado ou instaura-se o Inquérito Policial? Também nesta hipótese quem poderá em nome da empresa, fazer a composição civil dos danos? E a transação penal?
8) E na suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95) quem poderá aceitar a proposta do Ministério Público?
Evidentemente que são indagações cujas respostas não encontraremos no Código de Processo Penal. Valer-se de outros diplomas legais, como o Código de Processo Civil e mesmo a Consolidação das Leis do Trabalho, parece-nos um exercício hermenêutico de altíssimo risco, tendo em vista a especificidade de cada ramo do Direito.
É preciso atentar para a lição de Rogério Lauria Tucci quando afirma que o estudo do processo penal precisa ser “colocado e conduzido de modo completamente autônomo”; caso contrário, corremos o risco de “civilizar o processo penal”, pois, “já de há muito tempo, o processo penal não é mais a ´Cinderela` do Direito Processual, tal como o cognominou Carnelutti.” Diz ele que já é hora “de visualizar o Direito Processual Penal com ótica própria, conferindo-lhe a dignidade científica que faz por merecer!”[53]
Como uma possível solução, podemos apontar, por analogia, o art. 26 da Lei nº. 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, in verbis: “A pessoa jurídica será representada no processo administrativo na forma do seu estatuto ou contrato social. § 1o As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens. § 2o A pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil.”
A respeito destas questões de natureza processual, em conversa informal com o Professor Cristiano Chaves de Farias, civilista baiano de escol[54], foram aventadas algumas questões, a saber:
1) E se o sócio representante da pessoa jurídica confessar, os outros poderão tentar elidir os efeitos da confissão? Entendo que não, pois aquele tinha poderes para confessar em nome da pessoa jurídica, inclusive, escolhido, presume-se, pela maioria dos sócios. Ele sequer teria legitimidade para apelar em caso de condenação, pois o réu é a pessoa jurídica e não um sócio individualmente considerado (art. 577, CPP).
2) Poder-se-ia admitir a desconsideração da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50) se o sócio representante da empresa confessar indevidamente ou deixar de aceitar uma transação penal vantajosa para a pessoa jurídica, com base no abuso da personalidade jurídica (disregard doctrine, disregard entity legal ou disregar theory)? Aqui, entendo não ser aplicável o disposto no art. 50 do Código Civil ao processo penal, pois se trata de outra situação jurídica (James Goldschmidt); ademais, faltaria competência ao Juiz do processo criminal para aplicar tal dispositivo. No caso da transação penal, o sócio também não teria legitimidade para apelar (cfr. art. 76, c/c art. 82 da Lei 9.099/95). Já a sentença que homologa a composição civil é irrecorrível (art. 74, Lei 9.099/95), ressalvados, evidentemente, os embargos declaratórios (Barbosa Moreira e Calmon de Passos).
3) Se a empresa estiver em recuperação judicial, quem irá representá-la em juízo para todos os fins anteriormente problematizados neste trabalho? Para mim, neste caso, será o administrador judicial, conforme art. 22 da Lei de Falências.
Concordo com o ilustrado Professor quando lembra “que o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a responsabilização civil do sócio por excesso de poderes na representação de uma pessoa jurídica. Bem por isso, todos esses excessos comentados poderão ser resolvidos civilmente.”
Outrossim, lembra Cristiano Chaves de Farias “a teoria dos atos ultra vires, segundo a qual os atos praticados por um sócio (mesmo com excesso de poder) que despertam a confiança de um terceiro, geram responsabilidade para a empresa. Assim sendo, se houver celebração de transação penal ou composição civil dos danos pelo sócio, mesmo que havendo excesso de poder, a empresa responderá perante o interessado (Ministério Público ou particular), com direito regressivo contra o sócio que exacerbou.”
Já podemos apontar na jurisprudência brasileira algum movimento contra a responsabilização penal da pessoa jurídica, nada obstante ainda ser um movimento incipiente. Assim, podemos citar:
“Habeas Corpus – Pessoa Jurídica – Responsabilização Penal – Ato do representante. O art. 225, § 3.º da Constituição Federal e o art. 3.º da Lei 9.605/98 não autorizam a responsabilização penal da pessoa
jurídica por ato próprio, mas, tão-somente, por ato de seu representante legal, contratual ou de seu órgão colegiado. Ordem concedida.” (TJRS, HC 70018196808, 4.ª Câm. Crim., j. 08.03.2007, v.u., rel. Des. Gaspar Marques Batista).
Veja-se este trecho do voto:
“(…) A exemplo de outros julgados e rogando máxima vênia aos eminentes colegas da Câmara, persisto na tese da incapacidade da pessoa jurídica para operar ação delituosa, porquanto é o indivíduo o único sujeito ativo possível em Direito Penal. A Lei 9.605/98 traz uma norma de conteúdo anômalo, introduzindo no Direito Penal brasileiro, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, que deve ser condenada, em função da ação delituosa de seu representante. Inclusive, se o representante legal não for condenado, a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente, porque aí não houve o cometimento da infração. Oportuno frisar que, em matéria de coautoria, adotamos a chamada teoria monista, existindo um crime e várias ações. Ocorre que a Lei 9.605/98, lavrada por ambientalistas e não por juristas, não trata de concurso de agentes, porque não há várias ações, mas somente uma – a ação do representante da pessoa jurídica. Também não se pode falar em participação, porque esta é uma ação acessória, secundária, apresentando, usualmente, apenamento menor. Portanto, não há codelinquência entre o representante e a pessoa jurídica, ocorrendo, na verdade, responsabilização penal indireta. Em decorrência do comportamento do representante legal, a pessoa jurídica é responsabilizada penalmente. Assim, o réu, figura do âmbito processual, deve corresponder a autor ou autores da ação delituosa, ou aqueles que concorrem de modo secundário para a realização da conduta ilícita. O art. 3.º da Lei 9.605/98 não contém expressões como ré ou parte no processo criminal, refere apenas que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente. De outra banda, questão pertinente diz respeito ao dolo, porque o fato, para ser típico, além de corresponder a todas as elementares da norma incriminadora, deve ser praticado com dolo, isto é, vontade dirigida à realização da conduta típica. Só é doloso o comportamento do autor da ação, não se concebendo dolos superpostos do representante e da pessoa jurídica representada, uma vez que a vontade do ente coletivo é externada pelo agir de seu representante. Nesse contexto, diante das ponderações supra, estou concedendo a Ordem para trancar a Ação Penal, em face da incapacidade penal ativa da pessoa jurídica. Por tais fundamentos, voto pela concessão do writ.”
“Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Inconstitucionalidade do art. 3.º da Lei 9.605/98 – Ocorrência – Mostra-se inconstitucional o art. 3.º da Lei 9.605/98, no que toca à responsabilidade penal da pessoa jurídica. (…)” (TACrimSP, MS349.440/8, 3.ª Câm., rel. Fábio Gouvêa, RJTACrim 48/3682).
“Crime contra o meio ambiente – Denúncia ofertada contra pessoa jurídica – Ente que não pode ser responsabilizado pela prática de crime – Ausência de vontade própria – Recurso provido. A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente (ReCrim 03.003801-9, j. 01.04.2003, rel. Maurílio Moreira Leite). (…) 1. Preliminarmente, é necessária a análise da possibilidade de aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas. Nos países filiados à cultura romano-germânica vige o princípio societas delinquere non potest, o que significa dizer que é inadmissível responsabilizar-se penalmente as pessoas jurídicas, restando a previsão de sanções administrativas ou civis. De outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências, vigora o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No Brasil, a Constituição de 1988 admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica quando tratou da responsabilização por delitos contra a ordem econômica (art. 173, § 5.º) e de crimes contra o meio ambiente (225, § 3.º), a seguir transcritos: Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei.(…)§ 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (…) § 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa sustentam que ‘a maioria da doutrina brasileira é assente em afirmar que a Constituição de 1988 introduziu no ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica, rompendo com o célebre brocardo latino societas delinquere non potest’. Entre os constitucionalistas, José Afonso da Silva reconhece o avanço do texto normativo e comunga com a fixação da responsabilidade dos entes morais todas as vezes que houver agressão, quer à ordem econômica, quer ao meio ambiente. Igualmente, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins concordam em seus Comentários à Constituição do Brasil que o Texto Maior reconheceu a responsabilidade criminal da pessoa jurídica. (..) Igualmente, Sérgio Salomão Shecaira sustenta que, ´não obstante existirem opiniões contrárias – de juristas de nomeada – , a nosso juízo não há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica’ (Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, 2.ª ed., Brasília Jurídica, 2001, p. 51). Entre os doutrinadores contrários à responsabilização das pessoas jurídicas, estão René Ariel Dotti e Luiz Vicente Cernicchiaro. Para o primeiro, haveria violação aos princípios da isonomia, personalidade e humanização das sanções, porque, a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes, ou seja, os instigadores ou cúmplices, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação. Além disso, quando a Constituição Federal trata da aplicação da pena, refere-se sempre à conduta humana. Para ele, ‘o texto constitucional deve ser compreendido com a possibilidade tanto da pessoa natural como da pessoa jurídica de responderem civil e administrativamente. Porém, a responsabilidade penal continua sendo de natureza e de caráter estritamente pessoal’ (René Ariel Dotti, Meio Ambiente e Proteção Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 317, p. 200). Luiz Vicente Cernicchiaro, por sua vez, ensina que, face à inexistência de vontade própria, torna-se inviável aplicar os princípios da responsabilidade pessoal e da culpabilidade (norteadores do Direito Penal moderno) às pessoas jurídicas, pois são atributos inerentes às pessoas físicas (vide Direito Penal na Constituição, 3ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995), razão pela qual a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente. Neste sentido, este egrégio Tribunal de Justiça já decidiu: ‘Crime ambiental – Denúncia nos termos do art. 3.º da Lei 9.605/98 rejeitada em relação à pessoa jurídica – Prosseguimento quanto à pessoa física responsável – Recurso da acusação pleiteando o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica – Ausência de precedentes jurisprudenciais – Orientação doutrinária – Observância dos princípios da pessoalidade da pena e da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica vigentes no ordenamento jurídico pátrio – Recurso desprovido’ (ReCrim 00.004656-6, de Descanso, rel. Juiz Torres Marques, j. 12.09.2000). Também: ‘Apelação criminal – Artigo 54 da Lei 9.605/98 – Denúncia oferecida contra pessoa jurídica – Impossibilidade de a pessoa jurídica figurar no polo passivo da ação penal – Recurso provido para excluí-la da relação processual’ (ApCrim 02.011726-4, de Itajaí, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. 25.02.2003). E, deste relator: ‘Ação penal – Crime contra o meio ambiente – Rejeição da denúncia – Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Impossibilidade – Precedente deste tribunal – Recurso ministerial não provido’ (ReCrim 02.023129-6, de Videira, j. 18.02.2003). Dessarte, de tudo o que aqui ficou dito, portanto, e, data vênia do entendimento contrário do colendo Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser introduzido no sistema brasileiro sem que este, especificamente, passe por uma adaptação, pois está solidamente alicerçado em postulados que não o admitem. Isto não significa dizer que as pessoas coletivas não devam sofrer punição pelos atos assim considerados delituosos no exercício de suas atividades. Devem ser punidas, sim, mormente em nosso tempo, onde os novos tipos de criminalidade surgem, onde as vítimas não são, no mais das vezes, determinadas, mas, sim, determináveis. Porém, os meios sancionatórios não devem estar previstos, necessariamente, na esfera penal, pois o Direito Penal atua sempre como ultima ratio, o que não é desejável na solução desses conflitos de massa provocados pelas pessoas coletivas. Para isso, mais eficaz e efetivo seria um Direito Administrativo Sancionador, a par de outras sanções civis cumuláveis, conforme a gravidade do caso. A solução, assim, é a rejeição da denúncia no tocante a C. C. G. Ltda., nos termos do art. 43, inc. III, primeira parte, do Código de Processo Penal.[artigo revogado pela Lei 11.719/2008]” (TJSC, ApCrim 2006.015166-6, rel. Des. Irineu João da Silva).
O Supremo Tribunal Federal irá analisar, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 473045, a responsabilização penal de pessoa jurídica. Esse recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MP-SC) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC), que manteve o entendimento de que a responsabilização penal da pessoa jurídica não está prevista nos princípios penais extraídos da Constituição Federal. O relator do caso é o ministro Cezar Peluso. O MP-SC denunciou a empresa A.P.V.V. Ltda. e seu proprietário pela suposta prática dos crimes de poluição por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos. A empresa foi denunciada, também, pela realização de obras sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes (arts. 54, § 2.º, V, e 60 da Lei 9.605/98). A Justiça de Videira, município de Santa Catarina, recebeu a denúncia apenas em relação ao proprietário da empresa, rejeitando-a em relação ao autoposto, por entender que a responsabilização penal da pessoa jurídica não está respaldada pelos princípios penais da Constituição Federal. Dessa decisão, o MP recorreu ao TJ, que a manteve. No Recurso Extraordinário, interposto pelo MP-SC, foi apontado descumprimento do art. 225, § 3.º, da Constituição Federal, quando prevê que as condutas prejudiciais ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas. O Ministério Público ressaltou a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crime ambiental, com a observância de princípios penais constitucionais assim como do princípio da proteção ao meio ambiente. Fonte: STF.
Comentando uma decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região 8.ª T. – AP 0010064-78.2005.404.7200 j. 21.08.2012 (public. 12.09.2012 Cadastro IBCCRIM 2830 e que admitiu a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica), Davi de Paiva Costa Tangerino, anotou o seguinte: “Cuida-se de ação penal deflagrada contra P.R.F. e sua empregadora P.P.C. pela alegada prática de pesca de manjubas mediante rede de lance em local proibido (interior da Baía Sul, em Palhoça), em desacordo com a Portaria Sudepe 466/72 (art. 34 da Lei 9.605/1998). Como já contasse com mais de 70 anos o acusado P.R.F. quando da audiência de instrução e julgamento, constatada a prescrição, extinguiu-se a punibilidade do referido delito. Ao cabo da instrução, sobreveio sentença julgando extinta a ação penal, sem resolução do mérito (art. 267, IV, do CPC, por analogia), eis que não se poderia prosseguir na persecução penal, dada a teoria da dupla imputação, apenas contra a pessoa jurídica. Em sede de apelação, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região cassou a decisão, determinando a confecção de outra, afastado aquele fundamento legal.Segundo o Desembargador Relator, estar-se-ia diante de hard case (invocando Dworkin e Alexy), cuja solução “não prescinde de uma releitura dos fundamentos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e reconstrução da jurisprudência até então dominante a partir da teoria dos sistemas autopoiéticos” (Luhmann) “e dos princípios constitucionais que regem a proteção do ambiente”. Desde logo, fixa ser um pressuposto do acórdão que as sociedades podem cometer delitos, expungido o aforismo societas delinquere non potest. Invoca o mandado constitucional de criminalização dos crimes contra o meio ambiente, de onde decorreria que “ao hermeneuta/aplicador do direito [cabe] criar o sentido na norma que esteja adaptado a esse princípio, e não o contrário, da regra ao princípio”. O sentido adviria da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Feldens/Sarlet), de sorte que, reconhecida a dignidade constitucional do meio ambiente, mais do que mero direito subjetivo, não se poderia olvidar da dimensão objetiva como imperativos de tutela, “que exigem igualmente a atuação ativa do Estado, protegendo – e assim fomentando – a realização efetiva dos direitos fundamentais mediante prescrições”. Parte-se, então, à análise dogmático-penal: a culpabilidade, conceito a demandar “releitura compreensiva […] para acomodar as práticas delitivas perpetradas pelas pessoas jurídicas”. A principal dimensão a revisitar-se seria a de categorias dogmáticas tradicionais, como aquelas “que consideram o homem como único centro de imputação de condutas reprováveis”. Aponta a contribuição Tiedemann (defeito de organização), Hirsch (culpabilidade corporativa), criticando-as por serem modelos de responsabilidade por ato de terceiro (vicariante).Com base em Silvina Bacigalupo sustenta que o sujeito “não é uma questão óbvia, porém requer uma determinação conceitual que depende do ponto de partida hermenêutico e pré-jurídico sem o qual não é possível nenhuma construção dogmática”, concluindo, com Jara-Díez, que aos olhos do Direito tanto pessoas físicas como jurídicas são pessoas jurídicas. Para diferenciá-las quanto à sujeição ao Direito Penal, o autor espanhol sustenta um conceito construtivista de culpabilidade, próprio para sistemas autopoiéticos, um tertium genus entre as teorias organicistas e as de responsabilidade vicária: “o novo marco dos sistemas sociais não se compõe de ações individuais, mas de comunicações imputáveis como ações, de forma que o sujeito tradicional do delito, ‘o indivíduo, é suplantado pelo sistema e suas comunicações com o mundo circundante’” (BACIGALUPO, Silvina. El problema del sujeto del derecho penal: la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. v.1, n.1, set./dez. 2000. p. 307). A comunicação interna corporis da pessoa jurídica seria um complexo concatenado de decisões (Jara-Díez).De toda sorte, tratar-se-ia de aplicar o funcionalismo normativista, giro conceitual calcado no pensamento de Jakobs, “para o qual, em apertadíssima síntese, ‘o direito penal (como subsistema social) tem a função primordial de proteger a norma (e só indiretamente tutelaria os bens jurídicos mais fundamentais)’ […]”.Com a devida vênia, o funcionalismo sistêmico, na particular leitura da Jakobs e de seus discípulos (Jara-Díez e Bacigalupo) estão fora de lugar na discussão na dupla imputação.Em primeiro lugar, o questio juris que interessa à resolução do caso é: extinta a punibilidade da pessoa física, pode-se incriminar a jurídica? Longe de ser um hard case, os precedentes pretorianos que firmaram os contornos da responsabilidade penal da pessoa jurídica inseriram a “dupla imputação” como decorrência lógica da impossibilidade de a pessoa jurídica agir por ela mesma. Assim, não se pode acusar (imputar) uma pessoa jurídica sem dizer qual a pessoa física que lhe permitiu agir. O mesmo não vale para a imposição de sanção: tendo sido acusadas pessoa jurídica e pessoa física, respeitou-se o critério de dupla imputação, não se contaminando esse requisito por eventual prescrição.O acórdão, em verdade, faz uma defesa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com argumentos sólidos e importantes. Despiciendos, porém, para a resolução da quaestio. Ao fazê-lo, todavia, abre espaço para que os críticos também se posicionem quanto a esse libelo. Discordo, desde logo, de seu ponto de partida: o Direito Penal não pode ter por missão garantir a validade das normas, conforme consolidada crítica às posições de Jakobs, sob pena de esvaziar-se de garantias o Direito Penal e transformá-lo em puro arbítrio estatal. Da mesma maneira, a atraente aplicação da proporcionalidade ao Direito Penal ignora (ou dá muito pouco importância) a uma variável decisiva: a vedação de Untermassverbot não pode ser confundida com um mandato de incriminação. Não há nenhuma demonstração de qualquer natureza de que um direito fundamental é fomentado ou protegido por meio do Direito Penal. Assim, a sinonímia “proteger” = “incriminar” é uma falácia (confira-se O direito penal ambiental e normas administrativas, de Helena Regina Lobo da Costa, Boletim do IBCCRIM, n. 155, p. 18-19, out. 2005).Registre-se que não se trata de se opor a uma culpabilidade das pessoas jurídicas (confira-se, a propósito, meu A responsabilidade penal da pessoa jurídica para além da velha questão de sua constitucionalidade, Boletim do IBCCRIM, n. 218). Antes, porém, de se desnaturar uma garantia constitucional em nome da incriminação da mera violação à norma, verdadeiro Direito Penal máximo, mister se lembrar de que se entende como Direito Penal democrático a tutela de bens jurídicos fundamentais (fragmentariedade + ultima ratio), com observância da legalidade, da ofensividade, da culpabilidade e da humanidade. Como nomear um Direito Penal eficientista, sem bens jurídicos (norma não é bem) e sem culpabilidade?” (Boletim do IBCCrim, Ano 21, nº. 243 – Fevereiro de 2013 – ISSN – 3661, p. 1630).
Diante do exposto, à luz da doutrina estrangeira e brasileira, concluímos que, efetivamente, não estamos autorizados pela Constituição Federal a processar criminalmente um ente coletivo.
Sem nenhuma dúvida, como nota David Baigún, “son muchas las razones que históricamente se suman en contra de la recepción de la responsabilidad penal de las personas jurídicas; no sólo en el ámbito normativo sino también en el sociológico y político.”[55]
Tampouco se presta o Código de Processo Penal para disciplinar o procedimento da respectiva ação penal e esta lacuna não pode (e não deve) ser suprida por normas estranhas ao objeto do Direito Processual Penal. É chegada a hora de afastarmos (doutrina e jurisprudência pátrias) definitivamente o art. 3.º da Lei dos Crimes Ambientais, responsabilizando criminalmente os indivíduos supostamente autores de delitos ambientais, deixando para a pessoa jurídica apenas sanções extrapenais.
Para René Garraud, jurista da França, berço, na Europa, da responsabilidade penal da pessoa jurídica, “é evidente que não se pode pensar em declarar as universitatis bonoumpenalmente responsáveis”, pois “as pessoas morais são bem menos pessoas que meios ou instrumentos de que se servem as pessoas verdadeiras.” Afirma o jurista francês que “a responsabilidade penal ou coletiva do ser moral é uma ficção; o que é verdadeira é a responsabilidade individual de cada um dos seus membros.” Adverte Garraud que “o Direito Criminal não admite ficções porque acima das ficções vivem e agem os indivíduos, e é sobre eles somente que recai a incidência da pena.” Assim, conclui o mestre: “de duas coisas uma com efeito: ou todos os membros da corporação cometem o delito, e todos devem ser atingidos por uma pena distinta e proporcional à culpabilidade de cada um; ou alguns dentre eles somente estão culpados, e se é justo puni-los, seria injusto punir os membros da corporação que ao fato foram estranhos.”[56]
Por fim, transcrevemos uma parábola feita por Eugenio Raúl Zaffaroni, em conferência realizada no Brasil, no Guarujá, no dia 16 de setembro de 2001:
“O açougueiro era um homem que tinha uma loja de carnes, com facas, facões e todas essas coisas necessárias para o seu comércio. Um certo dia, alguém fez uma brincadeira e pôs vários cartazes de outras empresas na porta do açougue, onde se lia: ´Banco do Brasil`, ´Agência de Viagens`, ´Consultório Médico`, ´Farmácia`. O açougueiro, então, começou a ser visitado por outros fregueses que lhe pediam pacotes turísticos para a Nova Zelândia, queriam depositar dinheiro em uma conta, queixavam-se de dor de estômago, etc. O açougueiro, sensatamente, respondia: ´Não sei, sou um simples açougueiro. Você tem que ir para um outro lugar, consultar outras pessoas`. E os fregueses, então, se enojavam: ´Como é que você está oferecendo um serviço, têm cartazes em sua loja que oferecem algo e depois não presta o serviço oferecido?`. Então, o açougueiro começou a enlouquecer e a pensar que realmente ele era capaz de vender pacotes para a Nova Zelândia, fazer o trabalho de um bancário, resolver problemas de estômago, etc. E, mais tarde, tornando-se ainda mais louco,e começou a fazer todas aquelas coisas que ele não podia e não tinha capacidade para fazer, e os clientes acabavam com buracos no estômago, outros perdendo todas as suas economias, etc. Mas, se os fregueses também ficassem loucos e passassem novamente a procurá-lo e a repetir as mesmas coisas, o açougueiro acabaria realmente convencido que tinha a responsabilidade de resolver tudo.” Concluiu, então, o Mestre portenho e Juiz da Suprema Corte Argentina: “Bem, eu acho que isto aconteceu e continua acontecendo com o penalista. Colocam-nos responsabilidade em tudo.” (Tradução livre).[57]
Agora, era só o que faltava: a quebra do sigilo telefônica de uma pessoa jurídica, sem que a investigação criminal ou o processo penal respectivo diga respeito à prática de um crime ambiental.
É de doer…
[1] Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 e 2014, respectivamente (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013), “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo” e “A Nova Lei de Organização Criminosa”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
[2] “Classicamente, a verdade se define como adequação do intelecto ao real. Pode-se dizer, portanto, que a verdade é uma propriedade dos juízos, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo da correspondência entre o que afirmam ou negam e a realidade de que falam (Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário Básico de Filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 241).
“A porta da verdade estava aberta / Mas só deixava passar / Meia pessoa de cada vez / Assim não era possível atingir toda a verdade. / Porque a meia pessoa que entrava / Só trazia o perfil de meia verdade / E a segunda metade / Voltava igualmente como perfil / E os meios perfis não coincidiam. / Arrebentavam a porta, derrubavam a porta, / Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. / Era dividida em metades diferentes uma da outra. / Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. / Nenhuma das duas era totalmente bela e carecia optar. / Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.” (Carlos Drummond de Andrade, do livro “O corpo”, editora Record).
“Não quero ser o dono da verdade, pois a verdade não tem dono, não. Se o “V” de verde é o verde da verdade, dois e dois são cinco, n’é mais quatro, não. Se o “V” de verde é o verde da verdade, dois e dois são cinco, n’é mais quatro, não” (Let Me Sing, Let Me Sing, trecho de uma canção de Raul Seixas).
“Não tenho a menor noção do que é a verdade, mulher! Caguei pra verdade, a verdade é uma coisa escrota, uma nojeira filosófica inventada pelos monges do século XIII, que ficavam tocando punheta nos conventos, verdade o cacete, interessa a objetividade.” (“Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 65).
[3] Curso de Direito Civil,– Parte Geral, vol. I, São Paulo: Saraiva, 32.ª ed., 1994, p. 100.
[4] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19.ª ed., 1991, p. 229.
[5] Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires: EDIAR, 1981, vol. III, p. 55/57.
[6] Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 190, tradução de Luís Greco.
[7] Teoria Geral do Delito, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 15, tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado.
[8] Obras Completas I, Derecho Penal – Parte General, São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 439/442/443, grifo no original.
[9] Tratado de Derecho Penal, vol. I, Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1955, p. 165/169.
[10] Direito Penal – Parte Geral, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1976, p. 17/21/23, tradução de Juarez Tavares.
[11] Introdução aos Fundamentos do Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 288, tradução de Pablo Rodrigo Alflen da Silva.
[12] Direito Penal, vol. I, São Paulo: Ed. RT, 1966, p. 275/277/278, tradução de Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco.
[13] Direito Penal – Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 1964, p. 132/133, tradução de Paulo José da Costa Júnior.
[14] Derecho Penal – Parte General, Madrid: Editorial Civitas, 1978, p. 227/228.
[15] Curso de Direito Penal – Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 302.
[16] Direito Penal, vol. I – Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 293/303.
[17] Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. I, São Paulo: Ed. RT, 2008, 8ª. ed., p. 421.
[18] Direito Penal da Negligência, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª. ed., 2003, p. 206.
[19] A Moderna Teoria do Fato Punível, Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2ª. ed., 2002, p. 31, grifo nosso.
[20] Teoria Elementar do Direito Criminal – Parte Geral, Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1990, p. 160, grifo no original.
[21] Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral, Rio de Janeiro: Forense, 9ª. ed., 1985, p. 152.
[22] Tratado de Direito Penal, Parte Geral, vol. I, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª. ed., p. 230.
[23] Gonzalo Rodriguez Mourullo, ob. cit., p. 227/228.
[24] Dogmática Jurídico-Penal, Caracas: Editorial Artes Gráficas, 1947, p. 117.
[25] Ob. cit., p. 132/133.
[26] Direito Penal, Campinas: Editora Romana, 2003, p. 220, tradução de Afonso Celso Rezende.
[27] Ob. cit., p. 15.
[28] Ob. cit., p. 230.
[29] Ob. cit., p. 160.
[30] Ob. cit., p. 421.
[31] Direito Penal, vol. I, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 110.
[32] Ob. cit., p. 110.
[33] Ob. cit., p. 227/228.
[34] Ob. cit., p. 275/277/278.
[35] Ob. cit., p. 17/21/23.
[36] A Preservação do Ambiente através do Direito Penal, Revista Brasileira de Ciências Criminais 22. A esse respeito conferir Jesus-Maria Silva Sanchez, Política Criminal Moderna? Consideraciones a partir del ejemplo de los delitos urbanísticos en el nuevo Código penal español, Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 23.
[37] Hassemer e o Direito Penal Brasileiro – Direito de Intervenção, Sanção Penal e Administrativa. IBCCrim, 2013, Monografia Vencedora do 17º. Concurso de Monografias de Ciências. A esse respeito conferir Jesus-Maria Silva Sanchez, Política Criminal Moderna? Consideraciones a partir del ejemplo de los delitos urbanísticos en el nuevo Código penal español, Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 23.
[38] Ob. cit., p. 275/277/278.
[39] Ob. cit., p. 55/57.
[40] Ob. cit., p. 15.
[41] Ob. cit., p. 439/442/443.
[42] Comentários à Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1993, vol. VIII, p. 4028/4030, com grifo no original.
[43] Ob. cit., p. 4039/4044.
[44] Idem, p. 4040.
[45] Idem, p. 4045, grifo no original.
[46] Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1998, vol. VIII, p. 925.
[47] STJ, rel. Min. Ademar Maciel, DJU 03.04.1995, p. 8.149.
[48] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19.ª ed., 1991, p. 114.
[49] Como ensina Gilberto Thums, “não basta que existam leis com vigência, é necessário que sejam válidas e somente possuem validade as leis que se harmonizam com os princípios fundamentais da Constituição. (…) Portanto, todas as normas infraconstitucionais que não correspondem, quanto ao seu conteúdo, aos princípios constitucionais, embora formalmente vigentes (validade formal), seriam materialmente inconstitucionais, podendo o juiz negar sua aplicação.” (Sistemas Processuais Penais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 172, com grifo nosso).
[50] Principios Constitucionales de Derecho Penal, Buenos Aires: Editorial Hamurabi, 1999, p. 232.
[51] Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal, Madri: Editorial Trotta S.A., 3.ª ed., 1998, p. 874.
[52] A Incapacidade Criminal da Pessoa Jurídica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, V. 11, p. 199.
[53]Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 53 a 55.
[54] Autor do excelente Curso de Direito Civil, publicado pela Editora Jus Podivm: Salvador, já na 10ª. edição (em coautoria com Nelson Rosenvald).
[55] La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 3.
[56] Compêndio de Direito Criminal, vol. I, Campinas/SP: LZN Editora, 2003, p. 84, tradução de Ricardo Rodrigues Gama.
[57] “El canicero es un señor que está en una carnicería, con la carne, con un cuchillo y todas esas cosas. Si alguien le hiciera una broma al canicero y robase carteles de otros comércios que dijeran: ‘Banco de Brasil’, Agencia de viages’, ‘Médico’, ‘Farmacia’, y los pegara junto a la puerta de la carnicería; el carnicero comenzaria a ser visitado por los feligreses, quienes le pedirían pasajes a Nueva Zelanda, intentarían dejar dinero en una cuenta, le consultarían: ‘tengo dolor de estómago, que puede hacer?’. Y el carnicero sensatamente responderia: ‘no sé, yo soy carnicero. Tiene que ir a otro comercio, a otro lugar, consultar a otras personas’. Y los feligreses se enojarían: ‘Cómo puede ser que usted está ofreciendo un servicio, tiene carteles que ofrecen algo, y después de no presta el servicio que dice?’. Entonces tendríamos que pensar que el carnicero se iría volviendo loco y empezaria a pensar que él tiene condiciones para vender pasajes a Nueva Zelanda, hacer el trabajo de un banco, resolver los problemas de dolor de estómago. Y puede pasar que se vuelva totalmente loco y comience a tratar de hacer todas esas cosas que no puede hacer, y el cliente termine con el estómago agujereado, el otro pierda el dinero, etc. Pero si los feligreses también se volvieran locos y volvieran a repetir las mismas cosas, volvieran al carnicero; el carnicero se vería confirmado en ese rol de incumbencia totalitaria de resolver todo.” Conclui, então, o mestre portenho: “Bueno, yo creo que eso pasó y sigue pasando con el penalista. Tenemos incumbencia en todo.”