Direito Penal

A Inconstitucionalidade da Prisão

A Inconstitucionalidade da Prisão

 

 

Cândido Furtado Maia Neto*

 

 

Os Estados instituídos como democráticos e sociais de direito expressam em suas Cartas Magnas, a exemplo da Constituição federal brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, que “não haverá penas cruéis” (art. 5º, inc. xlvii, “e”), muito menos tratamento desumano ou degradante (inc. iii, artº 5º CF), proibido ainda, sanção penal de tipo infamante e atentatória à integridade física e corporal do ser humano, posto que à dignidade da pessoa deve ser respeitada e assegurada, pelo Estado e suas autoridades constituídas.

 

Trata-se de observância ao princípio da hierarquia vertical das normas ou da validade dos Documentos internacionais de Direitos Humanos de aceitação universal aderidos pelos governos, como previsto no art. V da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10.12.1948); o art.7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (16.12.1966); o art. 5º, item 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto da San José/Costa Rica (22.11.1969); os dispositivos das Convenções contra a Tortura das Nações Unidas (10.12.1984) e da Organização dos Estados Americanos (09.12.1985); as Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos; e o Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão (Resolução n. 633 CI – XXIV, de 31.07.1957, e Resolução 43/173, de 09.12.1988) da ONU.

 

As leis criminais ordinárias – infra constitucionais – nos regimes democráticos proíbem taxativamente qualquer espécie de sanção que produza na prática efeitos torturantes, degradantes, infamantes e/ ou desumanos.

 

Rege a Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

 

Estes Tratados, Pactos e Convenções fazem parte dos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados, e são fontes soberanas de direito público, de plena e irrestrita vigência interna.

 

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, isto é, são auto-aplicáveis. Desta forma, os direitos e garantias não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pelo governo brasileiro e constante nos tratados internacionais (Constituição da República Federativa do Brasil, parágrafos 1º e 2º, art. 5º CF).

 

Nesse sentido, a Convenção de Viena, sobre Direito dos Tratados, de 1969, em seu artigo 60, prescreve como obrigação “erga ommes” que não se podem usar subterfúgios e invocações do direito interno para justificar o não-cumprimento de um Tratado aderido, nem a Constituição pode, contra-dizer norma de Direito Público humanitário, vez que possui caráter imperativo (“ius congens”) e não simples disposição.

 

Os Estados devem fazer valer a salvaguarda dos interesses comuns superiores protegidos pelas Convenções, para não afetar o seu próprio grau de validade hierarquica, sob forma de restrição ou de rebaixamento, mas sim, para aumentar os mecanismos de supervisão e respeito a um tratamento humano mínimo (ver Cançado Trindade, Antonio Augusto; in Direito Internacional Humanitário, IPRI, Brasília – 1989).

 

Dentre os Direitos Humanos dos presos, por exemplo, dispõe a Lei de Execução Penal brasileira (art. 1º e 10) que a sentença ou decisão criminal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do interno, e que a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, é dever do Estado, para prevenir o crime e orientar o retorno à convivência do apenado em sociedade. Teoria do “res”, segundo E.Raúl Zaffaroni, como justificativa ao encarceramento humano e restrição ao “ius libertatis”.

 

“Nenhuma pessoa submetida a qualquer forma de detenção ou prisão será submetida a tortura ou a tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Não poder-se-á invocar circunstância alguma como justificação da tortura ou de outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes”, estatui o princípio (6) do Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão da ONU (Resolução n. 43/173).

 

A expressão “tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes” deve ser interpretada de maneira que abarque a mais ampla proteção possível contra todo tipo de abuso, sejam físicos ou mentais, incluído o de manter o preso ou detento em condições que o privem temporária ou permanentemente do uso de um de seus sentidos, como a visão ou a audição, ou de sua idéia de lugar ou do transcurso de tempo. (in LA REVISTA, Por el Imperio del Derecho, da Comisión Internacional de Juristas, n. 42, Junio 1989).

 

O contido no artigo 1º Convenção Contra a Tortura da ONU, e dispositivo 2º da Convenção da OEA, rezam que “as dores e os sofrimentos por consequência de sanções legítimas ou “medidas legais”, não estão compreendidos no conceito de tortura”. Obviamente que devemos interpretar no sentido de que, desde não afetarem os princípios humanitários básicos. De outro lado, a execução da pena privativa de liberdade deve observar as Regras Mínimas das Nações Unidas para os detentos, do contrário pode caracterizar a prisão, na prática, pena infamante, cruel e desumana, visto que atenta contra a dignidade da pessoa encarcerada, ferindo inclusive os princípios elementares de justiça de um Estado Democrático de Direito.

 

Não devemos admitir e legitimar nenhuma das condições degradantes que estão sujeitos todos os presos, a prisão por si só causa dores, sofrimentos físicos e psicológicos nefastos e irreparáveis ao ser humano que o Estado pretende recuperar, ressocializar, reintegrar, reeducar ou readaptar.

 

Contradições desta ordem e deste nível de desrespeito jurídico e legal não podem existir e ser admitidos pelos Documentos de Direitos Humanos; pois, sem exceção alguma, visam a prevenção e a repressão das violações fundamentais inerentes ao direito de viver com dignidade, seja “intra” ou “extra” “murus”.

 

É público e notório que a maioria, ou quase a totalidade, dos estabelecimentos prisionais da América Latina e do Brasil, efetivamente, tem transformado o cumprimento da pena privativa de liberdade, em sanção cruel e desumana. Ainda que esteja expresso em documento internacional que “nenhum funcionário encarregado de fazer cumprir a lei poderá inflingir, instigar ou tolerar nenhum ato de tortura ou outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes”, reza o artigo 5º do Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (Adotado pela Assembléia Geral da ONU em 17-12-79 – Resolução n. 34/169).

 

Segundo a doutrina especializada, a expressão “funcionários encarregados de fazer cumprir a lei” inclui todos os agentes, nomeados ou eleitos, que exercem funções de polícia, com faculdades de arresto ou detenção, inclua-se, ao nosso ver, também as autoridades judiciárias, magistrados que determinam a prisão e membros do Ministério Público que requerem a condenação à pena privativa de liberdade ou que postulam a prisão provisória.

 

Em geral, sabemos que a pena privativa de liberdade teve sua origem na revolução industrial e que seu objetivo foi e é eminentemente utilitário, ainda que o discurso ideológico tenha sido humanitário. Para isso, se faz indispensável o respeito a norma com rigidez em nome do princípio da legalidade (“Violência e Criminalidade. Propostas de solução”. prof. René Ariel Dotti, in Damásio Evangelista de Jesus e outros, Rio de Janeiro, 1980, p. 143).

 

Seria muito conveniente pensar em algum controle internacional para verificar o grau de cumprimento e de descumprimento das Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento do Recluso, afirma o prof. Eugênio Raul Zaffaroni, acrescentando: “As condições de alojamento das pessoas privadas da liberdade devem ser vigiadas judicialmente. A indiferença judicial nesta matéria é notável no continente latino-americano. É preciso ações e recursos de habeas corpus e similares para amparar as condições de alojamento higiênico e digno. A via mais prática para quebrar a indiferença judicial é responsabilizar em forma pessoal – inclusive penal – os juizes por negligência na vigilância de tais condições. Isto geraria, sem dúvida, conflitos com o Poder Executivo e se alegaria a carência da infra-estrutura para cumprir as “Regras Mínimas” das Nações Unidas. A solução mais prática e adequada aos Direitos Humanos, ante tal conflito, é impor aos juizes o dever de interditar os estabelecimentos inadequados e de dispor a imediata liberdade qualquer pessoa privada de liberdade em condições que não satisfaçam os requisitos mínimos de segurança e higiene. O Poder Judiciário deve regular com extrema severidade a privação da liberdade quando exista um número de pessoas maior do que o indicado nas condições mínimas de alojamento digno disponível (capacidade conforme a planta arquitetônica). O juiz que tolera esta situação está incorrendo em um injusto análogo ao de quem tolera a prolongação indevida da privação de liberdade, pois neste último caso se trata de um injusto por extenção da privação de liberdade, tanto que no primeiro injusto é pelas condições da mesma” (in Sistemas Penales y Derechos Humanos/ Informe Final, Ed. Depalma, Buenos Aires, 1986, p. 206).

 

O processo institucional de prisionalização gera fatores negativos, e estes são originários da: superpopulação; ociosidade; insalubridade e promiscuidade pela falta das mínimas condições de vida com dignidade e precariedade das instalações físicas. A violência física (sexual) e psíquica que estão sujeitos os detentos, a corrupção entre agentes penitenciários e grupos de internos, e muitas outras mazelas são produzidas dentro dos ergástulos públicos (ver CPIs do Sistema Penitenciário da Câmara dos Deputados Federais do Brasil, de 1975 e 1993).

 

Define a Regra 31 da ONU para Tratamento dos Reclusos, sobre disciplina e sanções: “As penas corporais, encerramento em cela escura, assim como toda sanção cruel, desumana ou degradante são completamente proibidas como sanções disciplinares”. Se há previsão legal proibitiva de sanção disciplinar nestas condições, muito mais óbvio e evidente que o Poder Judiciário não pode admitir a execução da pena privativa de liberdade quando caracterize na prática sanção cruel, desumana e degradante.

 

Sabemos que os maus-tratos carcerários resultam do “modus vivendi” oferecido pelo Estado aos condenados à pena privativa de liberdade, que impera a “lei do mais forte” ou as sobrevivência no interior dos estabelecimentos penais.

 

Diante do exposto, é de se concluir que os senhores magistrados estão autorizados “ex officio” ou a requerimento dos membros do Ministério Público, e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, para criarem uma jurisprudência progressista -alternativa-penal democrática, dentro da ótica do Estado de Direito, em respeito aos princípios humanitários da execução da pena privativa de liberdade, fundamentais à coletividade “intra murus”, a fim de que os apenados que se encontram submetidos a cruel e indigna realidade oferecida nas enxovias, recebam, inclusive de maneira antecipada o benefício da liberdade condicional e/ou o direito de progressão ao regime mais brando; sempre na hipótese da inexistência de estabelecimentos penais que não possuam instalações condignas à pessoa humana do recluso, conforme determina a Lei n. 7.210/84; podendo-se, ainda, comutar a execução da pena privativa de liberdade para ser cumprida em domicílio particular.

 

A regra geral do direito penal democrático é interpretar a lei restritivamente, e quando necessária a ampliação, esta maneira somente é autorizada juridicamente quando for em benefício ou a favor do réu ou do apenado. O artigo 3º do Código de Processo Penal, reforça este critério doutrinário, quando estabelece que são permitidas a aplicação dos princípios gerais do direito.

 

As clausulas nsº 10, 17 e 18 das Diretrizes Básicas para os Agentes do Ministério Público das Nações Unidas (ONU/ 1990) prescrevem sobre a independência do MP e que a prisão tem ao longo do tempo comprovado que produz mazelas e efeitos negativos, e nenhum efeito positivo à sociedade, por esta razão os membros do Ministério Público devem fazer o máximo de esforço para não utilizar a prisão como medida sancionatória ou cautelar em matéria de justiça criminal (ver Maia Neto, Cândido Furtado, in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba, 2003).

 

Reza o Código Penal brasileiro “ex vi” do art. 38 (lei n. 7.209/84): “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Direitos Humanos do Preso”, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998)

 

Na legislação brasileira (lei n. 4.898/65) o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, considerando-se crime todo atentado “à incolumidade física do indivíduo” (art. 3, “i”); “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei” (art. 4, “b”); em reforço a norma ordinária a Carta Magna assegura a concessão de mandado de segurança para proteção de direito líquido e certo…, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública (inciso LXIX, art. 5º CF).

 

A título de estudo e de informação do direito positivo das Nações Unidas (Assembléia Geral em Resolução n. 40/43, de 29 de novembro de 1985), lembramos a recomendação do Sexto Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Milão – Itália), para a continuidade do trabalho de elaboração das diretrizes e normas para as vítimas do delito de abuso de poder, solicitando a cooperação de organismos governamentais e não governamentais.

 

São consideradas “vítimas de abuso de poder” as pessoas que, individualmente ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como consequência de ações ou omissões que não cheguem a constituir violações do direito penal nacional, mas violem normas internacionais reconhecidas e relativas aos Direitos Humanos (item 18, letra B, da Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder).

 

Assim, a decisão emanada do Poder Judiciário que fundamentar e aplicar os princípios de direito, supra referidos, estará dentro da mais cristalina legalidade e prestando a mais pura medida de Justiça; “in contrarium sensu”, concretizar-se-á uma gritante e brutal inobservância aos Direitos Humanos e aos princípios reitores do regime penal democrático, com flagrante abuso de autoridade passível de responsabilidade, desde a pena administrativa de advertência até a de demissão a bem do serviço público, sem prejuízos da aplicação da sanção civil de indenização e da própria detenção.

 

Outra forma de controle sócio-político punitivo via prisão, se esconde atrás das denominadas Medidas de Segurança, que efetivamente poderíamos conceituar de eufemismo jurídico-penal, onde a doutrina adepta a Teoria da Defesa Social (década de 50/60), tenta justificar através do discurso terapêutico como sendo uma sanção do tipo curativo, e não passa de verdadeira detenção, muitas vezes em condições piores daquelas que estão sujeitos os imputáveis.

 

O modelo do “homem enfermo”, frente ao do “homem normal”, é ainda mais torturante e desumano, vez que o Estado não possui pessoal especializado e muito menos estabelecimentos destinados a esta espécie de serviço médico-psiquiátrico. E a possibilidade de defesa é muito mais difícil, pois, os exames “médicos-criminológicos” são estigmatizante e marginalizam eternamente o paciente. São raros os que conseguem um parecer favorável quanto a cura de sua “personalidade criminosa”.

 

Muitas vezes, não é a personalidade do agente que esta sendo julgada, mas a repercussão social do fato, e de pronto, em base as presões e/ou divulgações sensaciolistas da imprensa acaba-se condenando antecipadamente um indivíduo à sanção perpétua de prisão, disfarçada pelo nome de Medida de Segurança, verdadeira pena sem culpabilidade, verdadeira aberração jurídca tolerada (Raúl Zaffaroni, in “En Busca de las Penas Perdidas…; ed. Temis, Bogotá, 1990).

 

Culpabilidade de Autor versus culpabilidade de Ato, onde os réus possuidores de boa ou regular condição financeira são autorizados a freqüentar clínicas particulares, já os vulneráveis (pobres) do sistema de administração de justiça penal são internados nos chamados Manicômios Judiciários, com total falta de infra-estrutura, sofrendo diariamente maus-tratos, pela dupla condição de prisioneiro e de enfermo mental.

 

Sempre em debate no âmbito dos Direitos Humanos, são colocadas em dúvidas as questões como: choques elétricos e insulínicos, condicionamentos de reflexos inibitórios e, determinados tratamentos para modificar a conduta.

 

Os princípios básicos de ética médica aplicável à função do pessoal de saúde, especialmente os médicos na proteção de pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão contra a tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes expressos na Resolução n. 37/194, de 18.12.82, das Nações Unidas, em reconhecimento a Resolução 31-85 de 13 de dezembro de 1976 da Organização Mundial da Saúde, estão sendo violados corriqueiramente pelo Estado e sua administração penitenciária.

 

Não se poderia deixar de comentar que as denominadas “apreensões” de menores inimputáveis (de 18 anos de idade) e sua respectiva execução – institucionalização – se apresentam de igual modo, como uma sanção do tipo privativa de liberdade, até mais agravada, pois na prática nada possui de sócio educativa (art. 112 da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), onde os estabelecimentos destinados a adolescentes infratores são concretamente os mesmos presídios ou cadeias públicas desumanas e degradantes, com outras denominações: “Centros de Educação”, “Escolas de Tratamento”, “Fundações”, “Institutos de Bem Estar Social”, etc.

 

A legislação tutelar com seu caráter paternalista, em muitos aspectos fere flagrantemente várias garantias processuais elementares asseguradas aos cidadãos nos regimes democráticos, bem como nos Documentos de Direitos Humanos que tratam do tema, seja por suas classificações de menores do tipo “abandonado”, “infratores”, em “estado de perigo”, e outras tantas, que transformam o indivíduo (menor – inimputável) em eventual delinquente. Dada a baixa condição social os menores por suas necessidades individuais ou familiares, em sua quase totalidade, ficam sujeitos ao arbítrio da vontade punitiva estatal.

 

Desrespeitados são os dispositivos constitucionais e a lei ordinária (Estatuto…) sobre a individualização e tratamento dos inimputáveis, bem como a jurisprudência dos Tribunais que proíbe o internamento de menores infratores na mesma cela e/ou no mesmo estabelecimento prisional destinado a imputáveis. Ressalte-se, portanto, que os Documentos internacionais de Direitos Humanos, entre ele: Declaração e Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU 20.11.59 e 20.11.89, respectivamente) e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores “Regras de Beijing” (Resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985), são afrontados constantemente, pelas próprias autoridades competentes, ou que se dizem competentes.

 

Para finalizar concluímos que os Direitos Humanos dos presos estão sendo violados de maneira flagrante, e impune estão seus responsáveis, aos olhos da sociedade e da Justiça.

 

  

Anexo

Modelo para requerimento de interdições de estabelecimentos penais pelo Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil, em observância a Constituição federal, a legislação ordinária e aos princípios e cláusulas de Direitos Humanos.

 

  

O MINISTÉRIO PÚBLICO do Estado / (A Ordem dos Advogados do Brasil) de(o)………………………………………, instituição essencial e permanente à função jurisdiscional do Estado, ante a administração da justiça criminal, através de seu representante legal, signatário deste “petitorium”, no munus de suas atribuições, resolve ante este r. juízo deliberar pela preemente necessidade de interdição da (Cadeia Pública/Presídio de………), em fulcro ao disposto no inciso viii do artigo 66 da Lei n.º 7210/84, pelo que passa a expor:

 

Ao Ministério Público (A Ordem dos Advogados do Brasil) incumbe a defesa dos direitos indisponíveis da sociedade em geral, inclua-se as pessoas que vivem “intra-murus”. Tem por missão a proteção dos Direitos Humanos da população carcerária, em observância aos instrumentos internacionais, Carta Magna e legislação ordinária específica vigente.

 

Ao MP instituição promotora da Ação Penal Pública, titular do “dominus litis”; “mutatis mutantis”, da “persecutio criminis” e do “ius persequendi” estatal, em face da exclusividade e do “onus probandi” ante a irrogação apresentada na exordial-acusatória.

 

 

Reza a “lex fundamentalis” pátria, em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, vale dizer, em direito penal-executivo liberal, tendo como fundamento a prevalência dos Direitos Humanos, em suas relações internacionais, “ex vi” do artigo 4.º, inc. ii da CF, consequentemente nas relações de direito público interno, no que se refere aos Direitos Humanos do Preso no Brasil (Regras Mínimas do Ministério da Justiça).

 

À luz dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, de aceitação universal e aderido pelo governo da República Federativa do Brasil, destacamos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948/ONU); Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966/0NU); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969 / OEA); Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos (1955/57/77); Normas para a aplicação das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos (ONU /1984); Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos (ONU/1990); Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão (ONU/1988); e Regras Mínimas do Preso no Brasil (Ministério da Justiça/1994).

 

É de se ressaltar que na prática nenhum dos Documentos internacionais, muito menos a Constituição federal e a legislação ordinária positiva (Lei de Execução Penal) não estão cumpridas e respeitadas, dentro da obrigatoriedade dos princípios basilares do Estado de Direito, impõem-se às autoridades competentes e diretamente ligadas a questão prisional do país, seja na esfera do Poder Executivo (encarregadas do gerenciamento do sistema penitenciário), como na alçada do Poder Judiciário (competentes para a execução de medidas privativas de liberdade), responsabilidade criminal, em decorrência da inércia e/ou da prevaricação de atos de ofício que deveriam tomar e não o fizeram em tempo oportuno, conforme prevê o Código Penal (Decreto-lei n.º 2.848/40).

 

Os artigos 1º e 10 da Lei n.º 7.210/84, estabelecem que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou da lei.

 

Todos os presos recolhidos na (Cadeia Pública/Presídio………………………………….) estão sendo violentados quantos aos seus mais elementares direitos fundamentais assegurados à cidadania (cf. incisos específicos do artigo 5.º da CF e artigo 41 e incisos da Lei n.º 7.210/84).

 

Carecem os detentos (provisórios e definitivos) do direito à assistência material, ou seja: de alimentação suficiente, vestuário, de atividades laborais (inclusive quanto a remuneração, previdência social e pecúlio, e direito de remição), intelectuais, artísticas e desportivas, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

 

O estabelecimento em referência não possui recursos físicos e/ou dependências e serviços destinados para a assistência dos direitos supra mencionados, como força de imperativo legal.

 

A alimentação é precária, os presos desta comarca estão a passar fome, se considerarmos a irrisória quantia destinada pelo poder público, para a alimentação diária, vale dizer, o equivalente a R$ ……………………….(……………………………………….), ridícula taxa para um ser humano alimentar-se dignamente. O que tem amenizado o grave problema são as doações de alimento feitas pela comunidade, entidades privadas e pelas próprias famílias dos detentos.

 

De outro lado, pode-se visualizar as precárias instalações da cozinha da cadeia/ presídio, em completo abandono, onde se constatam instalações sem as mínimas condições de higiene.

 

As celas são úmidas e precárias, faltam camas e cobertores; os aparelhos sanitários estão danificados. A metragem estipulada pela Lei de Execução Penal ( artigo 88 da lei n.º 7.210/84) de 6 m2 mínimo para cada detento, em celas privativas é pura “letra morta”.

 

Diante de tal quadro encontramos celas com mais de ………………………….detentos, em flagrante e total estado de ampla promiscuidade e nenhuma salubridade, o que se verifica a inexistência de condições de habitabilidade no referido estabelecimento penal (anexo Laudo de Vistoria Sanitária do Centro de Saúde/Setor de Higiene e Saneamento fls.).

 

Inexiste neste ergástulo público local apropriado para o “banho de sol”, e área de lazer para práticas desportivas, instalações de trabalho que impeça a ociosidade, e sequer para o estudo e/ou ensino educacional regular, como determina o Texto Maior, como obrigatoriedade do Estado à todos os cidadãos.

 

Os presos provisórios e condenados estão compartilhando os mesmos espaços, ainda que a lei de execução penal, a Constituição federal e os Documentos internacionais de Direitos Humanos proíbam tal procedimento.

 

Presos primários ao lado de reincidentes; jovens-adultos (18 a 25 anos de idade) ao lado de presos com idade mais avançada.

 

Necessário se faz também exortar pela violação do inciso xlviii, artigo 5.º da “lex fundamentalis” onde garante as mulheres presas espaço de reclusão separado daquele destinado ao preso do sexo masculino, c.c. parágrafo 1.º do art. 82 da Lei n.º 7.210/84.

 

Nesta enxovia pública inexistem instalações apropriadas para mulheres, muito menos, quando falamos dos direitos de amamentação e criação de filhos menores, cf. estipula o inc. l do art. 5.º CF.

 

“Ex Positis”, não há como deixar a irregular situação perdurar por mais um dia, ao juízo da execução nas hipóteses de infringência da norma positiva, é de se interditar o estabelecimento prisional (art 66, inc. viii lei n.º 7.210/84), posto que não existe outra hipótese jurídica ou caminho a trilhar.

 

A causa da criminalidade está intimamente relacionada com a reincidência criminal e aos desrespeitos por parte do Estado em fazer cumprir a lei, onde a maioria dos crimes “hediondos”, são perpetrados por egressos do sistema prisional.

 

Se os presos devem aprender a ter responsabilidades, a eles não se pode negar seus direitos.

 

A efetividade da Lei de Execução Penal compete ao Poder Judiciário, e ao Ministério Público fiscalizar a aplicação correta da norma, sem caráter político, exigindo do Poder Executivo os meios indispensáveis para o estrito respeito ao Estado Democrático de Direito.

 

Diz o professor Eugenio Raúl Zaffaroni, a interdição é medida necessária por parte do Poder Judiciário, a fim de forçar o Poder Executivo a tomar as providências que lhe compete; do contrário, está incorrendo em erro o magistrado que não cumprir com o seu dever de exigir e aplicar a lei corretamente, podendo inclusive ser responsabilizado pessoal e funcionalmente (in “Sistemas Penales y Derechos Humanos”ed. Depalma, Buenos Aires, 1986, pg. 206).

 

Somente se justifica a execução da pena privativa de liberdade se esta for em base ao devido processo legal executivo (inc. liv art. 5.º CF), qualquer violação ao direito penal-processual- descarateriza a legitimidade estatal para ao cumprimento da sanção sem desvio ou excesso (arts. 185 e 186 da lei n.º 7.210/84).

 

A não interdição do estabelecimento prisional configura crime de responsabilidade definido na Lei n.º 4.898/65, na hipótese de ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder, e submeter pessoa sob custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei.

 

 

Ver :

Art. 133 e 134 CF

Lei nº 8.909/1994 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil

Lei Complementar nº 35/1979 – Magistratura

Lei nº 8.625/93 e Complementar nº 75/93 – Ministério Público

CPP – Recurso Extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal, por violação de direito constitucional-penal, de clausulas pétreas e dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos.

 

 

* Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Cândido Furtado Maia. A Inconstitucionalidade da Prisão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-inconstitucionalidade-da-prisao/ Acesso em: 10 out. 2024
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