Direito Penal

A competência para a execução da multa penal


RESUMO: O
sistema penal brasileiro acolhe a possibilidade de estabelecimento de três tipos de penas: restritiva de liberdade,
restritiva de direitos e multa. A alteração da redação conferida ao art. 51 do
Código Penal pela Lei nº 9.268, de 1º de abril de 1996, provocou discussão que
ainda não restou superada. Com efeito, a doutrina apresenta-se divergente em
relação à jurisprudência no que toca à competência para a execução da pena de
multa de natureza penal, na hipótese de inadimplemento. Dentro desse contexto,
o presente trabalho se propõe a examinar a matéria, à luz do entendimento
adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Multa. Pena. Competência. Execução. Inadimplemento.

ABSTRACT: The criminal justice system welcomes the
opportunity to establish three types of feathers: restrictive of freedom,
restriction of rights and a fine.
The change promoted on the
texto of the art. 51 of the Criminal Code by Law nº. 9268 of April 1, 1996,
provoked discussion that remains not overcome yet. Indeed, the doctrine is
presented in relation to the divergent case law regarding the responsibility
for carrying out the penalty of a criminal nature, in case of default. Within
this context, this paper aims to examine the matter in the light of
understanding adopted by the Superior Court of Justice.

KEYWORDS:
Fine. Penalty. Competence. Implementation.
Default.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A multa penal e a
competência para sua execução. 3. Conclusões. 4 Referências.

1. INTRODUÇÃO

Dentre
os vários tipos de pena passíveis de serem aplicadas, no âmbito penal estão
elencadas no Código Penal, podendo possuir natureza de restrição à liberdade,
restrição de direitos e de multa.

Em
relação à pena de multa, há fundada discussão no campo doutrinário acerca da
competência para sua execução, notadamente em decorrência da promulgação da Lei
nº 9.268, de 1º de abril de 1996, que a considerou como dívida de valor.

Com
isso, instalou-se divergência entre a doutrina e a jurisprudência agora
sedimentada no campo do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, duas
correntes foram criadas: a) uma, pena manutenção da competência do Juízo da
execução penal; e b) outra, pela competência da correspondente Vara da Fazenda
Pública.

Este
trabalho se propõe, portanto, a examinar, sem pretensão de exaurir a matéria, a
divergência existente entre a doutrina e o Superior Tribunal de Justiça acerca
da competência para a execução da multa penal.

2. A MULTA PENAL E A COMPETÊNCIA PARA SUA
EXECUÇÃO

O
Sistema Penal vigente prevê a aplicação da sanção na forma de multa, de acordo
com o que se extrai do art. 32, sendo a matéria detalhada nos arts. 49 a 52
daquele diploma legal.

Inspirada
pela norma contida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição de 1988, que veda
a prisão por dívida, a Lei nº 9.268/96 alterou a redação conferida ao art. 51
para afastar a possibilidade, anteriormente existente, de conversão da pena de
multa em detenção, na hipótese de inadimplemento. O dispositivo foi assim
redigido:

“Art. 51 –
Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida
de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da
Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição.”

Imediatamente após a promulgação da citada lei, o Supremo
Tribunal Federal teve a oportunidade de examinar a questão, momento em que
fixou o entendimento de que “com a nova redação do art. 51 do Código Penal, a
pena de multa não mais pode ser convertida em pena de detenção, passando a ser
considerada dívida de valor e executada como dívida ativa da Fazenda
Pública.” (STF, HC 73758/SP. Julgamento em 14.05.1996).

A
despeito de o texto legal expressamente indicar a aplicação das “normas da
legislação relativa á dívida ativa da Fazenda Pública”, iniciou-se
discussão no âmbito doutrinário e jurisprudencial acerca do assunto no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça.

BITENCOURT
(2002, p. 197), representante de uma primeira corrente, sustenta que “a
competência para a execução da pena de multa – que não foi alterada pela Lei n.
9.268/96 – continua sendo do juiz das execuções criminais, e a
legitimidade para a sua promoção continua sendo do Ministério Público correspondente”.

Com
base em raciocínio similar, colhe-se o posicionamento de GRECO (2010, p. 530):

“Apesar da força do
raciocínio acima, entendemos que a multa, mesmo considerada dívida de valor
pelo art. 51 do Código Penal, não perdeu sua natureza de sanção penal, e como
tal deve ser tratada. O fato de a lei considerar a multa como dívida de valor
tem a importância de ressaltar a sua natureza pecuniária, nada mais. Também não
afeta a competência do juízo para sua cobrança a opção pelas normas relativas à
Lei de Execução Fiscal, uma vez que, anteriormente, quando, hipoteticamente
falando, a execução da pena de multa devida obedecer às disposições contidas no
art. 194 da Lei de Execução Penal”

Para
essa primeira corrente, portanto, o singelo fato de a lei fazer referência à
utilização das normas relativas à execução fiscal não desnatura o caráter penal
da sanção aplicada, de modo que a competência do juízo da execução penal seria
mantido para a execução na hipótese de inadimplemento. Apenas não se poderia
converter a pena inadimplida em sanção restritiva de direitos.


para PRADO (2010, p. 578), defensor de
uma segunda corrente doutrinária, a alteração legislativa produziu efeitos em
relação à competência para a execução desse tipo de sanção penal, no caso de
inadimplemento:

“O juízo competente
para a execução da multa é o da Vara da Fazenda Pública. Além disso, não se
aplica o art. 4º, VI, da Lei de Execução Fiscal (responsabilidade dos
sucessores), visto que violaria o princípio da personalidade da pena (5º, XLV,
CF).”

A
segunda corrente doutrinária fixa as bases dos argumentos justamente na
alteração da natureza jurídica da pena, no caso de o condenado não efetuar o
pagamento do débito no prazo estabelecido na sentença condenatória.

Em
que pese o respeitável entendimento adotado pela primeira corrente, parece-nos
que a natureza jurídica da pena, no caso de inadimplemento, transmuda-se para
dívida de valor. Isso porque a alteração promovida pela Lei nº 9.268/96 dar
novo tratamento ao tema, ao alterar a redação conferida ao art. 51 do Código
Penal, afastou a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção, no
caso de inadimplemento.

No
campo jurisprudencial, a questão parece ter sido superada no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça. Destaca-se, inicialmente, o entendimento anteriormente
fixado pela sua Quinta Turma:

“RECURSO ESPECIAL.
PENAL. EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO. JUÍZO DA EXECUÇÃO
PENAL. COBRANÇA. INADIMPLEMENTO. FAZENDA PÚBLICA. ART. 51 DO CP, ALTERADO PELA
LEI N.º 9.268/96.

1. A orientação da
Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou-se no sentido de que compete ao Juízo
da Execução Penal determinar a intimação do condenado para realizar o pagamento
da pena de multa, a teor do que dispõe o art. 50 do Código Penal; e, acaso
ocorra o inadimplemento da referida obrigação, o fato deve ser comunicado à
Fazenda Pública a fim de que ajuíze a execução fiscal no foro competente, de
acordo com as normas da Lei n.º 6.830/80, porquanto, a Lei n.º 9.268/96, ao
alterar a redação do art. 51 do Código Penal, afastou a titularidade do
Ministério Público.

2. Recurso especial
conhecido e provido.” (REsp 459.750/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 24/06/2003, DJ 15/09/2003, p. 351)

Esse
entendimento parece ter sido revisto posteriormente, considerando o novo
entendimento sobre a matéria:

“RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. MULTA. COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 51 DO CP, COM ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 9.268/96.

Nos termos do art. 129,
I, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, enquanto titular da
ação penal, promover a execução da pena de multa, perante o Juízo das Execuções
Penais. Recurso desprovido.” (REsp 699.286/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO
DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 05/12/2005, p. 369)

A
Sexta Turma daquela Corte, por sua vez, possui posicionamento considerando a
competência da Fazenda Pública para a execução da pena, na hipótese de
inadimplemento voluntário, conforme se extrai do seguinte precedente:

“AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENA DE MULTA. COMPETÊNCIA. LEI Nº 9.268/96. ARTIGO
51 DO CÓDIGO PENAL.

Compete ao Juízo da
Execução Penal determinar a intimação do condenado para realizar o pagamento da
pena de multa (art. 50 do CP). Ausente o adimplemento da obrigação, deve a
Fazenda Pública ajuizar a execução fiscal. Entendimento jurisprudencial desta
Corte.

Agravo Regimental a que
se nega provimento.” (AgRg no REsp 397.242/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA,
SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 19/09/2005, p. 392)

Esse
entendimento estabelecido pela Sexta Turma parece ter sido uniforme, não
havendo alteração significativa com o tempo. Nesse sentido, tem-se, por
exemplo, as conclusões atingidas nos REsp 286.884/SP (DJ 13.08.2001, p. 310) e
REsp 286.791/SP (DJ 07.10.2002, p. 307) e, atualmente, o HC 101216/RS (DJe
02.08.2010).

A
Terceira Seção, responsável pelo julgamento de causas penais (conforme o §3º,
inciso I, do art. 9º do Regimento Interno do STJ), recentemente examinou a
questão em sede de embargos de divergência. A decisão produzida teve sua ementa
assim redigida:

“Pena de multa
(condenação). Execução (legitimidade).

1. De acordo com o
entendimento da Corte Especial e da Terceira Seção, é da Fazenda Pública a
legitimidade para promover a execução de
pena de multa imposta em sentença penal condenatória, e não do Ministério
Público.

2. Embargos de divergência conhecidos e recebidos.”
(EREsp 699.286/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
10/02/2010, DJe 13/05/2010)

O
entendimento se harmoniza com os postulados do pós positivismo, uma vez que,
sendo caracterizada a pena como dívida de valor, não mais se justifica a
imputação de pena restritiva de liberdade, como aliás, restou expressamente
consignado na nova redação ao art. 51 do Código Penal. A pena, sendo agora mera
dívida, afastou, ainda que de forma implícita a competência para a sua execução
na hipótese de inadimplemento, recaindo sobre os ombros da fazenda pública
correspondente a obrigação em relação à recuperação do crédito.

3. CONCLUSÕES

A
despeito da alteração promovida no art. 51 do Código Penal pela Lei nº
9.268/96, ainda persiste no âmbito doutrinário e jurisprudencial discussão
acerca da competência para a execução de multa penal.

Nesse
sentido, há duas correntes doutrinárias sobre o tema. Uma, sustentando o
caráter penal da sanção com a correspondente competência do juízo da execução penal
e outra que defende o caráter extra penal da sanção, circunstância que
provocaria a competência do juízo da execução fiscal, cujo julgamento ficaria a
cargo da fazenda pública correspondente.

Entendemos
que a segunda corrente é a que mais se ajusta aos postulados do
pós-positivismo, uma vez que ao impedir a conversão da pena de multa em
detenção, induvidosamente afastou, ainda que de forma implícita, a competência
para a execução da multa penal, no caso de inadimplemento.

Assim,
fixada a multa e superado o prazo estabelecido para pagamento, os autos devem
ser encaminhados à Procuradoria da Fazenda Pública correspondente, a fim de que
o débito seja alvo da respectiva ação de execução fiscal.

Espera-se
que a divergência seja superada em breve, unificando-se os entendimentos e
favorecendo a rápida solução do litígio, afastando-se a condenável prática de
apresentação de manifestações protelatórias.

4. REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Constituição da República de 1988.
Diário Oficial, 05.10.1988.

2. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas
Corpus. HC 73758/SP. Relator Min. Néri da Silveira. Segunda Turma,
julgado em 14.05.1996. Diário de Justiça, 14.05.1996, p. 26.

3. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial. REsp 459.750/SP, Relatora Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
24/06/2003, Diário de Justiça, 15/09/2003, p. 351.

4. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial REsp 699.286/SP, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca. Quinta Turma,
julgado em 08/11/2005, Diário de Justiça, 05/12/2005, p. 369.

5. ______ Superior Tribunal de Justiça. Agravo
Regimental em Recurso Especial AgRg no REsp 397.242/SP, Rel. Min. Paulo Medina,
Sexta Turma, julgado em 07/06/2005, DJ 19/09/2005, p. 392.

6. ______.Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial. REsp 286.884/SP. Relator Min. Hamilton Carvalhido. Diário de Justiça,
13.08.2001, p. 310

7. ______ Superior Tribunal de Justiça. Recurso
Especial. REsp 286.791/SP. Relator Min. Vicente Leal. Diário de Justiça,
07.10.2002, p. 307.

8. ______ Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. HC 101216/RS. Relatora Min.
Maria Thereza de Assis Moura. Diário de Justiça Eletrônico, 02.08.2010

9. ______ Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso
Especial. EREsp 699.286/SP, Relator Ministro Nilson Naves, Terceira Seção,
julgado em 10/02/2010, DJe 13/05/2010.

10. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal
comentado
. São Paulo: Saraiva, 2002.

11. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.
Parte geral
.
12ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2010.

12. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal
Brasileiro
. Volume 1. 9ª ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2010.

Adrian Soares Amorim de Freitas – Servidor
público. Pós graduado em Ministério Público, Direito e Cidadania. Pós Graduado
em Direito e Processo Eleitoral

Como citar e referenciar este artigo:
FREITAS, Adrian Soares Amorim de. A competência para a execução da multa penal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-competencia-para-a-execucao-da-multa-penal/ Acesso em: 08 jun. 2025
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