Direito Penal

A banalização da corrupção

O dia 9/12 foi o Dia Internacional Contra a Corrupção. Assim sendo, nada mais oportuno do que falar sobre ela, a corrupção nacional.

Não que não haja essa doença moral noutros países, mas sim porque no nosso ela atingiu um grau muito além do tolerável.

Fico imaginando o que pensaria um neozelandês ou um finlandês  – naturais de países em que a corrupção é mínima – que estivesse vivendo muitos anos no
Brasil, estivesse familiarizado com os graves problemas nacionais e deparasse com um escândalo como o Mensalão…

Ficaria certamente horrorizado e mais horrorizado ainda com a complacência desse povo em relação ao vergonhoso acontecimento.

E ainda mais horrorizado com o fato de que Lulla e o PT não receberam a execração pública de uma maioria de eleitores que não deviam dar mais um único
voto a esse político, aos seus indicados e a esse partido.

No entanto, apesar da denúncia do Procurador Geral da República e apesar de o processo estar prestes a ser julgado pelo STF – só não foi ainda porque o
ministro Joaquim Barbosa pediu vistas – parece que o mensalão já foi esquecido. Só espero que não acabe prescrevendo…

Se o povo tem memória curta – como dizia o velho Maquiavel – a do povo brasileiro é curtíssima: não passa de vagas lembranças…

Malgrado essa memória ter sido refrescada com o pedido de demissão de 7 ministros de Dilma, sendo 6 deles por corrupção grossa, parece que o povo não
se toca . Não está nem aí!

Já foram feitas duas marchas contra a corrupção, porém com uma taxa de adesão medíocre, se comparada com as das marchas gay atraindo milhares de
participantes e patrocinadas pelo poder público.

Tudo indica que, no Brasil, problemas de natureza sexual atraem mais público do que problemas de lisura e probidade na administração pública.

Tendo em mente os horrores do nazismo, a filósofa Hannah Arendt discorreu sobre o tema da “banalização do mal”. Talvez, se fosse ela o estrangeiro
familiarizado com os graves problemas nacionais, discorreria sobre “a banalização da corrupção”.

Infelizmente, essa nódoa faz parte da natureza humana e não há como evitar sua ocorrência, por mais que isto seja extremamente desejável.

A idéia de corrupção zero não passa de uma bela utopia. Sempre houve corrupção em todos os países e em todas as épocas e tudo indica que sempre
haverá.

Mas há também uma margem de tolerância, além da qual a corrupção torna-se um verdadeiro câncer moral corroendo os tecidos da sociedade e trazendo
graves prejuízos de ordem moral, social e econômica.

Se queremos ter uma boa noção do grau de corrupção no Brasil, devemos fazer comparação com os graus de outros países. Só procedendo assim, poderemos
ter uma boa avaliação da nossa situação.

Foi justamente com essa finalidade que foi criada a Transparência Internacional, uma organização não-governamental com sede em Berlim que,
diferentemente de determinadas ONGs no Brasil, não recebe um centavo do governo.

De acordo com uma pesquisa de 2004, piorou a percepção da corrupção no Brasil nos primeiros anos do governo Lula, segundo relatório da Transparência
Internacional.

A nota do Brasil caiu de 3,9 para 3,7, em uma escala de 0 a 10. No entanto, os recentes escândalos, incluindo o mensalão, influenciaram muito pouco,
pois o levantamento começou a ser fechado em junho, quando a crise estava apenas começando.

O Brasil caiu da 59ª para 62ª posição, ficando atrás de países como Belize, Colômbia, Tailândia, Trinidad-e-Tobago e Cuba. Dentre os países menos
corruptos do mundo estão, por ordem, Islândia (9,7), Finlândia (9,6), Nova Zelândia (9,6), Dinamarca (9,5), Cingapura (9,4) e Suécia (9,2).

De acordo com uma pesquisa dessa mesma instituição feita em 2011, o Brasil está ocupando o 73.o lugar no ranking entre 183 países.
Fica atrás de Gana, Namíbia, Botsuana e Ruanda, países pobres da África.

É de matar de pejo os brasileiros ilustres d’antanho: D. Pedro II, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, etc. e os poucos de hoje que ainda possuem
vergonha na cara, como exigia Capistrano de Abreu:

“A Constituição do Brasil precisa de um só artigo: Todos os brasileiros têm que ter vergonha na cara. Revogadas as disposições em contrário”.

Ah! Olavo Bilac, grande bardo parnasiano, infelizmente não posso seguir sua recomendação quando você diz: “Ama com fé e orgulho o país em que
nasceste”.

Porém, concordo inteiramente quando você acrescenta em seguida: “Creança, [i.e. “criança” na grafia da época] jamais verás um país como este!”

Na América do Sul, o Brasil está atrás do Chile (22.a posição) e do Uruguai (25.a). Numa escala que vai de 0 (muito corrupto) a
10 (nada corrupto), a Islândia ganhou 9,6 (mínimo de corrupção) e o Brasil 3,8. Se fosse um aluno, seria reprovado vergonhosamente.

Entre os fatores de corrupção apontados pela Transparência Internacional  estão: desvio de verbas públicas, compra de votos, nepotismo, caixa 2,
 informações privilegiadas, criação de firmas-laranjas,  criação de cargos-fantasmas, favorecimento em licitações, superfaturamento, evasão de
divisas,  etc.

De onde se conclui que a corrupção tem franca preferência pelo setor público. É uma doença estatal. Embora possa envolver muitas vezes agentes
privados, há sempre um conluio com homens e órgãos públicos.

Até mesmo Cuba que empatou com o Brasil com 3,7 em 2010 se encontra numa posição melhor, ocupando o 61.a posição no ranking.

Fato que é um espanto, se considerarmos que o Brasil vive um comunismo ascendente e Cuba um comunismo decadente.

Sou obrigado a citar uma vez mais o velho Millôr Fernandes: “Quando uma ideologia fica bem velhinha e carcomida, ela faz as malas e vai para o Brasil.”
Êta país retrógrado!

Resta-nos o consolo de que o Brasil ocupa o 73.o lugar no ranking, ao passo que a Venezuela de Hugorila Chávez ocupa o 173. o!

Mas quem pode nos garantir que a Venezarzuela* não está dizendo para o “Brasil: “Eu sou você amanhã”?!

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* Notinha oportuna: zarzuela é uma espécie de opereta bufa espanhola.

* Mário Guerreiro, doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC
[Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de
Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética
Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999).
Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou
Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade
(Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro,
1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em
encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br ,
www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário. A banalização da corrupção. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-banalizacao-da-corrupcao/ Acesso em: 22 nov. 2024
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