Direito Tributário

ITBI progressivo

ITBI progressivo

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

A alíquota do ITBI não mais se sujeita ao limite máximo a ser estabelecido pelo Senado Federal, como ocorria na ordem constitucional antecedente. Com fundamento na norma programática do § 1º do art. 145 da CF vigente a Lei municipal de n. 11.154/91 estatuiu alíquotas progressivas de 2%, 4% e 6% (art. 10, II) no pressuposto de que quem adquire imóvel de maior valor espelha, objetivamente, capacidade contributiva maior do que aquele que adquire imóvel de menor valor.

    

Recentemente, o Órgão Especial do E. 1º TACVIL, refletindo a tendência de certos setores da doutrina, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade dessa tributação, sob o fundamento de que a Carta Magna instituiu a faculdade de tributação progressiva apenas em relação ao IPTU (arts. 156, § 1º e 182, § 4º, II da CF) silenciando-se quanto ao ITBI.

    

Respeitosamente discordamos dessa fundamentação.

    

A progressividade do ITBI, no caso, alicerça-se no princípio constitucional da capacidade contributiva, situando-se no campo da fiscalidade, ao passo que a progressividade do IPTU, nos moldes das disposições constitucionais retro assinaladas, localiza-se no campo da extrafiscalidade, buscando a sua base no poder ordinatório do Estado. O poder de polícia, tal qual conceituado no art. 78 do CTN, nada mais é do que atividade inerente ao poder público que objetiva, no interesse público, intervir na propriedade e na liberdade dos indivíduos, impondo-lhes comportamentos comissivos ou omissivos. Incogitável a idéia de Estado despido do poder de polícia. Esse poder, que é discricionário, manifesta-se administrativamente ou através da atividade legislativa. Quando a lei confere ao tributo caráter regulatório estamos diante da chamada extrafiscalidade. O Estado não exerce a sua atividade na função arrecadatória, mas na função ordinatória. Daí a conhecida classificação de tributos feita por Cooley: os que visam um fim puramente fiscal (tax power) e os que visam um fim político, econômico ou social fundados no poder regulatório do Estado (police power).

    

O exercício da extrafiscalidade, através da tributação progressiva do IPTU, que antes era bem amplo, com o advento da Constituição de 1988 sofreu severas restrições. Em grau menor pelo § 1º do art. 156, que limita o exercício do poder regulatório municipal a uma única finalidade, qual seja, a de “assegurar o cumprimento da função social da propriedade” (progressividade genérica), o que pressupõe, obviamente, sua definição, variável no tempo e no espaço. Em grau maior pelo art. 182, § 4º (progressividade específica) que impõe quatro restrições expressas:

 

inserção prévia da área a ser tributada no Plano Diretor da cidade (§ 4º), que só pode ser aprovado por 3/5 dos vereadores, após duas audiências públicas, não podendo sofrer mais de uma alteração anual ( arts. 40, § 4º, 41, I e 46 da LOMSP);

definição da função social de propriedade urbana pela lei que aprova o Plano Diretor, impositivo para as cidades com mais de 20.000 habitantes (§§ 1º e 2º do art. 182);

concessão de prazo para o proprietário construir ou lotear o imóvel incluído na Plano Diretor (§ 4º, I);

só depois de descumprida a obrigação de fazer é que surge a faculdade de o poder público lançar mão do IPTU progressivo, porém, somente naquela modalidade temporal, o que afasta a progressividade fundada no valor venal do imóvel ou na sua destinação, como constava da equivocada legislação do Município de São Paulo.

    

Os demais impostos municipais, o ITBI, o ISS e o IVV não se sujeitam às restrições constitucionais específicas como as acima apontadas, submetendo-se apenas aos princípios tributários genéricos inseridos na Carta Política (imunidade, isonomia, capacidade contributiva, anteriordade, vedação de efeito confiscatório etc.). O exercício do poder de polícia pelo Estado deve ser entendida como regra e a sua limitação, como exceção que deve vir expressa no texto constitucional, como aconteceu em relação ao emprego do IPTU com finalidade ordinatória.

    

Ainda que pudesse ser conferido caráter ordinatório ao ITBI o legislador paulistano não o fez. Fundou a sua progressividade exclusivamente no princípio da capacidade contributiva, esculpido no preceito programático do § 1º do art. 145 da CF: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

    

Como é sabido e ressabido, nenhuma entidade política é obrigada a implementar norma programática, mas em o fazendo não poderá praticar atos que a contravenha.

    

Por tudo isso entendemos que a rejeição do ITBI progressivo, inclusive sob a eiva de inconstitucionalidade, tem a sua verdadeira motivação no caráter excessivo da carga tributária. Afinal, um imposto que, tradicionalmente, vinha sendo tributado pela alíquota máxima de 2%, da noite para o dia, teve seu teto fixado em 6%, o que não é razoável. Tanto é assim que a própria Municipalidade, constatando o efeito danoso dessa tributação exacerbada, editou a Lei de n. 11.393/93, que concedeu um desconto de 40% do ITBI progressivo, pelo prazo de 120 dias, com o fito de permitir a regularização de milhares de títulos aquisitivos.

    

Entretanto, alegar e comprovar o efeito confiscatório do ITBI não é tarefa fácil, mesmo porque a Carta Política não definiu qualquer parâmetro objetivo nesse sentido, limitando-se a prescrever que é vedado utlizar tributo com efeito de confisco (art. 150, IV). Daí o seu questionamente sob outro enfoque, com respaldo na jurisprudência que prestigiou o princípio da justiça fiscal, o que é altamente louvável do ponto de vista social. Contudo, há de convir que, na oportuna lição de José Afonso da Silva, “a justiça fiscal é ainda um ideal a ser alcançado não por si só, mas em conexão com um sistema de justiça econômica e social”. Se a progressividade se situasse nas faixas de 0,50%, 0,80 até 2% dificilmente o imposto teria sido constestado pelo contribuinte e se o tivesse, o resultado, muito provavelmente, teria sido outro em face do expresso princípio da graduação do imposto segundo a capacidade contributiva.

 

 

* Advogado em São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. ITBI progressivo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/itbi-progressivo/ Acesso em: 08 set. 2024
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