Os condôminos não se confundem com a figura do condomínio.
Entretanto, o Secretário da Receita Federal baixou Ato Declaratório Interpretativo – ADI – de n° 2, de 27-3-2007, responsabilizando os
condôminos por todas as obrigações tributárias decorrentes de locação de partes comuns de condomínio edilício.
Para clareza transcrevemos o texto dessa ADI:
“O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL,o uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 230 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal,
aprovado pela Portaria MF nº 30, de 25 de fevereiro de 2005, e tendo em vista o que consta no processo nº 10980.010644/2005-96, declara:
Artigo único. Na hipótese de locação de partes comuns de condomínio edilício, será observado o seguinte:
I – os rendimentos decorrentes serão considerados auferidos pelos condôminos, na proporção da parcela que for atribuída a cada um, ainda que tais
rendimentos sejam utilizados na composição do fundo de receitas do condomínio, na redução da contribuição condominial ou para qualquer outro fim;
II – o condômino estará sujeito ao cumprimento de todas as exigências tributárias cabíveis, relativamente aos tributos administrados pela
Secretaria da Receita Federal (SRF), especialmente no que tange às normas contidas na legislação do imposto sobre a renda referentes à tributação de
rendimentos auferidos com a locação de imóveis.
JORGE ANTONIO DEHER RACHID”
Ora, quem promove a locação de partes comuns do edifício é o condomínio, representado pelo síndico, e não os condôminos.
Ademais, em uma locação de partes comuns de prédio com 100 ou 200 condôminos, por exemplo, é inviável a fiscalização e cobrança de cada um
desses condôminos sem comprometer a relação custo/benefício. A obrigação tributária, no caso, é do condomínio.
Na precisa lição de Silvio de Salvio Venosa o condomínio possui personificação jurídica anômala, o que lhe confere existência formal:
“O condomínio de edifícios possui o que denominamos personificação anômala. Qualificamo-lo como entidade com personificação anômala. O CPC, no art. 12,
estabelece como são representadas ativa e passivamente as pessoas jurídicas. O inciso IX da lei adjetiva atribui ao síndico a representação processual
do condomínio. Destarte, não se nega sua personificação, fenômeno que supera e extrapola, evidentemente, a simples esfera processual. O condomínio atua
na vida negocial como qualquer pessoa jurídica, dentro de seu âmbito de atuação. A realidade não admite outra solução. O condomínio tem, portanto,
existência formal (STJ – 4ª T., RE 9.584-SO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, In: Theotônio Negrão, Código de processo civil e legislação processual em
vigor, nota 23 ao art. 12). Sua personificação mitigada é inafastável. Sua personalidade jurídica é reconhecida expressamente, por exemplo, na
legislação francesa, cuja doutrina o qualifica como uma criação original do legislador (Lopes, 1994: 31).” [1]
O STJ, também, já manifestou seu entendimento no sentido de que o condomínio edilício possui personalidade jurídica, inclusive, para a finalidade de
considerá-lo enquanto sujeito passivo de obrigação tributária, verbis:
“EMENTA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE REMUNERAÇÃO DE SÍNDICO. TAXA CONDOMINIAL. LC N° 84/96. INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 06/96.
CONDOMÍNIO. PESSOA JURÍDICA. LEI N° 9.786/99. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. PRECEDENTE.
(…)
2. ‘É devida a contribuição social sobre o pagamento do pró-labore aos síndicos de condomínios imobiliários, assim como sobre a isenção da taxa
condominial devida a eles, na vigência da Lei Complementar n° 84/96, porquanto a Instrução Normativa do INSS n° 06/96 não ampliou os seus conceitos,
caracterizando-se o condomínio como pessoa jurídica, à semelhança das cooperativas, mormente não objetivar o lucro e não realizar exploração de
atividade econômica.’” [2]
Isto posto, reconhecendo-se, ainda, no condomínio edilício “… um plexo de direitos e obrigações administrado pelo síndico (art. 1.347 do
Código Civil)”,[3] não há como deixar de afastar a sua sujeição ao pólo passivo da obrigação tributária, decorrente dos rendimentos auferidos pela
locação de espaços comuns no Edifício. Não é por outra razão que os condomínios têm a sua inscrição regular no CNPJ.
Aliás, para fins tributários, até mesmo o consórcio constituído na forma do art. 278, da Lei n° 6.404/76, apesar de não ter personalidade
jurídica própria (§ 1°, do art. 278), é obrigado a inscrever-se no CNPJ, conforme determinação contida na Lei n° 12.402, de 2-5-2011, podendo vir a
figurar como sujeito passivo de obrigações tributárias em relação aos tributos administrados pela Secretaria da Receita federal do Brasil (art. 1°).
Daí porque é ilegal a atribuição de responsabilidade tributária aos condôminos decorrente de locação de espaços comuns pelo condomínio.
O ADI sob comento invade o campo reservado à lei, pelo que ele pode ser sustado pelo Congresso Nacional.
Notas:
[1] Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 290, v. V.
[2] REsp 1064455/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, Julgamento: 19-08-2008, Dje de 11-09-2008.
[3] TJ/SP, Apelação Cível n° 9082488-88.2002.8.26.0000 (769283-0/7), 7ª Câmara do Quarto Grupo do extinto 2° TAC, Relator Desembargador Miguel
Cucinelli, Julgamento: 14-10-2003, Data de registro: 20-10-2003.
* Kiyoshi Harada. Jurista, com 23 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras
Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira
nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da
Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.