Cesare Battisti, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos setenta, ficará no Brasil. O STF em decisão prolatada recentemente concluiu que é
legal o ato do ex-Presidente Lula negando a extradição pedida pelo governo da Itália.
O Supremo fixou ainda que, depois que a Justiça determina a extradição, a decisão de entregar, ou não, a pessoa sub judice ao Estado estrangeiro, cabe
apenas ao Presidente da República. É o que, na linguagem do Direito, chama-se decisão discricionária. Um dos efeitos da decisão discricionária, como o
Supremo Tribunal realçou, é que não pode ser revista pelo Poder Judiciário.
Quando eu era Juiz da ativa, estava submetido à obrigação funcional de cumprir os acórdãos das cortes superiores quando essas cortes cassavam minhas
modestas sentenças. Podia discordar, mas não podia me rebelar.
Agora, aposentado, não tenho mais esse dever de ofício.
Frequentemente tenho apodado de injustos e não jurídicos alguns acórdãos de tribunais, inclusive do tribunal que, por ser o mais alto do país, é
chamado de Excelso Pretório. O adjetivo parece-me exagerado porque somente Deus pode ser reconhecido como excelso.
No caso Battisti, entretanto, aplaudo o Supremo e aplaudo igualmente o ex-Presidente Lula que, usando da discricionariedade que a Constituição lhe
faculta, negou a extradição.
A meu ver, a matéria está sendo discutida com um passionalismo que impede compreender a dimensão ética e humana do refúgio.
A concessão do asilo político não é um acidente, um pormenor no conjunto das estipulações do ordenamento jurídico brasileiro. O asilo político é
princípio que fundamenta as relações internacionais do Brasil.
Nossa Constituição deu plena guarida ao artigo catorze da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que cuida do asilo. Atendeu o clamor da sociedade,
honrou o sangue e o sacrifício dos que se opuseram à ditadura instaurada no país em 1964 e aprofundada em 1968. Procurou fixar para o país rumos em
direção à Justiça, à Solidariedade, ao Humanismo e à Paz.
Não obstante a regra constitucional, o Brasil tardou em criar mecanismos legais para a implementação do Estatuto do Refugiado em nosso país. O Estatuto
é de 1951, mas somente em 1997 a Lei 9.474, sancionada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, cuidou de fornecer os instrumentos legais para
que aquele documento tivesse vigência efetiva na ordem jurídica nacional.
O asilo não é uma questão apenas jurídica. É uma questão ética também. Por este motivo, as grandes religiões praticadas no mundo sustentam a “ideia de
asilo”.
Chegamos a essa conclusão quando nos debruçamos diante dos grandes textos do Cristianismo, do Judaísmo, do Islamismo, do Budismo, do Taoísmo, do
Confucionismo.
No Deuteronômio, livro sagrado para cristãos e judeus, afirma-se, expressamente, o direito de asilo.
O Alcorão determina o acolhimento, sem ressalvas, daquele que não está na sua Pátria.
Os horizontes de vida apontados pela ética budista, taoísta, confucionista consagram o asilo como decorrência dos seus postulados.
* João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. Um dos fundadores e hoje membro emérito da Comissão de
Justiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória. E- mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br