Direito Internacional

Lição do Conselho Constitucional da França

Idêntica questão proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a
união entre pessoas do mesmo sexo foi apresentada ao Conselho Constitucional da
França, que, naquele país, faz as vezes de Corte Constitucional.

Diversos países europeus, como Alemanha, Itália e Portugal, têm suas
Cortes Constitucionais, à semelhança da França, não havendo no Brasil tribunais
exclusivamente dedicados a dirimir questões constitucionais em tese, embora o
Pretório Excelso exerça simultaneamente a função de Tribunal Supremo em
controle difuso, a partir de questões pontuais de Direito Constitucional, e o
controle concentrado, em que determina, erga omnes, a interpretação de
dispositivo constitucional.

Pela Lei Maior brasileira, a Suprema Corte é a “guardiã da
Constituição” – e não uma “Constituinte derivada” -, como o é
também o Conselho Constitucional francês: apenas protetor da Lei Suprema.

Ora, em idêntica questão houve por bem o Conselho Constitucional
declarar que a união entre dois homens e entre duas mulheres é diferente da
união entre um homem e uma mulher, esta capaz de gerar filhos. De rigor, a
diferença é também biológica, pois na união entre pessoas de sexos opostos a
relação se faz com a utilização natural de sua constituição física preparada
para o ato matrimonial e capaz de dar continuidade à espécie. Trata-se, à
evidência, de relação diferente daquela das pessoas do mesmo sexo, incapazes,
no seu contato físico, porque biologicamente desprovidas da complementaridade
biológica, de criar descendentes.

A Corte Constitucional da França, em 27 de janeiro de 2011, ao examinar
a proposta de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e
uma mulher, declarou que “o princípio segundo o qual o matrimônio é a
união de um homem e de uma mulher fez com que o legislador, no exercício de sua
competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse que a
diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais compostos de um
homem e uma mulher pode justificar uma diferença de tratamento quanto às regras
do Direito de Família”, entendendo, por consequência, que “não cabe
ao Conselho Constitucional substituir, por sua apreciação, aquela de legislador
para esta diferente situação”. Entendendo que só o Poder Legislativo
poderia fazer a equiparação, impossível por um tribunal judicial, considerou
que “as disposições contestadas não são contrárias a qualquer direito ou
liberdade que a Constituição garante”.

Sem entrar no mérito de ser ou não natural a relação diferente entre um
homem e uma mulher daquela entre pessoas do mesmo sexo, quero realçar um ponto
que me parece relevante e não tem sido destacado pela imprensa, preocupada em
aplaudir a “coragem” do Poder Judiciário de legislar no lugar do
“Congresso Nacional”, que se teria omitido em “aprovar” os
projetos sobre a questão aqui tratada.

A questão que me preocupa é esse ativismo judicial, que leva a permitir
que um tribunal eleito por uma só pessoa substitua o Congresso Nacional, eleito
por 130 milhões de brasileiros, sob a alegação de que, além de Poder
Judiciário, é também Poder Legislativo, sempre que considerar que o Legislativo
deixou de cumprir as suas funções.

Uma democracia em que a tripartição de Poderes não se faça nítida,
deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao
Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, caso o Judiciário,
dilacerando a Constituição, se atribua o poder de invadir as funções de outro.
E, no caso do Brasil, nitidamente o constituinte não deu ao Judiciário tal
função. Pois nas “ações diretas de inconstitucionalidade por omissão”
impõe ao Judiciário, apesar de declarar a inércia constitucional do Congresso,
intimá-lo, sem prazo e sem sanção para produzir a norma.

Ora, no caso em questão, a Suprema Corte incinerou o parágrafo 2.º do
artigo 103, ao colocar sob sua égide um tipo de união não previsto na
Constituição, como se Poder Legislativo fosse, deixando de ser
“guardião” do Texto Supremo para se transformar em “constituinte
derivado”.

Se o Congresso Nacional tivesse coragem, poderia anular tal decisão,
baseado no artigo 49, inciso XI, da Constituição federal, que lhe permite
sustar qualquer invasão de seus poderes por outro Poder, contando até mesmo com
a garantia das Forças Armadas (artigo 142, “caput”) para se garantir
nas funções usurpadas, se solicitar esse auxílio.

Num país em que os Poderes, todavia, são, de mais em mais,
“politicamente corretos”, atendendo ao clamor da imprensa – que não
representa necessariamente o clamor do povo -, nem o Congresso terá coragem de
sustar a invasão de seus poderes pelo STF nem o Supremo deixará, nesta sua nova
visão de que é o principal Poder da República, de legislar e definir as ações
do Executivo, sob a alegação de que oferta uma interpretação “conforme a
Constituição”. A meu ver, desconforme, no caso concreto, pois contraria os
fundamentos que embasam a família (pais e filhos) como entidade familiar.

É uma pena que a lição da Corte Constitucional francesa de respeito às
funções de cada Poder sirva para um país cujas Constituição e civilização – há
de se reconhecer – estão anos-luz adiante das nossas, mas não encontre eco
entre nós.

Concluo estas breves considerações de velho professor de Direito, mais
idoso do que todos os magistrados na ativa no Brasil, inclusive os da Suprema
Corte, lembrando que, quando os judeus foram governados por juízes, o povo
pediu a Deus que lhes desse um rei, porque não suportavam mais ser pelos juízes
tutelados (O Livro dos Juízes). E Deus lhes concedeu um rei.

* Ives Gandra da
Silva Martins, Advogado. Doutor em Direito. Professor Emérito das Universidades
Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente
do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São
Paulo e do Centro de Extensão Universitária.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Lição do Conselho Constitucional da França. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/licao-do-conselho-constitucional-da-franca/ Acesso em: 01 jun. 2025
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