Direito Internacional

Caso Battisti: o culpado é sempre o pai da Luluzinha

 

Lá pela década de 70 do século XX, a Itália era muito diferente do que é hoje. No seu regime parlamentarista, por votos de desconfiança, gabinetes assumiam e caíam numa velocidade espantosa.

 

 O convulsionado país era assolado por um lado pela máfia e por outro por grupos de guerrilheiros urbanos comunistas, que praticavam atos terroristas, seqüestros, assaltos, latrocínios, enfim, qualquer violação da lei que se mostrasse proveitosa para a vitória da ditadura do proletariado.

 

Coisa esta que Bakunin costumava chamar de “ditadura sobre o proletariado” – pequena mudança de preposição, mas grande mudança de proposição.

 

Dentre esses grupos, destacava-se o PAC, que não era sigla de Plano de Aceleração do Crescimento nem tampouco Projeto para Alavancar a Companheira, mas sim Proletari Armati per il Comunismo, ou seja: Proletários Armados pelo Comunismo.

 

E entre os membros do referido grupo guerrilheiro, destacou-se Cesare Battisti, criminoso frio e impiedoso que, entre quatro homicídios dolosos, assassinou um açougueiro diante de seu filho, um menino de uns seis anos marcado para o resto da vida pelo brutal assassinato de seu pai.

 

Não por ser italiano, mas sim por ser um ativista comunista, Battisti era tão maquiavélico na prática quanto fora Maquiavel na teoria. Ainda que nunca tenha lido o autor de O Príncipe, ele colocava em prática seu princípio fundamental: Os fins justificam os meios.

 

E ainda há quem diga que Maquiavel jamais afirmou o referido princípio em O Príncipe. O que é mais pura verdade: Afirmou-o nos Discursos, mas tão-somente para os que gozam da capacidade de entender uma paráfrase:

 

“É uma máxima válida que ações repreensíveis podem se justificar por seus efeitos e que quando o efeito é bom sempre justifica a ação” (Maquiavel: Discursos, 1.9). [Leitura imperdível: Stanley Bing: O Que Faria Maquiavel? Os Fins Justificam Os Maus. Rio de Janeiro. Rocco. 2002].

 

Desse modo, ações inequivocamente repreensíveis – tais como atos terroristas, seqüestros, homicídios, assaltos, latrocínios, enfim, qualquer violação da lei que se mostrasse eficaz para a vitória da ditadura do proletariado – estariam plenamente justificados. Aceitar e por em prática tal máxima é fincar um punhal do coração da Ética e fuzilar o Direito!

 

Após anos de sangue, suor e lágrimas, a Itália conseguiu desmantelar – ainda que não tenha exterminado – a Máfia e suas ramificações como a Camorra em Nápoles e a ‘Ndrangheta na Calábria, bem como as diversas facções guerrilheiras comunistas.

 

Entre outros, o guerrilheiro Cesare Battisti foi julgado à revelia e condenado por seus crimes à prisão perpétua pela Justiça italiana.

 

Fugitivo perseguido pela Interpol, ele atravessou a fronteira para a França, mas, como a polícia estava apertando o cerco, fez o que faz todo bandidão em filmes de Hollywood: fez as malas e deu no pé para o Brasil.

 

Detido pela Polícia Federal como imigrante ilegal, sua ficha completa foi enviada ao Brasil pela Interpol. O Ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, mesmo tendo lido a extensa ficha do meliante italiano, concedeu ao mesmo o status de “refugiado político” quando, na realidade, ele era fugitivo da polícia condenado em última instância pela Justiça italiana: um ato jurídico perfeito.

 

Sabedor disso, o governo italiano – tendo um tratado de extradição com o Brasil –  imediatamente enviou um pedido de extradição e, até que o Brasil respondesse ao pedido, Battisti ficou provisoriamente detido.

 

A decisão de extraditá-lo ou não cabia ao Poder Executivo, mas foi levantada a questão de se Battisti preenchia ou não os requisitos para ser extraditado, uma vez que na Itália ele era considerado um criminoso julgado à revelia, condenado em última instância e fugitivo da polícia, mas no Brasil tinha recebido do Ministro da Justiça o status de “refugiado político” – uma verdadeira patuscada jurídica!

 

Na condição de um criminoso procurado pela Justiça de seu país, com o qual o Brasil possuía um tratado de extradição, Battisti devia ter sido extraditado. Mas, na condição de “refugiado político” – conforme decisão de Tarso Genro – ele não poderia ser extraditado, a não ser ferindo a tradição diplomática brasileira e de muitos outros países, que costumam dar asilo político a todo aquele que é assim considerado, sem entrar no mérito da questão.

 

[Este não foi o caso de Zelaya em Honduras, uma vez que ele nunca endereçou à Embaixada Brasileira um pedido de asilo político; não obstante ficou “hospedado” na mesma sine tempore, juntamente com seu entourage de uns 20 membros! Coisa provavelmente inédita em toda história da diplomacia!].

 

Foi gerado, desse modo, um impasse relativo ao verdadeiro status de Battisti: criminoso comum fugitivo da polícia ou refugiado político? Das duas, uma, como sói ocorrer em toda disjunção exclusiva e exaustiva. A questão foi levada ao STF nos seguintes termos: Battisti podia ou não ser extraditado?

 

O STF decidiu que podia, mas que o ato de extradição era da competência do Chefe do Executivo. Decisão correta, pois não compete ao Supremo realizar tal ato de natureza política internacional envolvendo dois países soberanos.

 

Legitimado pelo STF a tomar a decisão, Lula decidiu negar o pedido de extradição do governo italiano. Esta desastrosa medida representou um rompimento unilateral de contrato, uma vez que o Brasil tinha um tratado de extradição com a Itália e Batttisti preenchia todos os requisitos legais para ser extraditado.

 

Ah! Que saudade dos vetustos tempos do ilustre Barão do Rio Branco, o patrono de nossa diplomacia, numa época em que o Brasil era reconhecido em todo mundo como um país que cumpria à risca todos os acordos internacionais que assinava.

 

Naqueles idos tempos, nossos governantes não faziam bravatas típicas de adolescentes, como as de Juscelino e Sarney que declararam moratória unilateral, dando um calote no FMI e jogando na lata de lixo a credibilidade do Brasil. Com Lula negando a extradição de um criminoso como Battisti, nossa credibilidade como país cumpridor de tratados foi novamente para o ralo.

 

Como seria de se esperar, a opinião púbica e as autoridades máximas italianas – tanto Chefe de Governo, Silvio Berlusconi, como o Chefe de Estado, Giorgio Napolitano – manifestaram sua justíssima indignação. Foi enviado ao STF um pedido de revisão do caso Battisti.

 

Instado novamente a decidir, só que agora pelo governo de outro país, o STF tomou uma decisão coerente com a sua decisão anterior de que cabia ao presidente da República ter tomado a decisão de extraditar ou não Battisti. E se este a tomou decidindo pela não-extradição, o fez de acordo com sua prerrogativa legal, não cabendo a ele, o STF, revogar o ato do Chefe do Executivo.

 

Coerente com essa sentença, o STF determinou que Battisti fosse solto, cabendo ao Ministro da Justiça a regularização da sua situação. O mais recente Ministro do Supremo, Luiz Fux, renomado jurista, disse que o governo italiano errou de endereço em seu pedido: não devia ter enviado o mesmo ao STF, mas sim a uma Corte internacional, como o Tribunal de Haia. Até onde me é dado ver, ele está coberto de razão. De sua parte, o governo italiano declarou que era isso mesmo que ele iria fazer.

 

Penso que é muito difícil que o Tribunal de Haia obrigue uma nação soberana a mudar uma decisão tomada por seu Chefe do Executivo, mas qualquer que seja sua decisão, a Itália fica à vontade para descumprir seu acordo de extradição com o Brasil e até mesmo revogá-lo em virtude do descumprimento unilateral do governo brasileiro.

 

O embaixador da Itália em Brasília já foi chamado a Roma, o que é no mínimo uma clara manifestação de grande insatisfação, mas podendo ter graves consequências para as relações diplomáticas entre os dois países.

 

A Itália pode fazer justas retaliações em relação a um país que acolhe criminosos hediondos como se “refugiados políticos” fossem. Não sei dizer se foi a mídia italiana ou uma declaração oficial, mas foi pedido que a Itália boicotasse a Copa do Mundo se recusando a participar da mesma no Brasil em 2014.

 

Pondo da lado, o espírito esportivo envolvendo o grande evento futebolístico e considerando o grande cacife político do mesmo numa campanha política do atual governo para Presidente, se a Itália fizer realmente isso, a oposição penhoradamente agradecerá, como ficou satisfeita com a renúncia de um ministro que realizou a notável proeza de, em quatro anos, multiplicar por vinte seu capital. Isto é que gênio financeiro! Donald Trump e Warren Buffet que se cuidem!

 

Mas se considerarmos o despautério de Lula, que acabou resultando na soltura de Battisti, nada mais coerente com o mesmo do que o Ministério da Justiça acabar concedendo cidadania brasileira ao meliante italiano, uma vez que este não pode ser mais considerado imigrante ilegal, não cometeu nenhum crime no Brasil e acho que pretende mesmo viver para o resto da vida no país que o acolheu tão generosamente como vítima de perseguição da “direita fascista” italiana que o condenou à prisão perpétua “injustissimamente”.

 

No entanto, se indagarmos qual foi a causa primeira de todo esse imbroglio, responderemos prontamente: a espúria concessão do status de “refugiado político” a um criminoso de alta periculosidade – criminoso “político” é uma pinóia! Isso não passa de uma invencionice das esquerdas.

 

E quem concedeu esse status foi o Ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, atual Governador do Rio Grande do Sul e ex-militante das hostes esquerdistas, que se apiedou de um companheiro vítima de “injustiça” da Justiça italiana.

 

No entanto, para dizer a verdade, Tarso Genro é menos radical do que sua filha, Luciana Genro, e muito menos radical do que o facínora Cesare Battisti. Caspita! Dio mio! Mas em sua defesa Tarso Genro bem poderia dizer, com a modéstia que lhe é peculiar: “Eu só levantei a bola, quem fez o golaço de cabeça foi o Lula”.

 

Como costuma dizer o detetive Aranha – na realidade o Bolinha disfarçado – o culpado é sempre o pai da Luluzinha. E até hoje, ao que consta nos quadrinhos, o detetive Aranha nunca se enganou.

 

É escusado dizer quem é o pai da “Lulazinha” nessa ópera bufa pra Rossini nenhum botar defeito. Roba da matti!

 

 

* Mário Antônio de Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

 

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. Caso Battisti: o culpado é sempre o pai da Luluzinha. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/caso-battisti-o-culpado-e-sempre-o-pai-da-luluzinha/ Acesso em: 12 mai. 2025
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