Direito do Trabalho

A Terceirização no Direito do Trabalho e o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015

Sumário:

I – Introdução. II – A conceituação de terceirização no direito do trabalho. III – Evolução histórica da terceirização no direito do trabalho brasileiro; III.I – Legislação ordinária; III.II – O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho. III.II.I – As hipóteses de terceirização consideradas lícitas pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. IV – Análise do Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015: principais alterações em relação à Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. V – Conclusão. VI – Referências Bibliográficas.

A Terceirização no direito do trabalho e o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015

Helena Silveira Armando Waitman

Resumo

Trata-se de artigo destinado a análise da terceirização no direito do trabalho como fato social e a sua regulamentação pela legislação e jurisprudência no Brasil ao longo dos anos. Analisamos também as principais alterações contidas no Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 frente ao entendimento atual do Tribunal Superior do Trabalho. Tema atualmente controvertido, pretendemos, principalmente, contribuir ao aprofundamento dos debates.

Palavras-chave: Terceirização. Direito do Trabalho. Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015.


The Outsourcing in the labor law and the Legislative Bill No. 30/2015

Helena Silveira Armando Waitman

Abstract


This present work analyzes the
outsourcing in labor law as a social fact and its regulation by law and case law in Brazil over the years. We also analyzed the main changes contained in Legislative Bill No. 30/2015 compared to the current understanding of the Superior Labor Court. Currently controversial topic, we intend to contribute to the deepening of discussions.

Keywords: Outsourcing. Labor Law. Legislative Bill No. 30/2015.

I – Introdução

O texto analisa a conceituação e a evolução histórica da terceirização trabalhista, bem como sua regulamentação no Brasil ao longo dos anos.

Analisamos a alteração do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema, após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Destacamos as duas principais alterações contidas no Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 frente ao entendimento atual do Tribunal Superior do Trabalho.

Não pretendemos convencer ninguém a ter o nosso entendimento. Entendemos importante aprofundar os debates do ponto de vista jurídico, ao invés de fomentar debates políticos que fogem da realidade atual da terceirização trabalhista no Brasil

II – A conceituação de terceirização no direito do trabalho

A palavra “terceirização”, como ensina Sérgio Pinto Martins, é vocábulo não contido nos dicionários, e o “uso da denominação “terceirização” poderia ser justificado como decorrente da palavra latina “tertius”, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas”[1].

A conceituação atual de “terceirização”, no direito do trabalho, não difere muito entre os doutrinadores, e tem como base, especialmente, o item III, da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho:

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Conceitua Mauricio Godinho Delgado[2]:

Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com um entidade interveniente.

Define o Professor Adalberto Martins que a terceirização[3]:

Trata-se da entrega a terceiros de atividades não essenciais da empresa, a fim de que possa se concentrar na sua atividade fim, e também objetiva a redução de custos com a mão de obra, pois os empregados da empresa contratada não integram a mesma categoria profissional dos empregados da contratante.

Explica brilhantemente Gustavo Filipe Barbosa Garcia[4]:

A terceirização pode ser entendida como a transferência de certas atividades periféricas do tomador de serviços, passando a ser exercidas por empresas distintas e especializadas.

Para o Direito do Trabalho, interessa o fato de ter trabalhador prestando serviços ao ente tomador, mas possuindo relação jurídica com a empresa prestadora de serviços. A relação, assim, passa a ser triangular ou trilateral, pois na terceirização o empregado da empresa prestadora presta serviços ao tomador.

Entre o empregado e o empregador (que é uma empresa prestadora de serviços) verifica-se a relação de emprego, ou seja, o contrato de trabalho (art. 442, caput, da CLT).

O vínculo entre o tomador (quem terceirizou alguma de suas atividades) e a empresa prestadora decorre de outro contrato, de natureza civil ou comercial, cujo objeto é a prestação do serviço empresarial.

Desse modo, podemos atualmente conceituar a terceirização no direito do trabalho como sendo a relação triangular pela qual uma empresa, denominada “tomadora dos serviços” transfere a execução de quaisquer atividades não essenciais (atividades-meio) à outra empresa, denominada “prestadora de serviços”, através de um contrato de natureza civil firmado entre as duas empresas.

O Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015, alterando a regra atual contida na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho – que permite apenas a terceirização de “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador” – e, consequentemente, os conceitos acima elencados, define, em seu artigo 2º, inciso I, que a terceirização é “a transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta Lei” (grifos nossos).

Assim, o mencionado Projeto permite a terceirização, pela empresa tomadora dos serviços, de qualquer de suas atividades, não somente das denominadas “atividades-meio”.

III – Evolução histórica da terceirização no direito do trabalho brasileiro

Para analisarmos com maior precisão o fenômeno da “terceirização” no Brasil, importante verificar sua evolução histórica, não só do ponto de vista jurídico (da sua regulação), mas principalmente do ponto de vista do fato social que é a terceirização.

A terceirização, no Direito do Trabalho no Brasil, adquiriu clareza de estrutura e amplitude somente nas últimas três décadas do século passado, uma vez que, ao ser elaborada a CLT, em 1943, houve previsão somente da empreitada e da subempreitada como únicas figuras de subcontratação.

Foi no final dos anos sessenta e início dos anos setenta que a ordem jurídica brasileira começou a instituir normas sobre o instituto da terceirização, em especial através do Decreto-Lei nº 200 de 1967 e da Lei nº 5.645 de 1970 – que determinaram a descentralização da administração pública. Em 1974 incorporou-se um diploma normativo que trata especificamente de terceirização, qual seja, a Lei nº 6.019, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas, e, mais tarde, em 1983, surgiu a Lei nº 7.102, que autoriza a terceirização do serviço de vigilância bancária, em caráter permanente.

Ensina Mauricio Godinho Delgado[5]:

A terceirização é fenômeno relativamente novo no Direito do Trabalho do país, assumindo clareza estrutural e amplitude de dimensão apenas nas últimas três décadas do segundo milênio no Brasil.

A CLT fez menção a apenas duas figuras delimitadas de subcontratação de mão de obra: a empreitada e a subempreitada (art. 455), englobando também a figura da pequena empreitada (art. 652, “a”, III, CLT). À época de elaboração da CLT, como se sabe (década de 1940), a terceirização não constituía fenômeno com a abrangência assumida nos últimos trinta anos do século XX, nem sequer merecia qualquer epíteto designativo especial.

Afora essas ligeiras menções celetistas (que, hoje, podem ser interpretadas como referências incipientes a algo próximo ao futuro fenômeno terceirizante), não despontara, outras alusões de destaque à terceirização em textos legais ou jurisprudenciais das primeiras décadas de evolução do ramo justrabalhista brasileiro. Isso se explica pela circunstância de o fato social da terceirização não ter tido, efetivamente, grande significado socioeconômica nos impulsos de industrialização experimentados pelo país nas distintas décadas que se seguiram à acentuação industrializante iniciada nos anos de 1930/40. Mesmo no redirecionamento internacionalizante despontado na economia nos anos 1950, o modelo básico de organização das relações de produção manteve-se fundado no vínculo bilateral empregado-empregador, sem notícia de surgimento significativo no marcado privado da tendência à formação do modelo trilateral terceirizante.   

A terceirização é um fenômeno verificado com grande frequência nos dias atuais, como forma de diminuição de custos e prestação de serviços especializados, com maior eficiência e produtividade, com o fim de melhorar a competitividade face a outras empresas, especialmente em tempos de globalização.

O sistema jurídico estabeleceu, ao longo dos anos, limites à terceirização.

No âmbito trabalhista, as restrições são impostas visando, principalmente, proteger as garantias inerentes à relação de emprego, de forma a preservar o valor constitucional do trabalho (artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da Constituição Federal de 1988), em respeito, especialmente, ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).

III.I – Regulamentação normativa

Apesar da terceirização ser um fenômeno relativamente recente no Brasil, tem evoluído, até o momento, à margem de legislação específica, especialmente no setor privado da economia.

As primeiras referências legais sobre a terceirização ocorreram no setor estatal das relações de trabalho, em meados da década de 1960, com o Decreto-Lei nº 200/1967 e com a Lei nº 5.645/1970, que estimularam a descentralização administrativa do setor público.

O artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 5.645/1970, por exemplo, apesar de revogado posteriormente, exemplificava (rol não taxativo) algumas atividades da administração pública que deveriam ser terceirizadas:

As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7º, do Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.

O início da regulamentação normativa no setor privado ocorreu através de dois tipos de contratação: o trabalho temporário (regulado pela Lei nº 6.019/1974) e o trabalho de vigilância bancária (regulado pela Lei nº 7.102/1983).

Não obstante, e especialmente após a promulgação da Lei nº 6.019/1974, a terceirização expandiu-se no setor privado fora das hipóteses jurídicas previstas nessas duas leis, “mediante fórmula de terceirização permanente sem regulação expressa em textos legais trabalhistas”[6].

III.II – O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho

O fenômeno da terceirização, como fato social, ampliou-se nas últimas décadas do século passado, mesmo na ausência de legislação específica, e, desse modo, a questão foi levada aos tribunais trabalhistas.

 Antes da promulgação da atual Constituição Federal, para tentar pacificar as decisões prolatadas em todo país, o Tribunal Superior do Trabalho, em incidente de uniformização de jurisprudência, editou, em 1986, a Súmula nº 256:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) – Res. 121/2003,DJ 19, 20 e 21.11.2003.

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

O incidente que originou a Súmula transcrita frisou que “a ordem econômica e social tem por fim realizar a justiça social, com base em princípios como “a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, a harmonia e a solidariedade entre as categorias sociais de produção e a expansão das oportunidades de emprego produtivo””[7].

Assim, mediante a Súmula nº 256, o Tribunal Superior do Trabalho, adotando o princípio da enumeração taxativa, firmou entendimento de que fora das hipóteses previstas nas Leis nº 6.019/1974 e 7.102/1983 a terceirização era ilícita e, consequentemente, era declarado o vínculo de emprego entre o empregado e o tomador de serviços.

Em 1993, todavia, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu revisar a Súmula nº 256, em grande parte porque a Constituição Federal de 1988 vedou expressamente a admissão de trabalhadores por entes estatais sem concurso público (artigo 37, inciso II e § 2º) – ou seja, o vínculo de emprego não poderia ser declarado nos termos da Súmula nº 256 –, conforme ensina Mauricio Godinho Delgado[8]:

A mencionada súmula pareceu fixar um leque exaustivo de exceções terceirizantes (Leis n. 6.019/74 e 7.102/83), o que comprometia sua própria absorção pelos operadores jurídicos. Afinal, as expressas e claras exceções contidas até então no art. 10 do Decreto-lei n. 200/67 e na Lei n. 5.645/70 – exceções consubstanciadoras de um comando legal ao administrador público – não constavam do leque firmado pela súmula em exame. A par disso, a posterior vedação expressa de admissão de trabalhadores por entes estatais sem concurso público, oriunda da Constituição de 1988 (art. 37, II e § 2º), não tinha guarida na compreensão estrita contida na Súmula 256.

Assim, no referido ano, foi editada a Súmula nº 331, a qual não manteve o critério taxativo, tendo optado pelo critério genérico-finalístico (redação atual após inclusões e ajustes realizados pelo Tribunal Superior do Trabalho no decorrer dos anos):

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Sobre o tema, ensina Adalberto Martins[9]:

Observamos, pois, que o entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho restringe a validade da terceirização às atividades-meio do tomador de serviços, e desde que inexistam pessoalidade e subordinação direta. De qualquer sorte, o tomador de serviços jamais poderá sustentar sua absoluta irresponsabilidade no que respeita ao cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa contratada, já que responderá subsidiariamente na hipótese de inadimplemento desta última.

Analisaremos no tópico abaixo os principais aspectos, para os fins desse artigo, da Súmula acima transcrita.

III.II.I – As hipóteses de terceirização consideradas lícitas pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho 

Além das hipóteses de terceirização previstas anteriormente pelas Leis nº 6.019/1974 e 7.102/1983, a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho incluiu outras duas: (i) serviços de conservação e limpeza; e (ii) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, ambas no item III.

Os “serviços de conservação e limpeza” são serviços expressamente determinados (definidos) pela Súmula. Foram incluídos no rol do artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 5.645/1970, já transcrito, e, após essa previsão legal, a terceirização dessas atividades passou a ocorrer também no setor privado, mesmo com o posterior advento da Súmula nº 256.

Já os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador” não são serviços determinados, uma vez que a “atividade-meio” varia de empresa para empresa (critério genérico-finalístico). Assim, apesar da Súmula nº 331 ter permitido a terceirização de “atividade-meio”, coube a doutrina tentar definir o que seria “atividade-meio” ou diferenciá-la da “atividade-fim”, visto que a Súmula não definiu, nem qualquer outra regulamentação posterior.

Define Mauricio Godinho Delgado[10]:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.

Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.

Conceitua Amauri Mascaro Nascimento[11]:

Pode-se, no entanto, conceituar, de modo simples, atividades-meio como aquelas que não coincidem com os fins da empresa contratante, e atividades-fim como aquelas que coincidem. Se um estabelecimento bancário contrata empresa de serviços de vigilância, trata-se de contratação de atividades-meio, mas, se contrata empresa de serviços de caixa, trata-se de atividade-fim. Se um colégio se vale de empresa de limpeza, a atividade contratada é meio, mas, se contrata empresa de professores, a situação caracteriza-se como contratação de atividade-fim, porque as aulas são a finalidade do colégio.

Entende Gustavo Filipe Barbosa Garcia que ““atividade-meio” é aquela de mero suporte, que não integra o núcleo, ou seja, a essência, das atividades empresariais do tomador, sendo atividade-fim, portanto, aquela que a compõe”[12].

Essas novas hipóteses de terceirização lícita previstas na Súmula nº 331 possuem uma condição expressa no seu próprio item III: “desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”. 

Sobre “pessoalidade” e “subordinação”, ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia[13]:

Quanto à pessoalidade (requisito da relação de emprego mencionada no art. 2.º, caput, da CLT), significa a prestação dos serviços pelo próprio trabalhador (pessoa física, conforme art. 3.º da CLT), sem que seja substituído constantemente por terceiros, aspecto este relevante ao empregador, que o contratou tendo em vista a sua pessoa. Como se nota, o contrato de trabalho caracteriza-se por ser intuito personae.

A subordinação (ou “dependência”, na redação do art. 3.º da CLT) significa que a prestação dos serviços é feita de forma dirigida pelo empregador, o qual exerce o poder de direção. O empregador é quem corre os riscos da atividade exercida e o empregado, justamente por não ser trabalhador autônomo, exerce sua atividade não por conta própria, mas sim alheia (ou seja, com subordinação jurídica ao empregador).

Com essa condição, observou o Tribunal Superior do Trabalho, como não poderia deixar de fazer, os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, os quais dispõem que existe o vínculo de emprego entre o trabalhador (pessoa física) e a empresa caso haja a existência de onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e subordinação.

Na terceirização lícita, quem deve fiscalizar, controlar e organizar as atividades do empregado (do serviço terceirizado) não é o ente tomador, mas, sim, o empregador, que é a empresa prestadora de serviços. Se, com o fim de terceirizar certa atividade, for contratada empresa prestadora, mas o tomador exercer o poder diretivo perante o trabalhador, este passa a ter sua relação jurídica de emprego com o próprio tomador. Trata-se da consequência da terceirização ser considerada ilícita.

Dessa maneira, existindo a pessoalidade e a subordinação direta entre o empregado da empresa prestadora de serviços com a tomadora de serviços, ainda que a atividade terceirizada seja uma das hipóteses permitidas pela Súmula nº 331, deve ser declarado o vínculo de emprego do empregado (contratado pela empresa prestadora de serviços) com a empresa tomadora dos serviços, uma vez que a referida intermediação representa fraude aos preceitos trabalhistas, não produzindo efeitos em razão da nulidade incidente (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho).

Consequentemente, as hipóteses de terceirização não elencadas pela Súmula nº 331 devem ser consideradas ilícitas, conforme ensina Mauricio Godinho Delgado[14]:

Excluídas as quatro situações-tipo acima examinadas, que ensejam a terceirização lícita no Direito brasileiro, não há na ordem jurídica do país preceito legal a dar validade trabalhista a contratos mediante os quais uma pessoa física preste serviços não eventuais, onerosos, pessoais e subordinados a outrem (arts. 2º, caput, e 3º, caput, CLT), sem que esse tomador responda, juridicamente, pela relação laboral estabelecida.

IV – Análise do Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015: principais alterações em relação à Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho

Entendo fundamental iniciar a análise do Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 partindo de duas premissas básicas, que podem até parecer óbvias, mas que têm sido esquecidas por muitos operadores do direito ao analisar o Projeto: (i) a terceirização é um fato social e, como tal, existe há pelo menos 40 (quarenta) anos, ou seja, não está sendo “criada” pelo Projeto de Lei; e (ii) o Projeto de Lei não revoga nenhuma das disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho. 

A primeira premissa acima destacada foi abordada no presente artigo quando falamos da evolução histórica da terceirização no Brasil.

A segunda premissa fica evidente pela leitura do Projeto de Lei, em sua redação atual. Em primeiro lugar, a Consolidação das Leis do Trabalho, que é de 1943, não tem disposição específica sobre terceirização. Em segundo lugar, o próprio Projeto de Lei prevê, no caput, do artigo 4º:

Art. 4º É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. (negritos nossos)

Superadas essas premissas, o Projeto de Lei traz duas importantes alterações – talvez as principais – quando comparado à Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho: (i) ele permite a terceirização de “qualquer atividade da contratante”, ou seja, não limita a terceirização somente das “atividades-meio”, como limita a Súmula nº 331; e (ii) prevê a responsabilidade solidária da contratante (tomadora dos serviços) com relação a algumas obrigações, enquanto a Súmula prevê a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços com relação a todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

A primeira alteração – provavelmente a mais polêmica – permite que a empresa tomadora de serviços terceirize, inclusive, sua atividade-fim. Essa questão é mais complexa do que aparenta.

Isso porque, consoante já adiantado, apesar da Súmula nº 331 permitir a terceirização somente de “atividade-meio”, fato é que coube a doutrina tentar definir o que seria “atividade-meio” ou diferenciá-la da “atividade-fim”. Até hoje não há consenso doutrinário quanto a essa definição, sendo que, na prática, definir o que é “atividade-meio” não é tão simples quanto pode aparentar ser pelas definições doutrinárias – algumas transcritas no tópico anterior.

Ao longo desses mais de 20 (vinte) anos de edição da Súmula nº 331, as decisões judiciais sobre o que seria ou não “atividade-meio” ou “atividade-fim” das empresas foram muito diversas. Na prática, cada juiz ou Tribunal decidiu conforme seu próprio entendimento, caso a caso. Não há uma certeza absoluta, com exceção, talvez, da atividade preponderante da empresa (que aparece no cartão do cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ) como sendo o “código e descrição da atividade econômica principal” (CNAE principal)). Nesse sentido, entende Amauri Mascaro Nascimento, ao destacar que terceirização é um conceito relativo e que não transparece a não ser comparando-se, no caso concreto, o que duas empresas, a contratante e a contratada, fazem”[15]. 

Nesse ponto, muitos juristas – talvez a maioria – defendem que o Projeto de Lei deveria restringir a possibilidade de terceirização somente as “atividades-meio”, como fez a Súmula nº 331. De fato, talvez devesse. O problema pode ser exatamente defini-las ou elenca-las.

Porém, com o devido respeito as opiniões contrárias, considerando o disposto no artigo 4º do Projeto – já transcrito – e o fato de que, ainda que não houvesse essa previsão expressa, não poderiam ser desconsiderados (menos ainda considerados revogados) os artigos 2º, 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, a possibilidade de terceirização de qualquer atividade – inclusive de “atividade-fim” –, ao nosso ver, não implicará em precarização dos direitos trabalhistas.

A segunda alteração é benéfica aos empregados, uma vez que a Súmula nº 331 prevê a responsabilidade subsidiária – e não poderia ter previsto a solidária ante o disposto no artigo 265 do Código Civil – e o Projeto de Lei determina a responsabilidade solidária do tomador de serviços, em relação às obrigações previstas nos incisos I a VI do artigo 16, consoante dispõe o artigo 15:

Art. 16. A contratante deve exigir mensalmente da contratada a comprovação do cumprimento das seguintes obrigações relacionadas aos empregados desta, que efetivamente participem da execução dos serviços terceirizados, durante o período e nos limites da execução dos serviços contratados:

I – pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário;

II – concessão de férias remuneradas e pagamento do respectivo adicional;

III – concessão do vale-transporte, quando for devido;

IV – depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;

V – pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato de terceirização;

VI – recolhimento de obrigações previdenciárias. (negritos nossos)

Destaca-se, nesse ponto, que o artigo supratranscrito inclui, se não todas, as principais obrigações trabalhistas e previdenciárias.

Com a alteração da responsabilidade subsidiária para a solidária, o empregado, na ação trabalhista, poderá executar as verbas deferidas a ele em juízo elencadas no artigo 16 em face da empresa tomadora de serviços, sem ter que executar primeiro a empresa prestadora de serviços (sua empregadora) e aguardar que esta não pague a execução.

V Conclusão

Com o devido respeito aos entendimentos contrários – que não são poucos –, nos parece errado afirmar que o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015 “precariza” os direitos trabalhistas.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que a terceirização no direito do trabalho é um fato social, não uma criação jurídica. Tanto isso é verdade que a terceirização existe há pelo menos 40 (quarenta) anos no Brasil sem existir, até hoje, nenhuma legislação específica sobre o tema.

Em segundo lugar, equivocado referido entendimento uma vez que o Projeto de Lei não modifica, nem suprime, nenhum dos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho.

O Projeto de Lei não irá criar a terceirização, esta já existe. Existe e necessita de um marco civilizatório. Precisamos de uma regulamentação para, ao menos, existir alguma segurança jurídica sobre as regras aplicáveis à terceirização que não fique mais tão à mercê do entendimento – bem diversificado – dos Juízes e dos Tribunais Regionais do Trabalho e, especialmente, do Tribunal Superior do Trabalho, entendimento este que pode ser alterado a qualquer tempo, como já aconteceu.

Podemos e, mais, devemos, sim, questionar, discordar e debater sobre alguns pontos ou artigos do Projeto de Lei, até sobre todos eles. O que não nos parece razoável, nessa altura dos debates, é defender que a terceirização deve ser extinta ou que não há necessidade de legislação para regulamentar a terceirização no direito do trabalho.  

VI – Referências Bibliográficas

CARRION, Valentin. Comentários à CLT. 39ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13ª edição. São Paulo: LTr, 2014.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

MARTINS, Adalberto. Manual Didático de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2004.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito Aplicado do Trabalho, vol. 1: parte geral. 2ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

 

Helena Silveira Armando Waitman – Advogada Trabalhista há mais de dez anos, nas áreas consultiva e contenciosa. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2004. Mestranda em Direito e Processo de Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (com término previsto para 2016). Trabalhou em grandes escritórios de advocacia em São Paulo: Campos Mello Advogados; Vella, Pugliesi, Buosi e Guidoni Advogados; e Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados. Atualmente é a Coordenadora da Área Trabalhista do escritório Franco Advogados.

 Email: lenasaw@hotmail.com

 



[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2004, p. 206. 

[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 13ª edição. São Paulo: LTr, 2014, p. 452. 

[3] MARTINS, Adalberto. Manual Didático de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 153. 

[4] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 357.

[5] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 453. 

[6] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 457. 

[7] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 360.

[8] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 464. 

[9] MARTINS, Adalberto. Op. cit., p. 155. 

[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 468. 

[11] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 636. 

[12] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 361.

[13] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. cit., p. 365 e 366.

[14] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 469. 

[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 636.

Como citar e referenciar este artigo:
WAITMAN, Helena Silveira Armando. A Terceirização no Direito do Trabalho e o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2015. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/a-terceirizacao-no-direito-do-trabalho-e-o-projeto-de-lei-da-camara-no-302015/ Acesso em: 30 abr. 2024
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