Direito do Consumidor

Os efeitos da Lei 11.211/05 para o mercado calçadista e consumidores

Os efeitos da Lei 11.211/05 para o mercado calçadista e consumidores

 

 

Antonia Mourão*

 

 

I. Notas Introdutórias

 

Numa iniciativa do Centro das Indústrias de Cortumes do Brasil – CICB, em 16 de outubro de 1997, foi apresentado pelo Deputado Oswaldo Coelho o Projeto de Lei 3.729 que dispunha sobre as condições mínimas exigíveis para a identificação do couro e das matérias-primas sucedâneas, utilizadas na confecção de calçados e artefatos.

 

A intenção do referido Projeto de Lei era uniformizar e regularizar a NBR 9236 emitida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT que trata da mesma matéria, bem como ampliar seus efeitos às empresas importadoras dos mesmos produtos, objetivando a igualdade entre a comercialização de produtos nacionais e importados.

 

O Projeto pretendia evitar situações corriqueiras para o consumidor que ao adquirir produtos tais como, calçados, bolsas, calças, jaquetas e outros artigos, poderiam facilmente confundir um produto de couro com outro produto de material sintético, tendo em vista a grande similaridade entre eles.

 

Visualmente os produtos são semelhantes, dessa forma é muito comum a comercialização de produtos de material sintético, erroneamente denominados “couro vegetal” ou “couro sintético” confundindo o consumidor, que acredita estar adquirindo produto de qualidade por preço inferior.

O consumidor, em regra, só terá conhecimento da compra equivocada, após determinado período, quando identificará que o produto possui qualidade e durabilidade inferiores ao do couro animal.

 

Ademais, a semelhança dos produtos possibilitava a comercialização de produtos fabricados com materiais sintéticos serem vendidos como se de couro animal fossem, o que resultava numa indução em erro do consumidor, que não possui conhecimento técnico para distinguir com exatidão a qualidade e diferença dos materiais no momento da compra.

 

Dessa forma, após quase 10 anos de trâmite, em 19 de dezembro de 2005 foi sancionada a Lei 11.211, que dispõe sobre as condições exigíveis para a identificação do couro e das matérias-primas sucedâneas, utilizados na confecção de calçados e artefatos.



II. Efeitos da Lei.

 

Em regra as obrigações contidas na Lei não surpreendem os produtores, tampouco os importadores, haja vista a existência da NBR 9236, de 29 de abril de 1996. No entanto, a Lei passa a uniformizar e a obrigar todos os produtores a informar o consumidor da composição do produto, principalmente os que não aderiram a NBR 9236.

 

Tal obrigatoriedade encontra-se em total harmonia com o Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 6º, inciso III, dispõe sobre os direitos do consumidor de obter “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificações correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

 

Trata-se, portanto, do dever de bem informar o público consumidor, sobre todas as características e composição do produto, favorecendo a possibilidade de adquirir o produto que melhor lhe convier, sabendo exatamente o que poderá esperar desse produto.

 

Dessa forma, conforme o art. 2º da Lei: ficam as empresas fabricantes ou importadoras de calçados e artefatos obrigadas a identificar por meio de símbolos, os materiais empregados na fabricação dos respectivos produtos, quando destinados a consumo no mercado brasileiro.



As identificações do material usado na fabricação do calçado, os símbolos e/ou descrição, deverão estar estampados ou impressos de forma visível, sendo aplicada na parte posterior da palmilha-forro (palmilha interna), conforme art. 3º da Lei.

 

Quanto à identificação de materiais empregados na fabricação de estofados, móveis e automotivos, será feita por meio de etiqueta impressa, fixada na costura, numa das faces laterais, sendo proibido o uso da palavra “couro”e seus derivados, mesmo em língua estrangeira, para identificar as matérias-primas e artefatos não constituídos de produto de pele animal.

Nos casos de fabricação de produtos que utilizem produtos de diferentes naturezas, o produto deverá ser identificado pelo material que compuser em mais de 50% (cinqüenta por cento) de sua superfície (art. 4º).

 

No entanto, consideramos um retrocesso tal dispositivo, principalmente para o consumidor, tendo em vista que o art. 4º favorece a interpretação de que o fabricante deve informar apenas o material que compuser em mais de 50% do produto, ou seja, no caso de um calçado com composição de 51% de couro e 49% de tecido ou outro material, o consumidor terá a informação, identificada pelo símbolo, apenas do couro, concluindo, equivocadamente, que se trata de um produto 100% couro, quando na verdade não é.

 

Compreendemos que se deve aplicar a interpretação teleológica da Lei que visa informar o consumidor dos materiais, sendo essa a intenção da redação original da mesma, onde, seguindo o exemplo supra, o produtor deveria apresentar a palavra couro e seu símbolo seguido de 51% e a palavra tecido e seu símbolo seguido de 49%, dessa forma o consumidor saberia exatamente o que está comprando.

 

A aplicação de tal interpretação favorece não somente o consumidor, mas também o produtor que se valerá da valorização de seu produto com a utilização do couro, como um produto nobre, sendo que a aplicação da primeira interpretação favorece aos fabricantes de produtos de qualidade inferior, que continuarão se valendo do equívoco do consumidor.

Corrobora para tal entendimento a preocupação do legislador em descrever e definir os produtos, conforme o art. 7º da Lei que dispõe em seus incisos: “I – couro é o produto oriundo exclusivamente de pele animal curtida por qualquer processo, constituído essencialmente de derme; II – raspa de couro é o subproduto decorrente da divisão da pele animal correspondente ao lado carnal, curtido e beneficiado; III – aglomerado de couro é o subproduto obtido a partir de farelos de couro ou aparas que tenham sofrido processo de desfibramento, aglomerados por meio de um aglutinante, natural ou sintético, e moldáveis; IV – couro ao cromo é a pele animal submetida ao processo de curtimento por compostos de cromo; V – couro ao tanino natural é a pele animal submetida ao curtimento por extratos de complexos tânicos naturais; VI – plástico é o produto obtido pela aplicação de um revestimento de natureza plástica sobre um suporte flexível e absorvente, e também o produto de natureza termoplástica, moldado por qualquer processo de injeção ou extrusão; VII – borracha é o produto natural de constituição química à base de isopreno, obtido pela coagulação do látex da espécie botânica Hevea brasiliensis ou outras; VIII – elastômero é o produto artificial que apresenta características tecnológicas semelhantes às da borracha; IX – mistura é a associação de borracha com o elastômero, em qualquer proporção, devendo ser identificado o componente presente em maior proporção; X – tecido é o material composto de fios ou filamentos têxteis (urdidura e trama), qualquer que seja a sua natureza ou composição, obtido pelo processo de tecelagem; XI – calçado é o produto industrial de características próprias destinado à proteção dos pés. Botas, sandálias, chinelos, tênis, tamancos e semelhantes são considerados, tecnicamente, calçados; XII – calçado de couro é o calçado cujos cabedal e forro, se houver, e a palmilha interna são constituídos de couro; XIII – cabedal é a parte superior externa do calçado; XIV – forro é o revestimento interno do calçado, compreendendo a parte aplicada ao cabedal e também a parte aplicada à palmilha de montagem (palmilha interna ou palmilha-forro); XV – solado é a parte inferior do calçado (a que está em contato com o piso, excluído o salto); XVI – salto é a parte inferior do calçado, na região do calcanhar, oposta à sola, de altura variável de acordo com o modelo do calçado, que atua na distribuição do peso do corpo sobre os pés; XVII – palmilha de montagem é a parte interna do calçado destinada a permitir a montagem deste, como também a dar resistência ao enfranque e ao calcanhar”.

 

Outrossim, a Lei favorece a indústria brasileira, tendo em vista a necessidade do grande impacto econômico dos produtos importados, grande parte da China, que deverão adequar-se à nova Lei.

 

Conforme dados da Assintecal – Associação Brasileira de Empresas de Componentes de Couro, Calçados e Artefatos, em matéria publicada em seu site, publicada no dia 20 de dezembro de 2005, informou que “a importação de calçados chineses cresceu o montante de 90% em pares e 74% em valores na comparação de novembro de 2005 quase que dobrou. De janeiro a novembro de 2005, essa importação chegou a 12.659.540 pares. A importação de calçados chineses representa um valor de US$72.461 milhões em 2005 face a US$41.476 milhões registrados no ano passado”.

 

Ainda que, diante de tais números, seja descartada a possibilidade de “dumping” e a realização de investigação para sua comprovação de venda, realizada abaixo do preço de custo como a União Européia vem realizando, a indústria brasileira pode se considerar protegida por práticas abusivas, aplicando-se o disposto no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, bem como a aplicação de sanções penais conforme os arts. 66 (fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços) e 67 (fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva) do Código de Defesa do Consumidor.

 

 

* Advogada Sênior do escritório Carvalho Santos & Pantaleão Advogados

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MOURÃO, Antonia. Os efeitos da Lei 11.211/05 para o mercado calçadista e consumidores. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/os-efeitos-da-lei-1121105-para-o-mercado-calcadista-e-consumidores/ Acesso em: 24 dez. 2024
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