Na contramão do CDC, STJ transforma o dever de informar em fonte de lucro para o fornecedor
Vitor Vilela Guglinski*
No julgamento do REsp nº. 976174, que tratou da obrigatoriedade de discriminação de pulsos telefônicos por um concessionário de serviços de telefonia, o Relator do recurso – Ministro José Delgado – desobrigou a respectiva empresa a detalhar as chamadas realizadas pelo usuário do serviço, argumentando, em síntese, que não há lesão a direito do consumidor, tampouco violação ao disposto no art. 6º, III do CDC, que trata do dever jurídico de informar ao consumidor, com adequação e clareza, sobre os produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo. O eminente Ministro sustentou ainda que o consumidor, caso deseje o detalhamento em questão (leia-se informação), deve arcar com os respectivos custos.
É lamentável que um direito básico do consumidor se transforme em mais uma fonte de renda para o fornecedor! Em que pese o notório brilhantismo do eminente Relator do recurso em epígrafe, assistimos mais uma vez a um deslize crasso do Judiciário no que se refere à tutela deste, que é o sujeito vulnerável na relação de consumo: o consumidor. Como veremos linhas abaixo, os argumentos utilizados pelo insigne julgador se encontram totalmente divorciados do disposto no ordenamento jurídico pátrio, nesse particular.
O consumidor, como titular de direitos fundamentais, consoante dicção de Claudia Lima Marques, possui um rol de direitos básicos, elencados no art. 6º da Lei nº. 8.078/90, figurando dentre eles o direito à informação (inciso III), o qual possui liame com o princípio da transparência, sendo este um dever imposto pelo CDC ao fornecedor durante toda a relação de consumo (grifei). Informar, ainda segundo a mencionada jurista, “é mais do que cumprir com o dever anexo de informação: é cooperar e ter cuidado com o parceiro contratual, evitando os danos morais e agindo com lealdade (pois é o fornecedor que detém a informação) e boa-fé” (MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor / Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, págs. 178 – 179).
A informação sobre todos os aspectos da relação contratual é, portanto, obrigação do fornecedor, decorrente de lei, inexistindo qualquer disposição que o autorize cobrar para que cumpra com seu dever, ao contrário do que fez salientar o nobre magistrado em seu voto.
O fornecedor, nas relações de consumo regidas pelo CDC, já é remunerado pelos serviços prestados, sendo que o dever de informação que lhe é inerente não reclama acréscimos pecuniários do consumidor para que as informações que lhe são devidas de pleno jure sejam efetivamente prestadas!
Se há ônus a ser suportado na prestação das informações indispensáveis ao consumidor, este está implícito no risco da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo, pois, quem se lança na atividade empresarial, deve estar a par dos riscos por ela gerados.
Todavia, o que o STJ fez ao desobrigar o fornecedor dos serviços de telefonia a prestar as informações necessárias ao esclarecimento do consumidor no transcorrer daquela relação jurídica, foi nada menos do que chancelar o direito deste de subtrair ilicitamente daqueles, valores indevidos, ou pelo menos passíveis de dúvida, enquanto carentes de detalhamento.
Peço venia para aqui valer-me das palavras utilizadas por João Baptista Herkenhoff em artigo de sua autoria, intitulado Poupança para os Banqueiros (disponível em: http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=655). Assim como poupadores de todo o País foram “roubados”, na expressão do festejado jurista, pelos banqueiros, com a instituição do Plano Bresser, os consumidores encontram-se agora em vias de serem “roubados” pelas empresas de telefonia, muito embora o roubo tecnicamente implique em violência ou grave ameaça à pessoa, nos termos da legislação penal.
No nosso sentir, andou mal o STJ ao dar guarida aos concessionários de serviços de telefonia, na medida em que o que o Estado Democrático de Direito busca, através do dirigismo contratual, exatamente o contrário, ou seja, intervém com a espada da Justiça no sentido de garantir a proteção do consumidor contra os abusos cometidos pelos fornecedores nas relações de consumo.
Infelizmente o consumidor, nada obstante os 16 anos de uma legislação constitucionalmente invocada, e concebida com vistas a garantir sua proteção e defesa, assiste ainda à garantia judicial do direito de lhe ser subtraído mais do que seu patrimônio; assiste à subtração de sua própria dignidade como sujeito de direitos.
* Assessor de Juiz em Juiz de Fora, especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora.
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