Recentemente, uma antiga discussão travada nos pretórios pátrios acerca da legalidade ou não da cobrança de juros na fase de construção de um
empreendimento imobiliário ganhou um capítulo importante e pendeu de forma decisiva a assegurar os interesses das grandes incorporadores e construtoras do
país.
Utilizando-se do argumento central de que “não existe venda a prazo com preço de venda à vista”, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reverteu decisão da Quarta Turma que havia identificado abuso contratual na cobrança dos chamados “juros no pé”. Por maioria de seis a três, os ministros
do colegiado mantiveram a jurisprudência corte superior – até certo ponto questionada por muitos – pela legalidade da cobrança.
Para que se entenda a extensão da decisão e a forma acertada que se mostra, inicialmente faz-se necessário identificar a natureza jurídica dos juros e qual
a sua real função nos contratos imobiliários.
Do ponto de vista do Direito, os juros são a contrapartida que alguém paga por temporária utilização de capital alheio. Nas relações de crédito que geram
direito à utilização temporária de capital alheio, os juros são a sua contrapartida.
A finalidade dos juros, por sua vez, levam a uma inevitável divisão em duas espécies, os moratórios e remuneratórios – também conhecidos por
compensatórios. Os juros moratórios se distinguem dos juros remuneratórios porque constituiu sua função sancionar o não-pagamento de obrigação no termo
devido ou conferir uma indenização pela mora que incorreu o devedor. A função dos juros compensatórios é a de remunerar o capital mutuado, tratando-se de
uma espécie de “compensação” devida pelo empréstimo.
Nos contratos imobiliários, então, encontra-se a cobrança da segunda espécie de juros, na medida em que se remunera o capital investido pela
incorporadora/construtora na compra do terreno, construção e comercialização das unidades do empreendimento. Os compradores das unidades compram a unidade
na planta, adquirem uma unidade, remunerando através dos juros as despesas e dinheiro aplicado pelas empresas na execução da construção do imóvel, muito
embora esta despesa seja de responsabilidade, em verdade, dos adquirentes.
No voto que norteou o julgamento do Superior tribunal de Justiça, restou consignado com maestria esta característica, resguardando, nada mais nada menos,
que o equilíbrio nas relações contratuais e retirando enorme ônus – suportado injustamente, diga-se – pelas incorporadoras e construtoras:
“ Em tal hipótese, em decorrência dessa convergência de interesses, o incorporador estará antecipando os recursos que são de responsabilidade do
adquirente, destinados a assegurar o regular andamento do empreendimento. Afigura-se, nessa situação, legítima a cobrança de juros compensatórios”
A ilegalidade da cobrança seria patente a alguns anos atrás, onde a característica do próprio mercado imobiliário fazia com que os adquirentes adiantassem,
ainda na fase de construção das unidades, cerca de 2/3 do preço total da aquisição, sendo a obra quase que inteiramente custeada pelo próprio capital dos
adquirentes.
Hoje, com a mudança do cenário econômico nacional, dada a fartura e facilidade de obtenção de crédito com Instituições Financeiras e com a possibilidade de
alienação fiduciária da unidade com a própria construtora, até a finalização da obra, o adquirente desembolsou tão somente 25% do valor da unidade.
A conta é fácil, para a construção é necessário dinheiro e este não está sendo pago pelos compradores/adquirentes, mas suportado pela construtora ou
financiamentos bancários, evidenciando a transferência de um ônus que, inicialmente, cabe aos adquirentes, razão pela qual resta autorizada a remuneração
daquele capital investido por meio da cobrança de juros compensatórios.
Ademais, há de ser reconhecida a incongruência de, em sendo reconhecida a ilegalidade da cobrança dos juros remuneratórios, autorizar o pagamento do mesmo
preço àquele que quitou a unidade à vista e àquele que o fez de forma parcelada em 5 anos. É clara a necessidade e possibilidade de se embutir ao preço
acréscimo pela forma de pagamento e dinheiro que só foi posto a disposição da coletividade para construção do empreendimento de forma demorada parcelada.
Desta forma, em sendo convencionado de forma clara no contrato esta cobrança, atendendo a transparência que pede as relações negociais e consumeristas –
aplicáveis à espécie – a sua incidência se mostra perfeitamente legal e totalmente aceitável, eis que sequer lei proibitiva em sentido contrário exista no
ordenamento pátrio.
REFERÊNCIAS
BRASIL . Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 jan. 1916.
BRASIL . Superior Tribunal de Justiça. Juros no pé, cobrados por construtora antes da entrega das chaves, são legais. Em:
<http://http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106076>. Acesso em: 09 de setembro de 2012.)
SCAVONE JUNIOR . Luiz Antônio. Direito Imobiliário – Teoria e prática, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
SILVA , Bruno Mattos e. Compra e venda de imóveis – aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos, 8ª ed. São Paulo, 2012.
* Rennalt Lessa de Freitas, Pós-graduando em em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro Universitário Superior do Amazonas – CIESA. Bacharel em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Graduando em Ciências Contábeis pela Faculdade de Estudos Sociais da Universidade
Federal do Amazonas – UFAM Atualmente atua como Advogado do escritório jurídico Andrade & Câmara Advogados. Endereço eletrônico:
rlf@andradecamara.com.br