Cláusula de fidelização do consumidor por prazo mínimo a operadoras de telefonia celular: abusividade perante o CDC
Vitor Vilela Guglinski*
No último dia 06 de novembro, a Justiça Federal, na caneta do MM. Juiz da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora – MG – Dr. Leandro Saon C. Bianco – concedeu liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela AMACONT – Associação Mineira de Assistência ao Consumidor e Trabalhador (processo nº 2006.38.01.004470-9), na qual referida entidade pleiteou os efeitos antecipatórios da tutela jurisdicional em face de empresas que operam serviço de telefonia celular no Estado de Minas Gerais (TIM MAXITEL S.A., OI TNL PCS S.A., TELEMIG CELULAR S.A. e CLARO – BCP S.A.), a fim de que fosse suspensa a eficácia da cláusula contratual por elas estabelecida, a qual prevê a cobrança de multas altíssimas em caso de rescisão da avença por parte de seus usuários, antes do término do prazo mínimo de 12 meses exigido a título de “fidelização” do usuário. Segundo o entendimento do Juízo em epígrafe, cláusulas dessa natureza ferem as disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, na medida em que retiram daquele a liberdade de escolha do serviço que lhe seja mais conveniente.
Hodiernamente, conforme assinalado pela AMACONT na petição inicial, é de notório saber que os avanços tecnológicos dos serviços de telefonia móvel têm proporcionado aos consumidores uma gama de comodidades quase ilimitadas e muito atraentes. Todavia, as altas multas previstas contratualmente os coagem a continuar usufruindo um serviço que, ao longo de sua prestação, os torna inconvenientes, sendo que a associação autora destacou, dentre as mazelas geradas, a insatisfação dos usuários com a área de cobertura, bem como o péssimo atendimento dispensado pelos respectivos call centers.
Duas situações foram analisadas pelo magistrado ao decidir a questão liminarmente, sendo que uma autoriza a exigência de fidelização do consumidor por prazo mínimo, e outra não.
O primeiro caso diz respeito aos benefícios concedidos pelas empresas de telefonia celular quando aqueles não são intrínsecos ao serviço, sendo que foi tomado como exemplo a oferta gratuita de aparelhos ao usuário. Nesses casos, tal prática tem a natureza de ofertar àquele um plus, pois tal não está previsto pela ANATEL na regulamentação do serviço, isto é, as operadoras estão obrigadas a oferecer o serviço de telefonia móvel, não os aparelhos. Com isso, há um acréscimo patrimonial favorável ao aderente, e, sendo o bem subsidiado pela operadora, em contrapartida esta faz jus ao benefício trazido pela fidelização do cliente, pois há a necessidade de um lapso temporal para que a empresa recupere o investimento no aparelho e ainda aufira lucro, salientando-se que, caso o consumidor pudesse se desvincular a qualquer tempo, sem qualquer ônus, estaria configurado enriquecimento ilícito de sua parte ao permanecer com um aparelho telefônico, o que viria a comprometer a viabilidade econômico-financeira do negócio desenvolvido pelas prestadoras do serviço em tela, ou seja, haveria um bônus sem o respectivo ônus.
A segunda situação analisada pelo Juízo diz respeito à oferta de simples descontos em ligações, ligações gratuitas em determinados horários, etc.. Nesse caso, o tipo de benefício oferecido está implícito naqueles serviços já previstos na respectiva regulamentação, e de fornecimento obrigatório pela empresa, consignando-se que isto só ocorre enquanto o consumidor permanecer vinculado à operadora, não existindo, segundo o juiz, in verbis, “qualquer plano que permita ligações gratuitas, etc, sem que o consumidor pague algo às operadoras, seja mensalmente [caso dos planos pós-pagos], seja em períodos/gastos pré-determinados [planos pré-pagos]” (grifo nosso). Em tais casos, portanto, afigura-se abusiva a exigência de fidelização do consumidor à operadora que a estabelece contratualmente, ferindo, assim, as previsões constitucionais que informam a defesa do consumidor, bem como as disposições do diploma legal específico (Lei nº 8.078/90).
Nota-se, ainda, medida da mais cristalina justiça no decisum exarado pelo magistrado, uma vez que se ponderou acerca dos prejuízos que cada parte sofreria com o provimento sumário, sendo que, em homenagem à harmonização necessária nas relações de consumo, princípio este insculpido no art. 4º, III do CDC, foram salvaguardados os interesses do consumidor como parte vulnerável nas relações de consumo, até mesmo diante da coletividade de usuários atingidos pela prática.
Por fim, permito-me destacar outros dois pontos que penso sejam importantíssimos nestes dias em que a Justiça enfrenta uma sobrecarga intensa de trabalho. O primeiro deles toca na síntese empregada na confecção da peça vestibular, não significando, porém, desatenção à matéria tratada; ao contrário, pelo poder de expressar em poucas linhas a dimensão do direito de milhares de consumidores, tal me leva a render merecidas homenagens a seus jovens subscritores, em especial aos insignes André Luiz Vilella de Souza Lima e Diego Milani Coutinho, sem qualquer altivez, mas sim pelo orgulho de com eles ter caminhado junto nos anos em que fui estagiário do PROCON de Juiz de Fora – MG, onde nos enveredamos pelos caminhos da ciência consumerista. Na mesma toada, para que não se cometa injustiças, não menos brilhante foi a decisão proferida, que se valeu de dois argumentos singelos, sem que fosse dispensada a excessiva prolixidade que muitos membros do Poder Judiciário ainda insistem em imprimir na entrega da tutela aos jurisdicionados, atrasando o provimento pleiteado, bem como assoberbando sobremaneira os seus órgãos, por um incompreensível amor à erudição jurídica.
É disso que nosso país precisa, mormente em se tratando de defesa dos direitos do consumidor: a oxigenação da Justiça brasileira, através de jovens advogados, arrojados e engajados na luta por uma tutela jurisdicional rápida e justa, tudo isso conjugado com a correspondente garantia estatal de efetividade do provimento pretendido, por meio de uma conduta objetiva do juiz, de forma a coroar a verdadeira Justiça.
* Assessor de Juiz em Juiz de Fora, especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora.
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