Direito do Consumidor

A Notificação de Intermediação Preliminar da Agência Nacional de Saúde Suplementar: um eficaz e célere instrumento de defesa do consumidor em relação aos planos de saúde

Resumo:

O objetivo deste trabalho é apresentar a Notificação de Intermediação Preliminar – NIP, procedimento administrativo executado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – dentro de suas atribuições, enquanto ferramenta de defesa do consumidor no trato de suas relações com operadoras de planos de saúde e instrumento de efetividade do Direito Fundamental à Saúde. Para tanto são delineados (i) a estrutura normatiava da Saúde Suplementar brasileira, com enfoque em sua origem constitucional e algumas (ii) peculiaridades sobre a defesa do consumidor de saúde suplementar, para após (iii) delinear os principais aspectos da Notificação de Intermediação Preliminar – NIP e (iv) apresentar os dados públicos mais atualizados sobre a utilização deste procedimento pela ANS.

PALAVRAS-CHAVE: Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) – Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – Defesa do Consumidor – Defesa Extrajudicial.

ABSTRACT:

This paper aims to presente the Notificação de Intermediação Preliminar – NIP, an administrative precedure performed by the Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – within its powers, while a defensive tool to the consumer into their relations with the Suplementary Health Operators, and an intrument of effectivity to the fundamental Right to Health. To do so, are delineated (i) the normative structure of brazilian suplementary health system, with emphasis in its constitutional origin and some (ii) peculiarity about the consumers defense on the suplementary health system, and hence (iii)show the mainly aspects over the Preliminary Intermediation Notification (NIP)and (iv) is shown the most current public data about the use of this administrative procedure by the Nactional Agency (ANS).

Keywords: Preliminary Intermediation Notification (NIP) – National Agency of Suplementary Health – Consumers Defense – Extrajudicial Defense.

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Direito Fundamental à Saúde e a Saúde Suplementar no Brasil; a. Direito Fundamental à Saúde; b. A Saúde Suplementar no Brasil 2. A defesa do consumidor de saúde suplementar 3. A Notificação de Intermediação Preliminar – NIP; 4. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS; Conclusão; Referências Bibliográficas.

Introdução:

A Notificação de Intermediação Preliminar – NIP[1] é um bem-sucedido instrumento de resolução de conflitos[2], instituído no bojo das atividades da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS[3], no exercício de sua função fiscalizatória[4], cuja eficiência na promoção da defesa do mercado consumidor de planos de saúde vem ganhando contornos cada vez mais sólidos, segundo dados recentes divulgados pela aludida agência reguladora.

Considerando que a vigente ordem constitucional erigiu o Direito à saúde ao status de Direito Fundamental[5], bem como, que a ferramenta objeto de estudo visa a tutela desse mesmo direito, evidencia-se o quão salutar seria a sua plena utilização, motivo pelo qual, embasado por pesquisa documental e bibliográfica especializada, o presente artigo objetiva (i) traçar o arcabouço normativo da Saúde Suplementar brasileira com enfoque em sua matiz constitucional e (ii) identificar aspectos gerais dos meios de defesa do consumidor diante de eventuais ilícitos inerentes à área da saúde suplementar, para, finalmente, (iii) destacar os mais proeminentes aspectos da NIP, (iv) apresentando dados atualizados que demonstram cabalmente a sua eficácia, a fim de que o consumidor de planos de saúde e os operadores do direito conheçam os procedimentos inerentes e verifiquem a alta eficácia dessa ferramenta, que se encontra à disposição de todos os consumidores do pungente mercado da saúde suplementar brasileira.

Capítulo 1. Direito Fundamental à Saúde e a Saúde Suplementar no Brasil

a. Direito Fundamental à Saúde

Segundo leciona o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes[6], ao citar os ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, na visão democrata ocidental, os conceitos de “governo pelo povo” e “limitação do poder” estão intrinsecamente relacionados. Ocorre que o “poder” é delegado pelo povo aos seus representantes, numa clássica estrutura democrática representativa, mas, para que o exercício desse poder seja legítimo e compatível com o interesse público, deve-se abominar qualquer perspectiva que lhe confira contornos absolutistas. Assim, deve-se estabelecer as necessárias e salutares limitações.

Esses limites são erigidos, em especial, por meio da constitucionalização de “Direitos e Garantias Fundamentais”, que no caso brasileiro foram trazidos no Título II da nossa Carta Magna, restando topograficamente divididos em cinco capítulos, que tratam dos “direitos individuais e coletivos”, dos “direitos sociais”, dos “direitos de nacionalidade”, dos “direitos políticos” e dos “direitos relacionados à existência, organização e participação popular em partidos políticos”.

No que toca especificamente a saúde, o art. 6º da nossa Carta Magna de 1988[7] dispôs expressamente que se trata de um direito social, enquanto o artigo 7º traz dois incisos[8] que também tutelam o acesso à saúde, afirmando-o enquanto garantia fundamental aos trabalhadores urbanos e rurais. Releva destacar que, segundo parte da doutrina, os direitos fundamentais podem ser classificados – quanto a sua ordem cronológica – em direitos de primeira, segunda ou terceira gerações, ou dimensões[9].

Dentro desse contexto, valendo-nos da lição do Prof. Ingo Sarlet[10], o direito à saúde é dotado de latente fundamentalidade formal e material, características inerentes a todos os direitos e garantias fundamentais. Sobre a fundamentalidade em sentido material, ela estaria evidenciada pela relevância do bem jurídico constitucionalmente tutelado, tendo em vista a sua inquestionável importância para cada ser humano, individual e coletivamente. Mas, no que toca à fundamentalidade formal do direito à saúde[11], esta seria caracterizada por 03 (três) elementos: a) os direitos fundamentais se situam no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se de norma de superior hierarquia; b) encontram-se submetidos aos limites formais (procedimentos especiais para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas “cláusulas pétreas”) da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5º, parágrafo 1º[12], da nossa Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam tanto as entidades estatais quanto os particulares.

Importa anotar ainda que, a partir da previsão do art. 5º, parágrafo 2º[13] da nossa Constituição Federal, foi promovida a expressa abertura do rol de direitos fundamentais no Brasil, de modo que a expressão “direito fundamental” passou a abarcar também os direitos implícitos e derivados dos princípios, alavancando à condição de direitos fundamentais aqueles direitos positivados além do Título II da Carta Política – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – de tal sorte que os dispositivos dos arts. 196 a 200 da Constituição – Da Saúde – também dispõe da dupla fundamentalidade, em sentido material e formal.

Sobre a sua aplicabilidade imediata, vale destaque, em decorrência do disposto no Art. 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal Brasileira, que o direito à Saúde – de segunda geração – tem sua aplicabilidade mitigada, tal qual os demais direitos sociais, culturais e econômicos, pois, segundo a lição de José Afonso da Silva[14] à despeito de serem supostamente dotados de “todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou comportamentos” que regula, “não raro dependem de providências ulteriores que lhes completem a eficácia e possibilitem a sua aplicação”, em especial as que mencionam a necessidade de uma lei integradora, sendo considerados de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.

Citado autor ressalva, ainda, que são direitos “aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento”, bem como, que, uma vez provocado o Poder Judiciário, diante de uma situação concreta, não pode deixar de aplicar o direito, conferindo-o ao demandante, conforme as limitações das instituições existentes, revelando a precariedade de se depositar integralmente em tais instituições o louvável ônus de prover a saúde a toda a população brasileira, motivo pelo qual o Brasil apresentou um terreno fértil para o desenvolvimento do setor da Saúde Suplementar, a quem restou a missão de, ao lado do Estado, conferir efetividade ao Direito Fundamental à Saúde.

b. A Saúde Suplementar no Brasil

Conforme informações constantes do sítio eletrônico da ANS , apesar de a Saúde Suplementar ter passado a conviver com o sistema público, consolidado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do esboço traçado pela Constituição Federal de 1988, o marco do início da Previdência Social no Brasil se dá com a promulgação da Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682) em 24 de janeiro de 1923, que naquele ano criava em cada uma das estradas de ferro existentes no país, uma Caixa de Aposentadorias e Pensões para os respectivos empregados, que nada mais eram que fundos geridos e financiados por patrões e empregados que, além de garantirem aposentadorias e pensões – como destacado em suas denominações – também financiavam serviços médico-hospitalares aos trabalhadores e seus dependentes.

O sistema de saúde suplementar brasileiro, portanto, desenvolveu-se a partir da previdência social, motivando, na década de 1950, a criação de planos de saúde comerciais com clientelas abertas, no formato de planos coletivos empresariais na modalidade medicina de grupo, no ABC paulista. Em 1966, com a promulgação do Decreto-lei n. 73, foram disciplinadas as operações de seguros e resseguros, sendo regulamentado o seguro saúde em seus artigos 129 a 135. Desde então, até o final da década de 90, com o aumento considerável da oferta de Planos de Saúde, iniciaram-se conflitos entre consumidores e operadoras, razão pela qual surgiu a necessidade de maior intervenção estatal.

Essa necessidade se evidenciou ainda mais com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990 – Lei 8.078 – que trouxe uma regulação genérica da relação entre operadora e beneficiário do Plano, evidenciando-se, com o passar do tempo, a necessidade de um regramento específico, em virtude da confusão e insegurança jurídica que decorreram da aplicação da Lei Consumerista.

Então, em 1998 é aprovada a Lei 9.656 no Congresso Nacional, marco histórico da regulação sobre o mercado de Saúde Suplementar, a qual, tendo sido objeto de 44 (quarenta e quatro) reedições de medidas provisórias, aperfeiçoou-se no ano de 2000, pela Lei 9.961, que criou a ANS, tendo por missão institucional a regulação de uma atividade privada complexa, inserida num setor essencial, o que trouxe uma nova dinâmica para ao segmento de saúde no Brasil.

Sob a perspectiva constitucional, 5 (cinco) artigos (196 a 200) estabelecem as diretrizes do direito à saúde no Brasil e lançam as bases das regras aplicáveis ao setor privado. A Tais artigos, soma-se a previsão do art. 6º. Mediante tais previsões constitucionais, a Saúde é um direito de todos e que é, portanto, plenamente exigível do Estado, a quem corresponde o dever de garanti-lo “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (como estabelece o art. 196 da CFRB/88).

A partir desse conjunto normativo constitucional, tem-se reconhecido, pois, que a saúde é um direito público subjetivo, que confere a qualquer pessoa o direito de postular do Estado as medidas necessárias para a sua proteção e promoção. Como preleciona José Afonso da Silva,

A saúde é concedida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público, nos termos da lei, a quem cabe executá-los diretamente ou por meio de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Se a Constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder de dominação, que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização”[15] 

O que se constata, portanto, é que existe na Constituição um sistema de dispositivos que busca equacionar e racionalizar a gestão da saúde no País. De um lado, o art. 198 previu que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado segundo as diretrizes previstas nos incisos do mesmo dispositivo, enquanto, de outra banda, o constituinte reconheceu que o Estado, por si só, não seria capaz de assumir toda atividade de assistência à saúde.[16] Assim, o art. 199 da nossa atual Constituição Federal estatui que a “assistência à saúde é livre à iniciativa privada”, que pode explorá-la sob o regime privado, ao lado do sistema público, sem com ele, entretanto, se confundir.

Seja como for, sistemas público e privado de prestação de serviços de saúde formam um desenho complexo, mas interligado, com vistas à efetivação do direito à saúde no Brasil. Em um cenário de escassez de recursos, o constituinte reconheceu a importância da participação de agentes privados para expandir esse direito social à população e aliviar os custos incidentes sobre o SUS. É nessa toada, inclusive, que o art. 197 da Constituição Federal Brasileira admite serem “de relevância pública as ações e serviços de saúde [em geral], cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

A partir de 1988, portanto, inaugurou-se uma nova era para a tutela jurídica da saúde no País, com a expressa exigência constitucional para que se disciplinasse o setor, incentivando boas práticas, para racionalizar e trazer a segurança jurídica necessária para o franco desenvolvimento deste mercado, que veio a ser profundamente regulado com a Lei nº 9.656/98, que foi alterada cerca de 02 (dois) anos após a sua edição, com a vinda da Lei nº 9.961/00[17], criando-se a ANS.

Neste contexto, a ANS foi criada, então, com a finalidade estatutária de “promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”[18] e participando da concepção das políticas públicas para o setor de saúde suplementar[19].

Verifica-se que, em seus quase 20 (vinte) anos de existência, os esforços da agência voltaram-se à disciplina da relação das operadoras com os beneficiários dos planos, buscando um ambiente de respeito ao consumidor e de serviços prestados sob rígidos parâmetros de qualidade, com a fixação de uma lista mínima de procedimentos obrigatórios,[20] regras de equidade na cobertura oferecida pelos planos assistenciais, extinção de limites de internação, além da fixação de prazos máximos para o estabelecimento de carências contratuais.

Em meio a esse cipoal de relações jurídicas, surge a Resolução Normativa nº 388/2015 da ANS, em fevereiro de 2016, que, além de promover maior celeridade aos procedimentos sancionatórios e às cobranças das respectivas multas, instituiu as regras vigentes da NIP[21], que se insere nesse contexto enquanto um instrumento para a solução de conflitos no setor da Saúde Suplementar.

Capítulo 2. A Defesa do Consumidor da Saúde Suplementar

A fim de contextualizar a inserção da NIP enquanto instrumento de defesa do consumidor, cabe aqui tecer uma breve explanação[22] acerca das possíveis vias para o exercício dessa defesa, diante de eventuais ilícitos decorrentes de sua relação com as operadoras de planos de saúde privados, onde há a incidência do Código de Defesa do Consumidor[23] – Lei 8.078/90 – afetando tanto o âmbito judicial quanto o extrajudicial, ainda que essa relação tenha se iniciado antes da vigência da lei, o que foi prestigiado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que para sacramentar a questão editou a súmula nº 100, assim ementada:

“O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais”.

Visando facilitar a defesa dos consumidores, os vulneráveis da relação jurídica de consumo (art. 4, inciso I, CDC[24]), o Código consumerista previu como competente para ingresso de ações daquela natureza, também o foro do domicílio do consumidor (art. 101, I, CDC[25]) em exceção à regra geral do art. 46 do Novo Código de Processo Civil[26], que estabelece competente o foro do domicílio do réu.

Feitos estes registros, abordamos neste tópico as distintas opções que os consumidores têm à sua disposição para fazer valer seus direitos que tenham sido violados ou que sofram risco de o serem. Sob este prisma, portanto, trataremos da defesa do consumidor pela via judicial, bem como por intermédio de ferramentas extrajudiciais de solução de conflitos de consumo, sempre sob o enfoque específico da defesa relativa às demandas provenientes de conflitos da saúde suplementar

O consumidor brasileiro tem à sua disposição as instâncias ordinárias dos Tribunais de Justiça, ou até mesmo a via sumaríssima dos Juizados Especiais Cíveis[27], via pela qual poderá exercer sua própria representação, sem assistência técnica de um advogado, para aquelas causas cujo valor não exceda a 20 (vinte) salários mínimos, ao teor do que dispõe o art. 9º da Lei. 9.099/95[28]. Naquelas causas cujo valor econômico flutue entre 20 (vinte) e 40 (quarenta) salários mínimos[29], o consumidor precisará, obrigatoriamente, da assistência de um advogado, dotado de capacidade postulatória para o ajuizamento da ação.

O acesso à justiça é garantido ainda ao consumidor carente, a quem é franqueado o acesso à justiça por intermédio da Defensoria Pública, instituição pública cuja missão constitucional é promover o acesso à justiça à população carente, nos termos do o artigo 134 da Constituição Federal Brasileira[30], revelando que inúmeras foram as iniciativas para a facilitação da defesa judicial dos consumidores brasileiros.

Ainda na esfera judicial, tal como estatuído no art. 81 do CDC, a defesa do consumidor, além de poder ser promovida individualmente, poderá ser feita de forma coletiva. Assim, coletivamente, a defesa do consumidor é exercida por legitimação extraordinária (indiretamente), por meio de Instituições que tenham legitimidade de ingressar com ações civis públicas, tal como a Defensoria Pública, Ministério Público e associações de defesa do consumidor (art. 5º da Lei 7.347/88 – Lei da ação Civil Pública).

Importante também destacar, por fim, a previsão contida no CDC, como direito básico dos consumidores, visando facilitar a defesa do consumidor em juízo, a possibilidade de se inverter a obrigação de produzir prova dentro do processo judicial. Esta previsão está inserta no inciso VIII do artigo 6º do CDC. Similar previsão está contida no novo Código de Processo Civil, em seu artigo 373, parágrafo 1º.

Na esfera extrajudicial, merecem destaque dois grandes facilitadores para a defesa do consumidor da saúde suplementar brasileira, quais sejam: o portal Consumidor.gov[31], uma plataforma de resolução extrajudicial de questões consumeristas criada pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (SENACON), do Ministério da Justiça, e a NIP da ANS, que será objeto de aprofundamento a seguir.

No que se refere ao portal Consumidor.gov, tal plataforma opera da seguinte forma: as empresas/fornecedores têm que aderir aos Termos de Adesão e Compromisso” disponibilizados pela SENACON. Ao aderir aos termos da plataforma, os fornecedores se comprometem a tratar das questões inseridas pelos consumidores em até 10 dias corridos, contados da inserção da reclamação.

Percebe-se, com isso, que se trata de uma célere e potente ferramenta colocada gratuitamente à disposição do consumidor. Para ilustrar os resultados obtidos pela plataforma, temos que no ano de 2017 foram realizadas, no total, 470.748 reclamações, com índice de resolutividade de 80,6%, com prazo médio de resposta em 6,3 dias.

Adotando-se como base os dados referentes ao mês de abril de 2018, a plataforma registrou um total de 49.481 reclamações. Destas, 272 (0,6% apenas) foram específicas do setor da saúde suplementar, sendo que o índice de resolutividade ficou na casa dos 70% (190 casos resolvidos).

Já a NIP, ferramenta criada pela ANS, é um procedimento administrativo que permite àquela agência reguladora mediar conflitos entre usuários e operadoras de planos de saúde, sejam eles médicos ou odontológicos, em casos de negativa de cobertura, questões assistenciais ou não-assistenciais.

A título ilustrativo, podemos citar como exemplos de questões assistências o descumprimento de prazos máximos para agendamento de consultas, negativas de exames e cirurgia ou de autorização para realização de procedimentos, bem como dificuldades para recebimento de reembolso. São exemplos de queixas de natureza não assistencial a aplicação de reajustes indevidos, a rescisão unilateral de contrato ou o não envio de carteira do plano de saúde.

O próximo capítulo deste trabalho aborda a NIP de forma mais detalhada, bem como os regimes de fiscalização e a utilização da ferramenta na efetiva defesa do consumidor.           

Capítulo 3. NIP como instrumento de defesa do consumidor        

Objeto central do presente estudo, a NIP é uma fase pré-processual[32] administrativa que visa maximizar a resolução de conflitos entre consumidores e operadoras de planos de saúde na esfera administrativa, por meio da atuação direta da ANS, mediando conflitos referentes a planos de natureza médica ou odontológica, assistenciais ou não-assistenciais[33], que vem promovendo uma verdadeira mudança de conduta em todos os agentes do mercado da saúde suplementar[34]. Sua conclusão serve de referência para se distinguir entre a aplicação subsequente de três institutos decorrentes da emanação do Poder de Polícia da agência[35]: (i) o processo administrativo sancionador; (ii) o regime de intervenção fiscalizatória; e (iii) a imposição de medidas gravosas voltadas à garantia de atendimento dos beneficiários.

Criada originalmente pela RN nº 226/2010 com a denominação de “Notificação de Investigação Preliminar”[36], a NIP era um procedimento voluntário e mais restrito, que, ainda naquele ano, ganhou novos contornos[37] e hoje está prevista no caput do art. 5º da RN nº 388/2015 da ANS[38], que a tornou obrigatória, ampliou suas hipóteses de aplicação, definindo-a enquanto um instrumento de solução de conflitos entre beneficiários e operadoras de planos privados de assistência à saúde. Tornou-se obrigatória, e não mais facultativa, e exigiu das empresas uma postura proativa, uma vez que passaram a ter de acessar espaço próprio na página da ANS na internet para averiguar a existência de novas notificações instauradas contra si, sob pena de os prazos para sua manifestação transcorrerem in albis, na forma disposta no seu art. 10, parágrafo 2º[39], de modo que as empresas tiveram de investir para estruturar departamentos voltados para a conferência permanente dessa página e atendimento de novas reclamações eventualmente formuladas pelos consumidores.

Conforme a RN nº 388/2015, a NIP se desdobra em duas fases distintas: (i) a fase de notificação preliminar, regulada pelos arts. 10 a 12; e (ii) a fase de análise fiscalizatória, disciplinada pelos arts. 13 a 16. A primeira se inicia com a apresentação de uma reclamação formal que pode ser realizada diretamente pelo(a) beneficiário(a) de Plano de Saúde, por meio de qualquer canal de atendimento disponibilizado pela ouvidoria da ANS[40]. Recebida a reclamação pela ANS, a operadora é notificada para tomar conhecimento e adotar as medidas que julgar necessárias para a solução do problema[41]. O prazo para a resposta varia de acordo com a natureza da reclamação. Tratando-se de reclamação relativa à restrição de acesso à cobertura assistencial, a operadora deverá solucioná-la em até 5 (cinco) dias úteis[42]; se o caso versar sobre demandas de qualquer outra natureza, o prazo de solução é de 10 (dez) dias úteis[43], após o que a operadora deve informar à ANS, em até 10 (dez) dias úteis após o decurso do prazo para a solução da reclamação, se o conflito foi solucionado ou se, em seu entendimento, a demanda do consumidor era improcedente, anexando toda a documentação pertinente[44]. Encerrando-se a fase de notificação preliminar.

Vale aqui salientar que a ausência de resposta ou de juntada de documentação comprobatória por parte da operadora do plano de saúde, importa a classificação da demanda como não resolvida[45], após o que, se o consumidor relatar que a demanda não foi resolvida ou se a operadora deixar de comunicar a resolução do problema dentro do prazo estabelecido ou, ainda, se forem verificadas outras hipóteses arroladas expressamente pela regulação setorial[46], a ANS dará início à segunda fase da NIP, denominada “análise fiscalizatória”.

Nessa segunda etapa, a equipe técnica da Agência, analisa o relato do beneficiário e a resposta da operadora de plano de saúde, classificando-as conforme os seus desdobramentos.[47] Desta feita, as demandas podem ser classificadas como “não procedentes”, “resolvidas mediante reparação voluntária e eficaz (RVE)”[48] e “não resolvidas”. Essas últimas são encaminhadas para lavratura de auto de infração, com a abertura do correspondente processo administrativo sancionador[49], sendo as demais arquivadas[50] e encerrada a NIP.

Como apontado acima, caso a reclamação apresentada pelo usuário-consumidor não seja resolvida no âmbito da NIP, os agentes fiscalizadores procedem à lavratura de auto de infração para apurar o cometimento de infração pela operadora[51], a fim de deflagrar o processo administrativo sancionador. Nessa fase, a operadora de plano de saúde é notificada para, no prazo de 10 (dez) dias úteis contado do recebimento da notificação, (i) apresentar defesa; (ii) realizar o pagamento antecipado da multa correspondente à sanção apontada no instrumento lavrado, situação em que fará jus a desconto de 40% (quarenta por cento) sobre o valor da multa; ou, ainda, (iii) tomar as providências necessárias para efetuar a reparação posterior da demanda, pelo que a operadora obtém desconto de 80% (oitenta por cento) sobre a multa, evidenciando o esforça da agência em facilitar a realização dos direitos invocados pelos consumidores.[52] [53] Apresentada a defesa, poderão ser produzidas provas, desde que devidamente justificadas[54]. Finda essa fase, o Diretor de Fiscalização irá proferir decisão fundamentada[55], que se reconhecer a infração de dispositivo legal ou infralegal disciplinador do mercado de saúde suplementar, fixará ainda o valor da multa a ser aplicada[56]. Dessa decisão caberá ainda recurso com efeito suspensivo à Diretoria Colegiada da ANS[57].

A RN nº 388/2015 inovou ainda ao determinar a realização semestral de “ciclos de fiscalização” para o acompanhamento de todas as demandas processadas através da NIP[58], sendo estas utilizadas para o cálculo do Indicador de Fiscalização, que representará o desempenho das operadoras no período.[59] [60] Os dados decorrentes dessas apurações são regularmente divulgados pela agência[61] e serão detalhados no capítulo seguinte.

Capítulo 4: A Saúde Suplementar em números:

Aqui apresentamos dados, informados pela própria ANS, sobre a saúde suplementar no Brasil, para se ilustrar a dimensão deste universo, demonstrando o número de pessoas que se valem deste modelo de prestação da saúde, números de conflitos Brasil e São Paulo e o impacto da NIP neste ambiente.

Nesta senda, apresentamos, doravante, dados como “demandas por tema”, “demandas por natureza da NIP”, bem como os “índices de resolutividade da NIP”.

Segundo o IBGE[62], atualmente temos no Brasil um total de 208 milhões de pessoas. Já consoante os dados da ANS[63], temos atualmente um total de 70.679.715 beneficiários de planos de saúde, portanto, um percentual de 34% da população brasileira conta com esse tipo de serviço.

Ainda segundo os dados coletados do IBGE e ANS, no Estado de São Paulo, que conta com uma população aproximada de 45.489.000 habitantes, há 25.576.000 beneficiários de planos de saúde, ou seja, 56% da população.

Desse universo total de usuários de planos de saúde (70 milhões), em 2017, a NIP teve um registro de 66.819 reclamações, as quais trataremos de forma especificada a seguir.

Se tivermos por base o tema das demandas, temos o seguinte gráfico:

gráfico1

           

Quanto à natureza da NIP, temos o seguinte cenário:

Já, finalmente, quanto à resolutividade das reclamações lançadas pelo consumidor, temos que das 66.819 reclamações realizadas pela ferramenta NIP, 42.710 eram de natureza assistencial (negativas de coberturas). Destas, 37.605 foram resolvidas por mediação de conflitos, importando um índice de 88% de resolução.

Graficamente, de 2009 a 2017, temos a seguinte evolução de efetiva resolução da NIP, ou seja, reclamações devidamente resolvidas sem a necessidade de abertura de procedimento administrativo sancionador (já na primeira fase da NIP, portanto):

Conclusão:

Consoante se demonstrou, a NIP pode ainda ser considerada uma novidade dada ao consumidor, na sua defesa em âmbito extrajudicial, eis que sua atual formatação data de fevereiro de 2016.

A recente instauração e ainda pouca divulgação, pois, da NIP pode explicar sua ainda incipiente e relativamente tímida utilização por parte dos consumidores, uma vez que se verifica, quer na plataforma consumidor.gov, quer pelos números da própria NIP, que o consumidor pouco tem se valido destes canais para tratar das demandas provenientes da saúde suplementar, muito embora os índices de resolutividade se mostrem altos.

Analisando os números, temos que na plataforma consumidor.gov, em todo o mês de abril do corrente ano, das reclamações registradas na plataforma, somente 0,6% foi referente a questões de saúde suplementar e o índice de resolução de tais demandas alcançou 70%, em uma média de 6,3 dias corridos entre a reclamação e a solução.

Especificamente em relação à NIP, muito embora o índice de resolução tenha alcançado o patamar de 88%, notamos que – em números absolutos, sua utilização é ainda acanhada, mormente se compararmos com a judicialização dessa espécie de demanda.

Segundo um estudo do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar da USP[64], o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou, durante o ano de 2017, 30.117 ações referentes à Saúde Suplementar. Em 2011, esse número era de 7 mil ações ao ano, ou seja, nesse ínterim de 7 anos a judicialização, somente no Estado de São Paulo, cresceu alarmantes 329%.

Portanto, dentro deste cenário, consideradas a potencialidade da NIP, que vem se mostrando muito eficaz ao consumidor, bem como uma ainda incipiente e tímida utilização, podemos constatar, segundo nos revelam os números acima expostos, que essa ferramenta de solução extrajudicial de conflitos relativos à Saúde Suplementar poderá, com a sua divulgação e consequente utilização pelo consumidor, ter seus efeitos exponenciados.

Para tanto, cabe à ANS, aos órgãos de defesa dos consumidores, aos operadores de direito, bem como aos próprios consumidores, a divulgação, o conhecimento e utilização da NIP que, certamente, acarretará a diminuição da judicialização de demandas desse tipo, bem como propiciará uma defesa mais eficaz aos consumidores, os vulneráveis dessa relação.

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SADDY, A. Intervenção imperativa e seu instrumento característico: a polícia administrativa. BDA (São Paulo), v. 4, p. 448-261, 2011

Nota Técnica Regulatória ANS/DIFIS/ASSNT/COANI, de 31 de julho de 2017. Disponível em

 http://www.ans.gov.br/images/stories/Particitacao_da_sociedade/consultas_publicas/cp65/cp65_nota_tecnica_air_versao_final.pdf Acessada em 11.05.2018.

Autores:

1. Alvimar Virgílio de Almeida

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Membro do Núcleo Especializado de defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Email:  alvimar_almeida@yahoo.com.br

2. Gustavo Palheiro Mendes de Almeida

Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Advogado.

Email:  gustavopalheiro.adv@gmail.com



[1] A seguir denominada simplesmente como NIP

[2] Segundo dados oficiais recentemente apresentados, a NIP garante um índice de resolutividade de aproximadamente 85% (oitenta e cinco por cento) das demandas formuladas pelos consumidores em face das operadoras de planos de saúde. Vide, adiante, o Capítulo 4

[3] A seguir denominada simplesmente como ANS

[4] Vide item 1.b

[5] Vide explanações do capítulo 1, item “a”

[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 30

[7] “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[8] “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (…) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”

[9] Parte da doutrina (Norberto Bobbio e Paulo Bonavides) considera ainda a existência de direitos de 4ª dimensão, decorrente do desenvolvimento tecnológico e científico, bem como, das peculiaridades da sociedade de massa e da globalização política (direito à democracia, à informação e ao pluralismo) e de 5ª dimensão (Paulo Bonavides), que referiria-se exclusivamente ao Direito à Paz, enquanto axioma da democracia participativa ou supremo direito da humanidade. Para Karel Vasak, esses seriam direitos de 3ª geração. (Vide LENZA, 2011)

[10]Por tudo isso, não há dúvida alguma de que a saúde é um direito humano fundamental, aliás fundamentalíssimo, tão fundamental que mesmo em países nos quais não está previsto expressamente na Constituição, chegou a haver um reconhecimento da saúde como um direito fundamental não escrito (implícito), tal como ocorreu na Alemanha e em outros lugares. Na verdade, parece elementar que uma ordem jurídica constitucional que protege o direito à vida e assegura o direito à integridade física e corporal, evidentemente, também protege a saúde, já que onde esta não existe e não é assegurada, resta esvaziada a proteção prevista para a vida e integridade física.” in SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 11, setembro/outubro/novembro, 2007. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 31 de dezembro de 2016

[11] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 78 e ss

[12] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

[13] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[14] SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 408

[15] Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

[16]Nesse sentido: “Implicitamente reconhecendo que o próprio Estado não conseguiria exercer completamente sua função para garantia da assistência pública à saúde, [a CRFB/88] explicitamente admite a assistência à saúde à iniciativa privada, pacificando o mercado de planos e seguros de saúde que havia se desenvolvido nos 30 (trinta) anos anteriores à Carta de 1988” (BELTRÃO, Irapuã Gonçalves de Lima. Fundamentos econômico-sociais e o novo modelo de regulação da assistência privada. Belo Horizonte: Fórum Administrativo, 2010, n. 117, p. 41/51).

[17] A despeito de a aludida lei ter sido o fruto da conversão da Medida Provisória nº 2.012-2/99, interessa ventilar que a Lei nº 9.656/98 foi editada em um contexto bastante tortuoso. Tanto assim que, logo no dia seguinte à sua publicação, foi editada Medida Provisória voltada a alterar sua redação. Isso evidencia a insegurança que pairava na conjuntura de criação da ANS e da regulação do setor de saúde suplementar. Nesse sentido, Angélica Carlini comenta que: “A Lei nº 9.656, de 1998 vive a duplicidade de ser uma lei bastante esperada, e que decepcionou a sociedade civil ao ser substituída por uma medida provisória imediatamente após sua promulgação. (…) A divulgação de uma Medida Provisória para contemplar interesses que não haviam ficado satisfatoriamente debatidos no Congresso Nacional desagradou aos setores envolvidos, porque deixou transparecer o quanto o debate e o estudo ainda eram incipientes para formular uma legislação que pudesse regular com justiça o setor da saúde privada.” (CARLINI, Angélica. A ANS e a efetividade de sua missão: dificuldades, perspectivas, controle eficaz dos fornecedores. In: NOBRE, M. A. B.; SILVA, R. A. D. (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 26).

[18] Vide art. 3º da Lei nº 9.961/00

[19] Vide art. 4º, I da Lei nº 9.961/00

[20]O primeiro rol de procedimentos obrigatórios estabelecido pela ANS foi aquele constante da Resolução de Conselho de Saúde Suplementar – Consu 10/98, atualizado pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC 67/2001 e periodicamente revisto até hoje.

[21] A NIP foi instituída inicialmente pela Resolução Normativa 226 de 2010 da ANS.

[22] As informações aqui constantes não têm a pretensão de esgotar o tema e foram selecionadas para destaque segundo critérios de pertinência temática.

[23] O Superior Tribunal de Justiça (STJ), provocado inúmeras vezes a se pronunciar sobre este tema, cristalizou o entendimento que ficou plasmado na súmula 496, a saber: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde.

[24]Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:    I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo

[25]  Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

[26]Art. 46.  A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.

[27] Desde que não demanda prova pericial complexa, a despeito de eventuais digressões sobre o alcance da expressão “menor complexidade”, constante do caput do art. 3 da Lei 9.099/95

[28]Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

[29] Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:   I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo

[30] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

[31] www.consumidor.gov.br.

[32] Além da NIP, a ANS dispõe de outro mecanismo pré-processual como instrumento fiscalizatório. Seu respaldo normativo encontra-se no art. 4º, II, da RN nº 388/15, quando da menção ao Procedimento Administrativo Preparatório, prévio à fase processual sancionatória. Os arts. 17 a 19, da RN nº 388/15, disciplinam este instrumento, que será utilizado toda vez que a ANS receber uma denúncia contendo (i) indícios suficientes de violação de lei ou ato infralegal; e (ii) que não se enquadre nas hipóteses da NIP. Vale destacar ainda a existência da Representação, cuja disciplina normativa decorre do art. 25 da RN nº 388/2015, que assim dispõe: “Art. 25. Identificados, por qualquer dos órgãos da ANS, indícios suficientes de infração às disposições legais ou infra legais disciplinadoras do mercado de saúde suplementar de sua competência, o órgão técnico competente deverá observar o seguinte rito: I – instaurar o devido processo administrativo com vistas a apurar os indícios de irregularidades e instruir procedimento administrativo com os documentos que julgar pertinentes, observando-se, no que couber, as disposições do Capítulo II desta Resolução; II – conforme seu juízo de conveniência e oportunidade, notificar o infrator quanto aos fatos considerados indícios de infração aos dispositivos legais ou infra legais, concedendo prazo de 10 (dez) dias para manifestação; III – receber a resposta da operadora, se houver, e proceder à análise dos motivos apresentados por esta, manifestando-se fundamentadamente; IV – caso entenda pela insubsistência dos indícios de infração ou pela ocorrência de reparação voluntária e eficaz da conduta, arquivar o procedimento; V – caso entenda pela manutenção dos indícios de infração ou na hipótese de ter considerado não haver conveniência e oportunidade para envio da notificação prevista no inciso II, lavrar a representação e intimar o infrator para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar defesa, observando-se o disposto na seção III do Capítulo IV; VI – receber a resposta da operadora, se houver, e proceder à análise conclusiva sobre a configuração ou não da infração objeto de apuração e remeter o processo à DIFIS para proferir decisão de primeira instância; § 1º. A representação lavrada nos termos do inciso V deste artigo deverá observar o disposto no art. 24 desta Resolução Normativa, no que couber. § 2°. O procedimento administrativo de que trata este artigo poderá ser instaurado para apurar um ou mais indícios de infração, cujo monitoramento, análise ou solicitação sejam de responsabilidade da mesma Diretoria. § 3°. A ANS não instaurará o procedimento previsto neste artigo para apurar indícios de infrações relativas ao não envio ou ao envio irregular à ANS das informações ou dos documentos obrigatórios cometidas por operadoras que tenham tido sua autorização de funcionamento e/ou seu registro cancelados, e promoverá o arquivamento dos procedimentos e processos administrativos de representação envolvendo tais operadoras, quando pendentes de decisão. § 4°. O disposto no §3° deste artigo não se aplica aos processos envolvendo as operadoras que tiveram o cancelamento de sua autorização de funcionamento ou registro em razão de cisão, fusão ou incorporação. § 5°. Identificados indícios de infração às disposições legais ou infra legais disciplinadoras do mercado de saúde suplementar que tenham como referência toda e qualquer restrição de acesso à cobertura assistencial ou, não se relacionando à cobertura assistencial, afetem o beneficiário diretamente pela conduta e a situação seja passível de intermediação, os órgãos da ANS deverão comunicar tais fatos à Diretoria de Fiscalização, para adoção das providências cabíveis, na forma desta Resolução.

[33] São exemplos de questões assistências o descumprimento de prazos máximos para agendamento de consultas, negativas de exames e cirurgia ou de autorização para realização de procedimentos, bem como dificuldades para recebimento de reembolso. São exemplos de queixas de natureza não assistencial a aplicação de reajustes indevidos, a rescisão unilateral de contrato ou o não envio de carteira do plano de saúde. Segundo a Resolução Normativa nº 388/2015, que regulamenta a NIP no âmbito da ANS, a definição de questões assistenciais e não assistenciais, respectivamente são (art. 5º, parágrafo único): I – NIP assistencial: a notificação que terá como referência toda e qualquer restrição de acesso à cobertura assistencial; e II – NIP não assistencial: a notificação que terá como referência outros temas que não a cobertura assistencial, desde que o beneficiário seja diretamente afetado pela conduta e a situação seja passível de intermediação.

[34] “A despeito das dificuldades, a ANS vem se esforçando para realizar uma fiscalização proativa no âmbito da Intervenção Fiscalizatória. Também é importante ressaltar o papel da NIP como mecanismo de mudança de conduta. Contudo, em que pese os avanços da RN 388/2015, a mudança da conduta dos agentes regulados é, agora, o principal foco, ou melhor dizendo, como estruturar um modelo de fiscalização que seja indutor de Boas Práticas Setoriais, com maior retorno a sociedade e maior inteligência regulatória é o desafio.” (Nota Técnica Regulatória ANS/DIFIS/ASSNT/COANI de 31 de julho de 2017)

[35] Para uma melhor visualização do conceito de polícia administrativa, sua finalidade, formas de atuação, propósito e sua forma vide SADDY, A. . Intervenção imperativa e seu instrumento característico: a polícia administrativa. BDA (São Paulo) , v. 4, p. 448-261, 2011.

[36] Em sua origem, as Operadoras que assim desejassem poderiam aderir voluntariamente ao procedimento e, a partir de então, eram informadas, por e-mail, a respeito das reclamações dos usuários.

[37] Vide Resolução Normativa nº 343/2010 da ANS.

[38] Art. 5º O procedimento da Notificação de Intermediação Preliminar – NIP consiste em um instrumento que visa à solução de conflitos entre beneficiários e Operadoras de planos privados de assistência à saúde – operadoras, inclusive as administradoras de benefícios, constituindo-se em uma fase pré-processual.

[39] Art. 10. Recebida a demanda de reclamação pela ANS, a operadora será notificada para que adote as

medidas necessárias para a solução da demanda junto ao beneficiário nos seguintes prazos: I – até 5 (cinco) dias úteis na NIP assistencial; e II – até 10 (dez) dias úteis na NIP não assistencial. § 1º A operadora se considera notificada na data da disponibilização da notificação no espaço próprio do endereço eletrônico da ANS na Internet (www.ans.gov.br). § 2º O prazo para adoção das medidas necessárias para a solução da demanda começará a ser contado a partir do primeiro dia útil seguinte à data da notificação.

[40] O teleatendimento da ouvidoria da agência, v. g., é realizado em dias úteis, de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 20h00, pelo telefone 0800-701-9656. Há também a possibilidade de o consumidor registrar sua reclamação pelo próprio site da ANS: www.ans.gov.br. Vide art. 6º, §2º, RN nº 388/2015.

[41] Vide nota de Rodapé n. 55

[42] art. 10, I, RN nº 388/2015.

[43] art. 10, II, RN nº 388/2015.

[44] art. 11, §1º, RN nº 388/2015.

[45] §2º do art. 11 da RN nº 388/2015.

[46] Vide art. 13 da RN nº 388/2015: “Art. 13. Decorridos os prazos previstos na Subseção III desta Seção I, será efetuada análise fiscalizatória das demandas que se enquadrem nas seguintes hipóteses: I – demandas com retorno do beneficiário informando que a questão não foi solucionada pela operadora; II – demandas não respondidas pela operadora no prazo previsto no art. 11; III – demandas com relato de realização do procedimento no SUS; IV – demandas com relato de determinação judicial para resolução do conflito; V – demandas institucionais, oriundas dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor; VI – demandas que envolvam infração de natureza potencialmente coletiva; e VII – demandas que tenham sido instauradas de ofício pela ANS.”

[47] Vide art. 14, da RN nº 388/2015: “Art. 14. A análise fiscalizatória da demanda se aterá ao relato do beneficiário e à resposta apresentada pela operadora, cuja conclusão, devidamente fundamentada, classificará a demanda em: I – não procedente; II – resolvida através da reparação voluntária e eficaz – RVE; III – não resolvida; IV – beneficiário não pertence à operadora; V – demanda em duplicidade; ou VI – insuficiência de dados mínimos para identificação do beneficiário, da operadora e da infração relatada”.

[48] A RVE está assim regulada no art. 20 da RN nº 388/15: “Art. 20. Considera-se reparação voluntária e eficaz – RVE a adoção pela operadora de medidas necessárias para a solução da demanda, resultando na reparação dos prejuízos ou danos eventualmente causados e no cumprimento útil da obrigação. § 1° Nos casos tratados através do procedimento NIP, a reparação voluntária e eficaz somente será reconhecida caso a operadora adote as medidas previstas no caput deste artigo nos prazos definidos no art. 10 desta Resolução. § 2° Nos demais casos, somente será reconhecida a RVE caso a operadora adote as medidas previstas no caput em data anterior à lavratura do auto de infração ou de representação. (…)”

[49] art. 16, RN nº 388/2015.

[50] O §4º do art. 14 ressalva que, caso seja supervenientemente constatada a insubsistência das razões que determinaram o arquivamento da demanda, esta será reaberta, dando-se prosseguimento ao seu rito.

[51] Art. 21, RN nº 388/2015.

[52] Respectivamente, arts. 31, 33 e 34, RN nº 388/2015.

[53] “Art. 34. Nas demandas decorrentes do procedimento da NIP, caso o interessado adote as providências necessárias à sua solução em até 10 (dez) dias úteis, contados da data do encerramento dos prazos de Reparação Voluntária e Eficaz – RVE previstos no art. 10 desta Resolução, e as comprove inequivocamente, inclusive dando ciência ao beneficiário, fará jus a um desconto percentual de 80% (oitenta por cento) sobre o valor da multa correspondente à infração administrativa apurada no auto de infração lavrado.”

[54] arts. 36 e 37, RN nº 388/2015.

[55] art. 38, RN nº 388/2015.

[56] art. 39 da RN nº 388/2015.

[57] Para efeito didático, o presente estudo não se aprofundará nas demais nuances do procedimento administrativo na sua fase recursal, visto que seu enfoque se limita à fase pré-processual administrativa

[58] art. 45

[59] art. 46

[60] O art. 47 autoriza a Diretoria de Fiscalização (DIFIS), ainda, a deflagrar “quaisquer outras ações fiscalizatórias que se mostrem necessárias, sejam remotas ou in loco, nos casos em que forem constatados quaisquer indícios de anormalidades ou desequilíbrios, bem como em caso de relevante descumprimento das normas legais e regulamentares que regem o setor de saúde suplementar”.

[61] O primeiro Ciclo de Fiscalização vigorou de 15 de fevereiro a 14 de agosto de 2016, sendo os demais ciclos sucessivos

[62]  https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/

[63]  http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/sala-de-situacao

[64] http://www.consumidormoderno.com.br/2018/01/23/sete-anos-numero-planos-saude-329/

Como citar e referenciar este artigo:
ALMEIDA, Alvimar Virgílio de; ALMEIDA, Gustavo Palheiro Mendes de. A Notificação de Intermediação Preliminar da Agência Nacional de Saúde Suplementar: um eficaz e célere instrumento de defesa do consumidor em relação aos planos de saúde. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/a-notificacao-de-intermediacao-preliminar-da-agencia-nacional-de-saude-suplementar-um-eficaz-e-celere-instrumento-de-defesa-do-consumidor-em-relacao-aos-planos-de-saude/ Acesso em: 19 mai. 2025
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