O princípio da força obrigatória dos contratos, o famoso pacta sunt servanda, determinava que uma vez celebrado a avença com a devida observância de todos os pressupostos e requisitos de validade, ele deveria ser executado quaisquer que fossem as circunstâncias.
Lembremos que pelo vetusto Código Civil de 1916, as cláusulas contratuais não poderiam ser alteradas judicialmente, independentemente da vontade das partes.
E, caso houvesse algum motivo que justificasse a intervenção judicial, que era tão-somente permitida excepcionalmente pela lei, tal intervenção era realizada para declarar a nulidade ou a resolução do contrato, mas não para modificar o seu conteúdo.
Atualmente, no entanto, atribuem-se aos contratos, os princípios que outrora eram rechaçados pela visão liberal e individualista que imperava no Código Civil de 1916.
Assim, uma vez superada a concepção estreitamente positivista que inspirou o legislador do início do século XX, o direito contratual efetivamente amalgamou novos princípios orientadores, como por exemplo, o da função social e o da boa-fé objetiva. Desta forma, o império da liberdade individual que tanto repelia a intervenção estatal perdeu definitivamente espaço diante da nova realidade social.
A mudança de paradigmas deveu-se aos extraordinários acontecimentos que revelaram a injustiça implacável da aplicação do princípio da força obrigatória dos contratos em acepção ortodoxa.
As guerras, as crises e várias instabilidades econômicas, a globalização e o aparecimento de conglomerados econômicos, o incremento do comércio e das indústrias vieram a alterar definitivamente o cenário e a dinâmica contratual. A impossibilidade de se prever as mudanças gerou autênticas injustiças diante da manutenção de alguns contratos celebrados, cuja futura execução acarretaria enriquecimento de um em prol da ruína do outro contratante.
Tornava-se evidente a necessidade de revisão ou até de extinção de alguns vínculos contratuais, a fim de se preservar a justiça contratual. A acepção de justiça corretiva na concepção aristotélica pressupunha a igualdade ou pelo menos a justa correspondência das prestações, contrapunha-se, porém, à necessidade de preservação da segurança jurídica.
Se, por um lado, o ideal de justiça impelia o jurista ir à busca pela restauração do sinalagmático caráter do vínculo contratual, por outro lado, a segurança jurídica erigia-se como um calor também merecedor de tutela. Afinal, é igualmente eterna a busca do homem pela segurança jurídica.
Tanto que mesmo admitindo a modificação contratual, o jurista procura amparar-se em critérios objetivos, seguros e precisos.
Apesar de que diante do caso concreto, mesmo tendo que se afastar de certa maneira do valor da segurança jurídica, ainda assim, paradoxalmente, procura o jurista guiar-se por critérios que forneçam certa segurança jurídica.
Embora não se cogitasse ainda na ponderação de valores, o que se desejava, em última análise, era o estabelecimento de critérios objetivos e palpáveis capazes de proceder ao justo sopesamento entre a justiça contratual e a segurança jurídica.
Indubitavelmente ambos os valores são dignos da tutela jurídica, e em inúmeras hipóteses, seria inviável a integral preservação de ambos os valores.
Assim, ante a colisão entre os valores cumpria ao jurista a tarefa de estabelecer critérios para o sopesamento desses valores no caso concreto. Cabia então estabelecer os parâmetros capazes de nortear o intérprete na difícil atividade de decidir, diante de eventuais alterações supervenientes das circunstâncias inicialmente existentes e, à luz das peculiaridades do caso concreto, quando deveria prevalecer a justiça contratual, fundada no sinalagma, ou, ao contrário, quando o valor da justiça deveria ceder espaço à necessidade de manutenção da segurança jurídica.
A doutrina e a jurisprudência estrangeiras retomando a milenar cláusula rebus sic stantibus [1] passaram, por conseguinte, a desenvolver teses e princípios que, sem abandonar a segurança jurídica, fundamentassem a revisão dos contratos em face de superveniente alteração das circunstâncias, visando manter o equilíbrio contratual.
Mesmo no Brasil deu-se o mesmo labor doutrinário e jurisprudencial apesar da resistência marcada pela forte concepção positivista e profundamente liberal, influenciada pelo dogma hipnótico do pacta sunt servanda.
Também o legislador pátrio procurou adequar a legislação à nova realidade social e econômica do mundo contemporâneo e procurou dar soluções mais justas, focadas na preservação do equilíbrio contratual, sem se afastar totalmente, porém, da segurança jurídica.
Assim o legislador do Código Civil de 2002 veio mitigar o extremo rigor da força obrigatória dos contratos, possibilitando em seu art. 317, que o juiz assegure o valor real das prestações, se, em decorrência de motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida no momento da celebração do contrato e aquele do momento de sua execução.
Mesmo assim, já na Lei 8.078/90 em seu art. 6º, inciso V previa dentre os direitos básicos do consumidor, o direito à revisão das cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornassem excessivamente onerosas, de forma a demonstrar a preocupação com a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação nas relações de consumo.
Tornou-se indispensável o esforço doutrinário na fixação de parâmetros para se proceder de forma adequada à revisão dos contratos de consumo. Analisando a revisão do contrato regulado pelo Código Civil e do contrato de consumo revela que o legislador fixou requisitos menos rigorosos.
A doutrina hesita, basicamente, ao apontar qual teoria se filiou do CDC ao prever a revisão contratual, oscilando entre duas teses principais: a da imprevisão e a da base do negócio jurídico. Igualmente a jurisprudência se divide entre essas duas teses, embora tenhamos muitos julgados em matéria de revisão contratual se limitem a restabelecer a equivalência entre as prestações, sem qualquer preocupação com denominação dos institutos.
A doutrina muitas vezes se apresenta confusa diante das definições da cláusula rebus sic stantibus, o que acarreta também confusão no estudo das teorias revisionistas, devendo-se fixar de forma clara o real significado de tão importante cláusula.
A cláusula rebus sic stantibus é adotada em duas acepções, uma de cunho amplo e outra de cunho mais restrito. A primeira a considera como correspondente à manutenção dos contratos e dos atos jurídicos de forma geral no estado em que estavam quando foram firmados.
Nessa acepção lato sensu, não é essencial a existência de onerosidade excessiva, ou da imprevisibilidade de um fato que cause o desequilíbrio, basta o advento que denote uma mudança substancial no estado em que as coisas estavam para se justificar a mudança na execução do ato jurídico.
Tal acepção ampla foi o ponto inicial para o surgimento de várias teorias revisionistas, cada qual desenvolvido com base em argumento próprio.
Dentre essas teorias que sustentam a revisão contratual, podemos citar a teoria da pressuposição de Bernhard Windscheid, a teoria da vontade marginal, de Giuseppe Osti [2] , a teoria da base do negócio desenvolvida por Paul Oertmann e, posteriormente, reestruturada por Karl Larenz, a teoria da vontade eficaz de Kaufmann [3] , a teoria do erro de Archille Giovene [4] , a teoria da situação extracontratual, de A. Brunzin, a teoria do dever de esforço [5] , de R. Hartmann, a teoria do Estado de necessidade [6] de Lehmann e Covielo, a teoria do equilíbrio das prestações, de Giorgi e Lenel e, por fim, a teoria do Fundamento na Moral [7] , desenvolvida por Ripert e Voirin.
Numa acepção restrita, a cláusula rebus sic stantibus é adotada como sinônima de imprevisão; a imprevisão, no entanto, limita a abrangência da incidência da cláusula rebus sic stantibus, na medida em que exige alguns requisitos para que ela possa ser adotada.
Aponta-se como requisitos adotados pelos códigos germânicos: a aplicação da cláusula apenas aos casos em que a alteração do ambiente objetivo existente à época da formação do contrato não houvesse sido ocasionada por mora ou culpa do devedor; a alteração não devia ser fácil de prever, e, por fim, a alteração deveria ser de tal monta que, se o devedor a tivesse previsto, não teria consentido em se obrigar.
A cláusula rebus sic stantibus como sinônimo de imprevisão, considerava-se inserta nos contratos de duração continuada (ou de trato sucessivo) e nos de execução diferida como condição de sua força obrigatória. Para que o contrato conservasse sua eficácia, era subentendido que não deveria ser alterado o estado de fato existente no momento de sua formação.
Admitia-se assim que o contractus que habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur, ou seja, os contratos de trato sucessivo, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas como se acham.
Trata-se de condição resolutiva implícita nos contratos sucessivos que dependiam para sua manutenção, da permanência da situação fática existente no momento da celebração contratual.
Para Fiúza a cláusula rebus sic stantibus não abrigava a alteração das circunstâncias por motivos meramente imprevistos, pois se restringia a motivos imprevisíveis, em sua fórmula medieval (os contratos de execução sucessiva, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas como se acham) não se encontrar o termo “fato imprevisível” explicitado em todas as suas letras, não o torna dispensável.
Seria fazer pouco caso da inteligência dos antigos supor que concebessem ser possível a revisão de um contrato, com base em risco assumido pelas partes, ou por elas necessariamente previsível. Assim, não têm razão aqueles que advogam a tese de que, na antiga doutrina da cláusula rebus sic stantibus, não era pré-requisito a imprevisibilidade do fato posterior, que ensejava o pedido de revisão.
Assim, cumpre ressaltar que a cláusula rebus sic stantibus não fora criada para corrigir os desequilíbrios contratuais causados pela guerra [8] .
Ao revés, o instituto já era velho conhecido desde os estoicos que há muito identificaram que determinadas alterações nas circunstâncias justificaram o não cumprimento da palavra dada.
Positivamente foram os conflitos armados que fizeram ressurgir a discussão em torno da revisão contratual, tendo em vista o cumprimento contratual tal como ajustado levaria à ruína de inúmeras pessoas, com a consequente e inevitável propagação do caos social.
Em todas as épocas, seja de paz ou de guerra manifesta-se a cláusula rebus sic stantibus a subversão das bases econômicas do contrato, que não pode ficar indiferente aos anseios de justiça comutativa, ocorre quando atuam fatores extraordinários.
E, tais fatores não são privativos das condições gerais de instabilidade que a guerra acarreta. Mas, também nos períodos de concórdia dos povos, há o surgimento de fatos imprevistos e invencíveis que podem tornar impossível o cumprimento de cláusulas contratuais.
A guerra quase sempre gera o desequilíbrio econômico e a conturbação política, produzindo ipso facto a instabilidade geral, por isto mesmo, constitui a conjuntura para a teoria desenvolver-se. Já na primeira grande guerra mundial, esta assumiu aspecto particularmente intenso tanto que despertou novo interesse para sua aplicação.
Mesmo em períodos bélicos e de guerra, a revisão contratual em razão de alterações supervenientes sempre contou com ferrenhos opositores, que consideravam atentatória à justiça e à segurança contratual a revisão dos contratos livremente ajustados pela vontade dos contratantes.
O fundamento da cláusula rebus sic stantibus reside na manutenção do equilíbrio do contrato Um contrato comutativo exige por sua vez, que por uma prestação, a outra parte receba algo em troca. O valor dessa contraprestação não precisa ser igual, mas necessita de gozar de equivalência, ainda que a mesma seja apenas subjetiva.
Se algum acontecimento imprevisto, que escapa do risco normal ou assumido pelas partes, ocasiona um desequilíbrio, é necessário restabelecer a equivalência subjetiva, admitida no momento da formação do contrato.
Em prol da adoção da rebus sic stantibus, no direito brasileiro, se posicionou Oliveira: “O estudioso do direito jamais poderá se afastar da lição do Summum Jus summa injuria [9] . Os homens jamais poderiam dar-se ao luxo de profetizar. A cláusula rebus sic stantibus deve ser aplicada no direito brasileiro porque, acima de tudo, ela se fundamenta também nos princípios do Jus Naturale, esse direito superior que, em última análise, seria a própria súmula de tudo aquilo que Deus gravou, de maneira imutável, no coração dos homens…”.
A cláusula rebus sic stantibus fora adotada expressamente nos contratos de locação, na medida em que anui com a rescisão contratual pelo locatário sem o pagamento de multa que seria devida pela rescisão antecipada, se seu empregador o transferir para localidade diversa daquela prevista em contrato (art. 4, da Lei 8.245/91).
A referida cláusula fora também adotada no Código Civil para a prestação de alimentos, que permite a revisão da pensão fixada se, conforme as circunstâncias, quando sobrevier alteração na situação financeira de quem os supre ou de quem os recebe.
A jurisprudência também reconhece a rebus sic stantibus como condição implícita adotada pelo nosso ordenamento. Sendo citado e utilizado para fundamentar inúmeras decisões em que os magistrados foram chamados a enfrentar o problema da alteração superveniente das circunstâncias.
Seria um contrassenso exigir o cumprimento contratual atingido por situações futuras imprevisíveis, já que nosso ordenamento jurídico reconhece como excludente de responsabilidade o caso fortuito e a força maior, os quais produzem efeitos que não foram possíveis de ser evitados ou mesmo impedidos (art.393 do C.C.).
Se o devedor não response pelos prejuízos resultantes do caso fortuito [10] , por que responderá o obrigado contratual premido por circunstância impeditiva da obrigação e para a qual não contribuiu?
Assim nos contratos é defeso o uso de modus contrahendi, por que em contrato análogo, fechar os olhos ou cruzar os braços, e permitir que a lesão de direito se manifeste, quando a cláusula moral [11] implícita jamais fora negada pelos princípios gerais de direito?
Daí nenhuma corte judiciária pátria poder dizer-se infensa à afirmação da teoria revisionista, inspirada o princípio rebus sic stantibus.
Existem diversas decisões proferidas pelo STJ que confirmam a incorporação da cláusula rebus sic stantibus, nas diversas áreas do Direito. Vide REsp 59238/RJ; Recurso Especial 2003/0175122-3, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, T4, DJe 17/08/2009; HC116653/SP, Habeas Corpus 2008/0214136-0, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, T5, DJE 11/05/2009; MS 10734/DF, Mandado de Segurança 2005/0097309-0, Rel. Min. Humberto Martins, S1, DJe 30/03/2010; REsp 8473/RJ, Recurso Especial 1991/0003084-8, Rel. Min. Athos Carneiro, T4, DJ 25/10/1991.
Assim admite-se que determinadas alterações que ocasionam sensível desequilíbrio aos contratos justificam a revisão do acordado, constituindo medida de justiça a modificação contratual se as coisas não permanecerem no estado em que se encontravam no momento da formação do vínculo.
É certo que os estudiosos da cláusula rebus sic stantibus apontem como sua origem as lições de Cícero e de Sêneca, tendo seus primeiros traços dentro da filosofia estoica [12] mitigada.
Cícero foi o grande divulgador dos princípios da ética estoica, sendo um dos filósofos a recomendar que todos devam viver em harmonia com a natureza, o que implica em última análise, que o homem deve viver em harmonia consigo mesmo. E, pautar a vida segundo as prescrições da natureza correspondia a servir ao interesse geral da coletividade, antes que ao seu próprio.
Para Cícero, o termo lex tinha o sentido de princípio, a lei verdadeira era a pura expressão da razão e da justiça. Assim, o estoico previa que existia um único direito que mantém unida a comunidade de todos os homens; este é formando por uma só lei, que é o critério justo que impera o proíbe.
Essa unidade fundamental do direito corresponde à de toda a moralidade que tem sua fonte na consciência ética com que o homem foi dotado pela própria natureza. Sem esta, o homem seria incapaz de discernir não só o que é justo e injusto, senão também o que é honesto ou torpe.
Cícero ao discorrer sobre os deveres humanos e assim descreveu em sua obra De Officiis:
“Apresentam-se-nos, muitas vezes, circunstâncias nas quais as coisas que parecem eminentemente justas, para aqueles que nós chamamos homem honrado, mudam de natureza e tomam um caráter oposto. Assim, em certas ocasiões, será conforme a justiça não restituir o depósito, não cumprir a promessa, desconhecer a verdade e a fé empenhada. A alteração dos tempos e das circunstâncias leva à alteração da verdade. […] Há promessas que por vezes não podem ser mantidas; como também depósitos que não é possível restituir. Um homem, em seu juízo perfeito, vos confiou uma espada; tornou-se louco e vos pede a restituição. Sereis culpados pela devolução; cumprireis vosso dever recusando-a. Sois depositário de uma soma em dinheiro. Aquele que vo-la confiou toma as armas contra a pátria; restituireis esse depósito? Não o creio: importaria isso em agir contra a república, que vos deve ser mais cara do que todo o mundo. Assim, muitas ações que parecem honestas em si, deixam de sê-lo por circunstâncias. Manter sua palavra, satisfazer sua promessa, devolver um depósito, são igualmente coisas que deixam de ser honestas, desde que elas perdem sua utilidade.”.
Também Sêneca em sua obra De Beneficiis discorreu sobre a alteração de circunstâncias para justificar o comportamento contrário ao da palavra inicialmente dada.
Os exemplos dados por Cícero e Sêneca demonstram que exigir o cumprimento das promessas, desconsiderando-se a alteração das circunstâncias, acarretaria grandes injustiças. Desde essa época, foi divulgado o restabelecimento da justiça como fundamento que justificava e legitimava a modificação do pactuado se as condições não permanecessem no estado que se encontravam no momento em que a promessa era feita.
A verdade é que o conceito de justiça sofreu desenvolvimento ao longo dos anos, e em conformidade com a visão que os filósofos tinham do mundo e do próprio homem, considerando-o como integrante de uma sociedade.
Mesmo antes de Cícero e Sêneca, Platão já teria relacionado à justiça ao cumprimento das respectivas funções do homem na polis. Cada um deveria cumprir a função que dele era esperada, respeitando-se a divisão de funções políticas.
Surge aí a justiça identificada como solidariedade. Competia às leis e aos governantes cuidar da justa distribuição dos bens na polis, de forma que ninguém fosse lesado.
A solidariedade foi denominada por Aristóteles justiça proporcional ou distributiva, que parte da desigualdade de fato entre os cidadãos para estabelecer a igualdade de direito: aqueles que fossem menos favorecidos deviam receber mais tanto dos outros cidadãos quanto da coletividade.
A justiça proporcional não se confundia com a justiça corretiva, que deveria existir nos contratos bilaterais de intercâmbio entre particulares ( synallagmata) que pressupunha a igualdade entre os contratantes, e, por conseguinte, implicava a igualdade de valor das coisas ou serviços intercambiados.
Também considerou Aristóteles também outra espécie de justiça: a equidade Que se presta a corrigir a generalidade da norma legal, razão pela qual tem sido considerada como justiça do caso concreto.
Toda lei (nómos), frisou Aristóteles, tem um enunciado necessariamente geral, pois o legislador leva em consideração, tão-só, os casos mais frequentes.
Nesse sentido, a lei se distingue do decreto (psephisma), que atende a situações específicas e concretas. Ao surgir um caso não incluído de modo explícito no texto da lei, é de justiça interpretá-la num sentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma genérica à hipótese em questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que à letra da lei.
Para Santo Tomás de Aquino, a justiça e o direito se interrelacionam, visando o direito ao estabelecimento da justiça de maneira plena. O direito não é a justiça, mas visa á realização da justiça.
No período conhecido como positivismo jurídico, ao contrário da filosofia de Tomás de Aquino [13] , as concepções de direito e justiça foram afastadas.
Para Hans Kelsen discutir a justiça era discutir as normas morais. O jurista deveria se ater apenas ao estudo de normas jurídicas. E, as normas jurídicas eram consideradas válidas ainda que contrariassem os alicerces morais.
Segundo Bittar e Almeida, para Kelsen a validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e injusta).
Superado o positivismo jurídico, vivenciamos hoje, o chamado pós-positivismo, com o retorno de valores ao nosso sistema jurídico. A preferência dada às cláusulas gerais tanto pelo CDC como o Código Civil de 2002 tais como a boa-fé social e a função social, mostra fatalmente a abertura de nosso sistema jurídico que passou a ser permeável aos valores.
Segundo Luís Roberto Barroso em seu artigo intitulado “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro” os princípios constitucionais passam a ser, no pós-positivismo, a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico, espelhando a ideologia da sociedade, seus postulados básicos e seus fins.
Assim a Constituição vigente passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, sendo permeável aos valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham papel principal.
A evolução da rebus sic stantibus seguiu a interpretação que fora conferida à própria justiça e, o tratamento dada a esta em cada peculiar momento histórico.
Assim, surgida com os filósofos, fora acolhida nos século XII e XIII e, afirmou-se nos séculos XIV e XVI, quando enfim atingiu seu apogeu, o que perdurou até fins do século XVII. A partir do século XVIII entrou em franco declínio.
Com a deflagração das duas grandes guerras mundiais, foi a cláusula rebus sic stantibus novamente invocada a fim de mitigar a rigidez inflexível das normas, cuja aplicação produziria enorme injustiça.
E, mesmo atualmente com suas novas denominações (como onerosidade excessiva, imprevisão ou equilíbrio da base negocial), continua viva, sendo ainda invocada sempre que as alterações das circunstâncias causem alteração substancial do ajustado, modificando cruelmente o equilíbrio das relações existentes no momento da formação do vínculo obrigacional.
Como cláusula rebus sic stantibus firmou-se como regra moral dentro dos princípios do jus naturale, e por isso mesmo, identificou-se como um corolário decorrente da própria natureza humana a esta intrínseca.
Mesmo a moderna teoria da imprevisão decorreria da própria equidade e da própria justiça, pois o magistrado, na sua árdua função de realizar o direito, posto em contato direto com o caso prático, pelo inato e irresistível desejo de evitar a iniquidade, não se pode fugir a natural tendência de humanizar a lei.
Assim conclui-se que prevaleceu o ideal de justiça dos estoicos, e ainda os valores interrelacionavam-se com o sistema jurídico, foi a cláusula rebus sic stantibus que finalmente abraçou a manutenção do equilíbrio nas relações obrigacionais.
Nos períodos em que o direito se afastou da moral e a autonomia da vontade e as leis prevaleceram mesmo sobre os valores, a preocupação com a justiça fora relegado ao um segundo plano, e a cláusula rebus sic stantibus fora afastada por ter sido considerada como atentatória à segurança jurídica.
De qualquer modo rebus sic stantibus pode ser apontada como a origem comum de todas as teorias revisionistas do contrato. A sua adoção bem como de qualquer tese revisionista, sempre foi, cercada de grande polêmica.
Assim a rebus sic stantibus é a base para a revisão e deve ser incorporada por interessar a toda sociedade a manutenção do saudável equilíbrio contratual.
Todas as situações correlatas são cobertas por rebus sic stantibus e conta em seu favor com o beneplácito de Aguiar Dias [14] , notável doutrinador ao escrever que “posta na fábula para que mais penetrasse nos espíritos a parábola do homem que matou a galinha dos ovos de ouro, nem assim se convencem os romanistas ferrenhos de que não é útil, mas pernicioso à coletividade, impor o cumprimento contratual que arruíne o devedor.”.
Recorda Moraes que o jusnaturalismo entendia que era possível, no direito, a construção de um sistema completo, perfeito e, em conformidade com a natureza humana e que ainda servisse para todos os lugares e épocas.
Porém, a pretensão jusracionalista demonstrou-se falaciosa, e as teorias surgidas foram moldadas diferentemente, conforme o pensamento dos juristas de cada país e atendendo às necessidades e situações econômicas vividas em cada época.
Sem desmerecer o labor da doutrina na construção das diretrizes que favorecessem a solução justa para os contratantes que fossem surpreendidos por posterior alteração das circunstâncias, antecipa-se a concluir que as teorias não dispensaram a ciosa análise do caso concreto e nem conseguiram limar a necessidade de trabalhar com cláusulas abertas e conceitos indeterminados, tais como é a boa-fé objetiva e a equidade e mesmo a base do negócio jurídico.
Conveniente frisar que as teorias revisionistas foram desenvolvidas para dar solução aos problemas decorrentes de alterações supervenientes, razão pela qual não contemplam a lesão e os contratos abusivos ou leoninos.
Na lesão, a desproporção das prestações é analisada segundo o tempo que fora celebrado o negócio jurídico, ao passo que nos contratos leoninos ou firmados em abuso de direito, são celebrados já contendo o vício. O contrato leonino [15] já traz avilta na sua origem, no ato de conclusão do ajuste.
Logo escapando à tese revisionista que é restrita às perturbações sobrevenientes, ou manifestada durante a execução obrigacional e que, modificando o valor respectivo das prestações prometidas, destroem o equilíbrio que as partes concordaram em selar.
As teorias revisionistas dividiram a doutrina em dois grandes grupos: a favor e contra a revisão contratual em decorrência de alterações supervenientes. Cada grupo com seu fundamento, as teorias foram desenvolvidas ora a permitir a intervenção no pactuado, ora a impedir qualquer intervenção sob o fundamento de que a intervenção afrontaria a segurança jurídica.
Ao analisarmos a postura dos defensores da revisão contratual e dos opositores, questiona-se se o homem que criou o pacta sunt servanda não é o mesmo homem que desenvolveu a teoria da imprevisão. E, é este mesmo quem esclarece o porquê de posicionamentos tão diametralmente divergentes.
Quando se adotou o pacta sunt servanda tido como norma obrigatória dos contratos tinha a certeza da estabilidade dos negócios e da moeda, onde o não cumprimento literal das avenças era questão de imoralidade, punível com sanções previstas no próprio acordo, além daquela mais grave e eficiente que é a perda do crédito na praça.
Por outro lado, o defensor da teoria da imprevisão enxerga além, desejoso que está que não haja a injustiça na relação credor-devedor pela simples satisfação de uma tradição, nos dias de hoje, injustificável.
E, até uma questão lógica, pois se agora há instabilidade dos negócios e das moedas, como consequência de um mundo dinâmico, cibernético e em ebulição social intensa, não há que se cogitar em servidão ao um acordo, em cumprimento estático e imutável, mas num cumprimento das obrigações adaptável e adequado às novas situações.
Os resistentes à revisão partem do pressuposto de que todo contrato traz um risco, que é assumido pelos contratantes. E a permitir a revisão traria enormes transtornos, posto que se teriam contratos cujo cumprimento poderia deixar de ser exigido.
Alegam que a revisão judicial dos contratos empresariais pode trazer instabilidade jurídica, insegurança ao ambiente econômico, acarretando maiores custos de transação para as partes negociarem e fazerem cumprir o pacto.
Ademais, aqueles casos de revisão contratual demonstram que, muitas vezes, o risco ou mesmo o prejuízo da interferência é distribuído entre a coletividade, que acaba por pagar pelo inadimplente judicialmente protegido.
Outro argumento contrário é que ao proceder à revisão contratual, o juiz extrapolaria aos limites do contrato, pois, se as partes livremente se obrigaram, o Estado não poderia alterar as cláusulas para criar um novo conteúdo, em razão de não terem sido previstas determinadas situações.
Para Ripert contratar é prever, e para o doutrinador, por ser o contrato um empreendimento sobre o futuro, garante o credor contra as circunstâncias que se oporiam à sua satisfação. As partes estipulam livremente as condições para terem a segurança de que o contrato será cumprido da forma ajustada, prevenindo-se de oscilações posteriores do mercado.
Ainda segundo Ripert, admitir a revisão dos contratos, todas as vezes que se apresente uma situação que não fora prevista pelas partes, seria tirar ao contrato a sua própria utilidade que consiste em garantir ao credor contra o imprevisto.
De qualquer forma deve-se combater o sentimentalismo que enxerga sempre no devedor um pobre infortunado e no credor um ganancioso sem escrúpulos.
E, aduz que admitir, como regra a revisão contratual, pela superveniência imprevista, simplesmente pelo fato de acarretar para o devedor uma onerosidade não esperada, seria, em verdade, privar o contrato de sua utilidade mesmo, que consiste em garantir o credor contra o imprevisto.
Os defensores da revisão consideram em linhas gerais que a equivalência das prestações é da essência do contrato bilateral. As partes não contratam para gerir sua própria ruína e analisam as circunstâncias no momento da formação do vínculo. Se fatores supervenientes ocasionam um excessivo desequilíbrio na relação instituída, é necessária a adequação das cláusulas para que o contrato cumpra sua finalidade.
A justiça é o princípio que deve nortear todas as ações humanas. E, Caio Mário adverte que nem sempre as partes são iguais no plano civil e econômico, e aquela que se encontra em posição superior em algumas situações tira proveito da desigualdade, sacrificando o patrimônio da outra.
No fundo de todas as doutrinas revisionistas há sempre o desejo do restabelecimento ou da continuidade do equilíbrio que as circunstâncias fortuitas, anormais ou excessivamente onerosas, pudessem estabelecer, nos contratos de longa execução, entre as situações de seu início e as de seu término.
O que se procura evitar é o ganho injustificado de um, sem contudo, cair-se no extremo oposto de se dar a outrem mais do que aquilo a que teria direito ou do que foi razoavelmente desejado por ocasião da conclusão do contrato.
Com foco no anseio de justiça ou mais precisamente da regra de conduta moral, Caio Mário chegou à conclusão de que o negócio pode ser juridicamente perfeito, mas será moralmente repugnante.
Igualmente Pontes de Miranda ressalvou que determinadas situações justificavam a mitigação do rigor da força obrigatória dos contratos, conforme se transcreve in litteris:
“O princípio de adimplir-se o que se prometeu exige que não se levem em conta os sacrifícios dos devedores. Deve, pague. Mas esse absolutismo levaria a soluções que destoam dos propósitos de adaptação social, que tem todo sistema jurídico”.
Portanto, o princípio da força obrigatória não deve prevalecer os ideais de justiça se, diante de eventos futuros e incertos, houver a alteração das circunstâncias sob as quais as partes basearam a negociação, criando a instabilidade e a desproporção.
Evidentemente que sabido é que as relações jurídicas são dinâmicas sendo impossível prever todas as alterações que possam surgir no futuro. Se essas alterações acarretarem instabilidade nos negócios e a quebra da relação de equivalência subjetiva admitida inicialmente pelas partes, é contrário à justiça exigir o cumprimento da obrigação sem adequar o contrato às novas situações.
A teoria da imprevisão é por muitos doutrinadores tratada como sinônimo de revisão. Onde se considera o aspecto de imprevisibilidade para fundamentar ou rechaçar a revisão.
A imprevisibilidade é fator tão relevante que Fiúza chega a considerar que a teoria da imprevisão como gênero, do qual teriam surgido várias espécies de teses, dentre estas, a teoria da base do negócio jurídico.
A verdade é que nenhum dos autores apresenta resposta segura a respeito da correta localização e contornos das teorias da imprevisão. Ora se cogita em teoria da imprevisão como doutrina autônoma, ora se refere a esta como gênero, ao qual pertenceriam várias outras doutrinas, tais como a da condição implícita, a da base negocial objetiva entre outras.
Para Fiúza parece ser mais correta a segunda posição que toma a teoria da imprevisão como gênero, sendo espécies suas as demais teses, inclusive a própria doutrina da cláusula rebus sic stantibus. Isto porque, analisando detidamente cada uma das teorias revisionistas, não se lhes pode negar, quando nada, um quê de imprevisibilidade que todas supõem como fundamento para revisão contratual.
O verdadeiro ponto comum de todas as teses revisionistas é de fato a cláusula rebus sic stantibus. E, discorda-se que a teoria da base do negócio jurídico entre outras, sejam espécies da qual a teoria da imprevisão seria gênero, pois cada tese traz contornos próprios e bem definidos.
Ademais, na mesma época em que foi elaborada a teoria da imprevisão na França, fora desenvolvida a teoria da onerosidade excessiva, na Itália, e a teoria da base do negócio jurídico, na Alemanha.
Contudo, as três teorias acima relacionadas consideraram a imprevisão, em maior ou menor grau, cada um destas estabelecendo requisitos mais ou menos rígidos, visando estabelecer diretrizes para orientar os tribunais, quando acionados para julgar demandas em que as circunstâncias do contrato tivessem se sujeitado as alterações ocasionadas por acontecimentos supervenientes.
O desenvolvimento da teoria da imprevisão conforme se vê em dois julgados em que a alteração das circunstâncias por fato superveniente e imprevisível ensejou posicionamentos divergentes pela Corte francesa.
Em 1876, o caso que ficou notabilizado como Canal de Crappone, a Corte de Cassação Francesa reformou o julgado de primeira instância, que havia admitido a revisão dos valores da prestação devidos pelos beneficiários do canal em contratos celebrados em 1560 e 1567.
Apesar da defasagem dos valores ajustados, a Corte entendeu que não competia aos tribunais considerar o tempo e as circunstâncias para modificar as convenções e substituir as cláusulas livremente aceitas pelos contratantes, por mais equitativa que parecesse a decisão.
Já no caso de arrendamento de gado, julgado em 1921, a Corte de Cassação Francesa manteve a sentença que considerou a alta no valor do gado durante a Primeira Grande Guerra Mundial, permitindo que o fazendeiro restituísse ao final do empréstimo, um número inferior ao que havia recebido de cabeças de gado.
A despeito da retromencionada decisão e da edição da Lei Failliot que reconheceu os males que a manutenção dos contratos em termos absolutos poderia causar à sociedade, atingida pela alteração repentina do cenário econômico, notadamente em razão das guerras, essa mudança de orientação a favor da revisão dos contratos ocorreu de forma muito tímida na França, e foi admitida apenas em casos excepcionalíssimos.
A Lei Failliot, de 21 de maio de 1918 fora uma lei emergencial que consagrou o princípio da revisão dos contratos mercantis estipulados antes de 1º de agosto de 1914, cuja execução se prolongasse no tempo.
Os contratos poderiam ser revistos se, em virtude da guerra, o cumprimento das obrigações por qualquer dos contratantes causasse prejuízo que excedesse em muito a previsão que razoavelmente pudesse ser feita, ao tempo de sua celebração.
Essa lei fora um decisivo marco histórico na evolução do pensamento jurídico, principalmente porque enfraqueceu positivamente o princípio da força obrigatória dos contratos. Confira-se parte desse importante diploma traduzido por Sidou, que comprova a transitoriedade e a excepcionalidade da sua aplicação na revisão contratual.
Art. 1º: Durante a duração da guerra e até sua expiração, por um prazo de três meses a partir da cessão das hostilidades, os dispositivos excepcionais desta lei são aplicáveis nos negócios e nos contratos de caráter comercial às partes ou a uma delas somente, concluídos antes de 1º de agosto de 1914, e que consistam, seja na entrega de mercadorias ou gêneros, seja em outras prestações, sucessivas ou apenas adiadas.
Art. 2º: Independentemente de causas resolutórias de direito civil ou de convenções particulares, os negócios e contratos mencionados no artigo anterior podem ser rescindidos a pedido de qualquer das partes, se provado que por motivo do estado de guerra a execução das obrigações de um dos contratantes envolve encargos que lhe causam prejuízos cuja importância ultrapassa de muito as previsões razoavelmente feitas à época do ajuste.
“A rescisão será pronunciada, segundo as circunstâncias, com ou sem indenizações”. “O juiz, quando estabelecer indenizações por perdas e danos, deverá reduzir seu montante se constatar que, em virtude do estado de guerra, o prejuízo ultrapassou demasiadamente aquele que os contratantes puderam prever”.
“Se, conforme as condições e os usos do comércio, a compra foi feita por conta e risco do vendedor, e as mercadorias não foram entregues, o montante da indenização deve ser reduzido na forma da terceira alínea acima”.
“O juiz poderá também, a pedido de uma das partes, determinar a execução do contrato durante um período que determinar”.
“Art. 3º: Nenhuma ação será ajuizada pelos tribunais civis e comerciais se o demandado não for previamente chamado para efeito de conciliação, ante o presidente do tribunal”. […].
A França destacou-se como infensa à teoria revisionista, numa coerência doutrinária reforçada por Pothier [16] e Domat, no final do século XVIII. Portanto, na Idade Moderna, em que a cláusula rebus sic stantibus merecia plena acolhida por outros povos, e pelos direitos canônico e internacional.
A moral salientou Ripert manda que não se maneje o contrato como uma ação social em que o juiz tenha o direito de tirar tal ou qual consequência. A cláusula adjunta apareceu em direito civil e expôs a um perigo para a ordem estável, e o Código não fez a menor menção à teoria da superveniência.
Daí a garantia plena de execução nos contratos franceses, embora do cumprimento obrigacional possa resultar a ruína do contratante. Só o fortuito é causa exoneratória do dever de prestação. Nenhum dos contratantes pode escudar-se na imprevisão ao ajustar ou em fato supervindo ao ajuste, para evitar a prestação voluntariamente assumida. É a lição de René David.
É relevante ressaltar que a França é o berço do Direito Administrativo e da Teoria da Imprevisão. Lembre-se que a teoria da imprevisão foi admitida na França no Direito Administrativo, ramo em que o motivo é o elemento integrante do ato jurídico, ao passo que, no Direito Civil, a imprevisão não foi admitida, salvo em leis excepcionais e transitórias, posto que perquirir os motivos no âmbito civil era considerado contrário à segurança jurídica.
A postura divergente adotada pela França, se comparada com a dos juristas alemães, fez com que os doutrinadores das teorias revisionistas chegassem a justificar que a revisão de forma mais efetiva pelos tribunais alemães deveu-se às repercussões mais catastróficas sentidas pela guerra.
Todavia, tal fundamento deve ser rechaçado, tendo em vista que, mesmo em proporções menores, a França também sofrera os efeitos arrasadores da guerra.
A diferença do posicionamento doutrinário de Alemanha e da França deve-se primordialmente à filosofia reinante em cada país. A Alemanha buscou justificar a revisão contratual com fulcro no 242º § do Código Civil Alemão (BGB), ao passo que a França editou a Lei Failliot e normas específicas posteriores a Primeira Grande Guerra Mundial, que abrangeram número restrito de casos, limitados por determinado período de tempo, de forma a deixar evidente a postura conservadora e a primazia do respeito ao pacta sunt servanda.
A França é conhecida por sua aversão à intervenção judicial na revisão contratual em decorrência de modificações das circunstâncias, confirmada pela famosa frase proferida por Pothier: “Deus nos livre da equidade dos parlamentos”.
Pablo Stolze em seu artigo intitulado “Algumas considerações sobre a teoria da imprevisão” esclarece com clareza solar que, em 1915, foi editado na Itália um decreto que equiparava à força maior a circunstância que tornasse excessivamente onerosa a obrigação assumida antes da mobilização geral ocasionada pela guerra.
Ressalta que esse decreto é anterior à Lei Failliot e demonstra a preocupação dos italianos em corrigir os desequilíbrios causados aos contratos em decorrência da guerra.
Foi, contudo, apenas em 1942 que o Código Civil italiano passou a adotar expressamente, a onerosidade excessiva como causa de resolução dos contratos. E serviu de inspiração para nosso vigente Código Civil conforme se desprende da leitura dos artigos 478 [17] e 479.
A jurisprudência brasileira reconheceu a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão para abrandar a força obrigatória dos contratos, mesmo na vigência do Código Civil de 1916. O posicionamento dos tribunais, quando favorável à revisão contratual, sempre destacou o caráter excepcional dessa com base na teoria da imprevisão, que apenas deveria ser usada em casos de extremada gravidade.
Mesmo na época das piores inflações monetárias que tanto assolaram o país, houve posicionamento jurisprudencial, inclusive do STF, no sentido de que, em um país que convive com inflações crônicas, as oscilações da moeda não ensejaram a aplicação da revisão, por faltar o elemento surpresa.
Já, em sentido oposto, manifestou-se Klang que alegou: “é evidente que num país de surtos inflacionários imprevisíveis, onde em março de 1986 houve deflação e apenas um ano após a inflação se tomara galopante, apesar da incidência de índices de escala móvel, sempre haverá a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão remédio eficaz em prol da autenticidade e integridade da base negocial das partes”.
Houve jurisprudência do TJSP que apontou que os males provenientes do quadro econômico-financeiro do país não se mostram como fenômeno novo e imprevisível apto a romper o equilíbrio entre as partes contratantes. E, nesse mesmo sentido, temos TAMG, Ap. 30829 de 19.12.1986, DJMOG 9.12.87; TJRJ Ap. 2936/89, rel. Des. Carlos Alberto Menezes, 20.12.89, RT 664/127 (Ap. 80235-1, 18.02.87, RT 619/87).
Corroborando o mesmo entendimento, veio o STF pronunciar-se: “O fenômeno inflacionário já era uma infeliz realidade” (para os contratantes), não podendo dizer-se, portanto, ter ele surpreendido o vendedor. (STF, RE 80575-3-RJ, rel. Min. Neri da Silveira, 20.09.83, RT 593/252).
Fiúza delimita que, para a revisão dos contratos com base nas teorias da imprevisão é necessária à conjugação das seguintes condições:
1º) O contrato deve ser de execução futura, ou seja, deve ser daqueles que se celebrem no presente para se executarem no futuro. É o caso da compra e venda a prazo.
2º) Deve ocorrer alteração das condições ambientes, principalmente das econômicas, no momento da execução do contrato.
3º) Tal alteração deve ser imprevisível. A imprevisibilidade poderá ser mais ou menos radical, segundo a tese que se abrace. Basicamente, pode-se dizer haver dois tipos de imprevisão, a relativa e a absoluta. A imprevisão será absoluta quando o fato for imprevisível para qualquer pessoa medianamente dotada.
Exemplo seria o “Plano Collor”, que, de uma só tacada repentina, bloqueou os recursos bancários de toda a população. Já a imprevisibilidade relativa é aquela aferível no caso concreto, dadas as circunstâncias que envolvem o contrato e as próprias partes. Exemplo seria a variação cambial. Duas pessoas podem celebrar um contrato, contando que esta variação seja pequena. Baseiam-se, para tanto, em fatos objetivos, como o sucesso de um plano de estabilidade econômica. De repente, o câmbio sofre variação extremada, sem nenhum aviso prévio e de uma hora para outra. Este fato pode não ser imprevisível de modo absoluto, mas relativamente àquele contrato, celebrado por aquelas partes, naquele momento e naquelas circunstâncias, o fato foi imprevisível.
4º) A adversidade deve acarretar onerosidade para uma das partes. Também a onerosidade pode ser mais ou menos excessiva, dependendo da teoria. O que é excessivo para alguém pode não ser para outra pessoa. Esse elemento deve ser analisado com cuidado, uma vez que é sempre muito relativo.
5º) Finalmente, o contrato deve ser pré-estimado, ou seja, a prestação de cada uma das partes deve ser previamente conhecida. Tal não ocorre, por exemplo, no contra to de seguro, em que a prestação do segurador é totalmente incerta.
Em verdade, esses requisitos diversos nada mais seriam do que especificações ou desenvolvimentos dos já indicados, isto é, o contrato ser de execução diferida, continuada ou periódica, a imprevisão, a desigualdade grave, a ausência de culpa por parte do devedor.
E, as exigências que não se encaixem em alguma destas, por tratarem de realidades diversas, parecem exageradas e terminam por restringir excessivamente o campo de aplicação da teoria da imprevisão.
Além dos requisitos discriminados as decisões judiciais acrescentam a ausência de culpa do devedor para a aplicação da teoria da imprevisão. Cumpre sublinhar, ainda, que existem dois recentes acórdãos onde a revisão contratual fora rejeitada por faltar o requisito imprevisibilidade, confirmando o posicionamento do STJ, no sentido de que a alteração das circunstâncias apenas em casos excepcionais autoriza a modificação das cláusulas contratuais pelo Judiciário (Vide AgRg no REsp1016988/GO, Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0302859-3, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 29/06/2010.).
Ressalte-se, que o fortuito não se confunde com a imprevisão. A imprevisão não impede a prestação da obrigação apesar de poder acarretar a ruína patrimonial do devedor. O fortuito, por sua vez, inviabiliza totalmente o cumprimento obrigacional.
São os ensinamentos doutrinários esclarecedores que demonstram que o fortuito implica na impossibilidade absoluta conforme expôs Bonnecase; ao passo que a imprevisão, só gera a impossibilidade relativa. Na imprevisão, encara-se o animus das partes ao momento da conclusão do ato jurídico (circunstância subjetiva).
O fortuito tem latitude ampla e abrange todo o direito das obrigações, assim as que nascem do contrato como delito, do quase-contrato, e do quase-delito; a imprevisão tem esfera restrita aos contratos e pactos.
Finalmente o fortuito justifica a inexecução total da responsabilidade enquanto que a imprevisão justifica e legitima somente um atenuamento da obrigação.
A imprevisão não é força maior, preleciona Abgar Soriano, desta se aproxima pelo caráter da imprevisibilidade, que é apenas um traço comum de ligação.
Sublinhe-se, ainda, que a teoria da imprevisão não soluciona o busilis dos casos em que é inalcançável a finalidade objetiva do contrato, e nos quais, por conseguinte, o que ocorre é que as prestações perdem o sentido, embora se mantenha equilíbrio econômico entre elas. Essa questão fora contemplado na teoria da base do negócio jurídico, de Larenz.
A teoria da pressuposição de Windscheid
Discrepando da linha doutrinária francesa sobre a imprevisão, o alemão Bernhard Windscheid criou a teoria chamada de pressuposição que estabeleceu requisitos mais flexíveis para a revisão contratual. De acordo com tal tese, as partes, ao contratarem, o fazem na pressuposição de que as condições existentes no momento da formação do contrato serão mantidas.
A pressuposição deve ser compreendida como uma condição não desenvolvida. E tem por enfoque aspectos subjetivos que levaram as partes a contratar. Trata-se de inegável valorização e proteção a real vontade das partes.
Para Windscheid, se as circunstâncias pressupostas no momento da contratação, por algum motivo, sofrerem alteração ou não se concretizarem, isso justificaria a revisão do contrato, sob pena de se obrigar a parte cuja pressuposição não foi realizada a cumprir um contrato em desconformidade com a sua vontade.
Atualmente é mais fácil visualizar a revisão do contrato com base na pressuposição, expressa ou, até mesmo, tacitamente manifestada, traz grande insegurança para as relações jurídicas. Imagine-se a execução de um contrato onde uma das partes pretenda escusar-se de pagamento das prestações às quais se obrigou, em razão da não concretização da condição que idealizou e que sequer chegou a ser manifestada? Quais meios de prova teria o outro contratante para exigir o cumprimento obrigacional e refutar o argumento de que a pressuposição não se concretizou, ou que não havia sido feita tal pressuposição?
Portanto, concluímos que a referida pressuposição acarretaria a chamada prova diabólica, na medida em que um contratante tivesse que demonstrar que a alegada representação mental da outra parte em verdade não existiu.
Em face da regra processual do art. 333 do CPC que determina expressamente que o ônus da prova incumbe ao autor, em relação aos fatos constitutivos do seu direito, e ao réu, em relação aos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.
O réu em ação de revisão contratual ante a não concretização de uma pressuposição tácita do autor, teria o ônus de comprovar que determinada circunstância não estava no pensamento do autor.
Sobre a dificuldade de se apurar a representação mental não manifesta relatou Pontes de Miranda que a crítica de Otto Lenel fora decisiva, pois aceitar, em sua generalidade, a tese da pressuposição seria abrir demasiadamente as portas ao que está na mente do outro contratante, ou que não está nítido na mente dos dois, para se atender a alguns casos que não justificariam quebrarem-se as linhas retas dos princípios.
Esta doutrina se funda na hipótese de quem faz um contrato parte do pressuposto de que tudo ocorrerá normalmente e se, por acaso, isto não ocorrer a parte contrária não terá culpa, ela se desobriga.
[…] quem manifesta sua vontade sob certa pressuposição, quer, à semelhança de quem emite uma declaração de vontade condicionada, que o efeito jurídico pretendido só venha a existir se ocorrer certo estado de relações, mas não vai até ao ponto de fazer depender dele a sua existência. A consequência é que o efeito querido subsiste e perdura ainda que falte o pressuposto, mas, então, sem corresponder ao verdadeiro e próprio querer do autor da declaração de vontade. […]
Inclinando a pressuposição, isto é, frustrada que seja essa o efeito jurídico, não mais corresponde ao querer inicial do autor da declaração de vontade.
Não há correspondência entre o que quis, quando da celebração do contrato e o que terá de cumprir, na sua fase de conclusão. E, por isto mesmo, justifica a revisão do contrato.
As duras críticas contra a pressuposição dirigiram-se aos dois principais pontos que eram falhos na tese. O primeiro ponto refere-se ao fato de que a teoria não logrou êxito em distinguir causa dos motivos. As razões subjetivas que levaram a parte a contratar não tem relevância para o direito.
O segundo ponto diz respeito à possibilidade de extinção do contrato de forma unilateral, o que não satisfaz, posto que a quebra do sinalagma, sem qual o contrato deixa de ter sentido e utilidade.
Consta que Windscheid defendeu sua tese até o final de seus dias, apesar dos inúmeros opositores ressaltando as falhas e as consequências indesejáveis que poderiam advir da adoção de sua teoria.
Convencido da relevância de seu labor doutrinário afirmou: “É minha convicção firme de que a pressuposição, tacitamente expressa, far-se-á sempre valer de novo, faça-se o que se fizer contra ela. Expulsa pela porta, ela volta pela janela”.
Aliás, Pontes de Miranda mencionou que a teoria da pressuposição se reduz à da cláusula rebus sic stantibus ou se trata de afirmação de existir uma condição tácita ou implícita, ou desatende a que, nos negócios jurídicos bilaterais, pode levar a se atender ao que só um dos figurantes pressupôs. É compreensível que logo se houvesse exprobado à teoria da pressuposição o permitir unilateralidade de querer, ou de pressuposição, em negócios jurídicos bilaterais.
Apesar de com nova roupagem, a pressuposição manteve-se vive nas teses de Oertmann e Larenz, ao desenvolverem a denominada base subjetiva do negócio jurídico.
Em nosso ordenamento notadamente no Anteprojeto do Código Civil de 1916 e de 2002 surgiram inúmeros questionamentos acerca da relevância da causa, dos motivos e da vontade contratual como integrantes ou não do negócio jurídico e da conceituação de cada um desses elementos.
São requisitos de validade do negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
Nem o legislador do Código Civil vigente fez menção à causa, à vontade ou aos motivos como requisitos de validade dos negócios jurídicos. Afinal, então seriam irrelevantes?
Para o Direito Administrativo, além do objeto, da forma e do agente capaz que são típicos requisitos do ato jurídico, acrescentam-se mais dois elementos: motivo e finalidade.
No Direito Administrativo, a discussão paira em torno da motivação, se esta é ou não obrigatória. E, nesse sentido Carvalho Filho esclarece que quanto ao motivo, este é realmente obrigatório. Sem este, o ato é írrito e nulo. Inconcebível é aceitar-se o ato administrativo sem que se tenha delineado determinada situação de fato.
No direito civil, os motivos que levaram os contratantes a realizar determinada avença são, de per si, relevantes, ou diversamente, se tornam relevantes apenas quando são considerados como condição do negócio? As motivações psicológicas influenciam no contrato? A vontade é elemento do negócio jurídico?
É sabido que a intenção das partes corresponde aos motivos e que em regra não integram o negócio jurídico. Fiuza conceitua motivo como a razão intencional determinante do contrato.
Os motivos por serem elementos subjetivos, sendo cálculos, planos, conjecturas, probabilidades, que não se manifestam socialmente de forma visível, não são, de regra, valorizados pelo ordenamento jurídico.
E, segundo o art. 140 do C.C. o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. Se, porém, o motivo é de ordem psicológica e só vicia a declaração de vontade se expresso como razão determinante, por que o legislador determina que seja nulo o negócio jurídico se o motivo determinante for ilícito?
O fundamento reside na limitação da autonomia da vontade e no interesse social e de ordem pública. O que possibilita se anular os negócios jurídicos que tiveram motivação imoral.
Há quem critique a estrutura do Código Civil brasileiro ao determinar a nulidade do negócio jurídico em razão da ilicitude dos motivos determinantes. Se o motivo em regra não integra o negócio jurídico passar a fazer parte dele porque as partes assim o quiseram, ele passa a integrar o próprio objeto, e a nulidade em decorrência da ilicitude já está prevista no inciso II do art. 166, o que faz do inciso III uma redundância.
Por outro lado, se o objeto é lícito, mas a motivação é ilícita, não existe fundamento legal para eivar o negócio jurídico de nulidade.
Não há como confundir os motivos determinantes com o objeto do negócio. O objeto do negócio é o seu conteúdo. E faz parte do próprio negócio, é um dos seus elementos constitutivos. Os motivos, pelo contrário, estão no agente e, portanto, ficam na pessoa e fora do negócio.
É claro, por outro lado, que os motivos poderão ser transpostos do agente para o próprio conteúdo do negócio e, então, naturalmente, passarão a fazer parte deste; nesse caso, se forem ilícitos, a ilicitude estará também no próprio objeto, e nesse caso, há a regra específica da nulidade do negócio com objeto ilícito, não há mais necessidade de qualquer referência à causa ilícita.
O problema da causa ilícita limita-se, portanto, exclusivamente àqueles negócios, cuja motivação é ilícita e cujo objeto é lícito; ora, nesses casos, ainda que toda a jurisprudência e doutrina se decidam pela nulidade do negócio, não há base legal para tanto.
Sugeriu a doutrina que para superar o problema da causa ilícita, o ideal seria então a inclusão de uma regra, a exemplo do Código Civil Alemão, que previsse uma disposição para o negócio contrário à lei e aos bons costumes, pois ele entende ser necessário que a motivação se reflita no próprio negócio, não sendo suficiente que apenas a motivação seja ilícita ou imoral.
Como exemplo de contrato com objeto lícito e motivação ilícita, pode-se citar uma doação feita ao amante ou o compromisso de um homem casado de pagar pensão alimentícia a uma prostituta.
Propositadamente essa não foi a opção do legislador, posto que os motivos sejam irrelevantes, exceto, porém em dois casos: se expresso como razão determinante, caso em que passarão a integrar o contrato e deixarão de ter status de meros motivos psicológicos, ou se forem ilícitos, caso em que ensejam a nulidade do negócio.
O legislador não quis tutelar o contrato em que ambas as partes, cientes da ilicitude de suas razões internas, ainda assim as estipularam como determinantes para a conclusão do negócio. O que está em conformidade com a principiologia do Código Civil, que determina, nos artigos 421 e 422, que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social [18] do contrato e que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Seguindo a mesma senda do Código Civil Brasileiro, o Código Civil espanhol igualmente não deu importância aos motivos, conforme se verifica pelos ensinamentos de Lasarte. De qualquer forma, a existência e validade do contrato não podem restar subordinadas a móveis ou razões de caráter subjetivo que, em princípio, são irrelevantes para o Direito.
Ainda sobre a discussão sobre a causa, os motivos, a vontade e a integração ou não de tais elementos aos contratos, foi e, ainda hoje, é importante, que estes sirvam de embasamento para a construção e para a crítica das teorias revisionistas desenvolvidas com o fim de justificar quais circunstâncias supervenientes autorizariam a necessária revisão contratual.
Sabemos que os motivos ou a causa não é o elemento do contrato. Aliás, Clóvis Bevilácqua optou por não adotar a causa como condição de validade dos atos jurídicos. E, o fez por dois motivos: invencível a dificuldade de precisa conceituação e a não adoção pelos Códigos civis daquela época;
A ausência da causa como requisito de validade do negócio jurídico no Projeto de Código Civil de 1916 serviu como objeto de críticas por parte de Amaro Cavalcanti, para o qual, embora fosse a causa uma presunção de direito que não precisasse vir expressa, não deixava de constituir requisito de validade da obrigação, e que assim vinha sendo reconhecido no direito civil de vários países, dentre estes a Inglaterra e a Alemanha.
Dentre os adeptos da teoria causalista, surgiram duas correntes doutrinárias para explicar a natureza jurídica da causa: a chamada corrente subjetivista e a corrente objetivista.
Segundo Pablo Stolze Gagliano, a causa seria a razão determinante, a motivação típica do ato que se pratica, ou, como quer Vicente Raó, é o fim imediato que determina a declaração de vontade. Nessa perspectiva, não há confundir-se a causa com o motivo (móvel subjetivo) da prática do ato, uma vez que este último, relegado ao plano psíquico do agente, é irrelevante para o direito.
A corrente objetivista, por sua vez, não atrela a noção de causa ao aspecto interior, subjetivo ou finalístico. Preocupa-se mais, com a significação social do negócio e sua função, desprendendo a noção de causa de sua conotação psicológica, que dificultava distingui-la da concepção subjetivista.
Além das razões apontadas por Bevilácqua, no sentido de que a inserção da causa no Código Civil francês se deveu a um erro de tradução, a teoria causalista fora alvo de críticas, pois não conseguir abolir, de forma satisfatória, a distinção entre causa e motivo.
Relata a doutrina que a concepção subjetiva de causa parte do falso pressuposto de que intentos ou interesses individuais podem justificar a tutela lógica do negócio. Em defesa da opção do legislador do Código Civil de 1916, seguida pelo Código Civil de 2002, justifica o porquê da não inserção da causa como elemento do contrato:
Diz-se, de uma coisa, que é “elemento” de outra quando participa de sua natureza, ou estrutura. E a causa dos atos humanos, sendo sempre uma finalidade a alcançar, não pode, por definição, fazer parte da natureza ou estrutura dos mesmos atos, sendo apenas algo que em parte os condicione, determine ou explique.
Por isso mesmo já vimos, citando Francisco Invrea, que a “causa final se identifica substancialmente com o fim”; que é o próprio fim enquanto considerado como causa daquilo que se faz em vista dele.
Ora, o fim visado ao se contrair uma obrigação, ao se concluir um contrato, aos se praticar um ato jurídico, não deve ser havido, necessariamente pelo menos, como “elemento” dessa mesma obrigação, desse mesmo contrato, ou desse ato jurídico.
Poderá sê-lo, se assim o tiverem querido e manifestado os contratantes, ou agentes. Fora desse caso, porém, será apenas um pressuposto, ou um “ prius”, da obrigação, do contrato, ou do ato, antecedente dele na ordem de intenção, embora seu consequente na de execução.
Por não ter adotado a causa como elemento do contrato, verifica-se da leitura do art. 90 do C.C. de 1916 em comparação ao vigente art. 140 do C.C. de 2002, que legislador reviu a terminologia do antigo diploma e substituiu a palavra causa por motivo.
A própria dificuldade de conceituação da causa levou alguns juristas a substituí-la pela noção de móvel, que incita a parte a concluir o contrato. Fiúza conceituou causa como a atribuição jurídica do negócio relacionada ao fim prático que se obtém como decorrência dele.
Para Roppo a causa do contrato identifica-se, então, afinal, com a operação jurídico-econômica realizada tipicamente por cada contrato com o conjunto dos resultados e dos efeitos essenciais que tipicamente, dele derivam, com a sua função econômico-social, como frequentemente se diz.
Causa de qualquer compra e venda é, assim, a troca pelo preço; causa de qualquer locação entre as entregas periódicas de dinheiro e concessão do uso de um bem.
Conclui-se é evidente que o vigente Código Civil brasileiro optou também por não incluir a causa como elemento do contrato.
Segundo Caio Mário o contrato é acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. De forma resumida, o autor aponta o contrato como acordo de vontade com o fito de produzir efeitos jurídicos.
Durante muito tempo, defendeu-se doutrinariamente que a vontade era da essência do negócio jurídico. Mas, buscando explicar a manifestação volitiva como fonte da obrigação, as duas teorias foram desenvolvidas na Alemanha: a primeira chamada de teoria voluntarista ou subjetivista e a segunda corrente chamada de teoria da declaração ou objetivista.
Os defensores da teoria voluntarista sustentavam, em linhas gerais, que o núcleo existencial do negócio jurídico seria a vontade interna, ou seja, a intenção. O negócio jurídico, portanto, se traduziria na intenção. Os adeptos da teoria da declaração, por seu turno, defendiam que o núcleo do negócio jurídico seria, em verdade, a vontade declarada, ou seja, externalizada.
Desta forma, a teoria da vontade tem como ponto principal a vontade interna do agente, ao passo que sua oponente estaqueia o núcleo central do negócio jurídico na vontade declarada do agente, como forma de trazer maior segurança ao comércio jurídico ante as dificuldades que surgiriam se a todo o momento fosse necessário recorrer à dificílima pesquisa do impulso volitivo interno, psíquico, que levou o agente a exprimir aquela manifestação de vontade.
Para Cláudia Marques tanto a vontade quanto a declaração de vontade são elementos do contrato. Portanto, a vontade dos contratantes, declarada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontade representa não só o gênesis, como também a legitimação do contrato e de seu poder vinculante e obrigatório.
A teoria da vontade que tece em Savigny e Windscheid fervorosos defensores, pugna pela prevalência interna do estado anímico que levou o agente a emitir a declaração de vontade, de tal arte que em havendo contradição entre a vontade interna do agente e a vontade final declarada deve prevalecer a primeira desprezando-se a segunda.
A teoria que maior influência no Código Civil Brasileiro foi a voluntarista, bem explícita no art. 112, embora nosso código civil tenha sofrido também a influência da teoria da declaração conforme se prevê no seu art. 111.
Em verdade, não se pode arguir que as duas teorias sejam antagônicas. O negócio jurídico válido pressupõe a conjugação da vontade interna e da vontade declarada. Se constatada uma desarmonia entre o que se quer e o que se declara, estaríamos diante de um provável vício de vontade.
Nos contratos de massa, em que a oferta é direcionada aos consumidores indeterminados, é necessária uma releitura da vontade das partes.
Mas, mesmo em tais casos, permanece invicta a sua relevância. Não se pode concluir, porém, que a vontade foi relegada ao segundo plano.
Esta continua a ocupar lugar de relevo dentro da ordem jurídica privada, mas, a seu lado, a dogmática moderna admite a juridicização de certos interesses, em cujo núcleo não se manifesta o aspecto volitivo. Da vontade e desses interesses juridicamente valorizados dever-se-ão deduzir as regras que formam a dogmática atual.
Destacou o ilustre processualista Humberto Theodoro Junior que a teoria que mais influenciou o Código civil vigente foi a denominada teoria da confiança que foi desenvolvida posteriormente para tutelar, além da vontade do declarante, o interesse daqueles que confiam na segurança das relações jurídicas.
O vigente código civil ao disciplinar genericamente os vícios de consentimento tomou, apenas em aparência, partido da defesa da vontade real, permitindo a anulação dos negócios em que o consentimento não for livre e conscientemente manifestado (coação, dolo, lesão, estado de perigo).
No entanto, até mesmo no campo do dolo e da coação, o regime do atual Código, prestigia a teoria da confiança e não dispensa a culpa do beneficiário para a configuração do vício do consentimento. Se o ardil ou a ameaça tiverem sido praticados por estranho e não pela parte do contrato que deles se beneficia; a anulação somente será possível quando esta deles tiver tido conhecimento ou condições de conhecê-los (arts. 148 e 154).
Apesar da vontade e a declaração de vontade não estarem listadas como requisito de validade, a doutrina as aponta como elemento do negócio jurídico seja no plano da existência. Mesmo sem vontade, o negócio existe, e apenas poderá acontecer de ser nulo ou anulável (plano de validade), ou de não produzir efeitos (planos de eficácia – em que a vontade age principalmente através da interpretação).
Em decorrência da relevância da vontade na formação e execução dos contratos, seja esta interna ou declarada, é natural que esta tenha ocupado papel de relevo na busca de fundamentos que servissem de base para a revisão dos contratos.
As doutrinas que fundamentam a cláusula rebus sic stantibus, ou figuras similares, na análise da vontade contratual, consideram que as partes, ainda que tacitamente, quereriam a revisão contratual caso o estado de fato, baseado no qual elas declararam sua vontade, tivesse se mudado de forma imprevisível e profunda. Afinal, ao se comprometerem a uma prestação, sua vontade pressupunha um determinado estado de coisas.
Tiveram a vontade como fundamento as seguintes teorias: teoria da pressuposição, da vontade marginal, da base do negócio, do erro, da situação extraordinária [19] , e teoria do dever de esforço. Em que pesem a relevância e a contribuição de cada uma dessas teorias, evidenciamos mais particularmente as que diretamente interessam ao objeto de nosso artigo.
Na teoria da pressuposição, a comum representação dos contratantes deu importância essencial à vontade interna, seguindo a linha da Willenstheorie .
Mas, a vontade, nessa tese, ora se confundia com os motivos, elementos subjetivos ou psicológicos, ora com a causa, operação jurídico-econômica relacionada ao fim prático que se obtém como decorrência do negócio. Daí, as críticas que, como visto, lhe foram dirigidas.
Tal indefinição, somada ao fato de que a pressuposição poderia ser unilateral e tácita, ocasionava grande insegurança na adoção dessa teoria.
Na teoria da base do negócio jurídico de Oertmann e Larenz passa-se a exigir que a pressuposição seja bilateral, e, ainda que, a vontade seja manifestada, seguindo então a teoria da declaração.
Sem dúvida, partiu da pressuposição, Paul Oertmann em 1921 ao reformular a teoria da Windscheid e desenvolveu a chamada teoria da base do negócio jurídico, por meio do qual pretendeu corrigir os dois maiores equívocos de seu antecessor doutrinário.
Oertmann se propôs a elucidar, em sua teoria, a distinção entre a pressuposição e os motivos, além de ter o mérito de desconsiderar a pressuposição unilateral.
A diferença entre a teoria da pressuposição, tal como arquitetou Windscheid e o substitutivo do também notável jurisconsulto alemão Oertmann está em que naquela a pressuposição é unilateral, ou de uma só das partes, ao passo que a teoria da base do negócio jurídico assenta não em reservas mentais isoladas, mas erige a pressuposição como um de seus fatores, como intenções subjetivas recíprocas. Trata-se, mormente de uma pressuposição, melhor dizer, um subentendimento bilateral.
Explica Oertmann que os negócios se firmam sobre certos fundamentos, ou seja, certa base que não pode ser ignorada sem formalismo.
Tais fundamentos são menos que os motivos: não conduzem à decisão de contratar tendo, quando muito, o alcance negativo de que, sem eles, não se teria contratado; por outro lado, enquanto o motivo é algo unilateral, que só por coincidência rara é compartilhado entre as partes, os fundamentos representam uma realidade meramente psicológica, que se prende, quando muito, apenas a uma declaração negocial e não ao contrato no seu todo.
Tão pouco, porém, ela surgiria como parte do conteúdo contratual, por não se querida, com consciência como tal, pelas partes, expressa ou tacitamente, ou corresponderia a uma limitação da vontade das partes.
Colocando a questão decisiva de saber se se trata de algo subjetivo, isto é, posto pelas partes, ou de objetivo, Oertmann opta pela primeira hipótese e, por duas razões: sendo objetivo, posto pelo Direito, perder-se-ia na doutrina da conclusão do contrato; por outro lado, como o conteúdo e o objeto do negócio são determinados pelas partes, só delas pode depender que as circunstâncias constituam, para elas, o fundamento negocial.
A base do negócio consiste na representação mental de uma das partes no momento da conclusão do negócio jurídico, conhecida na sua integrada e não repelida pela outra parte, ou a comum representação das diversas partes sobre a existência ou aparição de certas circunstâncias, em que se baseia a vontade negocial.
Quando depois de concluído o contrato em virtude de fatos imprevistos, a base do negócio desaparece, o contrato não corresponde mais à vontade das partes. O juiz deve neste caso intervir readaptando-o à vontade das partes ou resolvendo-o.
E, para explicar o que seja base do negócio lança Oertmann mão de um exemplo que deve elucidar melhor a questão:
A e B comerciam na mesma praça e no mesmo ramo. Todavia A não quer concorrente e propõe a B o afastamento deste do comércio mediante certa quantia, paga periodicamente. Fechado o negócio, B retira-se do comércio e começa a receber o prometido.
Acontece que A resolve deixar suas atividades comerciais. “Quid juris?” Consoante Oertmann, A não mais é obrigado a pagar as prestações prometidas e B pode voltar a comerciar porque houve modificação das circunstâncias que os levaram a contratar e a avença não mais representa o que era querido pelas partes: evitar a concorrência.
Não é razoável que se possa revisar um contrato tão-somente porque um dos contratantes mudou interna e unilateralmente as suas intenções manifestadas em um contrato validamente firmado.
No exemplo citado acima, verifica-se que não ocorreu nenhum fator externo ou qualquer circunstância que justificasse a mudança de postura de A. Este, por sua conta e risco, devido às razões pessoais e posteriores ao ajuste, resolveu alterar as condições livremente ajustadas. Por qual razão deveria B se submeter a esse novo ajuste e alterar as condições do contrato?
O exemplo dado pelo próprio Paul Oertmann demonstra que essa teoria também falhou na tentativa de solucionar o problema de alterações supervenientes, na medida em que instituiu uma base demasiadamente subjetiva, da qual estaria a depender todo o negócio.
Outro ponto a ser visto como deficiente na teoria de Paul Oertmann reside no fato de que a representação mental deve ser conhecida na sua integridade e não repelida pela outra parte, exigindo-se uma atitude de insurgência do declaratário, sob pena de a representação comunicada integrar o negócio jurídico.
Desta forma, pelas razões expostas, entende-se que a teoria de Oertmann é a chamada teoria da base subjetiva do negócio jurídico. Não se ignora a importância da vontade na formação dos contratos. Mas, na mesma linha de Windscheid, concentrou-se demasiadamente o desenvolvimento de sua teoria em torno dos sujeitos, ou melhor, dos motivos que os levaram a contratar.
A base subjetiva do negócio jurídico para Oertmann é, portanto, o que levou as partes a concluírem o contrato, ou o que as partes havia suposto para concluí-lo.
Pontes de Miranda contextualizou a teoria da base subjetiva, nos seguintes termos:
[…] todo negócio jurídico se concebe dentro de momento histórico-social, econômico e político, de modo que as circunstâncias gerais entram por muito no seu conteúdo. Se alguma alteração total ou radical sobrevém que se há de ter como tal que o declarante ou os declarantes não teriam feito a declaração, ou não teriam feito as declarações, que fizeram, se as tivessem previsto, seria despótico submeter o figurante ou submeter os figurantes à inflexibilidade dos deveres e obrigações, a despeito de tão profunda mudança. A psique humana mergulha em espaço social, cheio de relações, e das representações que têm no momento é que os homens partem para as suas atividades dispositivas e aquisitivas, bem como para quaisquer outras atividades. Tal a teoria da base subjetiva.
A criticar a teoria de Oertmann, Larenz trabalhava com o exemplo de uma compra e venda, na qual o pai comunica ao vendedor que está adquirindo o enxoval para a sua filha, ou seja, ele comunica ao vendedor os motivos da compra. O fato de o vendedor guardar silêncio sobre isso não converte os motivos do comprador em base do negócio decisiva para ambas as partes.
Larenz faz o seguinte questionamento: qual pretexto teria o vendedor para refutar a representação do pai sobre o iminente matrimônio de sua filha, enquanto o comprador não intente estabelecer como condição do contrato de compra e venda a realização do matrimônio? Mesmo que o vendedor tivesse duvidado da exatidão da representação do comprador, não seria necessário que manifestasse suas dúvidas.
Apontando as imperfeições da teoria de Oertmann, teceu análise Pontes de Miranda, in verbis:
“Observe-se que a teoria da base do negócio jurídico atribui ao silêncio do figurante que não refusou a representação mental do outro ser manifestação de vontade consentinte (idem, Eugen Locher, Geschäftsgrundlage und Geschäftsweck, Archiv für die civilistische Praxis, 121, 67)”.
Os perigos de tal recepção do silêncio como elemento do suporte fáctico do negócio jurídico, sem haver dever de responder ou de manifestar vontade, são evidentes. Tanto mais quanto, nem na teoria de Paul Oertmann, nem na B. Windscheid, se exige que o figurante de que parte a pressuposição, ou a base, haja dito que somente quer concluir negócio jurídico em que se atendam as circunstâncias futuras.
Se entendermos que tal atitude tem de ser assumida, estamos a compor o conteúdo do negócio jurídico, e são supérfluas, sobre serem fora do sistema, as teorias que procuram resolver o problema das circunstâncias extraordinárias com conceito que não cabe no conteúdo do negócio jurídico. Estariam a explorar terreno entre o motivo e a condição abarcante do negócio jurídico, ou em torno deles. Aprofundando a escavação, tem de encontrar, no fundo, aquele ou essa.
A investigação de B. Windscheid era entre os dois, e nisso teve razão a crítica de Paul Oertmann; em torno: “Mas ambas não encontraram mais do que já se conhecia, ou caíram em digressão de iure condendo, sem o confessarem.”.
Menezes Cordeiro apontou que a teoria da base de Oertmann pecou gravemente por recorrer às partes e à sua vontade, incorrendo assim no mesmo erro de Windscheid. Perante uma alteração concreta, a base de negócio de Oertmann não diz, a nenhum juiz, se deve averiguar a situação psicológica real das partes, se deve procurar representações típicas em termos de normalidade, se deve retocar ou suprimir um contrato em nome do processo funcional da prossecução do seu próprio fim ou se, numa integração coletiva, deve estudar as repercussões do contrato atingido, no seio do espaço jurídico. A alteração das circunstâncias é isto tudo; a base do negócio a tudo cobre e a nada responde;
Para Oertmann o contrato deveria ser mantido da forma como as partes o imaginaram. Ocorre que geralmente os contratantes não atentaram para determinadas situações, de que sequer chegaram a cogitar, a exemplo de uma instabilidade da moeda ou da economia.
Por que razão então pretender a revisão do contrato com fundamento na prevalência de uma vontade que não chegou a ser considerada?
É imperiosa a superação do dogma da vontade, pois a esta não se pode imputar aquilo que, por desconhecimento, esta nunca poderia ter querido.
Teoria da base do negócio jurídico de Karl Larenz
Larenz procurou construir uma tese que seja completa e adequada para solucionar os problemas decorrentes de um contrato cujas circunstâncias tenham sofrido alteração superveniente.
Com base em estudos de casos e em uma análise minuciosa de diversas decisões proferidas pelos tribunais alemães, ele criticou seu antecessor, Paul Oertmann, e se propõe a fixar as diretrizes que devem ser seguidas pela jurisprudência.
Para ele, competia à doutrina estabelecer as condições que autorizariam o Estado-juiz a intervir no contrato. É a sua proposta, conforme se transcreve:
Por conseguinte, a jurisprudência necessita de diretrizes concretas, de validade geral, nas quais se expresse este ordenamento e se esboce a decisão acertada. A renúncia a estas diretrizes obrigatórias e o que se sentencia apenas conforme a equidade pode-se, portanto, considerar um desenvolvimento normal da jurisprudência somente como uma “ultima ratio” ou como uma solução extrema para uma situação que, por outro modo, não poderia ser resolvida.
Antes de proceder assim ter-se-ia que considerar se não seria possível alcançar para determinados casos, típicos por causa de sua frequente repetição, alguns princípios que serviram de base para a decisão, os quais não teriam origem na lei ou em sentenças anteriores, mas na natureza das coisas e em uma observação crítica e comparativa da jurisprudência de um amplo período e de diversos ordenamentos jurídicos.
Preparar o terreno para ela e ajudar a jurisprudência a fazê-lo é tanto um direito como um dever da Ciência do Direito, a qual se destruiria a si mesma se renunciasse a esta tarefa.
Relevante sublinhar que Larenz desenvolveu sua tese em momento em que se buscava uma construção doutrinária sem recurso às normas abertas, deixando aos juízes pouco espaço interpretativo.
Apesar de a Alemanha ter apresentado condições propícias para que as cláusulas gerais fossem utilizadas, devido à crise inflacionária sentida após a Primeira Grande Guerra Mundial, sua aceitação naquele país nunca fora unânime, notadamente em razão da simpatia que a técnica legislativa da boa-fé [20] alcançou juntou aos nazistas.
Em 1933, o ano da ascensão ao poder do partido nacional-socialista, Justus Hedemann, na sua obra Die Flucht in di Generalklauseln eine Gefahr für Recht und Staat (A fuga para as cláusulas gerais – Um perigo para o direito e para o Estado), alertava para as potenciais ameaças de tal técnica legislativa.
Lutz Mager afirmava que, assim como hoje em dia cláusulas gerais servem como entrada de valores constitucionais, na época do nacional-socialismo estas foram utilizadas como janela de abertura para a concepção valorativa do momento, especialmente para as teorias raciais.
John Dawson [21] (In: DAWSON, John P. The General Clauses viewed from a distance). – em extenso e cuidadoso trabalho que trata da aplicação das cláusulas gerais de boa-fé e dos negócios jurídicos contrários aos bons costumes no direito alemão – salienta que do amplo espectro de questões nas quais o Führer havia editado legislação ou ordens pessoais, exigia-se estrita obediência dos juízes, da mesma forma que se fazia com qualquer pessoa normal.
Adiante, aponta que as lideranças do regime viam com bons olhos as cláusulas gerais e a extensão de poder que conferiam aos magistrados, desde que a “boa-fé” e os “bons costumes” pudessem assimilar a ideologia reinante no momento.
Basta observar que sob o prisma do amparo judicial para a revisão contratual, a nova fixação do dever de prestação deve realizar-se de acordo com o princípio da equidade e tendo em conta todas as circunstâncias individuais dos interessados.
Aquele que acredita que isto é precisamente o que exige o princípio do 242º § do Código Civil Alemão, deve fazer as consequências jurídicas do desaparecimento da base do negócio depender de um amparo judicial para a revisão de contratos com base no mesmo dispositivo do BGB, que o abrange a todos e não está sujeito a nenhum requisito especial de fato. Salvo engano, este é o objetivo ao qual tende atualmente não só parte da doutrina, mas também a jurisprudência.
Não acredito que esta evolução seja afortunada; mas vejo nela uma grave ameaça, não somente para a manutenção do mínimo indispensável de segurança jurídica, mas também à manutenção do prestígio da jurisprudência e ciência do Direito alemãs.
Muitos dos autores brasileiros foram fortemente influenciados pelo pandectismo alemão, a exemplo de Pontes de Miranda e Orlando Gomes que enfrentaram dificuldades para a utilização de conceitos de equidade e justiça. Isso porque a escola pandectista buscava noções científicas puras e dedutivas rejeitando a utilização de conceitos indeterminados (ou somente indetermináveis).
Windscheid criador da tese da pressuposição, é o responsável também pelo surgimento da escola pandectista, sendo o autor da obra Tratado dos Pandectas, quer recebeu tal denominação por pesquisar os Pandectas ou Digesto de Justiniano.
A partir do direito comum romano, passaram os pandectistas a extrair princípios fixos e conceitos. A partir desses conceitos, foram desenvolvidas as codificações organizadas de forma que um conceito se submetia ao outro. É característica do pandectismo a compreensão dos dispositivos legais mediante a ciosa pesquisa da vontade do legislador.
A base teórica de Larenz se diferencia por ter separado a análise da base do negócio jurídico em duas acepções: uma subjetiva e outra objetiva. Assim entendia ser necessário diferenciar os pressupostos de fato e as consequências jurídicas de cada uma dessas acepções. Pois a jurisprudência não aceitaria uma teoria unitária, que abrangesse todos os casos de desaparecimento relevante da base do negócio.
A base objetiva do negócio, ao contrário, se refere à questão da possibilidade de realizar-se o fim do contrato e a intenção conjunta das partes contratantes; deve ser estudada na teoria da incapacidade, da posterior impossibilidade e da consecução do fim.
O Código Civil Alemão à época de Larenz quando desenvolveu sua tese, não deu tratamento específico para o erro e demais vícios dos negócios jurídicos.
A diferenciação da base subjetiva e objetiva fora construída para suprir a ausência de normas específicas no BGB, já que as consequências da quebra da base em razão de circunstâncias da quebra da base em razão de circunstâncias subjetivas e objetivas requerem tratamento diverso.
Veja-se em que consiste a base subjetiva do negócio jurídico para Larenz: Entendemos por base subjetiva do negócio aquela comum representação mental dos contratantes pela qual ambos se deixaram guiar ao fixar o conteúdo do contrato.
A representação tem que haver induzido não a uma, mas a ambas as partes a concluir o contrato. Se a representação não se realiza, cada uma das partes incorreu em erro nos motivos, que se refere a uma situação de fato por ambas admitidas, ou seja, uma pressuposição comum a ambas. A análise jurídica destes casos há de partir, por conseguinte, da disciplina geral do erro nos motivos (o qual é, em regra, unilateral).
Como exemplos de recíproco erro nos motivos, sobre a base do contrato, Larenz descreveu os seguintes casos:
a) Caso dos Rublos: em 1920, a demandante havia emprestado em Moscou 30.000 rublos ao demandado para seu retorno do cativeiro ao término da guerra alemã. Ambos acreditavam que o câmbio do rublo era de 25 pfennig. O demandado emitiu um recibo a favor do demandante no qual declarava dever 7.500 marcos recebidos em razão do empréstimo.
Ocorre que o câmbio do rublo era de apenas 1 pfennig. O demandado ofereceu em pagamento apenas 300 marcos, mas o demandante pleiteou 7.500.
b) Casos da cotação de ações: O demandante informou ao Banco/demandado que a cotação do dia de um determinado título/valor era 340/42. Em decorrência disso, o demandante deu ordem de comprar, no máximo, a 342.
Ocorre que a cotação era na realidade 437 1/2. O banco comprou o mesmo e informou ao demandante, por equívoco, que havia comprado a 337 1/2.
O demandado havia encarregado o banco/demandante, em 1924, de compara, da melhor maneira possível, determinados títulos hipotecários por um valor de 400.000 marcos. O boletim oficial de cotações fixava, em razão de um erro de impressão, uma cotação desses títulos que era mil vezes inferior a real.
O saldo a favor do demandado, que importava tão somente 796 marcos ouro, cobria a aquisição pela cotação hipotética, porém não pela cotação real. O banco, apesar disso, cumpriu o encargo e exigiu que os títulos fossem reconhecidos e fosse pago o preço por ele desembolsado.
c) Venda do ferro velho: a demandada vendeu ao demandante seu depósito de ferro velho da seguinte forma: as partes deviam calcular o peso dos lotes respectivos e depois averiguar o preço total, tomando por base o preço ordinário das diversas classes de metal.
A demandada impugnou o contrato, afirmando que uma quantidade de ferro velho que as partes haviam fixado em 40 vagões compreendia, na realidade, 80 vagões. O cálculo do preço foi objeto das declarações jurídico-negociais e, desse modo, conteúdo do contrato.
d) Casa da prata: a demandada vendeu à demandante 200 kg de prata de 1.000 milésimas a 360 marcos o quilograma. Aquela havia oferecido, nas negociações contratuais, 200 quilogramas de prata de 800 milésimas ao preço de 320 marcos.
Como a demandante desejava prata de 1.000 milésimas, o agente da demandante calculou o preço da prata na presença da demandante, partindo do pressuposto de que 320 marcos era o preço da prata de 800 milésimas, porém, por um erro de cálculo, o fixou em 360 marcos no lugar de 400 marcos. Esse cálculo foi objeto das negociações contratuais decisivas, e o preço pedido foi fixado mediante tais cálculos.
Os exemplos acima caracterizam a seguinte situação para Larenz:
1) as partes agiram na suposição de que existia uma situação de fato determinada;
2) ambas concluíram o contrato em consideração a que essa situação de fato existia, de tal modo que nenhuma delas – supondo um leal proceder – teria concluído o contrato, se tivesse conhecido a verdadeira situação, tal como o fizeram.
Essa situação de fato bilateralmente admitida é, para Larenz, a base do negócio subjetiva, a que precisamente se refere à base da transação juridicamente relevante. Se falta ou desaparece a base do negócio subjetiva, o contrato é ineficaz.
De início, cumpre sublinhar as seguintes definições importantes para a interpretação da base subjetiva do negócio jurídico.
Assim para ser relevante a base subjetiva do negócio há de existir a representação comum aos contraentes. E deve ter sido considerada para concluir o contrato e deve influir na decisão de ambos.
Essa representação são as razões internas, os motivos que impulsionam as partes a praticar o ato. Não basta, portanto, que os motivos que levaram as partes a contratarem sejam conhecidos, é necessário que esses motivos sejam aceitos por estas como determinantes para que os agentes realizem o negócio.
É exatamente o que expressa nosso Código Civil no art. 90, o qual se aplica também ao CDC.
Reafirmamos que a representação mental desenvolvida outrora por Windscheid e Oertmann fora considerada também na teoria de Larenz, mas apenas se for esta bilateral.
As teorias da pressuposição e da base do negócio jurídico de Oertmann deram importância demais à intenção das partes, aos motivos psicológicos que levaram a contratar, independentemente da aceitação destes pela outra contratante.
O direito brasileiro é averso a buscar os motivos, salvo na hipótese de causa ilícita, ou motivos eleitos pelas partes como determinantes, caso em que integraram o contrato.
Larenz corrigiu assim os inconvenientes da representação mental unilateral, que fora a principal falha apontada nas teses anteriores, pois permitia à parte que tivesse eleito determinada condição como base do negócio, em caso de alteração das circunstâncias, a possibilidade de rever o contrato, sem que necessariamente a outra parte houvesse expressamente aceitado tal condição como base do negócio, causando assim verdadeira instabilidade.
Então seria injusto e irrazoável pretender que o declaratário suportasse o desfazimento do negócio jurídico apenas porque tinha ciência dos motivos.
Se o motivo não fora manifestado como determinante para a celebração do contrato, ou se a eficácia do negócio não estava vinculada à condição, não se poderia pretender a alteração ou rescisão do contrato com base na quebra da base do negócio jurídico.
A representação mental pode referir-se a uma circunstância considerada como existente ou esperada no futuro. Assim utilizando os exemplos dados por Larenz, haveria circunstância considerada como existente na venda de um anel, em que comprador e vendedor acreditavam ser de diamante, mas era uma imitação sem valor, ou na venda de uma obra de arte, em que as partes acreditavam que o quadro era original, mas era apenas uma cópia.
Como circunstância esperada no futuro, cite-se o exemplo da cavalgada, em que algumas pessoas alugaram imóveis na expectativa de ser cavalgada, em que algumas pessoas alugaram imóveis na expectativa de ver a cavalgada que passaria em determinada rua, conforme informação divulgada em um jornal, mas o referido evento não ocorreu.
Há de tratar-se, porém, de certa representação ou esperança; não é suficiente a simples falta de esperança de uma posterior variação das circunstâncias existentes na conclusão do contrato.
Advirta-se que os contratantes, ao celebrar um contrato, muitas vezes não levam em consideração todas as eventuais situações que possam surgir no futuro. Isso não significa que o aparecimento de uma situação nova possa ser considerado como um erro recíproco sobre as bases do contrato.
O erro pressupõe algumas suposições que, caso não ocorram, contrariam o que foi vislumbrado pelas partes contratantes.
Se as partes sequer chegaram a conjecturar sobre certa circunstância, não se está diante da figura do erro, devendo ser analisado em cada caso concreto qual o tratamento a ser dado a essa alteração superveniente não prevista pelas partes ou, em outras palavras, se ocorreu a quebra da base objetiva.
Larenz considerou que algumas circunstâncias, que vão além do conteúdo do contrato, influenciam diretamente as partes na formação do vínculo. A esse conjunto de circunstâncias determinantes para a conclusão do negócio Larenz denominou a base objetiva.
A construção da base objetiva partiu da interpretação de que os contratos não devam ser analisados exclusivamente pelas palavras utilizadas ou pelo seu significado dado pelas partes. Devem ser levadas em consideração as circunstâncias que influenciaram na sua conclusão. Essas circunstâncias são econômicas, culturais e sociais, e não se deduzem apenas do texto literal dos contratos.
Assim, a base objetiva do negócio jurídico são as circunstâncias que são determinantes para a formação do vínculo, não pode ser desconsiderada na execução do contrato, sob pena de os efeitos produzidos não correspondem à intenção das partes.
Ensinou Larenz:
(…) cada contrato cria ou regula determinadas relações entre as partes, relações que, por sua vez, são, em maior ou menor medida, uma manifestação das circunstâncias sociais existentes e, em certa medida, a pressupõe. Aquele que conclui um contrato pensa e age partindo de uma situação dada, que não é preciso que se represente claramente, que, talvez, nem sequer estava em condições de compreender, porém cujos sedimentos um contrato não depende, pois, exclusivamente das palavras usadas e de sua significação inteligível para as partes, mas também das circunstâncias em que foi celebrado e que foram ajustadas.
Se posteriormente ocorre uma transformação fundamental das circunstâncias, possibilidade em que não haviam pensado as partes contratantes e que de nenhum modo haviam levado em consideração ao ponderar seus interesses e ao distribuir os riscos pode ocorrer que o contrato, executado nas mesmas condições, perca por completo seu sentido originário e tenha consequências totalmente distintas das que as partes haviam projetado ou deveriam razoavelmente projetar.
É este o velho problema da cláusula rebus sic stantibus, da consideração das circunstâncias transformadas, das quais se originam as hipóteses em que uma relação contratual existente é afetada por uma variação imprevista das circunstâncias com tal intensidade que sua ulterior manutenção não está justificada apesar do princípio, tão importante, de fidelidade ao contrato.
Não são quaisquer circunstâncias que integram a base objetiva do contrato, Larenz despreza as circunstâncias pessoais, as que incidiram no contrato em decorrência de mora da parte prejudicada, e as que são inerentes ao risco assumido pelas partes, conforme:
a) Não se devem considerar acontecimentos e transformações que sejam pessoais ou estão na esfera de influência da parte prejudicada (neste caso opera como limite a força maior);
b) Repercutiram no contrato tão somente porque a parte prejudicada se encontrava ao se produzirem os mesmos, em mora solvendi ou accipiendi.
c) Porque, sendo previsíveis, formam parte do risco assumido no contrato.
Para se analisar a base objetiva, é importante entender que a preocupação de Larenz voltou-se principalmente a dois pontos não respondidos pela tese de Oertmann. Como resolver as situações em que a alteração das circunstâncias, não prevista pelas partes, acarreta a destruição da relação de equivalência ou a impossibilidade de se alcançar o fim do contrato?
Larenz analisou casos julgados pelos tribunais de diversos ordenamentos jurídicos nos últimos cem anos anteriores à edição de sua obra e concluiu que esses dois casos típicos – destruição da relação de equivalência e a impossibilidade de se alcançar o fim do contrato – ocorreram com frequência, ensejando que fosse levada em conta a transformação das circunstâncias em conformidade com o sentido do contrato.
Destruição da relação de equivalência
Os contratos sinalagmáticos devem guardar certa relação de equivalência entre as prestações. Uma vez rompido o equilíbrio entre as prestações, tal condição deve ser restabelecida. Essa relação de equivalência entre a prestação e contraprestação dotada de sentido quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação, que se presume, se tenha destruído em tal medida que não se possa cogitar racionalmente em uma contraprestação.
Ocorrerá a quebra da base objetiva, portanto, quando a relação de equivalência das prestações se destrói de modo absoluto que o contrato perde o sentido originário, ou seja, de contrato oneroso ou de troca.
Para ilustrar a destruição da equivalência entre as prestações ajustadas, exemplifica Larenz o caso de compra e venda de aguardente, na qual as partes não consideraram, na fixação do preço, a incidência de um imposto, que à data da celebração do contrato não existia.
A demandante havia comprado, em abril de 1887, aguardente que deveria ser entregue de agosto até outubro desse mesmo ano. Ocorre que, de forma imprevisível, ocorreu a criação de um imposto muito elevado incidente sobre a aguardente, por meio de uma lei que entrou em vigor em 01/08/1887.
Em razão do inesperado imposto, a vendedora/ demandada ofereceu a entrega de barris selados pelo fisco, em outubro, incluindo o imposto incidente sobre a aguardente. A demandante entendeu que essa oferta não se ajustava ao pactuado e se abasteceu em outro fornecedor.
Além de não ter aceitado o acréscimo no preço em decorrência do novo imposto, requereu a compradora judicialmente o pagamento de perdas e danos em razão de não ter recebido a mercadoria conforme originalmente contratado.
Larenz esclarece que um contrato bilateral pressupõe sempre que cada um obtenha pela sua prestação o seu equivalente considerado no momento da formação do vínculo obrigacional. Essa equivalência não é objetiva, podendo ser notavelmente inferior ao valor da prestação, se as partes assim ajustaram, porém há de poder considerar-se como equivalente pela prestação.
O desaparecimento da base do contrato permitiria ao vendedor desistir do contrato, se o comprador não aceitasse a entrega da aguardente incluindo o novo imposto.
O princípio da equivalência não é absoluto e deve ser analisado em conjunto com o princípio da autonomia. As partes são livres para estipular as obrigações de cada uma, desde que respeitem as leis e os princípios do seu ordenamento jurídico.
O princípio da equivalência exige que as contraprestações sejam materialmente equivalentes, não sendo suficiente a equivalência formal. Não se exige, porém, que a equivalência seja exata ou absoluta, pois não foram definidos ainda critérios objetivos aptos a apurar satisfatoriamente essa avaliação da equivalência.
Reconhece-se que a relação valorativa das contraprestações leva em consideração uma série de fatores objetivos e subjetivos que, em consequência, possibilitam que a relação valorativa originalmente considerada não se mantenha estável por muito tempo.
Larenz observou que, em alguns casos estudados, a prestação prometida era possível de ser cumprida, mas o fim pretendido com o contrato não seria atingido. Ocorre a quebra a base objetiva, nesse caso, quando a prestação é possível, porém não se pode realizar o resultado que, segundo o contrato, se esperava da prestação e, em consequência, esta não tem agora fim ou objeto.
Larenz esclarece que, se a realização da finalidade última de ambas as partes resultar impossível, cada uma destas pode resolver o contrato, e tão-somente haverá lugar para indenização por perdas e danos quando uma parte haja produzido a transformação das circunstâncias por seus atos livres e deva, por conseguinte, responder por estes.
Como exemplo de contrato onde a prestação seria possível, mas cujo fim não seria alcançado, Larenz menciona o caso em que o dono de uma granja comprou determinada quantidade de forragem, mas, antes da data ajustada para a entrega, vendeu a granja, na qual a forragem seria utilizada.
A entrega da forragem, portanto, restaria inútil para a finalidade pela qual o dono da granja contratou. Nesse caso, o dono da granja teria, contudo, que aceitar os artigos já adquiridos pelo fornecedor ao tempo da resolução, além de ter que indenizá-lo pelos gastos realizados.
No relacionamento do princípio da equivalência com o princípio da autonomia, não existe a prevalência necessária de uma sobre o outro. Quando os interesses em jogo sejam puramente privados, prevalece a autonomia, no sentido de que às partes é lícito fixar como entenderem a equação valorativa do contrato, desde que o façam livre e esclarecidamente.
Quando no contrato estejam também em jogo de interesses públicos ou de terceiros, já o princípio da equivalência prevalece sobre o da autonomia e a equação valorativa deverá ser objetivamente procurada.
Um contrato não pode subsistir como regulação dotada de sentido: quando a finalidade objetiva do contrato, expressa em seu conteúdo, tenha resultado inalcançável, mesmo que a prestação do devedor seja, todavia, possível.
Finalidade objetiva do contrato é a finalidade de uma parte se a outra a fez sua. Isso deve ser admitido especialmente quando tal finalidade se deduza da natureza do contrato e quando se determinou o conteúdo da prestação ou a quantia da contraprestação.
Ressalte-se que a impossibilidade de alcançar o fim do contrato não se confunde com a impossibilidade de prestação. O Código Civil de 2002 estabelece que, se a prestação for impossível, sem que haja culpa do devedor, a obrigação será resolvida. Se a prestação se tornou impossível por culpa do devedor, este deverá responder por perdas e danos.
A teoria de Larenz não ficou imune a críticas. Blomeyer estranhou na base objetiva do negócio, a repartição entre as duas previsões perturbação na equivalência das prestações e inobtenibilidade do fim do contrato – com exaustividade; ficariam, sem mais, excluídos todos os riscos estranhos ao contrato em si.
Esse contesta que seja possível cindir a base do negócio em objetiva e subjetiva. Ambas requerem, na sua determinação, elementos objetivos e subjetivos:
Na base objetiva, a consideração de que ela estaria frustrada quando o contrato, mercê das alterações, não fizesse sentido, implica um regresso não assumido à vontade das partes: na subjetiva, a utilização de intenções e pressuposições comuns das partes torna-se impraticável sem introduzir critérios objetivos.
As críticas dirigidas à teoria da base objetiva do negócio não excluíram as demais hipóteses aptas a ensejar a revisão contratual, que podem ser resolvidas pela aplicação do raciocínio em torno do que contempla a base relevante para os contratantes, de modo a verificar-se, no caso concreto, se houve ou não a quebra do ajustado.
Além disso, as consequências advindas da quebra da base subjetiva e objetivam requeriam, inegavelmente, um tratamento diferenciado. Cumpre frisar que o Código Civil Alemão não previa, à época, um tratamento para regulamentar as situações em que as partes incorressem em recíproco erro nos motivos, – quebra da base subjetiva -, o que levou Larenz a proceder a essa distinção entre a base subjetiva e a objetiva.
Não por acaso que, com a reforma do Código Civil alemão operada em 2001/2002, o legislador ao tratar da alteração das circunstâncias, disciplinou a quebra da base do negócio, tanto em sua acepção objetiva quanto em sua vertente subjetiva, seguindo-se, aliás, os princípios consagrados pela jurisprudência alemã.
A propósito, cito a atual redação do 313º § do BGB:
1) Quando, depois da conclusão contratual, as circunstâncias que constituíram a base do contrato se tenham consideravelmente alterado e quando as partes, se tivessem previsto esta alteração, não o tivessem concluído ou o tivessem feito com outro conteúdo, pode ser exigida a adaptação do contrato, desde que, sob consideração de todas as circunstâncias do caso concreto, e em especial a repartição contratual ou legal do risco, não possa ser exigível a manutenção inalterada do contrato;
2) Também se verifica alteração das circunstâncias quando representações essenciais que tenham sido base do contrato se revelem falsas;
3) Quando uma modificação do contrato não seja possível ou surja inexigível para uma das partes, pode a parte prejudicada resolver o contrato nas obrigações duradouras, em vez do direito de resolução tem lugar o direito de denúncia.
A redação aponta a harmonização da base objetiva com a base subjetiva e não deixou dúvidas quanto à relevância da construção teórica de Larenz e a atualidade da teoria da base, que, nos dias atuais, se mostra a mais adequada para solucionar os problemas decorrentes da modificação posterior das circunstâncias não previstas pelas partes.
É a tese de Larenz revela-se mais adequada ao direito consumidor brasileiro, em especial, do art. 6º, V da Lei 8.078/90.
Mas, que nos reporta a principiologia do CDC, com o fim de introduzir o intérprete na utilização da teoria da base do negócio jurídico, no âmbito da revisão dos contratos de consumo.
O liberalismo dominou a filosofia dos séculos XVIII e XIX e onde as partes eram consideradas livres para contratar, razão pela qual a vontade manifestada era soberana.
Durante longo período, não se admitia a modificação ulterior dos contratos, e se afastava qualquer ideia de revisão ou intervenção judicial, uma vez que o estipulado deveria ser cumprido exatamente como fora contratado.
O crescimento econômico experimentado principalmente pela Inglaterra e França fez prosperar a ideia de que era necessário deixar o mercado se autorregular pela lei de oferta e da procura sem a interferência nos contratos, instrumentos consagrados e que permitiam a circulação de riquezas.
Com a Revolução Industrial que causou profunda transformação social e na economia, e, consequentemente, também nos contratos. A parte mais forte passou a ditar as normas do mercado de trabalho e de consumo, de tal maneira que não se podia mais cogitar em liberdade contratual.
Permitir que as condições fossem livremente impostas pelos grandes conglomerados empresariais [22] e industriais mostrou-se desastroso sob o aspecto socioeconômico, causando autêntico o empobrecimento da população e a submissão a toda sorte de arbitrariedades.
E, diante desse novo cenário, ao final do século XX, novamente novas e profundas transformações socioeconômicas resultantes da globalização, da urbanização, da competição, do desenvolvimento do marketing e da generalização de contratos de massa e dos contratos eletrônicos.
Desta forma, as relações comerciais se se tornaram impessoais e mais sofisticadas. E, a oferta de produtos e serviços deixou de ser direcionada a determinada pessoa, para alcançar a generalidade de indivíduos.
Em consequência, reconheceu-se ser inverídico o antigo dogma da igualdade das partes no contrato. E, a desigualdade econômica dos contratantes e a imposição dos contratos de adesão pela parte mais forte fizeram surgir a necessidade de intervenção estatal, para regular as atividades dos particulares.
A liberdade contratual passou então a sofrer certas limitações, notadamente quanto ao conteúdo das cláusulas dos contratos, já que o Estado passou a vincular a validade das condições estabelecidas à sua aprovação, fenômeno denominado dirigismo contratual.
No Brasil, pelo menos no plano positivista fora instituído o Estado Democrático de Direito e, assumiu-se explicitamente na sua Constituição de 1988, o compromisso de assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.
Adotando constitucionalmente o modelo regulatório social e programático que interfere na espontaneidade do mercado econômico.
Consagrou ainda as ideias de livre iniciativa, de defesa do consumidor, a busca do pleno emprego, determinando que o Estado intervenha sempre que a liberdade de iniciativa não estiver sendo exercida em prol da sociedade ou em conformidade com os anseios sociais.
Dentre os princípios da atividade econômica, o legislador brasileiro determinou expressamente que seja observada a defesa do consumidor.
Sendo princípio imperativo da ordem econômica constitucional, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social.
Conferiu-se ao Estado, o dever de intervir, preventiva e corretivamente para coibir abusos e garantir a proteção dos bens fundamentais, dentre estes, a saúde, a segurança e a integridade física de uma coletividade de indivíduos, identificados como consumidores, vulneráveis técnica, financeira e juridicamente.
O consumidor como sujeito de direito é considerado vulnerável ope legis, sendo a lei consumerista reconhecida por ser norma de ordem pública e de interesse social, o que lhe conferiu caráter cogente e, por conseguinte, colocou-o fora da esfera de disponibilidade das partes.
Elegeu o legislador dentro os princípios fundamentais da política nacional de consumo, a boa-fé como a base para a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e para compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico.
Assim, a cláusula geral de boa-fé objetiva assumiu, desta forma, a função de princípio orientador do CDC, desta decorrendo inúmeros reflexos. Como uma dessas decorrências da boa-fé, Cláudia Marques aponta a tendência de exigir das partes um dever de renegociação nos contratos cativos de longa duração.
A teoria do contrato relacional pode contribuir especialmente nos contratos de mútuo, e em geral de fornecimento de serviços, para uma nova compreensão da confiança despertada pela atividade dos fornecedores e para a aceitação de uma readaptação constante das relações de longa duração de forma a não frustrar as expectativas legítimas das partes, apesar da limitada vontade manifestada inicialmente.
Assim, também alerta a doutrina argentina, que considera um novo imperativo a visualização desse continuum e da conexidade dos vínculos e deveres no tempo, requerendo a cooperação renegociadora contínua em matéria de contratos de longa duração.
Da mesma forma, a doutrina francesa manifesta-se pela necessidade de uma razoável equivalência de prestações em fase do princípio da igualdade no direito privado.
Também a doutrina alemã, dessa vez com base nos deveres de cooperação, da boa-fé e na antiga exceção da ruína, está ativamente estudando a existência de um dever geral de renegociação nos contratos de longa duração.
Partindo da premissa de que há uma cláusula ou um dever de modificação de boa-fé (no caso brasileiro, com previsão expressa no art. 6º, V do CDC) dos contratos de longa duração, sempre que há quebra da base objetiva do negócio e a onerosidade excessiva daí resultante, considera parte majoritária da doutrina que haveria uma espécie de dever ipso jure de adaptação ou dever de antecipar e cooperar na adaptação, logo, dever de renegociar.
Na Alemanha fora a jurisprudência comercial que a boa-fé objetiva se firmou como princípio. E, posteriormente, o BGB antes da reforma sofrida em 2002, reservou dois parágrafos consagrando-o.
A partir desses parágrafos, os juristas alemães começaram a identificar a existência de deveres acessórios ou obrigações adjetas ou anexas decorrentes da própria natureza do vínculo assumido, ainda que não expressas nos contratos, prescindindo, assim, da vontade dos contratantes.
O reconhecimento da evolução da jurisprudência germânica que apontou a boa-fé como fundamento para alterar os contratos que sofreram alterações em decorrência das guerras.
No Brasil, o dever de modificação dos contratos com base na boa-fé e no equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores está expressamente previsto na parte final do art. 6º, inciso V conjugado com o inciso III do art. 4º, ambos do CDC.
Este último determina que a boa-fé sempre deva ser usada como base para harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo.
Também o Código Civil de 2002 positivou a boa-fé objetiva. O art. 422 do C.C. determina que os contratantes sejam obrigados a guardar, tanto na conclusão quanto na execução dos contratos, os princípios de probidade e boa-fé. Ressalte-se que quando as cláusulas gerais conferem certa liberdade ao julgador, ao preencher valorativamente a norma abstrata, vincula o juiz aos fundamentos de sua decisão, que deverá ser orientada pelos melhores valores jurídicos.
Por ser uma norma vaga a que constituiu o princípio da boa-fé objetiva um importante fator de mobilidade do sistema jurídico. Tal cláusula geral, em conjunto com a teoria da base do negócio permitirá ao juiz que adote o caminho mais adequado para a solução do caso concreto.
O CDC estabeleceu também a nulidade de pleno direito das cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, ainda incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Não é nada recente a preocupação com a equidade contratual tendo sido mesmo considerada pelo direito canônico. O Cristianismo não podia suportar a concepção de contrato em que a forma era tudo e a vontade nada produzia.
Mas, não quis assim uma vontade ilimitada, assim imponta o limite pautado na ideia de equidade; de modo que a vontade que o direito canônico estabeleceu foi uma vontade em função das obrigações, cuja peça vital é a equivalência de prestações. E, concluiu Serpa Lopes é que os atos a título oneroso, ao diverso dos a título gratuito, exigem paridade.
Observa-se, portanto, tanto nos contratos de Direito Privado, quanto nos de Direito Público, a preocupação de se atingir, ainda que minimamente, o critério da justiça contratual, exteriorizado na manutenção de relação de equivalência.
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[1] Originalmente a cláusula possuía uma fórmula extensa, posteriormente resumida, qual seja: ” Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur”, conforme lecionou Silvio Salvo Venosa. Todavia, restou mais conhecida apenas como rebus sic stantibus cuja tradução seria “estando assim as coisas”.
[2] A teoria da vontade marginal ou da superveniência, de Osti distingue em dois momentos a realização de pacto de execução sucessiva. O momento da declaração da vontade presente e o momento da execução do contrato (futuro). Denota-se dessa tese a subdivisão da vontade em duas: uma para o efeito do ato, à vontade (desejo) do contratante de assumir a obrigação e outra vontade marginal (superveniente) que corresponde à intenção do contratante em cumprir o contrato. Assim, a vontade marginal ou superveniente é constituída por dois elementos, de representações antecipadas do comportamento do contraente: o primeiro, as dificuldades objetivas oriundas dos aspectos de tempo e local; e o segundo, as dificuldades subjetivas constituídas pelos reflexos das dificuldades objetivas sobre a economia individual do contraente. São as condições objetivas e subjetivas que constituem a entidade econômica da prestação, ou seja, as suas vontades marginais estão limitadas à correlação existente entre a prestação prometida e a prestação a ser cumprida, haja vista que esta poderá ser alterada por acontecimentos supervenientes não previstos na celebração do contrato.
[3] A teoria da vontade eficaz de Kaufmann dispõe que a cláusula rege mesmo quando nenhum dos contratantes a tenha escolhida em sua vontade empírica. Daí resulta que a variação das circunstâncias deve ser tomada em conta quando se puder em prática a finalidade essencial do contrato. Enfim, explicou Kaufmann que não é a vontade empírica que determina as consequências jurídicas, mas a vontade eficaz.
[4] Archille Giovene partindo do erro como vício de vontade e inspirado em Osti, ou seja, distinguindo o ato de vontade da determinação de vontade (vontade contratual) quando vai se pagar e, a vontade marginal, quando se promete pagar, admitia que a parte caía em erro na ocorrência de evento futuro, ocasionado pela divergência dos elementos existentes na conclusão do contrato (suposição ensejadora da determinação da vontade). Assim, a nova realidade surgida, oriunda de fatos supervenientes e imprevisíveis, impossibilitaria que o cumprimento da avença e autorizaria a anulação do contrato por vício de consentimento. Em verdade, a teoria do erro reconhece a existência de duas vontades: a primeira que é a declarada pelas partes, oriunda de falsa representação mental. E, a segunda vontade, a verdadeira, que não expressa no negócio jurídico, em razão do desconhecimento da realidade futura. Assim, se as circunstâncias da base do negócio jurídico alteraram-se profundamente, a prestação não é mais aquela imaginada pelo contratante por ocasião da avença, de modo que na concepção de Giovene estaria configurado o erro, pela ausência de correspondência entre a realidade e a vontade declarada, autorizando a anulação do contrato por vício de consentimento.
[5] A teoria de Hartmann que abrange o dar, fazer ou não fazer da obrigação contratual, substituiu o dever jurídico resultante do contrato pelo dever de esforço ou dever de diligência, pelo qual os contratantes tem o dever de se esforçar ao máximo no sentido de dar cumprimento a obrigação, transformando-se em uma obrigação ética, mais intensa que o mero dever jurídico. Assim, se o devedor se dedicou com empenho para efetivar o cumprimento da prestação, caracterizando que de fato ocorreu esse dever e esforço e verificando-se acontecimento superveniente ou imprevisível que impossibilitasse o cumprimento da prestação, o devedor estará liberado pela cláusula rebus sic stantibus.
[6] A teoria do estado de necessidade de Lehmann e Covielo transfere para direito civil a figura típica do direito penal do estado de necessidade, ou seja, que consiste na situação do agente que, para preservar direito próprio ou de outrem, de perigo iminente a que não deu causa, nem pode impedir, sacrifica direito de terceiro. A imprevisão é justificada pela ocorrência de acontecimento superveniente e imprevisto, que torna a prestação excessivamente onerosa e coloca o devedor em estado de necessidade, liberando-o de seu cumprimento, em razão da nova realidade ocasionada por fatos econômicos.
[7] A teoria do fundamento moral considerava que a ocorrência de fato imprevista, que torna a prestação excessivamente onerosa, poria em conflito as seguintes questões: a) a noção de moralidade superior que requer a equivalência das prestações – justiça comutativa; b) a noção econômica de segurança econômico-jurídica, assegurando fiel cumprimento das convenções nas condições propostas no contrato.
Voirin vai encontrar o predomínio da ideia de moral, no fundamento da regra rebus sic stantibus.
[8] Particularmente após a Primeira Grande Guerra Mundial tornou-se necessário a evolução na teoria contratual tradicional, tornando-se possível a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, pois muitos contratos estavam onerando excessivamente alguma das partes devido às grandes mudanças provocadas pela guerra nos cenários político, econômico e social. A nova concepção de contrato onde seria alterasse a forma de valoração dos princípios basilares da clássica teoria dos contratos. Onde a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos não mais poderiam ser considerados absolutos, pois esta concepção não mais tutelavam os interesses e nem conferiam a devida segurança necessária aos contratantes. Enfim, tal nova concepção contratual sendo mais justa, procura equilibrar as relações contratuais, atingindo desta forma a tão almejada justiça contratual, e amenizando o alcance da pacta sunt servanda e procurando ainda proteger os contratantes que possam sofrer prejuízos decorrentes de eventos supervenientes e que tornem as avenças excessivamente onerosas, possibilitando a revisão contratual. Deste modo, o Estado passou a intervir nos contrato, relativizando o pacta sunt servanda e impondo normas de ordem pública para certas situações.
[9] A expressão latina summa jus, summa injuria segundo a interpretação de Larenz indicava a rígida sujeição a um princípio jurídico, sem considerar a situação em que é aplicado, levando às maiores injustiças.
[10] A teoria do fundamento na extrinsibilidade do fortuito aplicada pela jurisprudência alemã, inglesa e francesa. Parte do princípio de que a obrigação contratual deva ser executada, mesmo que o cumprimento contratual ocasione a falência do contraente. Isso porque as legislações alemã, inglesa e francesa não admitiam o inadimplemento da obrigação por força da teoria da imprevisão. Henri Lalou um dos defensores da imprevisão, assim se manifestou na Semana Internacional de Direito realizada no ano de 1937, em Paris. Assim, os tribunais e a jurisprudência desses países fundamentaram a revisão do contrato na exterioridade de caso fortuito. Noutras palavras, esta teoria não toma como causa da imprevisão a situação particular do devedor ou a sua impossibilidade econômica para a realizar a prestação, mas os efeitos extrínsecos ou uma causa objetiva de impossibilidade do cumprimento da avença.
[11] Georges Ripert foi um dos maiores defensores da incidência da regra moral sobre as obrigações civis, não concorda em princípio com a tese defendida por Voirin, tendo em vista que afirma que a equivalência das prestações por si só não autoriza a revisão dos contratos. É, para Ripert, a desproporção das prestações o fator autorizante para a revisão contratual por influência da regra moral, mas a exploração abusiva do credor, que comete suprema injustiça mediante o uso de seu direito em exigir a prestação, com excessivo rigor, em decorrência de acontecimento superveniente e imprevisível.
[12] O estoicismo foi uma escola de filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio no início do século III a.C.. Os estoicos ensinavam que as emoções destrutivas resultam de erros de julgamento, e que um sábio, ou pessoa com “perfeição moral e intelectual” não sofreria dessas emoções. O estoicismo afirmava que todo universo é corpóreo e governado por um logos divino (noção que fora tomada de Heráclito e melhor desenvolvida pelos estoicos). A alma está identificada com esse princípio divino como parte de um todo ao qual pertence. Assim este logos ou razão universal ordena todas as coisas e tudo surge a partir deste e de acordo com este, graças a este, o mundo é um kosmos (termo que em grego significa harmonia). Os estoicos maias tardios como Sêneca e Epicteto enfatizaram que porque a virtude é suficiente à felicidade, um sábio era imune aos infortúnios. Esta crença é semelhante ao significado de calma estoica, apesar dessa expressão não incluir as visões éticas radicais dos estoicos. Porque apenas um sábio pode ser considerado verdadeiramente livre e, que todas as corrupções morais são todas igualmente viciosas. A ética estoica defende uma perspectiva determinista. Com relação àqueles que não têm a virtude estoica, Cleanto uma vez opinou que o homem ímpio é “como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai”. Já um estoico de virtude, por sua vez, alteraria a sua vontade para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epicteto, “doente e ainda feliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e, ainda assim feliz no exílio e, feliz na desgraça e feliz”, assim afirmando um desejo individual “completamente autônomo” e, ao mesmo tempo, um universo que é “um todo rigidamente determinista”.
[13] A justiça comutativa de Tomás de Aquino fora inspiração da teoria do equilíbrio das prestações de Giorgio Giorgi e Otto Lennel com base no ensinamento do filósofo católico e nos princípios da justiça comutativa, equidade e justiça que sustentaram que na execução do contrato, o vínculo contratual de cada um dos contratantes está ligado ao equilíbrio das prestações. Assim a superveniência de fatos e acontecimentos imprevistos que venham causar desequilíbrio das prestações, tornando-as excessivamente onerosas, afetaria o vínculo contratual que perderia a sua utilidade para uma das partes, justificando desse modo, a resolução desse liame.
[14] TST – Recurso de Revista RR 79200832007505022 19200-83. 2007.05.0022 Data de publicação: 06/09/2013. “(…) Por isso que, a cláusula que contém onerosidade excessiva autoriza, na prática, a resolução do contrato pela parte prejudicada a imortalizar, pela atualidade, as palavras oportunas do saudoso Ministro José de Aguiar Dias: – Ao passo que o brocardo pacta sunt servanda se sujeita, cada vez mais, ao interesse coletivo, a cláusula rebus sic stantibus entra progressivamente na consciência jurídica universal, como corretivo necessário das iniquidades geradas pelas circunstâncias. Posta na fábula, para que mais facilmente penetrasse os espíritos a parábola do homem que matou a galinha dos ovos de ouro, nem assim se convencem os romanistas ferrenhos, de que não é útil, mas pernicioso à coletividade, impor o cumprimento de contrato que arruíne o devedor, conforme a repercussão do empobrecimento do devedor. O próprio credor, conforme a repercussão do empobrecimento do devedor, sofre as consequências de sua intransigência. (…)”.
[15] TRT-2 Recurso Ordinário – RO168420125020 SP Data de publicação: 04/06/2013. Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA. MULTA. CONTRATO LEONINO. Hodiernamente, o direito contratual deve ser encarado como um dos meios pelo qual o homem procura o seu desenvolvimento e distribuição de oportunidades e riquezas, com o escopo de atingir o bem comum, estando, pois, prestigiada no ordenamento jurídico pátrio a função social do contrato, esteiada na ideia de solidariedade social. Na casuística, reputo que o adendo ao contrato de trabalho da ex-empregada de fls. 23/25 nos autos traduz-se em contrato leonino,
eis que prevê vantagens unicamente para o empregador, não podendo ser aceito como válido, porque fere de morte os princípios da função social do contrato e a vedação ao enriquecimento ilícito. Desse modo, concluo que a ex-empregada nada deve a título de multa pelo inadimplemento do contrato que firmou com a autora, seja porque não há nos autos prova da despesa dita como despendida, seja porque, consoante dito anteriormente, trata-se de contrato leonino, no qual são desproporcionais os deveres da ré, ficando demasiadamente favorecida a empresa em detrimento da empregada, o que contraria o princípio geral do direito que veda o enriquecimento ilícito e fere de morte os princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
[16] A máxima da pacta sunt servanda que fora difundida por Beaumanoir e imortalizada por Pothier a quem se atribuiu a crença dominante naquela época de que a convenção é lei ente as partes. O mundo evoluiu e com a superação do mercantilismo também se abandonou a divinização do contrato. O auge do contrato foi aviventado pelo jusnaturalista e para os enciclopedistas do século XVII, a premissa fundamental de todos os poderes era a liberdade humana. O contrato social de Rousseau forneceu a característica marcante da mentalidade daquela época para qual a sociedade nascia de um contrato os indivíduos abdicavam de certos direitos naturais em troca de encontrar maior segurança na vida organizada da sociedade onde outros direitos (e deveres) lhes eram reconhecidos. Assim, nessa época tudo era contrato, o casamento, a adoção e a cidadania.
[17] Recomenda o Enunciado 17 do CJF que o art. 478 do C.C. deve ser interpretado não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio mas também em relação às consequências que ele produz.
[18] A teoria do fundamento da socialização do Direito de Badenes Gasset. O dever de solidariedade social de Leon Duguit inspirou Roman Badenes Gasset a idealizar tal tese, segundo a qual o princípio da obrigatoriedade dos contratos se encornava em posição hierárquica inferior aos direitos coletivos. Aliás, é a teoria mais próxima da realidade contemporânea diante da inegável tendência mundial de socialização do Direito. A concepção é de que se viva com intensidade a existência em sociedade, deixando de lado os interesses particulares e acima deles, colocados como superiores os relativos aos objetivos societários. Assim, a revisão ou resolução contratual estaria autoriza em nome dos postulados de interesse público e de espírito comunitário dos contratantes. O direto privado adapta às novas regras e ideias, frutos de imperiosas necessidades sociais de nossos tempos. Ou acabará totalmente absorvido pelo direito público. O direito se socializa e, consoante Savatier, já se teoria mesmo iniciado seu desenvolvimento. A propósito, a rigor não se pode mais cogitar na clássica dicotomia existente entre direito privado versus direito público, posto que seja impossível a identificar um interesse particular autônomo e isolado do interesse público. Afinal, a ordem jurídica é mesmo unitária com mesma fonte constitucional. Assim o credor deve encarar o devedor não como um contratante isolado, mas sobretudo, como integrante do meio social do qual participa, estando os interesses da sociedade, do coletivo em posição hierarquicamente superior a dos interesses particulares ou privados.
[19] A teoria da situação extraordinária de Bruzin entende que o contrato faz lei entre as partes, sendo que a ocorrência de acontecimentos imprevisíveis modifica o que fora avençado. Assim, Bruzin reconheceu que os contratantes, ao ajustarem o pacto, fazem previsões jurídicas e econômicas sobre todo contexto da contratação. Todavia, esta previsibilidade não é completa, podendo ocorrer uma série de imprevisões. A esta série de imprevisões Bruzin denomina de circunstâncias extraordinárias, em oposições às previsões iniciais efetuadas na contratação, chamadas de circunstâncias formalmente contratuais. Noutras palavras Bruzin baseia-se num sistema que distingue as circunstâncias contratuais a que correspondem às áleas normais dos contratos e as circunstâncias extraordinárias que, correspondem às áleas extraordinárias, anormais e imprevisíveis para ambos os contratantes.
[20] A teoria com fundamento na boa-fé apresentada como regra jurídica que se aplica ao direito contratual em sua generalidade, justificando e fundamentando a revisão contratual nas hipóteses de acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que venham a onerar demasiadamente as prestações devidas. Wendt, de acordo com Osti ao defende este princípio, considera a boa-fé como uma “válvula de segurança” para a aplicação do direito em cada caso concreto, pois o direito não poderia prever todas as possibilidades na execução do contrato. Sendo a boa-fé o fundamento mais correto para a aplicação da cláusula rebus sic stantibus. Tal posicionamento doutrinário fora endossado por Naket que, em abono a tese reconheceu a boa-fé como instrumento da hermenêutica contratual, e apontava como exemplos de aplicação a jurisprudência na Alemanha, Hungria, Polônia e Suíça.
[21] John P. Dawson era membro da Faculdade de Direito de Michigan (1927-1957) quando saiu para integrar o corpo docente da Escola de Direito de Harvard, da qual se aposentou em 1973. Ele permaneceu ativo como professor até 1981 na Escola de Direito da Universidade de Boston e chegou a publicar vários artigos importantes sobre os contratos e a restituição. Morreu em 1985.
[22] Conforme bem descreveu Arnoldo Wald, doutrinador civilista de primeiro escalão realizou-se o eclatement (rompimento) dos contratos a que se referiu Savatier em sua magistral obra intitulada “Metamorfoses econômicas e sociais do direito contemporâneo”. A ruptura do esquema contratual faz com que a lei venha incluir cláusulas que as partes não convencionaram, ou ao contrário, as considere nulas e não escritas pelas partes. Em referência à teoria da imprevisão a chamada Lei de Luvas (Dec. 24.150/34) que regulamentou a renovação locatícia dos imóveis com fins comerciais e industriais, tendo sido mantido na lei 8.245/91 que atualmente disciplina a matéria.