Direito Constitucional

Tiradentes, mito, herói nacional ou apenas um nome para legitimar e implantação da República no Brasil

João do Nascimento[1]

Resumo

O presente artigo pretende-se argumentar sobre a figura de Joaquim José da Silva Xavier, O Tiradentes, personagem que participou da Inconfidência Mineira, movimento ocorrido em Minas Gerais, que pretendia libertar da exploração português e implantar ideais republicanos. O texto descreve a manipulação feita pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, um dos participantes do movimento conspiratório contra a Coroa Portuguesa, indivíduo sem escrúpulos que aproveitou de sua inserção e confiança para participar do movimento, delineou toda a trama em torno de uma delação premiada para livrar das dívidas que tinha com Portugal. Planejou tudo e na oportunidade certa através de uma carta delatou os conjurados em troca do perdão de suas dívidas. Silvério dos reis não tinha compromisso com a ideologia dos inconfidentes, seu objetivo era lucrar com o movimento. O artigo também argumenta e apresenta ideias sobre democracia, política, Lava Jato, Ascensão da direita ao poder, ditadura militar e corrupção no Brasil. Enfim, o texto leva o leitor a uma viagem histórica em torno da figura de Tiradentes e seu delator, para aguçar o pensamento e a interlocução durante a leitura.

Palavras Chave: Tiradentes. Inconfidência Mineira. Delação premiada. Imaginário coletivo.

ABSTRACT

The present article intends to argue about the figure of Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, character who participated in the Inconfidence Minas Gerais, movement in Minas Gerais, who intended to liberate from Portuguese exploitation and implant Republican ideals. The text describes the manipulation made by Colonel Joaquim Silvério dos Reis, one of the participants of the Conspiratory Movement against the Portuguese Crown, unscrupulous individual who took advantage of his insertion and confidence to participate in the movement, outlined the whole plot around an award-winning Get rid of the debts he had with Portugal. He planned everything and the right opportunity through a letter delatated the conjured in exchange for the forgiveness of his debts. Silvério dos kings had no commitment to the ideology of the inconfident, his goal was to profit from the movement. The article also argues and presents ideas on democracy, politics, lava jet, rise from right to power, military dictatorship and corruption in Brazil. Anyway, the text takes the reader to a historic journey around the figure of Tiradentes and his Delator, to sharpen thought and the interlocution during reading.

Keywords: Tiradentes. Inconfident mining. Awarded delination. Collective imaginary.

Joaquim José da Silva Xavier, ou simplesmente o Tiradentes, alcunha que adquiriu devido ao ofício prático de dentista, exercido nos momentos que mais precisou em sua vida.

Tiradentes foi militar, ocupou também a função de Alferes da sexta companhia do regimento de cavalaria de Vila Rica, MG, que atualmente equivale a função de Subtenente da Polícia Militar de Minas Gerais. Tiradentes trabalhou na região conhecida como rota do ouro nas Minas Gerais, acompanhou de perto a exploração tributária do “quinto”, imposto equivalente a 20% (vinte por cento) da produção da mineração.

Tiradentes, assim como outros militares como o coronel Joaquim Silvério dos Reis estavam envolvidos no movimento contra a política tributária portuguesa, que ficou conhecido como Inconfidência Mineira, ou simplesmente um movimento de revolta contra a tributação, injustiças e a violação da liberdade em Minas Gerais.

A função de Alferes ou de Subtenente não tinha muito poder de persuasão como o posto de coronel possui, em razão da hierarquia e disciplina como valores máximos das corporações militares; talvez o leitor possa estar pensando se tinha um coronel que participou do movimento conspiratório contra a tributação portuguesa na capitania das minas gerais, porque foi Tiradentes que levou a fama de mito, de herói e patrono da polícia militar de Minas Gerais? E a hierarquia e disciplina que impõe as funções de direção, coordenação e controle aos oficiais do alto escalão militar? E mais porque se responsabilizou o Tiradentes com a morte e o esquartejamento se havia um oficial do alto escalão envolvido na Inconfidência Mineira? O que o coronel fez para que o Tiradentes adquirisse a maior importância?

Após o ritual da morte e o esquartejamento de Tiradentes, imposto pela rainha D. Maria I, de Portugal para que servisse de exemplo para que outros não se levantassem e conspirassem contra a Coroa Portuguesa, e que sacralizou o dia 21 de abril 1792.

Uma coisa pode parecer intrigante ao leitor deste breve texto, quem delatou o movimento se os inconfidentes se reuniam de maneira secreta e não tinha muito recursos para mostrar que de fato estavam se reunindo com o objetivo de deflagrar uma revolta contra a Coroa Portuguesa. Eis a questão…, quem foi o delator? Quem revelou os planos dos inconfidentes?

Joaquim Silvério dos Reis foi comandante do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Borda do Campo, em Minas, e a história já revelou que o coronel foi o principal delator do movimento de repúdio à exploração portuguesa, ele não era o único por sinal, mas sua palavra tinha peso, pois fazia parte da nobreza colonial em Minas Gerais, tinha minas de ouro, fazendas e dívidas com a coroa portuguesa, e se corrompeu, delatou o movimento em troca do perdão de sua dívida.

O Alferes, sem saber, envolveu numa trama que não poderia ter terminado diferente, pois sendo ele e o coronel Joaquim Silvério dos Reis, ambos militares envolvidos no movimento conspiratório, certamente, Silvério dos Reis tinha planos que Tiradentes desconhecia, e com isso o delator viu no movimento conspiratório, a oportunidade de se livrar das dívidas com a coroa portuguesa, entregando o “irmão” de farda aos seus algozes, ou seja, aos desígnios e julgamentos dos representantes da coroa no Rio de Janeiro e em Vila Rica.

Lucas Figueiredo narra que o coronel Joaquim Silvério dos Reis não possuía escrúpulos, o que lhe interessava é o lucro a qualquer custo, vejamos:

O custo pago pelo delator foi alto, e os prêmios que ganhou foram altíssimos. Tudo previsto. Sem possuir qualquer traço de caráter ou culpa, a única coisa que importava a Silvério dos Reis era o lucro — não à toa, ele era conhecido como “melhor calculador”. (FIGUEIREDO, 2018)

Fica evidente que Silvério dos Reis não ligava de ser chamado de traidor, delator, afinal havia uma macula de caráter, só lhe interessava o lucro, mas porque o interesse pelo lucro desenfreado, a ponto de dedurar um movimento que ele fez parte.

Silvério dos Reis juntou-se aos conjurados, mas não por compartilhar das aspirações político-filosóficas do movimento. Resolveu apostar suas fichas na sedição visando exclusivamente seus interesses pessoais, sobretudo um ponto específico: o cancelamento de sua gigantesca dívida com o erário, a quinta maior de Minas Gerais. O contratador devia 220 contos de réis aos cofres da administração colonial, o equivalente a 765 anos do soldo de Tiradentes como alferes da cavalaria.

Não restam dúvidas que Joaquim Silvério dos Reis planejou passo a passo como delatar os conjurados da Inconfidência Mineira e com isso obter vantagens com a chamada delação premiada que perdoaria sua enorme dívida com o erário português.

O português através de uma carta em 11 de abril de 1789, delatou ao governador de Minas Gerais, á época, o Visconde de Barbacena, denunciando a uma conspiração em Vila Rica, cujo objetivo era proclamar uma República que pretendia a libertação do Brasil das amarras de Portugal.

O fidalgo Joaquim Silvério dos Reis, ao que mostra a História, infiltrou no movimento para saber das tratativas, e no momento certo levar ao conhecimento da Coroa portuguesa que integrantes da colônia brasileira estavam cometendo o “crime de lesa-majestade”[2], conspirando e tentando desestabilizar o domínio português. Plano ardiloso do delator, afinal a delação premiada ocorreu conforme o programado e o movimento foi contido pelos representantes de Portugal no Brasil.

Assim, Joaquim José da Silva Xavier é preso em 1789 e em 1792 é morto, esquartejado como mentor da Inconfidência Mineira, será que realmente foi o mentor que objetivava com seus ideais libertar da exploração portuguesa as capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; ou foi manipulado pelo coronel Silvério dos Reis, para que pudesse se livrar das dívidas com a Coroa Portuguesa, e não ser levado à morte, como ocorreu com o Alferes, e com a “delação premiada” ser beneficiado com o perdão da dívida junto a Portugal.

A época em que o Alferes viveu é parecida com o Brasil contemporâneo, onde os bastidores do poder, a corrupção, as delações, o esquartejamento de reputações visando à punição a qualquer custo se impõe sob a chancela legal.

Se a Coroa Portuguesa considerou o Alferes como responsável pelo movimento conspiratório, certamente o Silvério dos Reis também o era, pois representava os interesses da coroa portuguesa nas Minas Gerais, mas tinha um diferencial, era um coronel nas Minas coloniais, era pertencente a nobreza local e motivado por interesses puramente econômicos; afinal, vendeu sua alma e trocou a cabeça do Alferes pelo da dívida com a Coroa Portuguesa.

Assim, a figura do Tiradentes permaneceu no ostracismo social e no esquecimento até 1889, quando os discursos em torno da ideia de República ganharam dimensão e os idealizadores do projeto republicano viram no Tiradentes uma figura adequada e oportuna para legitimar a República, afinal, O Alferes foi morto por discordar da exploração tributária portuguesa, e visava a liberdade e o rompimento dos tentáculos e amarras portuguesas no Brasil, conforme descreveu o historiador José Murilo de Carvalho na obra “Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil “[3], que versa sobre a construção do imaginário social em torno da figura de Tiradentes.

Nos momentos de crise ou de ruptura, uma nação se apodera de supostos heróis nacionais com símbolo para introjetar na mente e no inconsciente coletivo a ideia de coesão, e de que aquele mito, aquela figura apropriada representa as aspirações sociais.

Dessa forma, ocorreu no período de ruptura com o Segundo reinado e implantação da República em 1889; com a ditadura militar em 1964; com a redemocratização em 1985, com Fernando Collor de Mello e o slogan de “caçador de marajás”, e recentemente entre 2016 e 2018, com o projeto de um super juiz responsável por processos que se baseou no suposto combate a corrupção e intitulou-se “Operação Lava Jato” e assim, iniciou-se a caça aos corruptos de colarinhos brancos, como chamavam no auge das operações que causaram comoção nacional.

A sensação de justiça a qualquer custo era imensa, o povo ficava em estado de êxtase com a atuação do juiz, e isso culminou com o fortalecimento de políticos de direita, e integrantes das Forças Armadas que ascenderam e conquistaram o poder pela via democrática em 2018, e instituíram ideais que reforçam o poder das forças armadas aos patamares tais quais ocorreram de 1964 a 1985, sem ao menos ter em mente que chegaram ao poder pela via democrática e que assim deve permanecer, afinal de contas na política se tem adversários que pensam diferente e não inimigos do Estado que precisam sem combatidos.

A atividade política exige diálogo, discussão pública, urbanidade, decoro parlamentar, probidade administrativa e respeito às ideias diversas, mesmo que não haja concordância com elas, isso é a essência da democracia.

Enfim, o mito em torno da figura de Tiradentes possui força quando pode ser usado para o diálogo, para a proteção da liberdade de expressão, o repúdio a censura quando um cidadão do povo manifesta seu descontentamento com as políticas públicas e sociais; afinal, um governo qualquer que seja sua inclinação ideológica, de direita ou de esquerda, conservador ou liberal, deve ser voltado para melhorar a sociedade, promover a tão sonhada redução da disparidade social, promovendo políticas socioeconômicas que tenha como foco o povo, economia sustentável e a educação de qualidade que valorize os talentos acadêmicos e evite a evasão de cérebro para outros países.

Uma nação democrática aparelha e prepara suas forças armadas para a proteção da soberania nacional, distanciando-as do universo político, principalmente aqueles integrantes que ainda estiverem no serviço ativo; afinal o papel das forças armadas é a proteção da soberania do Brasil e não o uso ideológico e político de tais instituições.

A construção imaginária em torno do mito de Tiradentes deve ser utilizada para mostrar que ele foi um indivíduo que mesmo nas contradições que a Inconfidência Mineira teve, o objetivo original do movimento era a proteção da liberdade, a redução da interferência portuguesa do Brasil, mesmo que de forma local, visava combater o arbítrio português que ditava regras predatórias de exploração econômica; enfim, é a voz de um morador das Minas Gerais que pretendeu um Estado livre da fúria tributária portuguesa, onde as riquezas aqui exploradas fossem o motor do desenvolvimento regional e nacional. Parece utopia, mas Tiradentes sonhou e pretendeu um Estado livre, mesmo na sua inocência em confiar em pessoas que não mereciam crédito de confiança.

Tiradentes pode sim ser herói, na medida em que sucumbiu na luta contra a exploração predatória das riquezas do Brasil, em defesa da liberdade econômica nacional e o combate as injustiças nas políticas portuguesas em relação ao Brasil.

Tiradentes na sua luta virou mito construído, mas ele foi incorporado aos ideais da democracia porque ela é maior que um indivíduo, ela representa os ideais e anseios do povo no contexto social, político, econômico e cultural; é ela que mantém as pessoas sonhando e trabalhando na esperança de se construir um país digno e fraterno, onde a solidariedade e o respeito à dignidade das pessoas possam ser valores comuns do dia a dia.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

FARIAS, Delmiro Ximenes de. O crime de lesa-majestade no caso da inconfidência mineira: tipificação, fontes do direito e silêncio infiel. 2019. 134 f.: Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.

FIGUEIREDO, Lucas. A história de um delator. Disponível em: < https://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/A-historia-de-um-delator> Acesso em 17 de abril de 2022.



[1]Advogado, com a seguinte formação: pós-graduação em Direito Militar, em Direito Penal e Processual Penal, em Docência do Ensino Superior, em História da Ciência, em História e Cultura Mineira e professor licenciado em História; e autor de diversos artigos Jurídicos, Filosofia e Sociologia. Contato: e-mail: adv.joao.20@gmail.com

[2] Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.

[3] Ver o livro de José Murilo de Carvalho “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil”.

Como citar e referenciar este artigo:
NASCIMENTO, João do. Tiradentes, mito, herói nacional ou apenas um nome para legitimar e implantação da República no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/tiradentes-mito-heroi-nacional-ou-apenas-um-nome-para-legitimar-e-implantacao-da-republica-no-brasil/ Acesso em: 20 nov. 2024
Sair da versão mobile