UNCONSTITUTIONAL OMISSION AND CONTROL INSTRUMENTS
Gustavo Henrique Vieira dos Santos Fraga[1]
Luíz Fernando Cleim da Silva[2]
Livia Vieira Lisboa[3]
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo entender como o direito trata uma das grandes problemáticas enfrentadas pelo direito constitucional atual, ocasionadas pela inércia do Estado. A omissão é um tema que nos remete à elaboração da própria Carta Magna de 1988, fazendo-nos refletir se o constituinte tomou atitudes corretas ao transferir determinadas ações ao Estado para que este efetivasse direitos. É possível perceber ainda que o instituto da omissão, não analisado de forma zelosa pode chegar a gerar violação a princípios constitucionais e garantias fundamentais, inclusive no momento de seu controle judicial, o que resulta em uma grande insegurança jurídica. A própria Constituição Federal de 1988 estabelece mecanismos para o controle da omissão, mas por vezes esses mecanismos restam ineficazes, resultando na não efetivação de normas constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: omissão; inconstitucionalidade; Direito Constitucional
ABSTRACT: This work aims to understand how the law deals with one of the major problems faced by current constitutional law, caused by the inertia of the State. Omission is a theme that takes us back to the elaboration of the 1988 Magna Carta itself, making us reflect on whether the constituent took correct attitudes when transferring certain actions to the State so that it could enforce rights. It is also possible to perceive that the institute of omission, not carefully analyzed, can lead to violation of constitutional principles and fundamental guarantees, even at the time of its judicial control, which results in great legal uncertainty. The Federal Constitution of 1988 itself establishes the control for the control of omission, but sometimes these controls remain ineffective, effective in the non-effectiveness of constitutional norms.
KEY-WORDS: omission; unconstitutionality; Constitutional Law
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Teoria da Norma Cosntitucional. 3. Da definição de inconstitucionalidade. 4. Dos instrumentos de controle judicial das omissões inconstitucionais. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
Ao elaborar a Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte definiu já no Brasil já no artigo 1º como sendo um Estado Democrático de Direito, e no mesmo Título I dos Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil, especificamente no artigo 3º, estabelece objetivos fundamentais a serem observados pelo Estado.
Com base nisso, foram estabelecidas diversas determinações constitucionais ao Poder Público para que esses objetivos fossem de fato alcançados e todos os direitos constitucionalmente assegurados fossem também executados.
Ao transferir ao Estado o dever de, em momento posterior à promulgação da Carta Magna, criar os mecanismos nela também indicados para que esses direitos fossem executados e os objetivos alcançados, permitiu o constituinte a possibilidade de haver uma grande demora em agir da forma esperada. E em muitos casos essa demora ocorreu e tem ocorrido.
O Estado tem o dever de assegurar o exercício de direitos constitucionalmente estabelecidos, devendo assim agir para tanto. Todavia, essa ação não ocorre da forma como deveria e a omissão Estatal é uma realidade que causa certa insegurança ao sujeito desses direitos constitucionais.
Essa problemática é enfrentada continuamente em discussões levadas ao Poder Judiciário que utiliza os instrumentos que a própria Constituição Federal lhe atribuiu competência para utilizar com a finalidade de resolver esses embaraços causados.
Neste trabalho serão explanados esses problemas, a posição em que se encontra a Constituição de 1988 com relação a todo o ordenamento jurídico, baseando-se nas ideias defendidas por Hanz Kelsen, onde verificaremos a posição de supremacia da Constituição Federal em face dos demais diplomas legais e das normas de preceito secundário.
Também serão tecidos comentários com relação à omissão do Estado, o que resulta em desrespeito ao texto constitucional por não realizar atos que são indispensáveis ao alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito.
Além disso, veremos quais os instrumentos que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu ao Poder Judiciário para que esse buscasse a solução para o problema da omissão e até que ponto esses instrumentos também possuem eficácia.
2. TEORIA DA NORMA CONSTITUCIONAL
2.1 Da hierarquia das normas
Tem-se por certo que a Constituição de um Estado é o que balisa todo o ordenamento jurídico que o rege. Logo, as normas nela contidas estão em um estágio superior às demais espécies normativas do ordenamento. Nesta feita entende-se que em um ordenamento jurídico a Constituição deve ser o sustentáculo, e as demais normas devem nela se basear para produzir seus efeitos.
Marcelo Novelino define de forma clara o como se estabelece a hierarquia das normas dentro de um sistema jurídico:
As normas de um ordenamento jurídico costumam ser ordenadas em diferentes níveis hierárquicos, de acordo com a sua pertinência a um sistema e com as fontes de sua emanação. Como o direito possui a particularidade de regular sua própria criação, uma norma pode determinar não apenas o processo pelo qual outra norma é produzida, mas também o conteúdo da norma a produzir.[4]
Em seus estudos, Hans Kelsen estabeleceu a mais clássica e tradicional teoria com relação à hierarquia das normas, à qual chamou de “Teoria da formação escalonada do sistema jurídico”. O autor defendeu que dentro de um sistema existe uma graduação entre as normas jurídicas, podendo os graus superiores determinar, em grande ou pequena medida, os graus seguintes. Kelsen ainda nos apresenta duas diferentes graduações: sistema escalonado segundo o condicionamento jurídico e sistema escalonado segundo a força derrogatória.
O sistema escalonado segundo o condicionamento jurídico é caracterizado pela diferenciação entre as normas jurídicas que regulam a elaboração (regras de elaboração de direito) e as disposições jurídicas, podendo essas normas produtoras de direto ser consideradas “superiores”, enquanto as disposições jurídicas elaboradas de acordo com elas são consideradas “inferiores”.
Com relação ao sistema escalonado segundo a força derrogatória, é levada em consideração a divisão das formas jurídicas, onde as disposições jurídicas elaboradas de acordo com as mesmas regras de produção possuem a mesma forma jurídica. Neste caso, as normas dividem-se de acordo com o critério de sua força derrogatória, sendo considerada superior a forma de direito cujas disposições derrogam preceitos em outra forma jurídica. Aplicando esse sistema ao ordenamento jurídico brasilerio, verifica-se que a norma constitucional possui força derrogatória com relação às normas legalmente previstas, o que não ocorre no inverso.
Com relação ao ordenamento jurídico brasileiro, a hierarquia é estabelecida da seguinte forma: a Constituição Federal ocupa o nível mais alto, juntamente com as Emendas Constitucionais e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional nos termos do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (acrescentado pela Emenda Constitucional 45/2004). Em seguida, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, estão os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados de acordo com sistemática prevista no artigo 47 da Constituição Federal (utilizada antes da Emenda Constitucional 45/2004), os quais possuem status supralegal, ou seja, estão situados acima da legislação ordinária mas abaixo do texto constitucional.
Abaixo estão os atos normativos primários, que possuem como fundamento imediato de validade a Constituição Federal, os quais são: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e as resoluções da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional. Os tratados e convenções internacionais que não versem sobre direitos humanos são incorporados ao ordenamento jurídico interno com força de lei ordinária.
Por fim estão os atos normativos secundários, ou seja, os decretos regulamentares expedidos pelo Chefe do Poder Executivo para a execução das leis (nos termos do que prevê o artigo 84 da Constituição Federal), que têm como fundamento de validade as leis a que estão materialmente subordinados, e, como fundamento indireto, a Constituição.
2.2 Da eficácia das normas constitucionais
Após analisarmos os estudos de Hans Kelsen sobre a hierarquia das normas e identificarmos que a Constituição está em um patamar superior e todas as outras normas são consideradas infraconstitucionais, uma vez que estão em um nível inferior, cabe-nos estudar a capacidade de produzir efeitos das normas constitucionais, ou seja, a eficácia. O conceito de eficácia comporta dois sentidos, os quais são: eficácia social e eficácia jurídica.
Eficácia social consiste na efetividade da norma, ou seja, o grau de obediêcia e aplicação que se dá a determinada norma. É a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, designando assim o fenômeno de sua completa observância nos meio socia que visa regular.
Por outro lado a eficácia jurídica é a capacidade de se atingir os os objetivos previstos na norma. Indica a possibilidade de aplicação jurídica da norma. A eficácia jurídica surge com o nascimento da norma.
Toda norma possui eficácia jurídica, todavia nem toda norma possui eficácia social. Assim, conclui-se que a eficácia jurídica é pressuposto da eficácia social.
Com relação à eficácia jurídica das normas, prevalece na doutrina brasileira a teoria tripartite, defendida por José Afonso da Silva. O autor defende que não há norma destituída de eficácia jurídica. O que ocorre é que determinadas normas estão aptas por sí próprias a desencadear os efeitos pretendidos quando de sua criação, dependendo assim da criação de uma norma que a complemente.
Desta forma, todas as normas são dotadas de eficácia, existindo assim uma variação para mais ou para menos no grau de eficácia e aplicabilidade dessas normas. Com base nisso, José Afonso da Silva classificou as normas constitucionais em três grupos distintos: normas constitucionais de eficácia plena, normas constitucionais de eficácia contida, normas constitucionais de eficácia limitada.
2.2.1 Normas de eficácia plena
São as normas que têm aplicação imediata, independentemente de regulamentação posterior, uma vez que já estão aptas para produzir seus efeitos desde sua entrada em vigor.
Se estabelecermos um paralelo com a doutrina norte-americana (teoria bipartite da eficácia jurídica das normas constitucionais), aqui difundida por Ruy Barbosa, podemos dizer que as normas de eficácia plena são consideradas normas autoaplicáveis (self-executing), e essa aplicabilidade que lhes é atribuída é direta, imediata e integral.
Marcelo Novelino define como precisa a regulamentação contida nessa modalidade de norma: “As normas de eficácia plena possuem todos os elementos e requisitos para asua incidência direta, isto é, sua regulamentação normativa é precisa a ponto de possibilitar que dela seja extraída a conduta positiva ou negativa a ser seguida.”[5]
Como exemplo de norma constitucional de eficácia plena, citamos o artigo 18 da Constituição Federal de 1988: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”[6]
São, portanto, normas que já contém em si todos os elementos necessários para sua plena aplicação, sendo desnecessário que uma lei infraconstitucional a regulamente, mas permite tal regulamentação.
2.2.2 Normas de eficácia contida
Essas normas também possuem eficácia plena, ou seja, são autoaplicáveis, todavia estão passíveis de serem restringidas pela atuação do poder legislativo através da criação de normas infraconstitucionais. Dessa forma, enquanto não sobrevier lei que reduza a eficácia, essas normas possuem eficácia plena e aplicabilidade integral.
Como exemplo trazemos o artigo 5º, XIII da Constituição Federal de 1988: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”[7].
As normas de eficácia contida possuem assim aplicabilidade direta, imediata, mas não integral. Esse fenômeno decorre do fato de estarem estas normas sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite a eficácia a elas atribuídas.
Apesar de se conferido ao legislador restringir a eficácia das normas através da edição de normas hierarquicamente inferiores, este não o pode fazer de forma desmedida, devendo sempre respeitar a vontade do constituinte, assegurando a manutenção do conteúdo mínimo das normas. O apelo ao legislador ordinário busca tão-somente a restrição da plena eficácia para regulamentar direitos subjetivos decorrentes dessas normas para os cidadãos, indivíduos ou grupos, sem atingir a essência das normas.
Em comparação com as normas de eficácia limitada (que serão estudadas em seguida), essas diferenciem-se na aplicabilidade, uma vez que enquanto não houver lei que as regulamente, as normas de eficácia limitada não possuem aptidão suficiente para serem aplicadas, enquanto as normas de eficácia contida, na ausência de lei regulamentadora possuem eficácia plena.
Resta, pois, demonstrado que a norma constitucional de eficácia contida, embora não dependa de lei regulamentadora para ser aplicada, pode ter sua abrangência reduzida por outra norma.
2.2.3 Normas de eficácia limitada
Como já explanado acima, são normas que dependem da intervenção legislativa infraconstitucional para sua a efetivação de sua aplicabilidade, uma vez que possui aptidão insuficiente para atingir os objetivos para os quais foram criadas.
Uma vez que reclemam a atuação do legislador para a edição de uma norma infraconstitucional que traga eficácia para que a norma possa cumprir os objetivos desejados pelo constituinte, as normas de eficácia limitada são consideradas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Essas normas apresentam-se divididas em dois grupos distintos, a saber: normas constitucionais de princípio institutivo e normas constitucionais de princípio programático.
- Normas constitucionais de princípio institutivo: são normas que visam a criação de órgãos ou entidades, sendro traçados pelo constituinte esquemas gerais de estruturação desses organismos, institutos ou entidades, que deverão ser etruturados em definitivo posteriormente através da criação de leis. Podem também ser consideradas como normas de princípio orgânico. Como exemplo dessas normas trazemos o § 2º do artigo 91 da Constituição Federal de 1988: “A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional.”[8]
- Normas constitucionais de conteúdo programático: são normas que estabelecem diretrizes a serem seguidas pelos órgãos, com a finalidade de que sejam realizadas determinadas atividades para a efetivação dos fins sociais do Estado, através da implementação de determinados programas de governo e da veiculação de políticas públicas. Como exemplo temos o artigo 182, caput, da Constituição Federal de 1988:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.[9]
O principal problema enfrentado com relação à efetivação dos direitos contidos nas normas de eficácia limitada é a inércia do poder público com relação à realização da ativade estabelecida na Constituição.
Assim, instrumentos como a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandando de Injunção são remédios essenciais que o constituinte estabeleceu na constituição para a efetivação de direitos constitucionais através da utilização do aparato jurisdicional, o que será explanado de forma mais profunda adiante.
Apesar de não ter, momentaneamente, eficácia social, essas normas sempre terão o condão de revogar as normas do sistema jurídico que com ela colidam, além de impedir o ingresso no ordenamento de normas incompatíveis com seus preceitos.
3. DA DEFINIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Antes de conceituarmos o que é inconstitucionalidade, cabe-nos entender primeiramente os motivos de sua existência. Para tanto vamos entender dois princípios que norteiam o direito Constitucional, os quais são: princípio da supremacia constitucional e princípio da compatibilidade vertical das normas.
O princípio da supremacia constitucional estabelece que dentro do ordenamento jurídico a Constituição Federal está em uma posição de superioridade em relação às demais normas que nela estão baseadas, conforme já explanado anteriormente. José Afonso da Silva analisa os efeitos que essa supremacia constitucional geram dentro do ordenamento e afirma que “todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal”[10].
Essa supremacia constitucional é dividida pela dontrina entre supremacia material e supremacia formal. Com relação à supremacia material, esta é decorrente do conteúdo da Constituição, enquanto a supremacia formal decorre do processo de elaboração das normas.
Em decorrência do princípio da supremacia constitucional, observa-se a existência do princípio da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, o qual estabelece que para que seja válida, uma norma precisa ser produzida de acordo com seu fundamento de validade, logo, os atos normativos primários devem ser produzidos de acordo com a Constituição e, consequentemente, os atos normativos secundários devem ser produzidos de acordo com os atos normativos primários.
Assim sendo, podemos conceituar inconstitucionalidade como a desconformidade do comportamento estatal em face da norma constitucional. Nesta esteira, verifica-se que a inconstitucionalidade se dá através de um comportamento positivo ou negativo do Estado, ou seja, pode ocorrer tanto por meio de um ato praticado contra uma norma constitucional, como em razão da inércia do poder público diante de uma norma constitucional que determina um agir. De uma forma ou de outra, ocorre uma incompatibilidade entre a atuação do Estado e a previsão constitucional.
Deve-se levar em consideração que, para que haja inconstitucionalidade, o ato praticado pelo poder público em descompasso com a Constituição deve ser direto e imediato.
3.1 Das espécies de inconstitucionalidade
A inconstitucionalidade pode apresentar-se sob diferentes aspectos, os quais passaremos a elencar:
- Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material: a inconstitucionalidade formal é decorrente tanto do vicio de incompetência do órgão de onde provém o ato normativo, como da inobservância do precedimento legislativo constitucionalmente estabelecido. Por outro lado a inconstitucionalidade material refere-se ao conteúdo do ato praticado, sendo este contrário às normas constitucionais, as quais serve de paradigma material para o controle da constitucionalidade dos artos praticados pelo poder público;
- Inconstitucionalidade total e parcial: a inconstitucuinalidade é total quando a desconformidade atinge o ato praticado por completo, podendo ser parcial quando atinge apenas parte do ato;
- Inconstitucionalidade originária e superveniente: considera-se originária a inconstitucionalidade que surge com a origem do ato, por violar a norma constitucional em vigor. A inconstitucionalidade superveniente se manifesta posteriormente devido a uma alteração constitucional ou a uma nova interpretação da constituição;
- Inconstitucionalidade antecedente e consequente: antecedente é a inconstitucionalidade que decorre de uma violação imediata e direta da constituição, enquanto a inconstitucionalidade consequente decorre de efeito reflexo da antecedente, ou seja, é inconstitucional um ato normativo secundário que decorra de um ato normativo primário inconstitucional.
Ante todo o explanado, conclui-se que o Estado, por meio de atos praticados por seus órgaos, pode transgredir o texto constitucional de por meio de diversas ações, manifestadas de diversas formas. Todavia, não somente o agir pode ser o meio transgressor da constituição, como também a inércia, ou a omissão estatal ante o dever agir como prevê o texto constitucional. Sendo assim, averiguaremos a seguir como se dá a inconstitucionalidade por omissão.
3.2 Da omissão inconstitucional
Como já dito anteriormente, sabe-se que a inconstitucionalidade se dá não somente no agir, mas também no deixar de agir, tal qual defende Dirley da Cunha Júnior:
(…)é tão inconstitucional uma ação normativa estatal em contraste com a Constituição, como uma omissão indevida em face desse mesmo diploma. Há, pois, omissão inconstitucional quando, devendo agir para tornar efetiva norma constitucional, o poder público cai inerte, abstendo-se indebitamente. Mas essa omissão pressupõe o não cumprimento de uma norma constitucional individualizada, ou seja, certa e determinada.[11]
Em suma cabe dizer que, com base na explanação feita no início deste trabalho, verifica-se que somente ocorre a omissão Estatal quando este tem o dever de agir previsto na constituilçao para a efetifalção de uma norma que por si só não é capaz de produzir seus efeitos, ou seja, somente existe a omissão inconstitucional em decorrência da existência de normas constitucionais de eficácia limitada. Logo, é possível afirmar que se todas as normas fossem de eficácia plena, não haveria que se falar em omissão inconstitucional, uma vez que não seria conferido ao poder público o dever de agir para a efetifação de tais normas pois elas produzem efeitos por si próprias.
Essa inércia estatal de forma legislativa ou administrativa têm como resultado o que podemos chamar de manutenção da ineficácia social de uma norma constitucional, pois enquanto não houver uma ação a norma restará inaplicável e não produzirá os efeitos pretendidos pelo legislador constituinte quando de sua criação. Dirley da Cunha Júnior ainda reforça:
A inconstitucionalidade por omissão, portanto, opera no campo da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, em especial, daquelas que demandam integração legislativa ou material dos órgãos de direção política, entre as quais figuram as normas programáticas definidoras de direitos sociais (…).[12]
A inconstitucionalidade por omissão pode se manifestar de duas diferentes formas, a saber: total e parcial:
- Inconstitucionalidade por omissão total: a omissão inconstitucional será total quando da abstenção integral do Estado em agir de forma a cumprir o estabelecido na Constitucional. Sua identificação é simples, tendo em vista que se configura com a mera inércia estatal quando deveria agir para dar aplicabilidade a determinada norma constitucional.
- Inconstitucionalidade por omissão parcial: a omissão inconstitucional será parcial quando o Estado agir de forma insuficiente para atender os termos constitucionalmente exigidos. Por vezes existe uma confusão na identificação da omissão parcial pois pode ser também configurada como uma ação inconstitucional, tal qual ocorre em casos de omissões decorrentes de atos que concretizam determinadas imposições constitucionais e favorecem determinadas pessoas, grupos ou situações em detrimento de outrem, o que viola o princípio da igualdade.
Por fim, conclui-se que uma das grandes questões enfrentadas no âmbito do direito constitucional é a inaplicabilidade de determinadas normas constitucionais por inércia do poder público, prejudicando assim o gozo de direitos constitucionalmente estabelecidos.
4. DOS INSTRUMENTOS DE CONTROLE JUDICIAL DAS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS
A existência das omissões inconstitucionais é um risco assumido pelo legislador constituinte quando da elaboração da Constituição, tendo em vista que delegou ao legislador infraconstitucional e ao administrador do poder público a função de agir de forma a dar aplicabilidade a diversas normas, e com a promulgação da Constituição também já estavam estabelecidas as omissões inconstitucionais, as quais seriam sanadas com o decorrer do tempo.
Em sua obra, Pedro Lenza define didaticamente a inconstitucionalidade por omissão como uma “doença” denominada “síndrome da inefetividade das normas constitucionais”[13], que deve ser “curada” por meio de “remédios constitucionais”.
Prevendo a possibilidade de que as omissões pudessem perdurar por um período de tempo maior que o “razoável”, o constituinte estabeleceu no texto constitucional dois instrumentos para que fosse realizado pelo Poder Judiciário o controle dessas omissões inconstitucionais, são eles: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção.
O Ministro Gilmar Mendes em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3682 deixa visível a importância desses instrumentos para sanar as omissões inconstitucionais: “O constituinte de 1988 emprestou significado ímpar ao controle de constitucionalidade da omissão com a instituição dos processos de mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade da omissão.”[14]
Reconhece-se assim a necessidade de utilização desses instrumentos quando comprovada a “existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao inequívoco dever de legislar, decorrente de comando da Constituição.”[15]
4.1 Da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
Influenciada pela Constituição portuguesa de 1976, a Contituição Federal de 1988 inovou ao criar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão para resolver o problema da inércia do poder público, uma vez que essa falta de ação “ameaça comprometer a efetividade da Constituição”[16]. Assim, foi estabelecida pelo constituinte no artigo 103, § 2º da Constituição Federal de 1988 a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade por omissão em ação direta de inconstitucionalidade:
§ 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.[17]
Desta forma, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por objetivo assegurar a supremacia e a força normativa da Constituição, com relação às normas que dependam de alguma medida a ser tomada pelo poder público. Sua finalidade é a defesa objetiva da Constituição.
Assim como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação, Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, esta modalidade de ação é instrumento para a realização de controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, a decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade por omissão possui efeitos erga omnes, logo os efeitos da decisão vinculam a todos.
Desta forma Dirley da Conha Júnior define com clareza a ação direta de inconstitucionalidade por omissão:
Partindo dessa perspectiva, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser compreendida como um efetivo instrumento de controle concentrado-principal das omissões do poder público, destinado a suprir, de forma geral e abstrata, a inércia inconstitucional dos órgãos de direção política em débitos na atividade de realização das imposições constitucionais. Assim, deve-se ter em conta que, com essa ação de controle abstrato das omissões, o constituinte quis superar, em favor da supremacia e efetividade da Constituição, o estado de inconstitucionalidade decorrente das omissões do poder público.[18]
Por ser modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, possui procedimento especial, regulado pela Lei n. 9868/99, seguindo os parâmetros de competência e legitimidade previstos nos artigos 102 e 103 da Constituição Federal.
Nos termos do que prevê o artigo 102, I, a da Constituição Federal, é competência originária do Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o que decorre do fato de este ser o guardião da Constituição. Da mesma forma ocorre nos Tribunais de Justiça dos Estados com relação às Constituições Estaduais.
O artigo 103 por sua vez estabelece os legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, os quais são: Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
O entendimento juriprudencial do Supremo Tribunal Federal dividiu os legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão em dois grupos, sendo o primeiro denominado legitimados universais, composto pelo Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no congresso nacional, os quais não precisam comprovar pertinência temática para propor a referida ação, e o segundo grupo composto por Governador de Estado ou do Distrito Federal, Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e con federação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, sendo que estes precisam comprovar interesse de agir, ou seja, comprovar a pertinência temática.
Vale ressaltar que a legitimidade ativa conferida pela Constituição para a propositura de ações de controle concentrado te constitucionalidade possui caráter objetivo, tendo em vista que a finalidade dessas ações é a defesa da ordem jurídica, não se destinando assim à proteção de relações subjetivas.
A petição inicialna ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve indicar a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa e o pedido com suas especificações, e ser apresentada em duas vias, com cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação de omissão, nos termos da previsão contida no artigo 12-B da Lei n. 9868/99. A petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improcedenteserão liminarmente indeferidas pelo relator, cabendo agravo da decisão que indeferir a petição inicial, nos termos do artigo 12-C da Lei n. 9868/99. Não é admitida desistência da referida ação (artigo 12-D da Lei n. 9868/99).
O artigo 12-F da Lei n. 9868/99 estabelece a possibilidade de concessão de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão:
Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.[19]
A medida cautelar pode consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo impugnado, em caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou outra providência a ser fixada pelo Tribunal, nos termos do previsto no § 1º do artigo 12-F da Lei n. 9868/99. Se julgar indispensável, o relator ouvirá o Procurador-Geral da República no prazo de três dias, nos termos do § 2º do artigo 12-F da Lei n. 9868/99.
No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada aos representantes judiciais dos requerentes e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional a sustentação oral, na forma que estabelece o Regimento do Tribunal, de acordo com o artigo 12-F, § 2º da Lei n. 9868/99.
Caso seja concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diária Oficial da União e do Diário da Justiça da União, a parte dispositiva da decisão no prazo de dez dias, conforme estabelece o artigo 12-G da Lei n. 9868/99, devendo solicitar informações à autoridade ou órgão responsável pela omissão inconstitucional, observando o que dispõe o artigo 6º da mesma Lei. As informações devem ser devem ser prestadas no prazo de trinta dias contado recebimento do pedido.
De acordo com o § 1º do artigo 12-E da Lei n. 9868/99, os demais legitimados que não figurarem no polo ativo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão podem sem manifestar, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documento úteis para examinar a matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais.
A defesa da norma impugnada nas ações de controle concentrado de constitucionalidade é realizada pelo Advogado-Geral da União, nos termos do que estabelece o artigo 103, § 3º da Constituição Federal: “Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.”[20]
Ocorre que no caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão não há norma impugnada, mas sim, a inatividade estatal face ao dever constitucional de agir para dar aplicação a determinada norma é que se impugna. Assim sendo, a Lei n. 9868/99 estabelece em seu artigo 12-E, §2º a possibilidade de solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, devendo ser encaminhada no prazo de quinze dias.
O §1º do artigo 103 da Constituição Federal estabelece que o Procurador-Geral da Repúplica deve ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade. No mesmo sentido, ao regular a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a Lei n. 9868/99 estabelece no §3º do artigo 12-E que, nas ações em que não figurar no polo ativo, terá vista do processo por quinze dias após o decurso do prazo para informações.
A decisão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão será tomada se presentes na seção de julgamento ao menos oito Ministros, devendo ser declarada a omissão inconstitucional através da manifestação de pelo menos seis ministros nesse sentido.
Caso seja declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao Poder competente para que tome as providências cabíveis. Em se tratando de órgão administrativo, as providências deverão ser tomadas no prazo de trinta dias, conforme dispõe o §2º do artigo 103 da Constituição Federal, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, face às circuntâncias específicas do caso e o interesse público envolvido, conforme dispõe o § 1º do artigo 12-H da Lei n. 9868/99.
A principal problemática enfrentada na ação direta de inconstitucionalidade se dá com relação aos efeitos da decisão que declarar a mora do Poder Legislativo na edição de leis, desobedençendo determinada ordenança constitucional. Há quem sustente que não pode o Poder Judiciário ordenar ao Poder Legislativo através de uma decisão de caráter mandamental que legisle, pois isso violaria o princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal. Assim o que de fato ocorre é a mera ciência da mora em legislar.
Desta forma, é possivel concluir que a inovação do legislador constituinte na criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão não foi suficiente para sanar a omissão inconstitucional, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal da referida ação é efitiva em apontar o Poder responsável por dar fim à omissão, mas inefetiva em alcançar o fim pretendido que é dar aplicabilidade à norma constitucional de eficácia limitada.
4.2 Do Mandado de Injunção
O legislador constituinte preocupo-se em estabelecer um remédio constitucional que garantisse a efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais. Após muitos debates em Assembléia Nacional Constituinte, retou consagrado no texto constitucional o Mandado de Injunção, previsto no artigo 5º, LXXI da Constituição Federal:
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;[21]
José Afonso da Silva é claro ao conceituar o mandado de injunção:
Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição. Sua principal finalidade consiste em assim conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerte em virtude de ausência de regulamentação.[22]
O mandado de injunção é uma inovação do direito constitucional brasileiro que tem por objetivo assegurar o exercício de qualquer direito constitucional, de liberdades e de prerrogativas estabelecidos pelo legislador constituinte por meio de normas de eficácia limitada, sendo o pleno gozo inviável devido à ausência de norma infraconstitucional que as regulamente.
Segundo Dirley da Cunha Júnior, esse remédio está definido na constituição de forma clara, e afirma que está condicionado “à existência de uma relação de causalidade entre a omissão do poder público e a impossibilidade do gozo de um direito fundamental”[23]. Ainda define o mandado de injunção como “ação especial de controle concreto ou incidental de constitucionalidade das omissões do poder público, quando a inércia estatal inviabiliza o desfrute de algum direito fundamental.”[24]
Vale ressaltar que o mandado de injunção é, diferentemente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão que é uma ação constitucional de garantia da constituição, uma ação constitucional de garantia individual.
Assim sendo, esse remédio tem por objeto fazer com que o direito seja exercido de forma imediata, independentemente de sua regulamentação, não buscando esse instrumento a obtenção de uma norma, mas a obtenção direta de um direito.
Toda e qualquer pessoa, seja nacional ou estangeiro, física ou jurídica, capaz ou incapaz, que seja titular de um direito que não pode ser exercido devido à omissão do poder público em editar norma regulamentadora necessária, possui ligitimidade para a impetrar o mandado de injunção.
Os entes coletivos, como partidos políticos com representação no Congresso Naional, organizações sindicais e as entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados também possuem legitimidade para impetrar o remédio constitucional. Neste caso, por aplicação do artigo 5º, LXX da Constituição Federal nos deparamos com um mandado de injunção coletivo. Também são legitimados para impetração os órgãos públicos, por serem titulares de direitos fundamentais, logo é possível a proteção desses direitos por meio das ações constitucionais.
A legitimidade passiva do mandado de injunção é exclusivamente da autoridade ou dórgão responsável pela expedição da norma que regulamente o direito, a liberdade ou a prerrogativa constitucionalmente estabelecida. Esse entendimento foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal, inadmitindo assim o litsconsórcio passivo.
Com relação à competência para processar e jurgar esse remédio constitucional, o legislador constituinte não foi preciso em definí-la. José Afonso da Silva diz que a competência para processar e julgar o mandado de injunção “ficou mal estruturada no texto constitucional”[25].
Ficou estabelecido que compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar o mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmada dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal, conforme prevê o artigo 102, III, q da Constituição Federal. Como competência recursal, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso ordinário, o mandado de injunção decido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, nos termos do artigo 102, II, a da Constituição Federal.
Foi estabelecida pela Constituição ainda a competência originária do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar o mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta e indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, de acordo com o artigo 105, I, h.
A Constituição definiu também a competência originária dos Tribunais Regionais Eleitorais para processar e julgar originariamente o mandado de injunção que trate de matéria de sua competência, bem como a competência recursal do Tribunal Superior Eleitoral para esses casos, conforme previsão do artigo 121, § 4º, V.
Por fim, o artigo 125, §1º da Constituição Federal estabelece que os Estados devem organizar sua Justiça, sua a competência dos Tribunais definidas nas Constituições Estaduais.
Uma questão que ainda não é pacífica na doutrina e na jurisprudência é a dos efeitos gerados pela decisão no mandado de injunção. Isso decorre da controvérsia existente com relação ao objeto desta ação contitucional.
Existem três posições a respeito dos efeitos da decisão: a primeira, chamada posição concretista geral; a segunda, chamada posição não concretista; a terceira, chamada posição concretista individual direta; e a quarta, chamada posição concretista individual intermediária.
- Posição concretista geral: defende que cabe ao Poder Judiciário elaborar a norma regulamentadora que falta ao ordenamento. Se atribui ao Poder Judiciário uma função típica de outro Poder para garantir a efetivação da norma constitucional. Pode ser alegado que isso seria garantir a execução de direitos, liberdades e prerrogativas através da violação de um dos princípios basilares do direito constitucional brasileiro, o princípio da separação dos poderes.
- Posição não concretista: defende uma mera declaração de inconstitucionalidade por omissão pelo Poder Judiciário, devendo ser dada ciência ao órgão competente. O efeito gerado ao ser observada essa posição em uma decisão se confundem com os efeitos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, estando inclusive previsto no § 2º do artigo 103 da Constituição Federal. Sendo assim o mandado de injunção perderia completamente seu objeto e o constituinte teria criado duas ações para a produção dos mesmos efeitos, tendo estabelecido diferenças apenas entre os legitimados e os procedimentos.
- Posição concretista individual direta: sustenta que compete ao Poder Judiciário garantir o imediato exercício do direito fundamental, da liberdade ou da pregorrativa que restou frustrada pela inércia do poder público. Assim o Poder Judiciário tem a função de aplicar, ou determinar a aplicação de um direito quando provocado. Logo deve garantir a proteção de um direito fundamental, uma liberdade ou uma prerrogativa através da aplicação imediata da previsão constitucional.
- Posição concretista individual intermediária: defenda que, antes de julgar procedente o mandado de injunção e garantir a imetiata execução do direito, o Poder Judiciário deve fixar ao responsável pela elaboração da norma regulamentadora para que assim o faça. Com o fim do prazo e a permanência da inércia, o impetrante passa a ter seu direito assegurado.
5. CONCLUSÃO
Por fim, concluímos que é notório o descaso e desrespeito que por diversas vezes o Poder Público tem demonstrado com relação à vontade do constituinte e às determinações constitucionalmente estabelecidas.
Apesar de estar em posição de supremacia com relação a todo o ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988 busca a participação do Estado ao transferir o dever de regulamentar dar plena eficácia a normas nela estabelecida através de leis e atos do Poder Executivo.
Também vemos que no ordenamento jurídico e no cotidiano do Poder Público inúmeras são as inconstitucionalidades encontradas. Além da ação, vemos o tempo todo a omissão. E conforme já dito neste trabalho, tão inconstitucional como a ação em descompasso com o texto constitucional é a inércia em face de determinação nele estabelecido.
Direitos, liberdades, garantias, políticas públicas, criação de órgãos, todos esses itens dentre outros que poderiam ser aqui enumerados necessitam de uma plena atividade Estatal para serem assegurados, garantidos e efetivados, mas muitas ações ainda não foram realizadas, ou seja, em vinte e seis anos de vigência da atual Constituição Federal, o Estado tem se mantido inerte e silente com relação a muitos assuntos.
Por mais que essa situação foi prevista quando da elaboração do texto constitucional em 1988 através da criação de ações constitucionais que poderiam ser movidas com a finalidade de movimentar a máquina do Judiciário para que este, após provocado, tenta-se resolver o problema da omissão, essas ações têm como seu “calcanhar de Aquiles” o efeito das decisões.
Por mais que seja a decisão seja efetiva em declarar a mora do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, ainda existem muitas discussões e divergências se essa decisão tomada por um dos Poderes da União é legítima a ponto de obrigar outro Poder a tomar determinada providência, tendo em vista que, tal qual estabelece o artigo 2º da Constituição Federal, os Poderes são independentes entre si.
Por mais intrigante e fascinante que seja o estudo da omissão inconstitucional, devemos refletir até que ponto os instrumentos que a constituição estabeleceu possuem força para trazer a eficácia necessária às normas constitucionais, ou se são meramente “armas com munição de festim”.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito 2.ed. revista da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7.ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34.ed., São Paulo: Malheiros, 2011.
[1] Mestrando em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito; Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas; Professor do curso de graduação em Direito da Faculdade Anhanguera de Itapecerica da Serra-SP; E-mail: gustavo.hvsfraga@gmail.com; Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8060691800995115; ORCID: 0000-0002-6073-0895
[2] Docente do Curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Itapecerica da Serra/SP. Mestrando em Direito pela UniFieo, pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito. Advogado.
[3] Doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica de Salvador; Especialista em Direito Civil pela Faculdade Baiana de Direito; Especialista em Direito e Magistratura pela Escola da Magistratura da Bahia; Bacharela em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa.
[4] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7.ed. Rio de Janeiro: Método, 2012, p. 222.
[5] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 7.ed. Rio de Janeiro: Método, 2012, p. 106.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 28 set 2014.
[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 28 set 2014.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 28 set 2014.
[9] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 28 set 2014.
[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34.ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p. 46.
[11] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 382 e 383.
[12] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 263
[13] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 306.
[14] ADI 3682, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 06.09.2007, p.37.
[15] ADI 3682, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 06.09.2007, p.37.
[16] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 383.
[17] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 28 set 2014.
[18] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 383.
[19] BRASIL. LEI No 9.868, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1999. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm> Acesso em: 29 set 2014.
[20] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 30 set 2014.
[21] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 30 set 2014.
[22] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34.ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p.449.
[23] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 813.
[24] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, Bahia: JusPodivm, 2012, p. 813.
[25] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34.ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p.454.