INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo trazer uma pequena abordagem acerca dos direitos fundamentais à saúde e à educação. Mostrando as principais divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos temas, principalmente no que concerne a ação judicial como meio apto a efetivar tais direitos constitucionalmente reconhecidos.
Na atual ordem constitucional, grande parte da doutrina entende que a Constituição Federal de 1988 conquistou grande força normativa, isto é, deixou Constituição de ser uma carta meramente política (instrumento de mera convocação a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo) e passou a ter o atributo da imperatividade.
Com isso, os direitos fundamentais sociais ali previstos convertem-se em direitos subjetivos; e caso o Estado legiferante e executivo não os efetivem, caberá ao cidadão, titular destes direitos, através de uma ação judicial pedir que o Poder Judiciário obrigue o poder público a atuar, de modo a efetivar o direito social previsto na Constituição.
No entanto, com a atuação do Poder Judiciário para fazer efetivar esses direitos fundamentais (saúde e educação), surgem algumas questões que tem sido tema de bastante discussão na doutrina e jurisprudência e será objeto de estudo do presente trabalho. Neste pequeno trabalho analisaremos apenas algumas questões, tais como: direito constitucional à saúde e educação e escassez de recursos, reserva do possível, mínimo existencial e separação dos poderes.
1. Direito à saúde
O primeiro direito a ser debatido neste trabalho será o direito à saúde. Na atual Constituição Federal o direito à saúde está previsto no artigo 6º e artigos 196 a 200. Como é cediço, no nosso país o sistema de saúde é bastante precário, pois falta atendimento decente nos hospitais, as filas para atendimento são intermináveis, faltam médicos para atender a população e principalmente, faltam medicamentos básicos para o tratamento de inúmeras doenças. Com esta problemática surge a seguinte indagação: pode o Poder Judiciário mediante provocação do cidadão, obrigar o poder público a fornecer determinado medicamento a quem dele necessita? Essa questão será debatida por nós no decorrer do texto.
Sabemos que grande parte dos direitos sociais, para que sejam efetivados, é necessário que o poder público implemente políticas públicas aptas a garantir a todos os direitos constitucionalmente reconhecidos. No entanto, para que tal ocorra se faz necessário o desprendimento de vultosos recursos financeiros por parte do Estado, e este é sem sombra de dúvidas o principal obstáculo que torna difícil a efetivação do direito fundamental à saúde.
Em excelente monografia sobre o tema, o autor Daniel Wei Liang Wang destaca que:
“Estas políticas públicas para efetivação de direitos sociais demandam, na grande maioria das vezes, gastos de recursos públicos. E este é o ponto central no debate a respeito da exigibilidade judicial dos direitos sociais, pois uma decisão judicial para a tutela de um determinado no caso concreto normalmente obriga o Estado a realizar gastos públicos[1]…”
O supra referido autor, além de trazer as dificuldades de implementar as políticas públicas relativas a saúde, ainda mostra que estas se tornam ainda mais difíceis quando o judiciário obriga o poder público a atender ao pedido individual do cidadão, que necessita de determinado medicamento. E segue dizendo o autor:
[…] os recursos públicos disponíveis são menores do que o necessário para oferecer a todos os cidadãos todos os direitos que a Constituição prevê, muitas vezes a Administração não tem ou não pode dispor dos recursos necessários para atender a decisão judicial sem prejudicar a tutela de um outro direito que o poder público entendeu ser mais importante[2]”.
A questão da concessão de medicamentos através de uma tutela judicial, muitas vezes causa verdadeiros abalos no orçamento do ente federativo, pois o Poder Judiciário ao conceder tais medicamentos faz uma análise meramente principiológica, ao passo que, se houvesse uma análise dos custos destas decisões ter-se-ia uma análise consequencialista, isto é, antes de determinar que o poder público custeie determinado medicamento ao cidadão, é necessário trazer à tona os efeitos que irá decorrer daquela decisão. Expliquemos; não será uma decisão isolada que irá abalar as finanças deste ou daquele município, mas o precedente que irá gerar, ou seja, a partir daquela decisão, irão criar-se precedentes para que todos aqueles que desejem determinado medicamento e não possa adquiri-los, busquem o judiciário para que este obrigue o poder público a custear o medicamento solicitado pelo cidadão.
Por isso entendemos que a questão da escassez dos recursos deverá ser analisada sempre que houver concessão de medicamentos aos indivíduos que assim necessitem.
“A partir desta constatação, alguns teóricos entendem que há um limite fático à exigibilidade judicial dos direitos sociais – que é a sua dependência da capacidade econômico do Estado ou, em outras palavras, de cobertura financeira e orçamentária – e que não pode ser ignorada pelas decisões judiciais[3]”.
No entanto este não vem sendo o entendimento adotado pelo STF, pois as decisões analisadas, decisões estas proferidas pelo pretório excelso, a questão da escassez de recursos não pode servir de óbice para efetivação dos direitos fundamentais. No AgRg no RE273834 cujo relator foi o Ministro Celso de Mello o mesmo tem o seguinte entendimento:
“O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, plano da organização federativa brasileira, na pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional[4]”.
Destarte, é fácil verificar que o STF possui o entendimento que o direito à saúde deve ser tutelado de forma universal e plena, quase que absoluta.
Mas segundo entendimento de forte doutrina constitucional, os direitos fundamentais são normas princípios, e assim sendo, são mandamentos de otimização, devendo ser exercido na medida do possível. São normas que devem ser cumpridas de imediato, mas devem ser levados em conta outros elementos fáticos e jurídicos[5].
É importante também que saibamos que nenhum direito é absoluto, pois o mesmo encontra limites quando entrar em rota de colisão com outros direitos constitucionalmente reconhecidos. Sendo assim, não estaria o judiciário ao obrigar o poder público a efetivar os direitos fundamentais, invadindo as atribuições inerentes aos poderes Executivo e Legislativo, e assim, violando o princípio constitucional da separação dos poderes? Igualmente, não estaria beneficiando aqueles que possuem maior conhecimento das Leis, e possuem um pouco mais de recursos financeiros, em detrimento daqueles menos favorecidos? Não estaria prevalecendo a ideia de micro-justiça ao invés de privilegiar a macro-justiça? (violação do princípio da isonomia). Entendemos que não se pode ter o direito à saúde como absoluto, devendo o caso concreto dizer se tal concessão merece ou não o amparo judicial.
Em muitos de seus votos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal entendem que cabe ao Poder Judiciário intervir sempre que o poder público for omisso de forma “anômala”, “arbitrária”, “intolerável” ou agir de forma “desviante” [6].
Veja julgado que usam os seguintes adjetivos:
“Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestação de relevância pública, as ações e serviços de saúde, em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante” (RE 267.612, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/00)[7].
Mas quando é que podemos dizer que o poder público agiu de acordo com os termos acima?
O STF não da à resposta, pois em todas as ações individuais com o escopo de garantir que o Estado forneça ao sujeito determinado medicamento, o supremo não tem negado o fornecimento.
Uma importante crítica ao posicionamento do STF, é que este tribunal não tem a preocupação de verificar se o poder público pode arcar com aqueles medicamentos sem que isto cause um abalo nas finanças públicas. Ou seja, não leva em conta que para que seja concedido o medicamento, o poder público tem que se desprender de recursos financeiros.
Este posicionamento do STF pode ser verificado no voto do Ministro Sidney Sanches, destaca o Ministro que: “em matéria tão relevante como à saúde, descabem disputas menores sobre legislação, muito menos sobre verbas, questão de prioridade[8]”.
Entendemos que não pode o STF simplesmente afastar a questão financeira e conceder determinado medicamento. Pois é através dos recursos financeiros que o poder público atinge os parâmetros constitucionalmente exigidos na política atinente à saúde.
Mostra-se um verdadeiro contra sensu a posição adotada pelo STF, pois se de um lado exigi-se do poder público pleno e total assistência à saúde, sem que o problema orçamentário seja óbice à plena efetivação da saúde; por outro lado, à própria Constituição Federal no artigo 167 e seus incisos, atenta para os preceitos orçamentários constitucionais. É o que se extrai de trabalho escrito por Daniel Wei Liang Wang, assevera o autor que:
“Tal determinação carece, no entanto, de melhor argumentação, uma vez que foram afastadas regras constitucionais (inc. I, II, III, IV do art. 167 da Constituição Federal) e pode colocar o administrador em uma situação em que deve escolher entre obedecer à Constituição ou obedecer à decisão judicial da corte de maior hierarquia do Poder Judiciário brasileiro[9]”.
Feita estas considerações, o que queremos deixar consignado, é que o STF não tem a preocupação de proceder a uma análise mais técnica sobre tema, pois está interpretando a Constituição Federal de forma literal, e o que deveria ser feito é uma interpretação sistemática, de forma a adequar o preceito fundamental à saúde, aos preceitos orçamentários, preceito este também de índole constitucional.
Outra questão que de forma superficial queremos aqui abordar, é a questão da macro e micro-justiça. A ideia de macro justiça é aquela universal, em que todos a ela têm acesso, de forma a fazer valer os seus direitos de forma plena e efetiva. Enquanto a micro justiça é aquela restrita a um número bastante reduzido de indivíduos, onde só têm acesso à justiça os financeiramente favorecidos, de forma que, somente a elite brasileira tem acesso pleno e efetivo a seus direitos.
Sabemos que para que o judiciário forneça determinado medicamento ao sujeito, é necessário que este provoque a máquina judiciária, e sabemos mais ainda, que mover todo o aparato judicial não custa barato; pois são necessários gastos com advogado, custas processuais e outros pormenores. Num país como o Brasil, somente parcela pequena da população possui recursos financeiros suficientes para acionar o judiciário para que este obrigue o poder público a conceder determinado medicamento. E a outra parcela, diga-se de passagem, a enorme parcela, não tem como arcar com advogados e custas processuais para que a máquina judiciária movimente-se, e através de decisão judicial obrigue o poder público a conceder determinado medicamento. Logo, somente os mais aquinhoados é que se privilegiarão do poder de acionar o judiciário, para que este obrigue o poder público a conceder determinados medicamentos. Veja que está privilegiando a micro-justiça ao invés da macro-justiça.
Entendemos que esse procedimento que privilegia a micro-justiça, fere o artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Abaixo transcrevemos o referido artigo para depois darmos à explicação.
ART. 196 – CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Grifos do autor).
Conforme dissemos acima, a micro-justiça favorece aqueles com maiores recursos financeiros, de modo que, somente os que possuem maiores possibilidades financeiras são quem irão se beneficiar de uma decisão judicial que obrigue o poder público a lhes fornecer determinados medicamentos. Neste caso, inexiste um acesso universal e igualitário as ações de saúde, conforme desejo do supra referido artigo constitucional, pois como dissemos acima, somente parte da população é quem irá se beneficiar.
Interessante são as palavras de Luís Roberto Barroso, para tanto destaca que: “Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo[10]”.
1.2 Mínimo existencial, reserva do possível, e legitimação na atuação do Poder Judiciário
O mínimo existencial são aqueles direitos mínimos que devem ser assegurados ao indivíduo para que este possa ter uma vida digna. Ou como querem alguns, “é o agrupamento de utilidades e bens que são imprescindíveis a uma vida digna” [11]. Com o mínimo existencial, procura-se proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ou seja, conforme dissemos alhures, os direitos fundamentais de segunda geração, onde está inserido o direito à saúde, caracteriza-se pela gradualidade no processo prestacional; sendo assim, o mínimo existencial vem a garantir que o núcleo daquele direito fundamental seja efetivado. De forma que o mesmo não se torne inócuo; que esteja previsto na Constituição[12] como mera expectativa de direito. Isto é, que aplique-se o mínimo que a Constituição determina em relação aquele direito fundamental.
Enquanto a reserva do possível nas palavras de Gandini, Barione e Souza “toca a possibilidade financeira do Estado, consubstancia a disponibilidade de recursos materiais para cumprimento de eventual condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutica” [13].
Pois bem, o Poder Público quando quer se eximir do cumprimento de um direito social em muitos casos alega-se a reserva do possível. No entanto, tal posição deve ser analisada com cautela. Visto que, em muitos casos entendemos que a alegação da reserva do possível não é válida. Primeiro, quando alegado a reserva do possível, a limitação de recursos deve ser comprovada. Segundo, entendemos que, quando o Poder Público deixar de aplicar o mínimo exigido por lei nas políticas de saúde, não cabe a alegação de reserva do possível[14].
Sendo assim, defendemos a posição em que a atuação do Poder Judiciário, no que tange a possibilidade de obrigar o poder público a efetivar o direito fundamental a saúde (concedendo ao indivíduo determinado medicamento), só é legitima quando o poder público não atender aos ditames mínimos exigidos pela Constituição Federal de 1988. Pois se atendidos os preceitos mínimos exigidos pela carta magna, a atuação do Judiciário torna-se incompatível com a separação dos poderes. Neste mesmo diapasão posiciona-se Luís Roberto Barroso, embora longo o argumento, vale a pena transcrevê-lo, vejamos suas palavras:
“A extração de deveres jurídicos a partir de normas dessa natureza e estrutura deve ter como cenário principal as hipóteses de omissão dos Poderes Públicos ou de ação que contravenham a Constituição. Ou, ainda, de não atendimento do mínimo existencial; […] a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativa e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção[15]”.
1.3 Jurisprudência dos tribunais acerca do direito à saúde
Fornecimento. Medicamento. Bloqueio.
O cerne da questão está em saber se é possível ao julgador, tendo em vista as disposições constitucionais e processuais acerca do tema, determinar, em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a portador hipossuficiente de isquemia cerebral crônica, medidas executivas assecuratórias do cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor de ente estatal, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas desse depositadas em conta-corrente. O Min. Luiz Fux entendeu que é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todos as hipóteses, diante de situação fática, qual a desídia do ente estatal frente ao comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo pôr em risco a vida do demandante, ora recorrido. Sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor (tal como no caso, R$ 542,64) podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori ser, também entregues por ato de império do Poder Público. Com esse entendimento e reiterando a orientação firmada pela Turma, quando da apreciação do REsp 735.378 – RS, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso do Estado. REsp 748.781 – RS, Rel. originário Min. Teori Albino Zavascky, Rel. para acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 18/4/2006. 1ª Turma. (informativo nº. 281).
Administrativo. Medicamentos para tratamento da aids. Fornecimento pelo estado.Obrigatoriedade. Afastamento da delimitação constante na lei nº 9.313d 96. Dever constitucional.Precedentes.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu ser obrigatoriedade do Estado o fornecimento de medicamentos para portadores do vírus HIV.
2. No tocante à responsabilidade estatal no fornecimento gratuito de medicamentos no combate à AIDS, é conjunta e solidária com a da União e do Município. Como a Lei nº 9.313D 96 atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o dever de fornecer medicamentos de forma gratuita para o tratamento de tal doença, é possível a imediata imposição para tal fornecimento, em vista da urgência e conseqüências acarretadas pela doença.
3. É dever constitucional da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios o fornecimento gratuito e imediato de medicamentos para portadores do vírus HIV e para tratamento da AIDS.
4. Pela peculiaridade de cada caso e em face da sua urgência, há que se afastar a delimitação no fornecimento de medicamentos constante na Lei nº 9.313D 96.
5. A decisão que ordena que a Administração Pública forneça aos doentes os remédios ao combate da doença que sejam indicados por prescrição médica, não padece de ilegalidade.
6. Prejuízos iriam ter os recorridos se não lhes for procedente a ação em tela, haja vista que estarão sendo usurpados no direito constitucional à saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário. A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas de direito público.
7. Precedentes da 1ª Turma desta Corte Superior.
8. Recurso improvido.”(RESP 325.337D RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 03D 09D 2001).
EMBARGOS INFRINGENTES – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – SOLIDARIEDADE ENTRE O ESTADO E O MUNICÍPIO – DIREITO DA PARTE EM OPTAR POR UM OU OUTRO – Embargos desacolhidos. (TJRS – EMI 70001722156 – 2º G.C.Cív. – Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso – J. 09.02.2001).
SAÚDE – AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PORTADOR DO VÍRUS DO HIV – Obrigação do Estado de fornecer medicamentos necessários para o tratamento ao portador do vírus, pessoa pobre e sem condições de adquiri-los – A vida é direito subjetivo indisponível e tem fundamento no direito natural – O direito à vida está constitucionalmente assegurado ao cidadão – Alegação de falta de previsão orçamentária – Artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – Artigos 196 da Constituição Federal, 219 e 223 da Constituição Estadual – Inexistência de nulidade e de carência da ação – Ação julgada procedente – Recursos não providos. (TJSP – AC 55.180-5 – São Paulo – 8ª CDPúb. – Rel. Des. Toledo Silva – J. 01.03.2000 – v.u.).
Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da Constituição Federal.
Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. (RE 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17/09/99).
2. Judicialização da educação
A judicialização das relações escolares é um fenômeno que está em evidência nos últimos tempos em detrimento da violência e abuso no ambiente escolar envolvendo os diversos integrantes deste meio.
Crianças e adolescentes encontram amparo pela justiça, dificultando a realização dos professores nas ações educacionais a que foram preparados por tradição, deixando-os muitas vezes efetivamente desiludidos com o que hoje chamamos de relação escolar. Na verdade a escola de hoje que se manteve estática na rotina e relação, não acompanhou a mudança de perfil dos alunos que agora são distintos. Esse fenômeno está ocorrendo em grande número justamente porque os profissionais da educação não foram preparados para lidar com determinadas tipos de comportamento muito menos foram informados sobre as obrigações decorrentes desses remédios legais que explicitam deveres e garantem direitos.
Tal assunto está disseminando interesses por todos, por seu teor de importância, alguns países como a Argentina e a França aderiram uma literatura específica sobre a responsabilidade civil dos professores, gestores e dos estabelecimentos de ensino, o que prova a necessidade do Brasil em sistematizar tal matéria.
Com a constituição de 1988, importantes mudanças, garantias e proteções foram conferidas à educação no Brasil. Foi a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, que a educação foi reconhecida como um direito social e fundamental, possibilitando o desenvolvimento de ações por todos aqueles que responsáveis pela sua concretização, assim entendendo-se o Estado, a família, a sociedade e a escola através de seus educadores.
Esta versão legal do direito à educação, dentro desse conjunto, não se mostrava presente nas constituições passadas, e por conseqüência, no ordenamento jurídico vigente, até a Constituição de 1988 elevar o direito a educação ao patamar de direito social e fundamental o que tínhamos eram boas intenções e proteção limitada com relação à educação, mas não uma proteção legal, ampliada e com instrumentos jurídicos adequados à sua efetivação.
Assim, a partir da atual Constituição e das leis que se seguiram, a educação passou a ser efetivamente regulamentada, com instrumental jurídico necessário para dar efetividade às normas previstas com relação à educação passando o judiciário a ter função mais significativa na efetivação desse direito e é esse fenômeno que chamamos de judicialização da educação.
Quando pensamos em educação, dificilmente imaginamos ser necessária a intervenção da justiça para que esse direito seja realmente posto à disposição da população, porém essa intervenção vai além da esfera da efetivação desse direito, é a justiça também a responsável por dirimir os conflitos resultantes das relações que nascem dessa convivência escolar, tanto entre alunos como a relação aluno/professor e vice-versa.
Não só a Constituição Federal de 1988, mas também o Código Civil e o Estatuto da Criança e Adolescentes trouxeram disposições relativas à educação, a CF/88 reservou mais de um artigo para tal disciplinamento, assim temos:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Vemos neste artigo a elevação da educação ao patamar de direto social, e esse reconhecimento implica na obrigação do Poder Público de garantir a educação visando igualdade das pessoas e por outro lado, garante ao interessado o poder de buscar no Judiciário a sua concretização, a CF/88 traz ainda os as seguintes disposições:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V- acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade e cada um;
VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII- atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º- O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo
§ 2º- O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º- Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada a zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
Vemos a partir desses dispositivos dispostos na CF/88 de eficácia plena, que se o poder Público ou o Executivo não cumpre com a sua obrigação poderá o interessado acionar o Poder Judiciário visando a sua responsabilização, desta situação resulta uma relação direta envolvendo o direito à educação, sendo que a justiça passou a ser chamada para solucionar conflitos no âmbito escolar, que extrapolam a questão da responsabilidade civil, ou seja, se antes se contemplava na esfera do judiciário, ações de indenizações ou reparação de danos envolvendo o sistema educacional, ou mandados de segurança para garantia de atribuições de aulas e professores, hoje, a realidade é bem diversa; e várias são as situações em que se provoca o judiciário com questões educacionais. A efetividade do direito à educação prevista na Constituição Federal, a ocorrência de atos infracionais ocorridos no ambiente escolar e a garantia da educação de qualidade passaram a ser objeto de questionamento judicial.
Sabemos que o paradigma atual é o da educação para todos. Os índices de escolaridade aumentam significativamente, demonstrando que após o novo comando constitucional, está ocorrendo à efetiva matrícula das crianças no ensino obrigatório, cumprindo-se a determinação legal.
Nesse mesmo contexto podemos extrair do Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 53, Capítulo IV;
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando- se- lhes:(…)
II – direito de ser respeitado por seus educadores;
Os motivos que levam à provocação do judiciário são vários, entre eles destacamos a merenda escolar, transporte escolar, falta de professores, condições para desenvolvimento do aluno com deficiência, adequação de prédio escolar, vaga em creche e pré-escola, entre outros, o judiciário já tem decidido sobre tais temas, vejamos algumas dessas decisões:
CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÇOE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, §2º).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.
– A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
– Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favos das “crianças de zero a seis anos de idade”(CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo poder público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
– A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
– Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, §2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade política- – administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche ( CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
– Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativos e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidam em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integralidade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível”. (Recurso extraordinário 541.281-4 São Paulo – relator: min. Celso de Mello – recorrente: município de São Paulo – advogado: Luiz Henrique Marquez – recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo).
Na busca por decisões que obriguem o Poder Público a cumprir o que já se encontra preconizado e garantido a todos os cidadãos na Constituição Federal, o judiciário tem sido cada vez mais provocado para dirimir também esses conflitos resultantes das relações envolvendo a educação em nosso país. O Estatuto da Criança e do Adolescente também garante a essas o direito a educação e nos casos de crianças até cinco anos, o direito a creches, porém muitas vezes as mães de família têm que deixar seus empregos por não ter onde deixarem seus filhos, essa violação de direitos não pode ser admitida em um país que tem uma Constituição considerada cidadã, e que traz e seu corpo os direitos sociais como fundamentais.
REFERÊNCIAS
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CURY, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. A judicialização da educação. Disponível em: http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/…/judicializacao_educacao.doc. Acesso em: 31/10/2009.
GANDINI, João Agnaldo Donizetti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial: critérios e experiências. p. 18. Disponível em: http//www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em: 30/10/2009.
KRAMER, Ana Cristina. O Poder Judiciário e as ações na área da saúde. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.br/artigos/edicao015/Ana-Kramer.htm. Acesso em: 07 de Novembro de 2009.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Constituição Federal de 1988 comentada, 2007.
WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: sociedade brasileira de direito público. 2006.
* Thiago Pacheco Cavalcanti, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru – ASCES – PE
[1] WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: sociedade brasileira de direito público. 2006. p. 03.
[2] Op. cit. p. 03.
[4] AgRg no RE 273834 – Disponível em http:// www.stf.jus.br/jurisprudencia.
[5] Tal entendimento é defendido principalmente por Robert Alexy em sua obra intitulada Teoria dos direitos fundamentais.
[6] WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: sociedade brasileira de direito público. 2006. p. 14.
[7] O presente julgado pode ser encontrado também na Constituição Federal comentada pelo STF, 2007. p. 610.
[8] RE 198263/RS
[9] WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: sociedade brasileira de direito público. 2006. p. 17.
[10] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 04; Artigo escrito por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.
[11] Esta definição pode ser obtida na Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes; Bem como no endereço seguinte: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/100896/o-que-se-entende-por-minimo-existencial-em-relacao-a-reserva-do-possivel-camila-andrade.
[12] Há quem utilize o termo “piso mínimo normativo” para referir-se ao mínimo existencial. Como é o caso da autora Ana Cristina Kramer em obra intitulada: O Poder Judiciário e as ações na área da saúde. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.br/artigos/edicao015/Ana-Kramer.htm. Acesso em: 07 de Novembro de 2009.
[13] GANDINI, João Agnaldo Donizetti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial: critérios e experiências. p. 18. Disponível em: http//www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em: 30/10/2009.
[14] O Art. 198, § 2º da CF/88 traz os percentuais mínimos a serem aplicados na saúde. Desta forma, entendemos que quando o Poder Público deixar de aplicar o mínimo exigido nas políticas de saúde mencionadas no retro mencionado artigo, a alegação da reserva do possível é sem fundamento.
[15] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. p. 21; Artigo escrito por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.