Direito Constitucional

O ataque invisível: Direitos Fundamentais e a Surpresa Covid-19

ESTEVÃO SCHULTZ CAMPOS[1]

EDILANDIA ALVES TEIXEIRA[2]

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. DIREITO POSITIVO. 2.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS. 3. A CONSTUIÇÃO E SUA EFICÁCIA. 3.1. DIREITOS HUMANOS, NA VISÃO DO COVID-19. 4. REGIME DE EXCEÇÃO. 4.1. AS REGRAS DA GUERRA. 5. DEMOCRACIA. 5.1 RESTRIÇÃO DE DIREITOS. 6. SEGURANÇA JURIDÍCA. 7. CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RESUMO

O presente artigo aborda os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e, as novas medidas adotadas para conter o impacto da pandemia causada pelo vírus da COVID-19 sobre as vidas dos cidadãos brasileiros. As justificativas de excepcionalidade tratam este momento como atípico cabendo ser implementados os atos inconstitucionais suspendendo a constitucionalidade em prol à saúde e à vida. Porém, mesmo diante de um momento tão turbulento no qual o país está passando é de suma importância preservar e respeitar as limitações garantidas na nossa Carta Magna, pois, através destas normas e regras, é que o limite e o balizamento mínimos, encontrados no núcleo constitucional, não pode ser desprezado, sob pena de colocar em risco todo o sistema jurídico do país, mas sim deve-se preservar a estrutura constitucional elaborada pelo Poder Constituinte.

Palavras-chaves: Constituição Federal. Direitos Fundamentais. Covid-19

ABSTRACT

This article will address the fundamental rights established by the Federal Constitution of 1988, new measures were adopted to contain the pandemic caused by the covid-19 virus in an attempt to preserve the lives of Brazilian citizens, according to the World Health Organization the virus it can be lethal. The justification for exceptionality treats this moment as atypical and it is up to the State of Siege to adopt unconstitutional acts suspending constitutionality in favor of health and life. Even in the face of such a turbulent moment in which the country is going through, it is of the utmost importance to preserve and respect the limitations guaranteed in our Constitution, as it is through these norms and rules that the minimum limit and the minimum boundary is found in the constitutional nucleus, we cannot jeopardize the entire legal system of a country, but we must preserve the constitutional structure elaborated by the Constituent Power and the Moderating Power.

Key words: Federal Constitution. Fundamental rights. Covid-19

1. INTRODUÇÃO

O Brasil vive um momento delicado na sua história, assim como toda a humanidade. Trata-se de um novo cenário que pede a responsabilidade de todos para o enfrentamento de uma guerra invisível. O ataque surpresa tem um nome, Coronavírus, uma pandemia que está atingindo todo o planeta, o número de contaminados pelo vírus Covid-19 está se tornado cada vez maior, sendo que os relatos da causa morte sobe a cada instante.

No Brasil, de acordo com o site covid.saude.gov.br, com dados atualizados até o dia 05/12/2020[3], o país registra 176.628 mortes causadas pelo vírus da Covid-19, sendo o segundo país com mais vítimas no mundo ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América[4].

Segundo a Constituição Federal de 1988 é responsabilidade dos cidadãos brasileiros e seus governantes a garantia do direito à vida, a saúde e a liberdade. A Constituição Brasileira de 1988 traz as garantias dos direitos fundamentais de maneira harmônica em todo o seu ordenamento, sistematizando os direitos fundamentais para fazer aflorar a dignidade humana, limites necessários para garantir a democracia do Estado de Direito.

Para desenvolver o presente trabalho, alguns princípios da Constituição Federal serão apresentados para a compreensão da interpretação diante dos interesses individuais com os interesses coletivos, demonstrando um papel contínuo no qual a sociedade civil organizada deverá se comportar para garantir os seus direitos.

Com o surgimento da crise na saúde diversas medidas foram adotadas de maneira inédita, sendo a principal delas a emenda constitucional 106, de 7.5.2020 Publicado no DOU em 08.de maio de 2020, que instituiu o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia. Resultando em inúmeros, decretos e medidas provisórias para regulamentar o cenário atual. É através desta nova realidade que se pode constatar que não existem direitos absolutos, diante de medidas temporárias.

2. DIREITO POSITIVO

A lei é paradigma inerente a toda sociedade onde todo o indivíduo, por algum motivo, já deve ter parado para pensar: Porque tenho que seguir esta lei? Ou, será que esse comportamento esperado é requerido pela lei? Quando se pensa em lei não se pode reduzir o conteúdo ali inserido em mera letra no papel, uma vez que anorma jurídica exige que o indivíduo faça ou deixe de fazer algo, atribuindo-lhe, para tanto, responsabilidades, direitos e obrigações. Neste contexto, para Dimoulis (2007)[5] a filosofia do direito examina a dimensão da idealidade ou legitimidade, isto é, a dimensão de valor do direito, ou seja, a adequação do direito vigente a ideais democráticos e anseios sociais.

Segundo Augusto Conte, apud Rocha (2014, p.143)[6], “A “teoria positiva” parte do princípio de que os homens devem aceitar a ordem existente, não devendo contestá-la”.

Segundo Maciel (2017), o Brasil, país tradicionalmente influenciado pelo direito civil law e pelo positivismo, sempre teve na lei escrita a principal fonte do direito. Enquadrando-se nos países influenciados pela tradição romano-germânica, tendo o modelo do civil law como base estruturante do seu sistema jurídico, “o ordenamento jurídico brasileiro, assim, sempre teve sua base estabelecida sobre a lei, em sentido amplo, sendo esta a mais importante fonte do direito”[7], legado do positivismo, entendido como o conjunto de normas estabelecidas pelo poder público que são impostas com o fim de regular a vida social.

A Constituição Federal de 1988 revela tacitamente a origem romano-germânica do sistema jurídico brasileiro, fortemente influenciado pelo positivismo, com evidente incorporação do preceito básico do modelo civil law. Com isso, apresenta um processo de flexibilização da rigidez positivista típica do civil law em favor de uma maior autonomia do Poder Judiciário na interpretação das leis e valorização dos precedentes judiciais como fonte do direito. Assim, o civil law, embora ainda permaneça tendo na lei escrita a sua principal fonte, sofre modificações visando se adequar às novas realidades e necessidades, como é o caso do atual cenário pandêmico.

Hans Kelsen, apud Almeida (2017, p.432)[8], descreve a importância do princípio da eficácia, diz ele que a “ciência jurídica não tem espaço para os juízos de justiça, mas somente para os juízos de direito”. As normas jurídicas postas na experiência social se traduz na realidade elaborada subjetivamente.

A ciência do direito que Hans Kelsen, citado por Filho(2010)[9], demonstra é a ausência do direito natural, a ausência de critérios e valores objetivos de direito, buscando apenas o valor positivado pela norma jurídica, reservando a importância da ciência do direito a um papel puramente descritivo. Em sua teoria ele demonstra que os interesses políticos motivados por uma ideologia por intermédio das ordens sociais vigentes não podem ser legitimados ou desqualificados. O direito posto são normas puras com fundamentos e lógicas formais jurídicas, no qual passa-se a conhecer o direito.

Destaca-se que as normas são criadas pelo homem, elaborando maneiras pelas quais a sociedade irá se portar, de forma que o indivíduo seguirá as normas de maneira natural. Assim, os pontos fundamentais estão no questionamento em que o direito não se submete ao princípio da causalidade, como uma relação do motivo e consequência, mais sim, ao princípio da imputação refletindo uma situação e um problema na ordem jurídica, dando condições e validade a este ordenamento.

Almeida (2017) descreve, em seu livro Curso de Filosofia do Direito, o pensamento de Kelsen:

Kelsen criou um conceito teórico chamado norma fundamental que não podemos considerar que seja a Constituição, já que esta é norma formal. Quando ele fala de norma fundamental quer tratar de um conceito axiológico, como sendo este o ponto de partida. Único momento em que Kelsen aproxima-se da base social. A norma fundamental é o princípio, pelo qual o Direito vai desenvolver a tal da hierarquia normativa. (Almeida, 2017, p.151)[10]

Na visão de Kelsen, a norma é um dever-ser, e, no âmbito da Teoria da Constituição, é o dever-ser-superior, o que vem a ser a estruturação das normas em pirâmide, sendo que as normas constitucionais estariam no topo da pirâmide, e todas as demais normas jurídicas abaixo e submetidas a elas.

O temor considerado pelos positivistas seria, o direito constitucionalmente posto, de forma científica e neutra, pela teoria pura do direito, de forma abstrata, a possibilidade da admissão de um Estado de direito que não o democrático.

Considerando que a Constituição Federal é a regra matriz do sistema positivista do ordenamento jurídico nacional, todo o sistema legal deverá desenvolver-se a partir de sua estrutura normativa, lógica e funcional. Desta forma, segundo o entendimento filosófico constitucional de Kelsen, a norma fundamental não poderá ser alterada.

Porém, no entendimento moderno, a doutrina jurídica admite as mudanças na Constituição, tornando-a mais flexível. Assim, a Constituição Federal brasileira poderá sofrer alterações através de Emendas, conforme estabelecido no artigo 60 da CF/88.

A Constituição de 1988, traz os direitos fundamentais como ponto de partida, afirmando que o princípio da dignidade da pessoa humana é genuíno e, tomando como base a hierarquia dos direitos normativos a ser preservados, tornando, assim, o homem como um fim em si mesmo e não como um instrumento do Estado.

2.1 Direitos Fundamentais e Garantias

A Constituição brasileira de 1988 em seu no artigo5º estabelece o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[11]

Este artigo 5º tem 78 incisos que estabelecem alguns dos direitos e garantias fundamentais, dos quais destacam-se aqui:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Estes incisos selecionados tratam da igualdade de credo religioso, da igualdade de gênero, estabelecendo que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de locomoção, tratando-se assim de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos.

O artigo 5º é de suma importância pois representa a responsabilidade e o reconhecimento de uma cláusula pétrea (Artigo 60, § 4º, inciso IV, CF), não podendo ser modificado de nenhuma forma, determinado pelo Poder Constituinte derivado estabelecidos na Constituição, no qual buscava a proteção do núcleo basilar dos princípios. Assim, os atos inconstitucionais, são reconhecidos como incompatíveis com a Constituição brasileira.

Embora exista o reconhecimento de que nossos direitos fundamentais são assegurados de maneiras sólidas e petrificadas no nosso ordenamento jurídico, assim garantido os direitos fundamentais, ainda assim a realidade do dia a dia demonstra que existem em nossa cultura a desigualdades e preconceitos inadmissíveis.

O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídico (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios etc.), que podem vir a envolver-se numa relação de conflito ou colisão. Para solucionar-se esses conflitos, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio ao intérprete (MORAES. 2010, p.14)[12]

A hermenêutica jurídica é de grande valia para os operadores do direito, uma vez que é através dela que é possível interpretar as normas, estabelecendo-se uma concepção e uma adequação para fortalecer os argumentos válidos dentro das normas jurídicas. Desta forma deveremos buscar qual é o verdadeiro objetivo da Constituição, dentro de uma sociedade democraticamente organizada.

3. CONSTITUIÇÃO E SUA EFICÁCIA.

A Constituição é uma lei na qual não podemos ter dúvida da sua eficácia normativa. Sendo ela de caráter supremo, no qual deve prevalecer sobre todos os atos do governo, mesmo aquelas que foram editadas pelo legislador. O Estado governado determinará os fatores socioeconômicos que entregará aos seus cidadãos, deixando de ser em si, para o dever ser. Os governantes e a Sociedade terão a responsabilidade de respeitar a normas criadas por um Poder Constituinte.

Em nossa Constituição está tudo aquilo que compõe os direitos fundamentais e suas garantias de forma explicita não podendo ser contrariadas. Mas como visto, ela não tratará apenas dos direitos dos cidadãos, tratará da forma de organização política do Estado, sua organização, assim fixando os limites de sua atuação e legitimação. Os poderes públicos serão separados e usaram medidas de freios e contrapesos de forma a trabalharem harmonicamente entre si, assim como sugeriu Montesquieu no O Espirito das Leis.

Desta forma, o Poder Constituinte será instituído por representantes eleitos pelo povo, em caráter extraordinário, e que terá como missão criar novas leis, assim estabelecendo uma supremacia da Constituição onde a qualquer momento o povo poderá solicitar a reconstrução política e substituir a Constituição.

A Constituição é conceituada como sistema de normas jurídicas, produzidas no exercício do poder constituinte precipuamente ao estabelecimento da forma de Estado, da forma de governo, do modo de aquisição e exercício do poder, da instituição e organização de seus órgãos, dos limites de sua atuação, dos direitos fundamentais e respectivas garantias e remédios constitucionais e da ordem econômica e social. (MORAES. 2003. p.61)[13]

Sabe-se que nossa Constituição é semi-rígida, pois pode ser alterada ou complementada pelo poder legislativo de acordo com os limites matérias que ela impõe através de emendas, ao não estabelecer apenas uma organização limitativa dos poderes definindo também metas sociais e econômicas, desta forma mostrando aos próximos governantes o rumo a ser seguindo, assim prefixando o destino da sua nação.

Assim, fica claro que não existem normas acima da Constituição, onde o poder emanara do povo no qual irá escolher o seu representante, os cidadãos passaram a ter direitos e deveres regulamentados de acordo com os padrões internacionais de Direitos Humanos estabelecido em nosso país, nos permitindo viver sobre o regime Democrático de Direito.

3.1. Direitos Humanos, na Visão do Covid19

Os direitos e garantias do ser humano tem por sua finalidade básica o respeito a sua dignidade, conceituada na proteção contra arbitragem do poder do Estado, no qual se reserva a garantia de uma vida digna, livre e igual perante a todos. O Estado deve reconhecer que todos devem estar no mesmo nível de direito, assim se tornando um verdadeiro protetor do cidadão de bem e contra a prática de ações ilícitas.

Contudo, a realidade histórica exige adequações das normas constitucionais para situações emergenciais, no qual apenas em tempos de crise, guerras externas e internas no qual impossibilita a atuação do governo na manutenção da sua soberania.

Desta maneira, em momento de anormalidade como a pandemia causada pelo Covid-19 será aceito a relativização de determinadas garantias previstas na Constituição, justificando-se pela gravidade da perturbação da ordem pública assim ampliando o poder repressivo do Estado.

A relativização destas garantias não é definitiva, mas temporária pois dela sairá a determinações e as limitações com a finalidade de formar uma defesa para garantir os Direitos humanos posto em perigo.

De acordo com o Princípio da Concordância Prática ou Harmonização os bens jurídicos constitucionais, devem coexistir de forma harmônica, impedindo que os conflitos se colidam e venham se sacrificar, este conceito mostra a igualdade perante aos direitos fundamentais assim mantendo a proporcionalidade, mostrando a eficácia na Carta Magna.

4. REGIME DE EXCEÇÃO

O regime de exceção no qual o país está vivendo, em meio à crise mundial causada pela pandemia da Covid-19, têm-se o direito de ir e vim, limitado a ir à rua para fazer as compras em supermercado, farmácia, e com relação as atividades comerciais o governo delimitou apenas que os trabalhos em atividades essenciais poderiam manter as atividades. Flexibilizado nas últimas semanas, mas com tendência de retrocesso, diante de uma “segunda onda” de infecções.

Diante do caos causado pela propagação do coronavírus, alguns governadores e prefeitos decretaram estado de calamidade pública no território aonde exercia a administração em prol a vida dos cidadãos, pois não haveria como acomodar ao mesmo tempo centenas de pessoas internadas, levando o sistema de saúde a um colapso.

A Constituição normatiza as cláusulas pétrea e nos garante a vida como sendo um direito fundamental expresso em um regime jurídico válido, no qual em tempos de crise ele será contestável.

A realidade atual exige uma adaptação na aplicação das normas constitucionais para adequar a situação emergencial. Os artigos 136º e 137º da CF/88, prevê a aplicação de duas medidas excepcionais para restaurar a ordem em momentos de anormalidade sendo elas o Estado de defesa e Estado de sítio que deverá atender os princípios da necessidade e da temporariedade, os decretos deverão especificar prazo e sua duração, especificar as áreas integradas e indicar as medidas coercitivas, nos termos e limites constitucionais e legais.

Assim todas as exceções em que o Estado está vivendo não é um regime de ilegalidade ou de arbítrio, mas apenas um regime jurídico especial para uma situação incomum para esta situação atual, onde alguns bens ou a liberdade são provisoriamente sacrificados a fim de proteger a ordem e a segurança do Estado, desta forma zelando e protegendo seus próprios cidadãos.

4.1 As Regras da Guerra

Algumas regras foram adotadas para controlar a proliferação da Covid-19, essas aprovações dispões sobre as medidas para o combate emergencial contra o vírus.

Foram através das medidas emergenciais, regulamentos e novas leis que a quarentena obteve normas para o fechamento de rodovias, aeroportos e portos para entrada e saída em todo território nacional, tendo sua eficácia enquanto durar o cenário de emergência nacional, cuja o qual não poderá ser superior ao anunciado pela Organização Mundial da Saúde.

A emenda constitucional nº 106 de 07 de maio de 2020, terá como seu principal objetivo flexibilizar as regras fiscais, administrativas e financeiras durante o período do estado de emergência. Esta emenda estabelece um orçamento direcionado para os gastos referente a pandemia permitindo o descumprimento a regra de ouro do equilíbrio orçamentário nacional (proíbe o governo de fazer mais dívidas do que pode pagar), permitindo poderes únicos ao Banco Central, limitando essas novas regras apenas durantes este momento de calamidade pública, no termo do artigo nº 148 CF. É de suma importância a Constituição limitar as regras assim garantidos a proteção jurídica e os direitos individuais.

Montesquieu[14], em O Espírito das Leis, capítulo I sita:

As, leis no seu sentido mais amplo, são relações necessárias que derivam da natureza das coisas e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis; a divindade possui suas leis; o mundo material possui suas leis; as inteligências superiores ao homem possuem suas leis; os animais possuem suas leis; o homem possui suas leis.

As leis governam claramente a organização de uma sociedade seja qual for sua instituição, não importando qual será a sua finalidade, as regras estarão presente para manter um equilíbrio entre todos ali presentes. O cumprimento será o limite para manter a ordem e a paz demonstrando a idealização dogmática de uma soberania harmônica.

5. DEMOCRACIA

De acordo com a visão de Platão uma democracia mal administrada, a oligarquia e a tirania devem ser dispensadas, pois seriam as piores formas de governo para os cidadãos.

Para que haja uma evolução nos governos os conflitos de gerações deverão ser os aliados pelas mudanças, assim adotando novas definições no que se refere a ideia de formas boas e más. Trazendo a reflexão dos paradigmas, legalidade ou ilegalidade, violência ou consenso onde o que seria bom para um governo deveria estar relacionados a legalidade e ao consenso.

Para Aristóteles o que se observa entre o bom e mau governo é a forma em que o governante visa os interesses comuns, se este governante governa ao seu próprio interesse ele não fará um bom governo.

A democracia representativa é aquela aonde a sociedade deverá eleger os indivíduos para operar na proteção dos interesses da maioria. De acordo com o pensamento de Kant apud Almeida (2017 pág. 355[15]) “a priori é tudo aquilo que é válido independentemente de qualquer condição ou imposição derivada da experiência”.

Os governantes eleitos pelo povo deveriam fazer o bem não apenas por vocação, mais também por dever, desta forma os governantes se afastariam dos desejos individuais cumprindo apenas o dever pelo dever de acordo com a ética Kantiana.

Para que uma democracia representativa venha a funcionar são necessárias as manifestações populares de forma direta, desta forma é possível observar que a democracia é um organismo vivo dentro de uma sociedade.

Neste contexto, até que ponto as consequências da Covid-19 irão se movimentar na estrutura do nosso ordenamento jurídico, as cláusulas pétreas consideradas imutáveis criadas em nossa Carta Magna pelos constituintes encontram-se cada vez mais frágil, onde já estão sendo criadas novas discussões sobre a alteração da data das eleições, onde poderemos ter uma nova proposta de emenda à constituição.

Se faz necessário que mesmo diante da crise o vigente ordenamento jurídico seja absoluto, e que se mantenha a eficácia do funcionamento do Poder Judiciário para, consequentemente manter-se a ordem de forma transparente e responsável assim respeitando a conformidade com a Constituição.

5.1 Restrição de Direito.

De acordo com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341de 13/5/2020, onde os estados e municípios poderão adotar medidas de isolamento, restrição excepcional e temporária em matéria de saúde e quarentena. Com base nas medidas adotadas pelos governantes vêm trazendo enormes transtornos à população, onde muitas decisões são tomadas sem uma avaliação técnica baseada em estudos, sendo que a falta de estrutura provoca grande danos ao bem-estar social, fazendo com que o Ministério Público trabalhe em dobro abrindo inquéritos e apurando condutas que julgam irregulares.

São tantas medidas adotadas para conter a Covid-19 que fica cada vez mais claro, que os Direitos Fundamentais estão se tornando uma marionete das políticas públicas.

Norberto Bobbio[16], (2004) sita que:

Apesar das inúmeras tentativas definitórias a linguagem dos direitos permanecem bastante ambígua, pouco rigorosa e frequentemente usada de modo retórico […] direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo, onde haja juízes imparciais e várias formas de poder executivo das decisões de juízes […] Já a maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos de segunda geração, que são exibidos brilhantemente em toda a declaração nacionais e internacionais, permaneceu no papel.[…] O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração? A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome de “direitos” ser unicamente para atribuir um título a nobreza […] Mas uma coisa é proclamar esse direito, outra coisa é desfrutá-lo efetivamente. BOBBIO (2004, p. 9)

É possível observar que Bobbio, demostra as maneiras de se reivindicar tanto de forma material como de forma moral os direitos que um cidadão possui, sejam eles os direitos reconhecidos ou os protegidos

6. SEGURANÇA JURÍDICA

Não se poderia falar de segurança jurídica[17] sem falar das competências constitucionais, pois é através do Poder Público que tem-se a legitimação das decisões proferidas pelo Estado. A União será responsável por administrar as questões de interesse geral da união, enquanto que os Estados deverão ser responsável por administrar as questões regionais, e pôr fim os Municípios as questões dos interesses locais.

Conforme descriminado no art. 18º da CF/88: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, […]”, a organização político-administrativa foi devidamente organizada pelo Poder Constituinte Originário que definiu que o nosso ordenamento jurídico deveria manter as seguintes características: inicial, soberano, independente, absoluto, incondicionado, ilimitado.

Enquanto o Poder Constituinte Derivado Reformador possibilita a alteração no texto constitucional desde que sejam respeitadas as limitações procedimentais que trata dos mecanismos que serão adotados para emendar a Constituição, assim respeitando o art. 60º nos seus incisos I,II e III, as limitações circunstâncias que estabelece que em determinadas circunstanciais a Constituição poderá ser emendadas, sendo elas os casos de vigências de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio e por último as limitações materiais que são as nossas cláusulas pétreas, que trata das normas que não podem ser abolidas e nem modificadas, elas tem a sua função de balizar e proteger a organização da democracia.

Desta maneira encontramos a Segurança Jurídica estabelecida pela Constituição no art. 5º no inciso XXXVI, CF/88, que preserva o equilíbrio entre as relações jurídicas no nosso ordenamento, assim preservando a democracia e o exercício da cidadania. Observando-se as leis postas deve-se ter em mente que a função de regular ações futuras, pois a lei só terá validade apósser decretada, desta maneira as novas leis não poderão, de forma alguma, tirar o direito das pessoas quehaviam adquirido por meio da lei antiga. Isto também será válido para as leis de ordem pública, que são as leis que mantêm a sociedade em ação, e que não poderão ser alteradas sobe as circunstancias de interesses individuais.

E é através do inciso XXXVI CF/88, que se manifesta a preocupação do Poder Constituinte Originário em manter a garantia do direito fundamental da segurança jurídica, disciplinando por uma lei a proteção mesmo que ela seja revogada ou substituída por uma outra lei, respeitando os princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, assim um direito antes adquirido não pode ser retirado de um cidadão, enquanto a vigência de uma lei, que depois de revogada ou modificada deverão manter as regras anteriores, mesmo que as regras atuais mudem e após um decisão julgada por um juiz a decisão ali tomada não poderá ser modificada, nem mesmo por uma lei, esta decisão só será revogada se encontrar uma ilicitude no julgamento.

A segurança jurídica é de grande importância em um Estado Democrático, pois ela irá consolidar os direitos já conquistados, desta forma respeitando as decisões tomadas.

Assim as decisões devem ser tomadas de forma a reduzir riscos, diante aos litígios causados pela pandemia da covid-19. Desta forma, o Poder Judiciário deverá tomar decisões afim de proteger as pessoas, em todos os cenários, não apenas durante a pandemia, mas também após pandemia, onde as interpretações deverão ser ainda mais cautelosas para não atrapalhar o desenvolvimento do país.

O sistema jurídico tem que tomar muito cuidado pois, os fins nem sempre irão justificar os meios, para que não seja pego com o fantasma da insegurança jurídica que assombra a regra do jogo, pois as legislações mudam a todo instante e não se pode correr riscos neste momento tão delicado em vive a nação e o mundo.

Desta maneira na observação de, José Joaquim Gomes CANOTILHO em seu livro Direito constitucional e teoria da Constituição[18], a ideia de segurança jurídica surgiu da necessidade humana:

O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de direito, o princípioda segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão. Estes princípios apontam sobretudo para a necessidade de uma conformação formal e material dos atos legislativos, postulando uma teoria da legislação, preocupada em racionalizar e otimizar as teorias da legislação, preocupada em racionalizar e otimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de direito (CANOTILHO, 2002)

De forma simples a humanidade sempre buscou a segurança para cuidar dos conflitos encontrados no seu cotidiano. O Estado por sua vez é o responsável por julgar e apresentar a resposta mais justa para o caso concreto assim legitimando todos os conflitos que serão postulados pela sociedade.

7. CONCLUSÃO

Os acontecimentos e as mudanças diárias tendem a impactar em nossos direitos adquiridos e desta forma, é preciso lutar para fazer valer o Direito, pois é através dele que dever-se separar a política dos contratempos. O Estado de Sítio, não pode criar controvérsias em nossos ordenamentos jurídicos a fim de combater a pandemia criando legitimidade em momentos como este.

Os impactos causados pelas medidas adotadas na contenção do Coronavírus, trouxe uma ruptura aos Direitos Fundamentais com o intuito de preservar a saúde pública, a educação, a vida social e o trabalho ficaram em segundo plano, os governantes deveriam buscar estratégias que respeitassem a harmonia entre os fatos atuais e o ordenamento jurídico pré-estabelecido.

Deve-se buscar o controle de maneira efetiva, por meio da Constituição assim todos os órgãos que representam a população deverão se fortalecer para manter o estado democrático de direito seguro, assim cumprindo as regras fundamentais mencionados na Constituição Brasileira.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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[1] Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce (2012). Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, sob a orientação do Professor Cláudio de Cicco. Bolsista CAPES/PROSUP. Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo, sob a orientação do Professor Erik Frederico Gramstrup. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Público e Privado. Professor de Direito nas áreas de Direito Civil e Constitucional, do Centro Universitário Adventista (UNASP) – Campus São Paulo e Hortolândia. Contato: estevaoadv@hotmail.com.

[2] Graduanda pelo Centro Universitário Adventista – Campus São Paulo (UNASP-SP). Contato:  edyalves1122@gmail.com.

[3] Conforme informações disponíveis em https// www.covid.saude.gov.br, acessado em 05/12/2020.

[4] Conforme informações disponíveis em: hppts// www.g1.globo.com, acessado em 05/12/2020.

[5] DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[6] ROCHA, José M. Sacadura. Fundamento de Filosofia do Direito. ed. Atlas, São Paulo. 2014, pág. 143.

[7] MACIEL, Rodrigo Augusto Pinto. O sistema jurídico brasileiro e a influencia do common law Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 2017 Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50591/o-sistema-juridico-brasileiro-e-a-influencia-do-common-law. Acesso em: 08 dez 2020.

[8] ALMEIDA,Eduardo C.B.B.G de Assis. Curso de Filosofia do Direito. ed. Atlas, São Paulo. 2017, pág. 432.

[9] FILHO, Manoel G. Ferreira. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. ed. Saraiva, São Paulo. 2010, pág. 83-133.

[10] ALMEIDA,Eduardo C.B.B.G de Assis. Curso de Filosofia do Direito. ed. Atlas, São Paulo. 2017, pág. 151

[11] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br

[12] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. ed. Atlas, São Paulo. 2010, p. 14

[13] MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2003.

[14] MONTESQUIEL, Charles Louis de Secodat. O espirito das leis. Tradução, de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues e introdução e notas de Gonzague Truc. ed. Nova Cultura, São Paulo, 2005.

[15] ALMEIDA,Eduardo C.B.B.G de Assis. Curso de Filosofia do Direito. ed. Atlas, São Paulo. 2017, pág. 355

[16] BOBBIO Noberto, A Era dos Direitos. ed. Elsevier. Rio de Janeiro. 2004, pág.9

[17] BOBBIO Noberto, A Era dos Direitos. ed. Elsevier. Rio de Janeiro. 2004

[18]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2002.

Como citar e referenciar este artigo:
CAMPOS, Estevão Schultz; TEIXEIRA, Edilandia Alves. O ataque invisível: Direitos Fundamentais e a Surpresa Covid-19. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-ataque-invisivel-direitos-fundamentais-e-a-surpresa-covid-19/ Acesso em: 22 nov. 2024
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