Direito Constitucional

Ministro Lula, para quê?

Há dias circulavam rumores de que o alto escalão do Governo Federal e a cúpula do Partido dos Trabalhadores – PT estudavam a nomeação do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, acusado de envolvimento em casos de corrupção, para o cargo de Ministro. Tais boatos se concretizaram na última quarta (16).

O objetivo da manobra, ao que tudo indica, é garantir ao ex-presidente a prerrogativa de “foro privilegiado”. A consequência, as denúncias contra ele dirigidas deixariam de ser examinadas pela Justiça Federal comum, evitando que o caso chegue às mãos do Juiz Sérgio Moro. O Supremo Tribunal Federal (STF) é que decidirá a questão.

A Constituição confere à Presidente o poder de escolher seus Ministros. Trata-se, porém, de uma faculdade apenas aparente, pois sujeita a limitações rígidas, decorrentes, primordialmente, do fato de que a atuação da Administração deve ser pautada por fins e interesses públicos, nunca particulares.

De fato, os poderes constitucionalmente conferidos ao governante são garantidos a ele na qualidade de integrante do Estado. Existem apenas para que possa cumprir seu dever de atender aos interesses da coletividade. São estes, nunca é demais recordar, que justificam a existência do próprio aparelho estatal e da posição ocupada.

Justamente por isso é que o artigo 37 da CF determina que as autoridades conduzam seus atos com impessoalidade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública.

Diante desse quadro, não há dúvidas de que a nomeação do ex-presidente esbarra nas limitações referidas. Isso porque realizada com objetivo preponderante de protegê-lo ou de amenizar a sua complicada situação, na qualidade de pessoa próxima à Presidente. Como tal, é completamente inválida.

O STF é firme em reconhecer que o tratamento privilegiado que não decorra de “causa razoavelmente justificada” implica inadmissível “quebra de moralidade”.

A Corte Suprema, a propósito, já analisou questão idêntica, decidindo que: “A nomeação para o cargo de assessor… é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores…, o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade (MS 24020, DJ 12-06-2012).

A propósito, não se diga que a presença do ex-presidente no corpo ministerial pode contribuir para a amenizar a grave crise de legitimidade do Governo. Nem que pode, de alguma forma, auxiliar na reversão da cambaleante situação econômica do País. Afinal, se assim fosse, a nomeação teria ocorrido muito antes, já que esse quadro se arrasta há meses.

A situação foi agravada pela divulgação do diálogo entre os dois protagonistas, no qual, nitidamente, fica evidenciado que o intuito de nomeação foi proteger Lula do pedido de prisão preventiva que seria examinado pelo Juiz Sérgio Moro. Tal gravação comprova que foram feridos quatro princípios fundamentais da Administração Pública, elencados pela Constituição Federal. São eles: o princípio da moralidade (nomeação para ministro de Estado de um investigado por corrupção), da impessoalidade (nomeação no interesse pessoal do amigo, e não do interesse público), da eficiência (nomeação exclusivamente para blindá-lo, não em virtude dos atributos para o exercício do cargo) e da legalidade (desvio de finalidade na nomeação).

O Juiz Moro, por sua vez, atendeu ao princípio da publicidade ao retirar o sigilo da gravação, já que o interesse público justifica a divulgação da conversa.

A nomeação de Lula ao cargo de Ministro, portanto, com evidente desvio de finalidade, conduz a uma questão da mais alta relevância: não constitui, ela própria, ato de improbidade administrativa capaz de motivar o “impeachment” de Dilma?

Ives Gandra da Silva Martins (81),

Professor Emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército–ECEME e da Escola

Superior de Guerra- ESG;

Hamilton Dias de Souza, (72),

Jurista e Mestre em Direito pela USP.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva; SOUZA, Hamilton Dias de. Ministro Lula, para quê?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/ministro-lula-para-que/ Acesso em: 19 nov. 2024
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