Resumo
Atualmente muito tem se discutido sobre a presença dos símbolos religiosos nas repartições públicas brasileiras, de ambos os lados da discussão encontramos
argumentos bem elaborados e discursos bem embasados. Discute-se ainda a influência da religião nas decisões políticas. O presente artigo tem por objetivo
analisar a relação existente entre Estado, Religião, Política e Cultura no contexto da atual sociedade brasileira.
Palavras – chave : Cultura, Religião, Estado laico e Política.
ABSTRACT
Currently there has been much discussion about the presence of religious symbols in public offices in Brazil, both sides of the discussion we find
arguments and speeches prepared and well grounded. It also discusses the influence of religion in political decisions. This article aims to analyze the
relationship between State, Religion, Politics and Culture in the context of the current Brazilian society.
KEY-WORDS: Culture, Religion, secular State and Politic.
1. Introdução
1.1 d o passado aos dias atuais
Nas civilizações antigas a religião era majoritariamente politeísta e as pessoas não possuíam liberdade de escolha religiosa, pois adoravam os Deuses que o
soberano impunha ou os Deuses da cidade em que viviam, além disso, quando um povo era dominado, eram-lhe impostos os Deuses dos conquistadores e os Deuses
dos conquistados eram banidos dos cultos. Aqueles que se recusassem a adorar as deidades impostas eram condenados a pagar sua afronta com a própria vida:
Na Antiguidade, a religião costumava andar intimamente associada à vida do povo. Cada nação, tribo ou clã tinha os seus deuses próprios que se supunham
defender e proteger o povo. Cumpria venerá-los e evitar-lhes as iras, em especial provocadas pela infidelidade ou mau procedimento de alguns membros da
comunidade, por meio de sacrifícios, preces e outros atos rituais. Não aceitar a religião nacional ou não a praticar, equivalia, de certa maneira, a ser
infiel ao próprio povo e a atrair sobre ele as iras da divindade; pelo tal fato era geralmente considerado crime grave, punido, por vezes, até com a pena
de morte (Adragão, 2002, p. 31).
Nas civilizações antigas o Estado era extremamente relacionado à religião e o surgimento do cristianismo foi considerado crime de lesa majestade e os
cristãos passaram a ser perseguidos pelos romanos até o Séc. IV d.C. A situação se modificou quando o imperador Constantino se converteu ao cristianismo.
Entretanto, o reconhecimento e crescimento do cristianismo não contribuíram para a liberdade religiosa, pois os cristãos inverteram a situação anterior e
passaram a perseguir e matar os que se opunham a eles. No Séc. XV a igreja católica se fortaleceu e proclamou-se como única e verdadeira igreja de Jesus
Cristo.
A mudança começa a acontecer somente no século seguinte, com a Reforma Protestante, quando em 1517, Lutero afixou na porta Igreja do Castelo de Wittenberg
95 teses que discorriam sobre diversas posturas adotadas pelo catolicismo medieval. A Reforma Protestante ganhou força rapidamente e como consequência, a
igreja católica reforçou a repressão e a perseguição àqueles que não eram seus adeptos.
A Reforma Protestante foi um movimento muito importante na garantia de liberdade religiosa, de modo que “consistia nas primeiras reivindicações
consistentes ao direito de liberdade religiosa, direito esse que ainda demorou a ser implementado”. (SABAINI, 2008).
No caso brasileiro, o período colonial foi marcado por uma relação muito próxima entre a coroa portuguesa e a igreja católica, dessa forma os reis de
Portugal eram vistos como nomeados diretamente por Deus, tendo por obrigação a expansão da fé católica e do império e para que tal objetivo fosse
alcançado, os papas permitiam que os reis comandassem as igrejas e nomeassem autoridades eclesiásticas.
No Colonialismo, os países que estudavam cultura dominaram os conquistados sem ter que destruir a cultura local, enquanto os que não possuíam tal
habilidade arrasaram os conquistados, impondo-lhes sua própria cultura em detrimento da cultura nativa. Nesse momento a religião possuiu um papel de
extrema importância, de maneira que ela poderia mostrar a “verdade” ao mundo naquele momento. O lema de conquista era: para um novo mundo, um novo Deus,
único e verdadeiro.
Em 1822 o tema da liberdade religiosa se desenvolveu mais; com a proclamação da independência, pois apesar da Constituição de 1924 demonstrar claramente a
relação entre igreja e Estado, demonstrou também certa tolerância religiosa.
O Art.5° da Constituição brasileira de 1824 estabelecia: “A Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.
Art. 95 – “Todos os que podem ser Eleitores abeis para serem nomeados deputados. Exceptuam-se:
I. Os que não tiverem 400$ de renda líquida na forma dos artigos 92 e 94.
II. Os estrangeiros naturalizados.
III. Os que não professam a religião do Estado.”
Art. 103 CF 1824: “Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento – Juro manter
a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Império; observar, e fazer observar a Constituição Política da Nação
Brazileira, e mais Leis do Império, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber”.
Esses, dentre muitos outros, são Artigos que demonstram que mesmo não mais sendo perseguidos, os indivíduos que não fossem católicos sofreriam forte
discriminação. Na época de expansão territorial, a igreja católica perseguiu e arrasou a cultura indígena, demonstrando completo desrespeito e
intolerância, como se a cultura local não fosse válida. Avançamos muito, no sentido de que a religião perdeu muito de sua força, não sendo mais imposta aos
indivíduos, os quais são livres para escolherem sua própria religião.
O Republicanismo foi um período de extrema importância na conquista do direito de liberdade religiosa, pois os republicanos desejavam a ruptura da ligação
oficial entre Estado e catolicismo. O Decreto nº 119-A de 7 de janeiro de 1890, de Ruy Barbosa deixa isso claro quando determina:
Art. 1º E’ prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma
religião, ou vedando-a, e criar differenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou
opiniões philosophicas ou religiosas.
Art. 2º a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos
actos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
Art. 3º A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos actos individuais, sinão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem
agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder
publico.
Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.
Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos
pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.
Art. 6º O Governo Federal continua a prover á côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos
seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos
antecedentes.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.
Esse decreto foi um marco na história brasileira, de modo que em 400 anos, foi a primeira vez que o Estado brasileiro estava separado da religião. A
história nos deixa claro que a sociedade brasileira foi originada em um contexto católico, pois os exploradores portugueses visavam, além de expansão
territorial, a expansão do catolicismo. Com o passar do tempo, muitos países adotaram o catolicismo como religião oficial, limitando a liberdade religiosa
de seus cidadãos. Alguns séculos depois, a situação começou a mudar e atualmente podemos observar diversidade de posicionamento em relação à escolha da
religião (Ari Pedro Oro e Marcela Ureta).
De acordo com o artigo de Leonildo Silveira Campos, intitulado Os Mapas, Atores e Números da Diversidade Religiosa Cristã Brasileira: Católicos e Evangélicos entre 1940 e 2007, baseado em dados do IBGE
relacionados ao censo de 2000, os gráficos a seguir permitem maior compreensão do cenário religioso brasileiro:
Baseando-nos no gráfico anterior, podemos afirmar a importância da laicidade do Estado brasileiro, pois uma vez que possuímos um povo tão diversificado e
com tantas expressões culturais e religiosas não é possível que o Estado demonstre preferência sobre certa religião, ainda que de maneira implícita, sem
ferir o principio de Estado Laico. Apesar da diversidade religiosa do povo brasileiro ser evidente, também é evidente a mudança no cenário religioso
brasileiro, uma vez que nosso país está de tornando cada vez menos católico e mais evangélico.
Podemos constatar que nos últimos 50 anos houve uma diminuição do número de católicos e um expressivo aumento do número de evangélicos na América Latina
como um todo, fato este que levou o sociólogo Martin a propor “uma nova reforma religiosa” e outro estudioso a se questionar se não estaria ocorrendo uma
“pentecostalização da América Latina”. Devemos destacar ainda que os evangélicos estão bastante inseridos na política dos países latino-americanos. Esta
migração de adeptos pode estar relacionada ao fato de que as igrejas evangélicas possuírem maior poder de persuasão, carisma e conquista de fieis em
relação à igreja católica.
Ainda citando o artigo anteriormente nominado do autor Leonildo Silveira Campos, no qual ele realiza uma comparação entre evangélicos e católicos,
destacando o espaço utilizado por essas duas correntes do cristianismo no período de 1940-2000 utilizando o seguinte gráfico:
Considero relevante o fato que no Brasil há também um crescimento de indivíduos que se autodenominam sem religião, o que não significa que sejam
descrentes, pois todo ser humano crê em alguma coisa, seja esta crença baseada em um Deus, em vários Deuses ou em nenhum Deus. Este fato também foi
expresso na pesquisa de Leonildo Silveira Campos:
De acordo com a migração de fieis é possível dizermos que as religiões evangélicas devem ultrapassar as católicas em número de adeptos, tornando-se a
religião da maioria, mas penso que seja difícil que nossa cultura se torne evangélica, pois o evangelicalismo é a religião de indivíduos convertidos um a
um e não fornece elementos culturais nem funda nações.
2. Estado, Religião e Política
2.1 Conceito de Estado, Religião e Cultura
2.1.1 Estado
Marx afirma que o surgimento do Estado, pelo menos o Estado burguês, se dá a partir de uma análise e compreensão do desenvolvimento da história, da disputa
interna de seus atores.
Segundo o autor José de M. C. Ambrósio, o Estado é uma realidade espiritual e por isso não pode ser definido através de fenômenos materiais, pois o Estado
muitas vezes é confundido com seus elementos: povo, território, soberania, regras, finalidades. Na visão de Georges Burdeau:
“Ele não é território, nem população, nem corpo de regras obrigatórias. É verdade que todos esses dados sensíveis não lhe são alheios, mas ele os
transcende. Sua existência não pertence à fenomenologia tangível: é da ordem do espírito. O Estado é, no sentido pleno do termo, uma idéia. Não tendo outra
realidade além da conceptual, ele só existe porque é pensado.” (Burdeau, 2005, s. p.)
Este é o conceito jurídico de Estado, pois segundo Georg Jellinek o Estado poderia ser entendido como uma mera abstração, uma ficção jurídica. Dimensões
Estatais. Existe ainda a concepção de Weber, segundo o qual o Estado é a instituição que detém a força e a legitimidade para empregá-la; esta concepção
pode também ser chamada de conceito sociológico do Estado.
Dessa forma, há a necessidade de elegermos representantes, uma vez que o Estado é intangível, ou seja, uma ideia não é possível que o mesmo tome decisões,
por exemplo, nas conferências internacionais, quem toma as decisões são os representantes eleitos pelo povo.
2.1.2 Religião
O autor Adenáuer Novaes conceitua, a meu ver, religião de forma eficiente, a saber:
É mais comum definir-se religião como um sistema de crença coletiva em um deus, ou em algo que se assemelhe ao transcendente, e a existência de rituais que
diretamente levem ao seu encontro. A palavra é comumente associada à crença em Deus, rezar, meditar, cultuar, entrar em transe, negar a vida material, o
corpo e o prazer, bem como às experiências místicas e rituais ligados ao sagrado. Muitos vêem a religião como manifestação da divindade em que tudo que é
espiritual é religioso. Religião representa a união de pessoas que têm crenças e práticas comuns relacionadas ao sagrado e que atribuem um mesmo sentido à
vida futura. Sob seu manto, as pessoas se sentem pertencentes e protegidas por forças superiores e abrigadas dos “perigos” e da “perda” da própria alma.
(Novaes, 2007, pág.49).
Podemos observar duas dimensões da religião: na primeira a religião é vista como sagrada, transcendente; é a necessidade de o homem ligar-se ao Infinito,
ao Absoluto que é Deus, o qual pode ser visto de diferentes modos de acordo com cada religião; na segunda dimensão da religião, esta alcança o patamar da
vida social, o que lhe dá força, pois através deste a religião torna-se institucionalizada, organizando seus ritos e dogmas.
Essas são as duas dimensões da religião: a sagrada e a institucionalizada, as quais possuem forte relação e não podem ser separadas. Apesar de não poderem
ser separadas, o presente artigo terá enfoque sobre a segunda dimensão da religião e suas influências na política e no Estado.
Segundo ao autor Reginaldo Prandi, existem maneiras diversas na concepção que cada religião tem de cultura e justifica a si própria como instituição,
buscando estratégias de se pôr na sociedade. Dessa forma, as religiões de pouco crescimento buscam reter seus seguidores e tentam impedir que eles mudem de
religião; ao contrário das religiões que possuem grande crescimento através da conversão, as quais buscam sempre novos adeptos.
Religiosidade é diferente de religião, de modo que aquela é uma tendência ao sagrado e não necessariamente está vinculada à adoção de uma religião pelo
indivíduo, mas quando a pessoa adota determinada religião, a religiosidade se adéqua, resultando ou não na estagnação da consciência. A religião impulsiona
o ego em direção ao sagrado, enquanto a religiosidade impulsiona na direção da compreensão de si próprio (Adenáuer Novaes, 2007, pag.36).
Apesar de serem coisas distintas, podemos entender que a religião possui uma relação intima com a religiosidade, de modo que uma sem a outra está
incompleta. Sobre esse assunto, o autor Adenáuer Novaes afirma que:
É preciso viver religiosamente, porém sem se alienar do mundo, sem deixar de considerar que todos estão num mesmo momento evolutivo e que isso os nivela
espiritualmente. A Religião Pessoal deve ser capaz de proporcionar uma vida pacífica, harmoniosa e com amorosidade. Uma religião que não resiste à mínima
imoralidade é apenas uma conveniência humana. A religião não é para formar crentes, mas para fazer evoluir consciências. Sua missão é libertar as
consciências, também de seus próprios egos. Religião sem religiosidade torna-se um movimento intelectual, frio e tendente à alienação. (Novaes,
2007, pág.38).
O autor Alexandre Z. Bacich, em seu livro Manual de teologia conceitua religião da seguinte maneira:
Crença na existência de um ou vários seres superiores que criam e controlam o cosmo e a vida humana e que, por isso, devem ser comum o reconhecimento do
sagrado e da dependência do homem para com poderes sobrenaturais. A prática religiosa tem por objetivo prestar tributos e estabelecer forma s de submissão
a esses poderes. A adesão a uma religião implica a freqüência a seus ritos e a observância de suas prescrições (Bacich, 2000, pág.6)
A partir dos conceitos anteriormente explicitados, podemos entender que apesar de existirem os mais diversos modos de entender o que é religião, em um
ponto todos os conceitos são iguais: o fato de que a religião busca nos conectar com seres superiores, sejam eles diversos Deuses ou apenas um Deus; além
disso, todas as religiões possuem o mesmo objetivo: crescimento espiritual e controle social.
2.1.3 Cultura
Cultura pode ser entendida como o conjunto de costumes e valores de certa sociedade. Na visão de Eunice Durham: “a cultura constitui um processo pelo qual
os homens orientam e dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo fundamental de toda prática humana.”
É característica fundamental da cultura sua capacidade de mutação, pois conforme passa o tempo, novos valores são incorporados e velhos hábitos são
deixados de lado, isso faz parte da evolução da sociedade. Além disso, a cultura possui em seu interior sub-culturas: cultura gótica, cultura gay, cultura
das mulheres, dentre muitas outras, as quais podem ser encontradas em todos os lugares, pois todas as pessoas são diferentes e essas sub-culturas sevem
para identificarmos os mais diversos grupos de nossa sociedade. As sub-culturas são formadas por grupos de indivíduos que compartilham certas
características e se unem devido a esse compartilhamento.
A religião de certa forma limita, restringe e contribui para a formação das sub-culturas, de modo que aproxima os iguais e afasta os diferentes, por
exemplo: um jovem evangélico se afasta dos outros jovens por não possuir características em comum com esses últimos, mas ao mesmo tempo se aproxima de
grupos de jovens evangélicos por ter a mesma visão de mundo que eles.
3. Conversão religiosa e Cultura
A relação da religião com a cultura é diversa quando se trata de diferentes religiões, o que nos leva ao entendimento da atual dinâmica das religiões e não
há cenário melhor que o brasileiro, com toda sua diversidade religiosa, para discutirmos isso.
A religião está diretamente e intimamente ligada à cultura, tendo em vista que é fonte de conduta, uma vez que inspira valores, hábitos e moralidade. Dessa
forma, a religião não só interfere na cultura, como também a alimenta. Também a cultura interfere na religião, seja provocando mudanças ou reforçando-a.
Muitos autores defendem a tese de que a cultura brasileira é afro-católica, pois as religiões de origem negra, além da católica, ocupam um espaço relevante
na cultura brasileira. Apesar disso, a religião segundo nos diz o autor Adenáuer Novaes, não pode ser confundida co a cultura:
Questionável é a afirmação de que a cultura determina as características da religião. É o mesmo que dizer que a religião é tão somente mais uma das
manifestações culturais produzidas pela consciência humana. Põe a religião no mesmo patamar de outras manifestações culturais, tais como o folclore, a arte
popular, crendices, comportamentos coletivos etc., deliberadamente criadas. De fato, as manifestações religiosas fazem parte da cultura de um povo, porém
não surgem aleatoriamente nem são livres produtos da consciência. Não são formadas pelo desejo unilateral de alguém ou de um grupo. São geradas pelas
aspirações inconscientes, pelos mistérios que cercam o surgimento da vida humana, pelos questionamentos das origens e do destino humano, pelas forças
espirituais de cada povo, bem como por influência divina. Seria mais adequado afirmar que a cultura de um povo recebe forte influência de suas crenças e
ritos religiosos, o que pode ser observado de forma mais evidente nos países do Oriente Médio e na Ásia. (Novaes, 2007, pág.40).
É importante destacar que todas as religiões sofrem influência cultural, assim como a cultura também é bastante influenciada pela religião, no caso
brasileiro, tanto a religião quanto a cultura são resultado de uma miscelânea de conceitos e pontos de vista.
Atualmente, é possível identificar o declínio da igreja católica e ao mesmo tempo o crescimento das evangélicas, o que nos leva a certas questões, quais
sejam: o Brasil de maioria evangélica seria culturalmente evangélico? E os traços afros seriam expulsos da nossa cultura, uma vez que são repudiados pelos
evangélicos? O que seria das festas juninas, do carnaval e dos feriados santos? A partis desses questionamentos podemos perceber como a cultura brasileira
está relacionada à religião, a ponto de muitas vezes se fundirem.
A religião de certa forma limita, restringe, de modo que aproxima os iguais e afasta os diferentes, por exemplo: um jovem evangélico se afasta dos outros
jovens por não possuir características em comum com esses últimos, mas ao mesmo tempo se aproxima de grupos de jovens evangélicos por ter a mesma visão de
mundo que eles.
Se vamos tomar como ponto de discussão a cultura, devemos levar em consideração as pessoas que participam dela, que a transformam e a compõem. Não podemos
perder de vista o fato de que a sociedade atual está passando por um processo de transformação cultural e tanto as pessoas quanto o mercado já perceberam
isso (em maior ou menor grau) e estão buscando interferir no processo e tirar proveito da situação. Esse movimento de transformação é completamente normal,
pois a cultura sofre diversas transformações com o passar do tempo, ainda mais na atualidade, momento em que os indivíduos estão cada vez mais conectados
nos aos outros, devido à cultura globalizante, sem fronteiras.
Existem pessoas que são contra a modificação da cultura; líderes e pensadores católicos defendem a tese de que a América Latina ainda possua uma cultura
católica e que como resultado os latinos são naturalmente católicos. Entretanto, como já vimos anteriormente, o catolicismo vem ao longo dos anos perdendo
adeptos para as religiões evangélicas. Segundo os católicos, é preciso reformular a religião agindo na cultura, fazendo com que ela volte a ser católica.
Dessa forma, eles buscam dialogar mais com a cultura do que com os indivíduos, ao contrário das religiões evangélicas, as quais focam no indivíduo.
As religiões evangélicas não se importam com a evangelização da cultura, visando converter indivíduo por indivíduo, o que tem dado bastante certo, diga-se
de passagem; elas aproveitam da cultura apenas alguns elementos: benzimentos, pequenas magias, aos quais os “alvos” à conversão já estão acostumados.
Antônio Flávio Pierucci resume de forma eficaz a diferença entre o catolicismo e as religiões evangélicas:
Pergunte-se a qualquer uma das igrejas de conversão puramente individual, como as evangélicas, no intuito de responder aos desafios do nosso tempo, vai lá
perder tempo com a reevangelização da cultura! E, no entanto, são elas as que mais crescem nessas “nações católicas” que se estendem de norte a sul da
“América católica”, não sem desde logo alcançar em “América protestante” os novos imigrantes de origem hispânica ou brasileira, culturalmente católicos,
mas já agora postos em franca disponibilidade para uma conversão provavelmente evangélica – apostasia que não cessa de multiplicar-se minando por baixo e
por dentro dos “povos culturalmente católicos” que o discurso pastoral de João Paulo II não se cansava de contemplar, envaidecido, seu embaçado retrovisor
polonês. (Pierucci, 2005, s. p.).
Podemos ir além, pois o catolicismo deixou de se interessar pelos avanços culturais e como resultado tornou-se desatualizado e incapaz de acompanhar os
tempos atuais e acaba se auto-excluindo da sociedade; enquanto isso, as igrejas evangélicas continuam em seu crescimento desenfreado e obsessivo, inventado
novas abordagens a cada dia que passa, valendo-se de técnicas atualizadas de persuasão e conversão, modificando a relação de poder entre Deus e o homem e
conquistando cada vez mais adeptos.
3.1Os símbolos religiosos e a cultura brasileira
É impossível enumerar os símbolos religiosos de origem católica que compõem a cultura brasileira em suas diversas manifestações, sem falar nos elementos
religiosos de origem africana. Algumas dessas influências são bem antigas e têm origem na presença dos escravos, outras, porém são mais recentes e
originárias das religiões afro-brasileiras. Podemos perceber essa influência em vários setores de nossa cultura, tais como: a dança, a música, a
literatura, a poesia, o teatro, o cinema, a culinária, as artes plásticas, o carnaval, o cinema, a televisão e as práticas mágicas.
A presença desses símbolos afro-brasileiros é tão forte em nossa cultura que muitas vezes a religião africana é entendida como a cultura propriamente dita
e tratada como tal pelo Estado brasileiro; para comprovar isso, basta observarmos instituições como a Fundação Cultural Palmares, que tem o objetivo de
“preservar os valores culturais sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.
O candomblé preserva características culturais muito densas, mesmo deixando de ser uma religião étnica para ser universal, é uma religião de segmento
religioso pouco expressivo e ameaçado de perto por igrejas que demonizam seus orixás e guias espirituais, tomando para si seus adeptos, convertendo-os.
Apesar disso, o candomblé hoje é entendido como raiz da cultura brasileira. A mitologia africana é ensinada nas escolas da mesma maneira que as mitologias
grega e romana: com seus deuses destituídos do caráter sagrado, também Salvador, berço do candomblé, é vista como a capital da cultura dos orixás, o que
influencia a culinária, dança e paisagem local; a comida típica baiana nada mais é do que a comida sagrada dos deuses afro-brasileiros: o acarajé de Iansã,
os bolinhos de inhame de Oxalá, o quiabo com camarão de Xangô, a feijoada de Ogum, dentre tantas outras.
Já falamos da presença do catolicismo e das religiões afro-brasileiras na cultura, faltam agora os evangélicos. O candomblé virou cultura (carnaval,
feijoada, acarajé, jogo de búzios, etc.), mas as correntes evangélicas, sisudas como são, nunca produziram qualquer coisa importante para a cultura
brasileira, nem mesmo a música gospel pode ser considerada como contribuição à cultura, uma vez que fica limitada ao universo dos evangélicos, não se
incluindo no campo geral das artes brasileiras.
“As religiões evangélicas são muito distantes do catolicismo e das religiões afro-brasileiras, no caso do Brasil, como fontes de abastecimento da cultura
não religiosa” (Prandi,2007). Segundo o autor, o que falta às religiões de origem africana é o prestígio social, conferido por artistas e formadores de
opinião.
Ainda que a igreja católica continue tentando possuir influência ativa e sacralizar a cultura, hoje cada indivíduo é livre para seguir a religião com a
qual mais se identifique ou mesmo não seguir nenhuma. A igreja, ainda hoje tenta influenciar as leis laicas que regulamentam os costumes de modo contrário
aos seus ditames para que elas se enquadrem em seu modelo; além disso, a igreja recusa diversas mudanças que modificaram radicalmente nossa cultura, tais
como casamento entre pessoas do mesmo sexo, células tronco, aborto, dentre outros. Como resultado, o catolicismo fica cada vez mais ultrapassado e perde
fieis.
No seu início, o pentecostalismo seguiu os passos da igreja católica no sentido de ser moralista e tentar controlar os costumes, porém essa característica
foi mudando com o passar do tempo, juntamente com o surgimento de outras igrejas evangélicas.
A cultura está em constante modificação e a religião que não se adéqua a essas mudanças fica para trás, na medida em que perde fieis para outras religiões
mais atualizadas e menos retrógradas. O sucesso de uma religião depende da capacidade da mesma em mostrar ao indivíduo o que é capaz de fazer por ele,
fazendo-o enxergar que não precisa ser um santo para segui-la.
4. A Construção da Relação
Diversos autores defendem a tese de que a relação entre Estado e Religião foi construída há muitos séculos, pois a religião nunca esteve separada das
relações de poder ou de atividades terrenas, como afirma o autor Nelson Saldanha em Ética e História. As civilizações mais antigas já utilizavam a
religião para controlar o povo, como por exemplo, o Egito, no qual o governante era visto como o próprio Deus, o que fazia com que os indivíduos se
submetessem a ele mais facilmente.
Não há no Brasil separação entre Religião, Estado e Política; pois esta é uma relação que foi ganhando força ao longo da história do nosso país; basta nos
lembrarmos das campanhas presidenciais, nas quais quando são colocados em pauta temas como aborto e eutanásia, os principais indivíduos a se manifestarem
são os líderes religiosos, entretanto esse fato é fácil de ser compreendido se levarmos em conta que em assuntos delicados como o aborto as pessoas se
voltem para suas religiões buscando base para seus argumentos. A separação entre política e religião é uma ideologia que a meu ver está longe de se tornar
concreta.
A relação intrínseca entre Religião e Estado muitas vezes leva a discussões sem fim, pois em sociedade lidamos com pessoas das mais diferentes religiões.
Claro que pessoas com o mínimo de moral e ética condenam atos como assassinato, estupro e pedofilia, entre outros, mas é preciso ter em mente que nem todos
os acordos feitos em sociedade estão baseados pelos mesmos princípios, o que seria impossível, pois as pessoas são diferentes e logo possuem princípios
diferentes.
Ainda que os princípios de alguns sejam diferentes com os de outros, existem pontos em que pelo menos a maioria deva concordar para que as decisões sejam
tomadas, afinal vivemos em um país democrático.
Segundo o autor Joanildo A. Burity, no campo internacional as pesquisas sobre política e religião têm levado a três grandes grupos de debate, são eles:
1. Democracia e Republicanismo: os movimentos religiosos são prova da heterogeneidade e da pluralidade das identidades nacionais.
2. Religião e Políticas Públicas: aumento da presença de novos atores religiosos na política.
3. Religião e Globalização: a crescente visibilidade dos atores religiosos no cenário internacional.
Além disso, religião, política e poder sempre andaram de mãos dadas, pois os governantes, desde os primórdios da humanidade, se aproximam das religiões com
o objetivo de dominação da sociedade e líderes religiosos utilizam-se se seu poder carismático para alcançar o controle social. Dessa forma, religião e
política nunca se separaram, pois diversas vezes uma contribui com os objetivos da outra e diversas vezes as duas buscam a mesma coisa: a condução das
massas.
5. O Laicismo do Estado Brasileiro
O laicismo surge, como corrente filosófica, em meados do séc. XX, após um momento histórico marcado pela relação intrínseca entre Estado e igreja na
política dos países. Tem como base a liberdade de consciência do indivíduo e a democratização do Estado. Os países podem ser laicos e não laicos, a maioria
dos Estados laicos encontram-se no ocidente e os teocráticos estão situados, em grande parte, no oriente médio. Foi um avanço na garantia de liberdade de
pensamento, sob a ótica do Positivismo, esta é a doutrina de Augusto Comte (1798-1857) e possui como pontos fundamentais:
1. Filosofia: existem leis naturais que fazem o mundo funcionar e lhe são inerentes e o funcionamento do mundo não se dá devido à intervenção de seres
sobrenaturais (Deus), energias, espíritos ou forças não naturais,
2. Religião: A humanidade (conjunto de seres humanos) é o ser supremo superior a cada um de nós,
3. Moral: a bondade sob todas as suas formas é preferível ao egoísmo sob qualquer das suas expressões,
4. Política: o Governo não deve atuar sobre os pensamentos, deve limitar-se a atuar sobre as coisas, preocupando-se com administração da sociedade, sem
interferir nas convicções pessoais. O Estado não deve, portanto, impor nenhuma religião, deve ser neutro em relação ao tema religião.
Estado laico é aquele indiferente à religiosidade da sociedade, ou seja, o distanciamento do ordenamento jurídico dos dogmas religiosos. Tal distanciamento
implica em dois pontos: o Estado não interfere em assuntos religiosos e a religião não interfere nas leis. Sobre o tema liberdade religiosa em seu artigo
intitulado Liberdade Religiosa, os autores Maíra de Lima Mandeli e Sérgio Tibiriçá Amaral afirmam o seguinte:
A liberdade religiosa é um direito fundamental, assegurado pelas Constituições dos diversos Estados democráticos e, também, por importantes declarações e
tratados internacionais de direitos humanos. Seria uma nova acepção de que a natureza do Estado repousa em uma “aliança” diferente chamada de Constituição.
Esse direito limita a atuação do Estado, em relação ao cidadão, no qual o Estado deve ser preocupar em garantir a todos os indivíduos o livre exercício de
qualquer religião.
Como ensina Soriano é válido que o país se preocupe em dar condições para que as pessoas possam expressar sua liberdade de culto e de crença, sem maiores
problemas (Mandeli e Amaral).
O laicismo estatal é de extrema importância, principalmente no cenário brasileiro, com toda a sua diversidade cultural e religiosa e tal diversificação
somente pode existir de forma um pouco mais organizada se o Estado for laico e garantir o direito de culto e também o de não cultuar nada, caso o indivíduo
se sinta mais a vontade dessa forma.
Existe atualmente uma grande discussão sobre a retirada de símbolos religiosos das repartições públicas. Segundo o estudioso William Douglas, as pessoas
que defendem tal medida estão equivocadas, pois o Estado é laico, mas isso não significa que os símbolos religiosos devam ser eliminados, mas sim
tolerados. A expressão “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição da República também vem sendo alvo de críticas. É fato que
o cristianismo é a religião mais popular da Terra, mas isso não significa que a mesma seja universalmente aceita e no Brasil há uma diversidade religiosa
fabulosa, pois as pessoas são diferentes, suas culturas e também suas religiões. Ainda que o cristianismo seja a religião da maioria, os não-cristãos
também são cidadãos brasileiros e como as repartições públicas são um bem pertencente ao domínio público, ou seja, aos cidadãos como um todo, vemos grave
desrespeito ao princípio da Isonomia (igualdade de direitos), pois os símbolos das outras religiões são tão importantes quanto a cruz cristã.
Entretanto surge uma dúvida: se os símbolos religiosos como diz William Douglas, devem ser tolerados e não eliminados, discordo e penso que se é dessa
forma, então deveria ter lugar para os símbolos das outras religiões também, pois o estado laico não pode priorizar uma religião em detrimento das demais,
ainda que tal religião seja a da maioria dos cidadãos. Dessa forma também deveria ser permitida a presença, ao lado da cruz, imagens de Buda, Krishna, dos
Orixás, dentre muitos outros. Como resultado, nossas repartições públicas ficariam mais enfeitadas que árvores de natal. A meu ver, a única maneira do
Estado brasileiro não evidenciar uma religião em detrimento das outras é possuindo as paredes das repartições livres de símbolos religiosos.
Segundo a autora Aneli Schwarz:
A questão vai para além do fato de se lutar por um Estado laico. Além disso, o Estado precisa ser democrático, dentro da definição de Ivone Gebara, de que
democracia não é o voto da maioria, mas a possibilidade de todas as pessoas, de uma ou de outra forma, serem incluídas. (Schwarz, 2006, s. p.).
Defendo a tese de que além dos símbolos religiosos, a intolerância também deva ser eliminada, pois Estado laico não significa Estado anti-religião, mas sim
respeito total a igualitário para com todas as religiões, ou o Estado garante o lugar de todos ou não dá lugar para ninguém. Somente pelo fato da presença
religiosa no Brasil ser tão forte, a ponto dos símbolos nas repartições públicas ser uma situação consolidada há séculos, não significa que tal situação
esteja certa somente por estar cristalizada. O trafico de drogas também é uma situação cristalizada no Brasil e nem por isso as pessoas a tomam como
correta.
Segundo o Frade Demetrius dos Santos Silva, os símbolos religiosos devem ser retirados das repartições públicas, pois:
Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A cruz deve ser retirada! Aliás, nunca gostei de ver cruz em tribunais, onde os
pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas. Não quero mais ver a cruz nas Câmeras legislativas, onde
a corrupção é a moeda mais forte. Não quero ver, também, a cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados.
Muito menos, a Cruz em pronto-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento. E preciso retirar a Cruz das repartições públicas,
porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças; das misérias e sofrimentos dos pequenos; dos pobres e dos favorecidos.
(Demetrius, 2011, s. p.).
Entretanto, devemos considerar que a questão não é somente eliminar os símbolos religiosos, pois o Brasil é um país que foi construído de acordo com os
ditames da igreja Católica, então nada mais normal que a presença de símbolos religiosos, o que não significa que as pessoas devam seguir a religião que
tal símbolo representa, pois cada um é livre para seguir a religião que mais lhe convém. Entretanto essa ideia deve ser mudada com o tempo, pois o estado
laico não deve possuir representações de nenhuma religião nos setores públicos.
A presença dos símbolos religiosos é um costume que está muito cristalizado, pois foi construído há muitos séculos, e desfazer isso causaria grandes
mudanças na cultura do Brasil, mas é um sacrifício que deve ser feito para chegarmos ao Estado laico de fato. É conhecido por todos que o Estado e a Igreja
sempre andaram de mãos dadas e muitas vezes se confundiram ao longo da história, não só do Brasil, mas de muitas outras civilizações. No caso específico
brasileiro não poderia ser diferente, Estado que em seus primórdios foi chamado de Terra de Santa Cruz e cujo seu primeiro evento foi uma missa.
O que acontece atualmente no Brasil é o fato de que certas religiões possuem tratamento preferencial e diferenciado das demais, ainda que não tenhamos uma
religião oficial. É preciso ressaltar que não é uma lei que vai fazer a cultura fundamentalista mudar, pois é uma questão que vai além do Estado é preciso
que os valores laicos se tornem hegemônicos a partir de uma mudança cultural do povo, pode ser demorado, mas é o único caminho para o Estado laico.
Entretanto devemos tomar cuidado para não cair no exagero, pois temos nos dias de hoje o surgimento de uma nova modalidade religiosa, são os antiteístas e
alguns de seus adeptos fazem questão de serem desrespeitosos e arrogantes para com as outras religiões e seu principal profeta é Richard Dawkins, autor do
livro “Deus, um Delírio” e como qualquer profeta, é um prosélito em favor do ateísmo.
Estado ateu é aquele que prega a perseguição e negação da religião pelos órgãos oficiais, os cidadãos são proibidos de expressar sua fé de forma pública e
Deus é considerado uma mera invenção da mente humana e por isso deva ser eliminado da sociedade, as pessoas são então obrigadas a serem mais racionais.
De forma contrária, o Estado confessional é aquele no qual existe uma religião oficial que deve ser obrigatoriamente seguida por todos os indivíduos não
sendo permitida qualquer manifestação religiosa que vá de encontro àquela estabelecida pelo governo.
O Estado laico é o meio termo entre as duas tipologias estatais anteriormente apresentadas. Resumidamente, podemos dizer que Estado laico não é
anti-religioso, mas sim um Estado no qual o cidadão possa escolher livremente sua religião, pois existe o princípio da liberdade religiosa e ninguém pode
ser discriminado por sua opção religiosa: Art. 5°, VI, da CF: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias”. Dessa forma, o Estado laico garante o equilíbrio do
exercício da fé, não perseguindo nem proibindo manifestações religiosas, bem como não estabelecendo uma única religião como oficial e obrigatória.
O procurador Fernando Capez, em seu texto O Estado laico e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas, afirma que Estado laico não
é Estado sem fé. Entretanto, devemos discordar dele nesse ponto, uma vez que o Estado é sim sem fé de forma que a condição de ter fé pertence aos humanos e
não faz o menor sentido dizer que o Estado possua fé, pois ele não é sujeito da liberdade religiosa. Assim como afirmou o autor Daniel Sottomaior: “A
liberdade religiosa só pode ser exercida por indivíduos e suas associações na sociedade civil, não por Estados.”
Pertence às pessoas a capacidade de ter ou não fé, o que o Estado pode fazer é promover ou coibir certa fé, nada mais que isso. Não obstante, devemos
destacar que quando falamos de Estados laicos nem mesmo a promoção ou a restrição da fé pode ser realizada, uma vez que os estados laicos devem ser neutros
em relação à fé de seus cidadãos. A fé, ou a falta dela é uma questão íntima de cada indivíduo e não cabe ao Estado laico interferir.
Ainda que garantida por nossa Carta Magna, a liberdade religiosa é muito mais complexa do que parece, se observarmos atentamente o campo religioso
brasileiro, veremos que algumas religiões como as mediúnicas (Kardecistas, Espíritas e Afro-americanas) encontram, mesmo hoje, dificuldades de serem
expressas publicamente e seus adeptos muitas vezes são vítimas de discriminação e perseguição tanto pelas pessoas “comuns” quanto por policiais.
6. A Religião na Política Brasileira
De acordo com o Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ): “O Cristianismo fundamentalista que vigora no Congresso e sua ameaça ao estado laico e democrático de
direito nos apavora”. Em sua visão, muitos dos representantes do povo brasileiro que estão no Congresso não estão interessados em defender os interesses
dos cidadãos, mas sim em defender os seus próprios interesses religiosos, muitas vezes privando de direito as pessoas que não possuem credo religioso
equiparado aos seus.
É preciso ter em mente que quando questões como a união estável de pessoas do mesmo sexo são colocadas em pauta, as decisões devem ser distanciadas da
religião, por dois pontos bastante razoáveis: Primeiro pelo fato de que a função dos políticos não é doutrinar as pessoas segundo suas religiões e segundo
porque cada um tem sua religião e se levarmos as discussões para esse caminho, nunca chegaremos a um consenso. Além disso, não existe uma única religião no
Brasil e mesmo que existisse, as religiões possuem inúmeras divergências internas (basta observarmos o grande número de igrejas evangélicas existentes hoje
em dia), existe ainda a questão dos tabus, pois tradicionalmente quando um tema delicado surge, os fundamentalistas religiosos simplesmente o proíbem e
punem praticas contrárias ao que foi imposto.
Infelizmente no Brasil as decisões políticas claramente têm caráter religioso, como defende o autor Maurício Rands:
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu cassar a liminar que autorizava a interrupção da gravidez cujo feto era anencéfalo, e os fundamentos
decisórios não foram técnicos, como apregoado, mas de natureza moral e religiosa, o que viola o direito à autodeterminação e à liberdade individual de a
mulher dispor do seu próprio corpo, ao obrigá-la a suportar o sofrimento psicológico e físico de gerar um bebê morto. Se a fundamentação contra a mulher
abortar um feto anencéfalo fosse legítima, a doação de órgão de pessoa em estado de morte cerebral não deveria ser possível. No entanto, o STF vem
admitindo tal prática. É, assim, incongruente dizer que há vida no feto sem cérebro e que não há nos doadores com diagnóstico de morte cerebral. Existe,
portanto, uma opção por valores. No contexto da luta por uma cultura laica e democrática que respeite as liberdades individuais e valorize a diversidade, o
conflito é importante. A disputa entre perspectivas de valores e de interesses é o grande motor da história, não há futuro para a humanidade com a
imposição de doutrinas fundamentalistas. (Rands, 2006, s. p.).
Sobre este tema de fetos anencéfalos, o STF julgou recentemente, tomando como decisão a descriminalização do aborto desse tipo de feto. Isso começou a ser
decidido na última quarta-feira, dia 11/04/12, mas a decisão final foi adiada para o dia seguinte, mas o assunto já vinha sendo discutido há muito tempo.
Sobre a decisão originada pelos dois dias de debate, existem alguns pontos que merecem destaque: na quarta-feira, as discussões terminaram com cinco votos
a favor e um contra a descriminalização de casos de anencefalia e, durante a primeira parte do julgamento, religiosos faziam vigília na Praça do Três
Poderes; é impressionante como grupos diferentes se unem quando têm os mesmos interesses. É importante frisarmos que o STF não estava discutindo religião e
sim política e saúde pública, de forma que sua decisão final foi totalmente coerente.
A decisão de descriminalizar o aborto de anencéfalos foi baseada no fato de que em casos de anencefalia o feto é natimorto e por essa razão não poderia ser
considerado aborto e como consequência não se encaixa no Código Penal. Com essa decisão, as mulheres cujos fetos são anencéfalos já não mais precisam
recorrer à justiça para a antecipação do parto. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é um dos países com maior número de nascimentos de fetos
anencéfalos, cerca de um a cada 700 nascidos, ou seja, é um problema de saúde pública brasileira.
Somente dois casos de aborto legal são previstos pelo Código Penal de 1940, a saber: em casos de risco de saúde da mãe e gravidez resultante de estupro.
Para que tal lei fosse mudada, seria preciso aprovação do Congresso Nacional. Entretanto, por 8 votos a 2, o STF decidiu que nos casos de anencefalia, o
feto não tem vida e portanto a antecipação do parto não é aborto. Nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a
vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível”.
Segundo a revista Clipping da edição do Dia 12 de Abril de 2012, no dia em que o STF começou a decidir sobre a interrupção da gravidez em casos de
anencefalia, um bebê morreu devido ao problema na Clínica e Maternidade Feminina, em Cuiabá. A revista afirma que de acordo com a avó do recém-nascido,
Dalete Soares de Souza, o bebê permaneceu vivo por pouco mais de um minuto apenas e a mãe da criança, Branda Evely Soares de Souza, tinha recorrido à
justiça para retirar o feto após saber da má formação, mas o pedido foi negado, o que fez com que ela recorresse e estava aguardando resposta, mas o bebê
nasceu prematuro e a mãe teve sérias complicações na cesariana e ficou internada (Correio Braziliense/DF – Brasil, 12 de Abril de 2012 JUDICIÁRIO | Supremo Tribunal Federal). A mãe da criança não precisaria ter passado por tudo
isso se lhe tivesse sido permitido retirar a criança.
A decisão do STF é um grande avanço, de modo que valoriza mais a mulher e seu poder de decidir sobre o próprio corpo, não mais a obrigando a gerar um feto
sem vida, acabando assim com a tortura psicológica que muitas eram obrigadas a suportar. Segundo o ministro Aurélio Mello: “não cabe impor às mulheres o
sentimento de mera incubadora, ou melhor, caixões ambulantes”. e “O anencéfalo é um natimorto cerebral. Jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se
cuida de vida em potencial, mas da morte segura.” Ele defendeu a tese de que não há cura, nem mesmo chance de vida para fetos com anencefalia e uma
gravidez desse tipo representa alto risco para a mulher.
A revista Marie Claire Brasil publicou uma matéria com o intuito de orientar as mulheres que já possuem diagnósticos confirmados de anencefalia.
De acordo co a matéria, existem 65 centros especializados em todo o Brasil para a realização do procedimento. Nas palavras da revista:
O julgamento do Supremo devolveu o poder de decisão a quem nunca deveria tê-lo perdido: a mulher . Caso queira seguir com a gestação até o final, essa mãe poderá fazê-lo. Caso queira abortar assim que descubra que seu filho não tem cérebro, ela terá
essa opção. Em casos como esses não há heroísmo ou covardia. Há simplesmente dor. E só quem pode falar sobre dor é quem a sente. ( Marie Claire Brasil, 13/04/2012).
Os indivíduos possuem visões muito variadas sobre diversos temas e os valores e princípios quase sempre em conflito, por não serem iguais; dessa forma, o
Estado laico e democrático deve garantir convivência mais harmoniosa possível entre pessoas de crenças divergentes e conflitantes.
O surgimento de novos políticos vindos de grupos religiosos e movimentos sociais é favorecido pelo crescimento do descrédito dos representantes por parte
do povo brasileiro, pois os cidadãos estão fartos da visão negativa dos políticos e desejam mudanças. Além disso, muitas vezes os grupos religiosos
especialmente os evangélicos possuem um carisma natural, que aliado ao intenso uso da mídia aponta para o sucesso eleitoral desses grupos.
O aparecimento de católicos que utilizam a religião como principal recurso eleitoral foi, dentre outros aspectos, uma reação ao crescente número de
políticos evangélicos e seu fortalecimento eleitoral.
6.1 PEC 99/2011: Agressão à laicidade do Estado brasileiro
O deputado federal João Campos (PSDB – GO) apresentou em outubro de 2011 uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) à Câmara dos Deputados, com o objetivo
de acrescentar associações religiosas capazes de propor ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade no STF, o que significa que poderão interferir
diretamente no poder legislativo. Isso é um absurdo tremendo, pois mais uma vez a religião busca interferir em assuntos que não lhe dizem respeito.
Para entendermos melhor, reproduzimos aqui a Art. 103 da Constituição Federal:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
A proposta é acrescentar o seguinte inciso: X- As associações religiosas de âmbito nacional. Essa PEC é uma ameaça ao Estado laico e à democracia
brasileira, de modo que somente as associações religiosas de âmbito nacional seriam incluídas no inciso X proposto. Ações de constitucionalidade e
inconstitucionalidade não são competências de associações religiosas, nem mesmo das de âmbito nacional. Podemos entender que as religiões fundamentalistas
estão tentando transformar o Brasil em um Estado teocrático, suprimindo os direitos das minorias. A aprovação dessa PEC é perigosa, pois caso aprovada, não
é exagero prever que com o tempo, aqueles contrários ás religiões de âmbito nacional sejam perseguidos por seu ponto de vista, acabando de vez com o
laicismo no Brasil e voltando à Idade Média.
Participação dos Partidos Na Assinatura da PEC 99/11
Outro ponto que merece ser relatado é o fato de que as bancadas teocráticas (PSC, PRB, PR) participaram ativamente da assinatura desse documento infame,
como mostra o gráfico a seguir:
Fonte: http://www.eleicoeshoje.com.br/estado-laico-pec-99-11/#axzz1sEsP0IaI
A proposta de tal PEC já demonstra seu caráter preconceituoso, pois a mesma surgiu após a bancada evangélica da Câmara dos Deputados ter tentado (sem
sucesso) reverter a decisão do STF a favor do casamento homo-afetivo. O resultado da aprovação dessa PEC seria que as associações religiosas tentariam
barrar todos os projetos contrários ao seu ponto de vista.
7. Conclusão
A partir do que foi discutido no presente artigo, podemos afirmar que a religião influencia fortemente a vida das pessoas e entendo que a mesma é muito
útil no controle social, de modo que dita regras morais e sociais. Entretanto, é preciso impor limites em sua influência na política. A garantia de
liberdade religiosa foi um ponto de extrema importância para a vida na sociedade democrática.
É vital discutir e nos posicionarmos na questão do laicismo do Estado brasileiro. Além disso, é fundamental o esclarecimento de conceitos como ateísmo e
laicismo, para que os mesmos não sejam confundidos por indivíduos não esclarecidos no assunto. Devemos considerar todas as indagações doutrinárias sobre a
problemática exposta, pois ambos os lados possuem argumentos bem elaborados e embasados.
A questão de laicismo estatal não é simples (uma vez que deve considerar todas as particularidades culturais de um povo), pois se assim fosse, não seria
preciso debater o assunto, muito ainda deve ser discutido sobre o tema até chegarmos a uma decisão clara. O povo brasileiro possui uma miscigenação
fantástica que remonta às mais diversas nações do planeta, razão essa de possuirmos uma cultura tão rica e diversificada e, claro não poderia ser diferente
com a religião, ou melhor, religiões brasileiras. Essa é a razão e importância da adoção e fortificação do laicismo no Brasil, pois é a opção mais justa e
que melhor compreende o povo brasileiro.
Podemos dizer que existe uma crise em nosso Estado laico, pois o mesmo está ameaçado por bancadas religiosas, que deixam de lado princípios fundamentais do
Estado para decidirem segundo suas crenças. Essa teocracia no âmbito da política tenta impedir vários avanços relevantes na esfera social brasileira. Tendo
em vista que nosso Estado é democrático, caso a justiça brasileira deseje ser um local que acolha todas as pessoas e as considere iguais perante a lei, é
preciso que as repartições públicas estejam desprovidas de simbologia que represente qualquer religião, ainda que esta seja a religião majoritária.
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* Daiane do Carmo Reis, Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Metodista Granbery – FMG. E-mail: daianeavalon@hotmail.com